SENSIBILIDADE E VALOR
NA CRIAÇÃO DO LÉXICO AMERICANO

Luiz Antônio Lindo (USP)

 

Desde os primeiros estabelecimentos europeus na América, os homens que para cá vieram foram levados a tomar, com base em dois valores inerentes a todo viver humano, importantes empréstimos, de vocabulário ou semânticos, às línguas indígenas. Sob a égide do belo e do útil, eles incorporaram ao léxico patrimonial de suas respectivas línguas inúmeros americanismos, através dos quais deram forma às comparações e correspondências que era possível fazer entre uma parte substancial da sua sensibilidade e a realidade que se lhes deparava.

Se pretendemos falar de empatia ou simpatia sob uma perspectiva filológica, é a este belo e a este útil que devemos recorrer como verdadeiras causas do aparecimento ou ao menos consolidação de certas expressões características da vida americana. Pois neles se encerra uma relação que a noção de empatia explicita, revelando-a como o prazer que sente um observador diante da imagem de um objeto que responde ao seu desejo. O comprazer-se na imagem do objeto desejado tem ao mesmo tempo um sentido de belo e de útil, o belo associado à contemplação que suscita e o útil ao prazer que proporciona. Dentro do seu âmbito específico, a natureza e muitas das coisas e tipicidades americanas se apresentam amiúde aos que as observam e desfrutam como bens estéticos e proveitosos capazes por isso de suscitar a simpatia, através da qual se explicam alguns aspectos relevantes da lexicalização nativa.

Palavras exuberantes e precisas, os primeiros americanismos léxicos entraram nas línguas ibéricas quando a imaginação européia entrou em contato com as coisas americanas. “Canoa”, um dos primeiros, já se lê no diário da primeira viagem de Colombo e logo em Nebrija (1493-95). Palavra privilegiada, com algo da mesma energia que move as massas hídricas desafiadoras, resistiu até hoje, indene a toda astúcia e a toda conjuntura porventura urdida para derrotá-la. Por isso, ei-la sempre presente, ilustrando por si mesma, e pronta a evocar sonhos de aventura narrados em romances tropicais, adultos e infantis, em roteiros de viagens, em compêndios técnicos e esportivos, onde se conserva viva tal qual deve ter sido interpretada pelos ouvidos europeus que pela primeira vez tomaram conhecimento da sua existência, talvez em presença de taínos a remarem por águas caribenhas na curiosa embarcação que o navegador Colombo assim descreveu: “Son navetas de um madero adonde no llevan vela. Estas son las Canoas.” (Primer Viage de Colon, apud JAL, 1848). E que o soldado-cronista Bernal Díaz de Castillo capturou em mais pormenores:

Vimos venir diez canoas muy grandes, que se dicen piraguas, llenas de indios naturales de aquella poblazón, y venían a remo y vela. Son canoas hechas a manera de artesas, y son grandes y de maderos gruesos y cavados de arte que están huecos, y todas son de un madero y hay muchas dellas a que caben [en pie] cuarenta [y cinquenta] indios. (apud ALVAR, 1990: 66-67)

Cenas como essas narradas pelos primeiros observadores da vida americana dão conta de como o recém-chegado à América, em busca de soluções para as suas dificuldades, trata de conferir eficácia a sua língua[1]. Cria assim novas maneiras de se expressar, adapta o material existente ou toma empréstimos das línguas indígenas. Pode-se dizer que os atos inovadores de linguagem que têm origem nesse período buscam algo do prazer que proporciona o usufruto dos recursos próprios à sobrevivência, como o ar, a água e as provisões de boca, com a ressalva de que o desejo por estes não se prolongue numa agonia mórbida por impossibilidade de ser pronta e imediatamente saciado. Por um impulso que funde a necessidade à fantasia, uma série de itens apreciados por sua utilidade, destreza ou afetividade, passam a ser registrados com nomes tirados às línguas indígenas, até formarem um grande acervo, dentro do qual são incluídos os nomes de objetos aparentemente dissociados como o são muitos dos seres da flora e da fauna, de acidentes geográficos, de etnias etc. Esse vasto acervo de americanismos deve boa parte de sua profusão à sua função de indicarem itens percebidos como sendo dotados do valor que suscita a simpatia, no sentido de uma atração e gozo de consenso que une o observador e a imagem do objeto que responde ao seu desejo.

Quanto aos bens materiais que não podem entrar nessas classes, por ocuparem o seu lugar em outra como mercadoria, onde atendem ao objetivo previsto na exploração estritamente mercantil, estão por isso referidos ao desejo sob uma outra condição, desta vez marcada pela sede de lucro, daí merecerem o nome de valores de troca, enquanto as outras classes que lhe são antagônicas se referem a valores de uso ou valores estéticos. A evidência manda unir o útil natural ao belo, sob a égide da simpatia, ao passo que o útil estritamente mercantil só está unido ao belo se a beleza for determinante em lhe atribuir a função de mercadoria, o que afinal põe a nu a verdadeira finalidade pretendida neste caso, implicando uma dissolução do belo. Desta vez, ao invés dos afetos que buscam satisfação pela acomodação vis-à-vis do objeto, entra em ação o desejo de se apossar provisoriamente do objeto, não por necessidade vital, como deixa claro a interposição do advérbio, ou por prazer, tal como está justificado no valor de utilidade, nem por anseio contemplativo, como no gozo da beleza, mas por avidez pecuniária, que tem no objeto como valor de troca um meio para a obtenção do meio de troca definitivo que é o dinheiro. Esses dois modos de investir no usufruto das coisas descobertas e produzidas na América, como não podia deixar de ser, se perpetuaram traduzidos nos idiomas transplantados, de modo a se poderem separar em dois grupos distintos os vocábulos que servem para indicá-los. Como essa classificação não tem caráter necessário, tendo surgido no evolver característico dos fenômenos empíricos, os quais não comportam demonstrabilidade senão extrínseca, o meio de justificá-la é apresentar as evidências factuais na forma de enumeração ou normatização classificatória. Para tanto, vale recorrer aos testemunhos deixados nas obras dos cronistas dos primeiros tempos, onde a história desse fenômeno está amplamente testificada. Atentando apenas para as descrições da cena brasileira, feitas em português, nota-se como os empréstimos vocabulares indígenas se encaixam na perspectiva estético-utilitária, ao passo que os empréstimos semânticos ao léxico patrimonial (estamos olhando do ponto de vista da língua adventícia, em virtude do momento em que se dão as modificações lingüísticas tratadas) servem para designar a atividade precipuamente mercantil. Vejamos alguns exemplos:

Gabriel Soares de Sousa intercala no seu glorioso Tratado Descritivo do Brasil vários subtítulos concernentes à flora e à fauna brasileiras, dentro dos quais se encontram as descrições mais lúcidas e harmoniosas que se poderiam almejar acerca das “coisas” naturais no seu estado intacto[2]. Em parte para atender a um dos objetivos do livro que é o de informar sobre uma parte do mundo até então desconhecida dos europeus, o que faz por meio da circunscrição dos itens individuais; e em parte para atender a um outro objetivo que é o de distinguir as características genéricas de cada item, o que faz por meio da identificação da espécie a que pertence cada um deles, Soares de Sousa ocupa a posição de observador e de avaliador dos fenômenos. Isso implica introduzir-se a si mesmo (não necessariamente às claras) como o admirador da paisagem, o provador da guloseima, o sancionador dos costumes que lhe pareçam sãos. Ser Gabriel Soares de Sousa no Tratado é ser um apreciador e um juiz, é conferir valores aos objetos incorporados nas descrições e nas definições que estão entre as finalidades do seu relato. Nesse sentido, ele demonstra ter consciência de que está contribuindo para a enciclopédia universal com uma série de inclusões sapientes e espirituosas[3] sobre as novas variedades de seres e de situações humanas que vai encontrando na sua expedição ptolemaica[4]:

Pois queremos manifestar as grandezas da Bahia de Todos os Santos, a fertilidade da terra, e abastança dos mantimentos, frutos e caça dela, convém que se saiba se tem o mar tão abundoso de pescado e marisco como tem a terra do muito que nela se cria, como já fica dito; e porque havemos de satisfazer a esta obrigação, gastando um pedaço em relatar a diversidade de peixes que este mar e os rios que nele entram criam comecemos logo no capítulo seguinte. (SOUSA, 1971: 275);

A Bahia de Todos os Santos está arrumada em treze graus e um terço, como fica dito atrás; onde os dias em todo o ano são quase iguais com as noites e a diferença que têm os dias de verão aos do inverno é uma hora até hora e meia... E há-se de notar que nesta comarca da Bahia, em rompendo a luz da manhã, nasce com ela juntamente o sol, assim no inverno como no verão. E em se recolhendo o sol à tarde, escurece juntamente o dia e cerra-se a noite; a que matemáticos dêem razões suficientes que satisfaçam a quem quiser saber este segredo, porque os mareantes e filósofos que a esta terra foram, nem outros homens de bom juízo não têm atinado até agora com a causa porque isso assim seja. (Ibidem, p. 132-133).

Esses pequenos trechos expõem o que predomina por todo o livro: uma mescla de consciência erudita, desenvoltura aventuresca e contemplação perante uma realidade ubérrima, intrigante e majestosa. Os itens são coligidos, examinados nas suas possibilidades materiais, desfrutados e imediatamente devolvidos ao desfrute do leitor, para que este possa igualmente fazer a sua avaliação particular. Soares de Sousa não tem tempo ou condições para criticar e buscar as justificativas para negar o que uma eventual ação humana ruinosa possa ter causado aos bens materiais e espirituais da terra onde pisa. Ele vai antes ao encontro dos valores que as coisas e as ações encerram em si mesmas, apoiado no fato de as estar conhecendo nas suas primícias, em estado quase virginal, portanto, aos seus olhos, plenas de energia cósmica e prontas a oferecer vantagens. Elas são também para ele, por outro lado, as suscitadoras de sentimentos e emoções que se inscrevem na sua experiência como achados e retratos em tintas fortes da vida, o que o obriga a tratá-las com a devida gentileza e cautela, em concórdia com o que se nota nos demais cronistas, inclusive nos seus afortunados pares redigindo na língua irmã. Tomemos o que ele nos deixou sobre os valores que por força teórica destacamos nesta pequena exposição como os que revelam a atitude simpática sob a qual estão reunidos o útil e o belo. Acerca da mandioca, por exemplo, Gabriel Soares de Sousa compôs um pequeno compêndio, iniciando com ela o seu estudo sobre os mantimentos naturais da terra, por considerá-la o principal deles “e de mais substância” (SOUSA, 1971: 172). Um produto desta grandeza mereceu uma dissertação que principia por uma definição: “Mandioca é uma raiz da feição dos inhames e batatas, e tem a grandura conforme a bondade da terra, e a criação que tem.” (Ibidem, p. 172.) A seguir, enumera as variedades de mandioca, as suas propriedades, a sua utilidade ou os perigos incorridos no seu consumo indiscriminado, os cuidados no seu plantio e manejo, em suma, descreve-a sob todos os ângulos. Estende-se sobre ela por 10 capítulos (XXXVII-XLVI), e cita-a ainda passim dezenas de vezes (como token). Para a sua definição, serve-se curiosamente da comparação com duas raízes, inhame e batata, a primeira designada com nome supostamente africano e a segunda, com nome taíno[5]. É interessante notar que tanto um como outro constituem nomes naturalizados na língua, apesar das suas origens, e bastante eficazes para servirem na formação do sentido (ou do definiendum, se se quiser) como elemento determinador (ou definiens[6]). O uso de “batata” (e “inhame”) em lugar de “raiz de tal e tal tipo” (com a introdução eventual do nome científico) dá à busca da compreensão implícita na definição um caráter subjetivo, em que as características essenciais são sobretudo evocadas e dependentes de um consenso por parte do grupo que recebe e interpreta a informação. Isso não só mostra o quanto palavras outrora alienígenas como “batata” e “inhame” já se tinham tornado convencionais, mas também o quanto o processo de significação dos indigenismos se achava imbuído dos meios evocativos de expressão, que outra coisa não são que a manifestação da subjetividade em fatos de língua, com todas as características de um produzir de sentidos demarcado pelo senso das origens, ou seja, instruído pela própria síntese estética inerente à expressão verbal.

Ao lado de mandioca poderíamos elencar um sem-número de vocábulos ameríndios que comparecem com toda a propriedade nO Tratado de Soares de Sousa e em obras como o Tratado da Terra do Brasil e História da Província Santa Cruz, de Pero de Magalhães Gândavo, os Tratados da Terra e Gente do Brasil, de Fernão Cardim, e os similares em espanhol e francês. Muitos desses relatos têm essa característica de oferecerem glossários de americanismos, sendo esta uma das coisas que mais despertam o interesse de quem se debruça sobre eles. Ainda mais porque inúmeros termos com essa origem continuam vivos, na forma de topônimos, nomenclatura faunística e florística, gentílicos etc., enquanto outros continuam a surgir, sobretudo em áreas vizinhas aos atuais falares indígenas.

Ao lado dos americanismos, há uma outra classe de vocábulos que conservam a forma patrimonial, mas semanticamente impregnada da adaptação ao contexto da vida local. Tais são, por exemplo, “fazenda”, “engenho”, “roça”, “mameluco”, “açude”, “mulato” etc. São, essas, palavras que quando juntas a outras (não necessariamente as atrás indicadas) dão o pleno sentido do seu referencial americano, como por exemplo “fazendas de canas”. Elas servem para mostrar que houve uma repartição dos nativismos léxicos entre o que foi fornecido pelas línguas aborígines e o que foi adaptado da língua ibérica, e ainda o que resultou da fusão de elementos de ambas as fontes.

Em terceiro lugar, para o propósito que temos, é importante considerar os termos encontrados nas obras de cronistas que revelam como se deu a apropriação pelo léxico de termos referentes aos chamados valores de troca, ou seja, aqueles valores que se formam independentemente de se referirem a uma utilidade objetiva real, mas que adquirem o seu estatuto de valor na medida em que correspondem a um desejo saciável mediante a conversão de um bem em moeda no mercado econômico. Para ilustrar esse ponto, o livro de Soares de Sousa é suficiente, mas para ver o problema em toda a sua profundidade serve melhor ainda o livro de João Antônio Andreoni (André João Antonil), Cultura e Opulência do Brasil. De 1711, a perseguida obra do jesuíta italiano constitui uma narrativa que combina informações, comentários sobre costumes, preceptiva cristã e orientação administrativa sobre as práticas econômico-sociais mais relevantes no Brasil do período. É interessante notar que a descrição pormenorizada que faz dos processos industriais, agrários e mineradores leva ao emprego de vocábulos quase todos de fundo patrimonial. Por exemplo, no pequeno glossário compilado por A. P. Canabrava, incluído após os seus comentários à obra Cultura e Opulência do Brasil: Introdução e vocabulário por A. P. Canabrava (ANTONIL, 1967), é mencionado um número escasso de palavras indígenas, no máximo alguns nomes de árvores lenhosas, cuja madeira era usada na construção das moendas e apetrechos da atividade açucareira; mas o mesmo glossário dá o seu maior espaço aos termos patrimoniais referentes aos procedimentos técnicos e instrumentos requeridos pela alta complexidade do ofício. No conjunto, como o relato de Andreoni é consistente quanto aos vocábulos que dão conta das atividades fabris e mercantis, pode-se observar como estão enraizados na língua[7]. Alguns desses termos e expressões são os que citamos acima ao falar da adaptação semântica às cores locais: “fazenda”, “canavial”, “engenho”, “senhor de engenho”, “roça”. Embora não sejam ameríndios, estes termos possuem fortes matizamentos americanos, devido à especialização a que estiveram sujeitos. Para nós, alguns deles podem ser colocados ao lado de tantos outros que constituem o vocabulário fundamental das práticas econômicas voltadas para o mercado, as quais parecem se opor às conotações afetivas. Estes termos, praticamente indenes à influência lingüística ameríndia, dão nome aos minerais, aos animais de corte e de tração, aos vegetais como hortaliças e legumes, à boa parte das frutas vendidas em grandes centros urbanos, a certas madeiras comerciais[8], a produtos da pesca marítima em geral, a cereais e grãos da lavoura extensiva, em suma, formam quase todo o vocabulário econômico concernente aos valores de troca.

Ao associar o que é sentido como belo ou útil ao sentimento de simpatia, vemos como os americanismos léxicos podem refletir os diversos aspectos em que o desejo busca a sua expressão. Sabemos que palavras como “canoa” podem consistir em símbolos destinados a unir de uma maneira não reflexa, porque não mediata, o interior da consciência e o exterior da realidade; que esses símbolos são resultantes de uma comparação estabelecida com base numa experiência impregnada de americanidade, e de uma correspondência encontrada entre o interior mental e o exterior real. Símbolos que permitem dar vazão ao sentido interno que se volta para os seres naturais e os bens econômicos em busca da sua força vital e da sua forma particular, e que trazem para dentro da alma o exterior incorporado nesse movimento, até se tornarem instrumentos do sentimento da natureza e do meio peculiar que dizem respeito à vida americana. Mentes agudas ligadas a olhos arrebatados nos mostram o simbolismo que eleva os americanismos a exemplos de simpatia criadora. Por exemplo, Soares de Sousa e Bernal Díaz del Castillo, com as suas mil formas de descobrir denominando, ou Monteiro Lobato, com as suas incisões quase místicas por onde a natureza parece agir, ameaçando romper o envoltório simbólico, como no conto “A vingança da peroba” ou no título “Urupês”.

A filologia, disciplina interpretativa, se dispõe a seguir nos textos nos quais se encerram as circunstâncias e o sentido da lexicalização levada a cabo com os americanismos os caminhos que demarcam os achados dessa linguagem simbólica. A sensibilidade filológica permite perceber que a conservação das palavras indígenas (pois se trata de conservá-las na língua dominante, dando-lhes guarida) em muitos casos implica uma manobra de gosto em que é importante eliminar os resíduos em nome do resultado perseguido visando à sua interpretação, bem como respeitar a atitude consensual que levou à adoção das palavras em convívio harmonioso. Assim, não passa despercebido o fato de que a incorporação constitui um momento estético, tanto quanto um momento prático. A filologia, a esse propósito, se faz coirmã da crítica literária, e lhe oferece, para o perfeito exercício da aestimatio, a certeza de que os textos dos primeiros cronistas, quando se tem em vista a contribuição dos americanismos para a linguagem da Nova România, são os depositários da eloqüência que se toma ao mesmo tempo por arte e sabedoria.


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVAR, M. Americanismos en la historia de Bernal Díaz del Castillo. Madri: Cultura Hispánica, 1990.

Anglería, Pedro Mártir de. Décadas del Nuevo Mundo. México, 1964-65.

Antonil, André João (pseudônimo de João Antônio Andreoni). Cultura e opulência do Brasil: Introdução e vocabulário por A. P. Canabrava. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1967.

Castillo, Bernal Díaz de. Primer viage de Colon. In: JAL, 1848.

JAL, A. Glossaire nautique. Paris: F. Didot, 1848.

Meyer-Lübke, W. Romanisches Etymologisches Wörterbuch, Karl Winter, 1992,

SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Cia. Ed. Nacional: EDUSP, 1971.


 


 

[1] Os vocábulos taínos incorporados nos trinta anos iniciais do estabelecimento nas Grandes Antilhas fixaram-se como nenhuns outros indigenismos, julgados pela quantidade e pela difusão internacional.

[2] Descrições tão luminosas como as suas encontram um paralelo na de Monteiro Lobato a lamentar a violação desse mesmo meio pelas queimadas criminosas a que assistiu consternado. A diferença é que enquanto um celebra a inviolabilidade, o outro condena a iniqüidade, dois discursos que contemplam a limitação humana, sob aspectos opostos.

[3] Não teriam as expedições e fundações coloniais contribuído de alguma maneira para o “enciclopedismo” das Luzes, ao darem a clara sensação de que se tratava de um grande passo na universalização da civilização?

[4] O acréscimo do número de itens a uma coleção constitui um fator de estímulo para sustentar uma descrição do “novo”. Se excluíssemos os elementos descritivos de relatos como o de Soares de Sousa teríamos obra estritamente científica, desde que criteriosamente elaborada. Este é mais um motivo para se insistir na necessidade de proceder a uma avaliação estética da literatura sousiana.

[5] A mesma circularidade no recurso a um elemento externo para circunscrever a espécie de uma coisa se observa na anotação da batata feita por Pedro Mártir de Anglería (1964-65: I, 272): “cuando yo las ví me figuré que eran nabos lombardos o criadillas grandes de la tierra”, citado por Alvar (1960: 61). Infere-se que este procedimento constitui uma etapa da adaptação lexical que pode eventualmente terminar com o empréstimo do indigenismo.

[6] Um caso interessante de solução que supõe escolha até certo ponto arbitrária de um vocábulo em detrimento de outro é o de “milho”, do latim “milium” (Meyer-Lübke, 1992: 5572), adotado no português, em contraste com as principais línguas românicas, que preferiram servir-se do taíno dominicano (La Española) “mahís”. Soares de Sousa observa que o milho é “de Guiné, que em Portugal chamam zaburro” (1971: 182), e os índios, ubatim.

[7] Atendem aos requisitos da perspicuitas, uma vez que dão transparência conceptual ao discurso; da consuetudo, por refletirem o uso empírico da linguagem no meio em que se aplicam, ou seja, as referidas atividades fabris e mercantis; da vetustas, por representarem a norma desde os tempos em que começaram a ser empregados (conhecem-se desde os primeiros cronistas); e da auctoritas, por constarem do vocabulário dos eruditos que os utilizaram e fixaram na língua.

[8] Note-se que o nome do pau-brasil, um produto de alto valor comercial nos primórdios da colonização e que forneceu o nome próprio “Brasil”, deriva de vocábulo germânico.

 

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