O Pós-estruturalismo
em
duas
vertentes
de
interpretação
Maria Antonieta
Jordão de
Oliveira Borba (UERJ)
O
modo
pelo
qual Barthes (1980) revisa
em S/Z o
método estrutural manifesta-se
mais nitidamente
pelo
que
ele
próprio realiza,
em
sua
escrita,
como
leitor de Sarrasine, e
não
por uma
crítica
pontual à
sua
proposta
primeira, no
que dizia
respeito à
divisão do
texto
em
funções
cardinais,
índices,
catálises, visando
chegar ao
objeto
inteligível
pelo
sensível. As
categorias do
quadro dos
primeiros estruturalistas,
grupo ao
qual pertencera,
são
radicalmente descartadas
através da
interpretação
em
fragmentos da
novela de Balzac, apresentando
aí a possibilidade de
movimentar a estruturalidade da
estrutura,
como diria Jacques Derrida (1971),
ou
como propõe
ele
mesmo, Barthes, de
abalar a
estrutura do
texto do
escritor
francês:
Para estarmos
atentos ao
plural de
um
texto, é
preciso
renunciar a
estruturar
esse
texto
em
grandes
blocos (...);
nada de
construção do
texto:
tudo significa
sem
cessar e várias
vezes,
mas
sem se
submeter a
um
grande
conjunto
final, a uma
estrutura
última. (BARTHES: 1970: 17)
Repensar
então essa
atividade metodológica do
estruturalismo implica
não
pretender
esgotar
nem a
totalidade do
objeto,
nem a significação de
um
certo
número de
dados
textuais
em
paradigmas,
cujos
constituintes indicariam a
formação de
campos de
significados
reincidentes.
Agora, a
noção de
plural do
texto instaura uma
divergência
radical
com a
prática de
explorar
aspectos
que convirjam
para a
Cópia
ou – o
que daria no
mesmo –
para o
privilégio da
conotação
sobre a
denotação. Barthes sabia
que a
fórmula da
conotação pensada
por Hjelmslev (1975) remeteria
para o
fechamento dos
sentidos denotativos do
signo, uma
finalidade
inconciliável
com a valorização da
leitura
em
superfície
com a
qual passou a se
comprometer, num
momento
em
que
suas
idéias encontravam-se nitidamente influenciadas
pelo
pensamento de Nietzsche . Daí
propor
novas
concepções
que se afastavam daquelas
análises
em
que a
conotação submete a
denotação à
Lei do
Significado,
ou seja, à
interpretação
que se conduzia
para o
fechamento do
discurso
literário, queria
organizar
sua
estrutura, endossava
enfim os tradicionais
postulados
que
sempre nortearam o
pensamento da
metafísica
ocidental.
A
partir dessas
considerações,
alguns
pontos começam a se
revelar
pertinentes, no
que diz
respeito
tanto ao
distanciamento
quanto à
aproximação,
entre Barthes e Iser. Os
princípios aos
quais se atribui a
inscrição de Barthes no desconstrutivismo remetem,
num
determinado
limite,
para a fenomenologia da
leitura de Iser,
já
que
tanto
um
quanto
outro dissociam-se da
atitude
analítica
que vai ao
encontro de
um
núcleo centralizador
ou de uma anterioridade
presumidamente pertencente ao
texto.
Por
conta disso, entende-se o
fato de as
noções de
interpretação
por
eles conceituadas
não prescreverem recortes,
estratégias metodológicas
ou
modelos configurados e
postos à
disposição do
analista da
obra
literária. Na
leitura
que faz de Sarrasine, as lexias de
Barthes podem
tanto
coincidir
com o
início e
término do
original,
quanto
vir antecipadas
ou
seguidas de
reticências,
por
exemplo. De
acordo
com
sua
proposta, é
possível
deduzir
que cabe ao
intérprete a
tarefa de
seccionar
um
trecho, uma
frase
ou
mesmo
um
sintagma,
enfim,
criar a lexia, comentá-la, resultando dessas
partes
um dos
fragmentos
que compõem o
conjunto da
interpretação.
Semelhante a
esse
trabalho no
pólo da
recepção, o
caminho
para se
chegar à significance/interpretação
dá-se
também
por
etapas, e é descrito
por Wolfgang Iser (1978)
como
resultado do
processo fenomenológico da
leitura. Na
relação
com o
texto, o
leitor promove ideativamente
fragmentos
que, de
certa
forma, constituem
marcações
inerentes ao
próprio
ato de
ler.
Seria, no entanto,
incorreto
dizer
que
esses
fragmentos, correlatos de
sentença, gestalts –
nomenclaturas essas de Iser – correspondem,
em todas as
suas
variáveis, ao
que se observa
em S/Z.
Primeiro
porque os correlatos
vão sendo formulados no
decorrer
mesmo da
leitura.
Não se
trata,
portanto, de uma
atividade de
término de
leitura e
conseqüente
retorno ao
texto,
como supõe a
interpretação de Sarrasine,
realizada
por Barthes. Iser insiste
em
observar
que é no
trânsito
entre
leitor e
obra
que se processam os
mecanismos
perceptivos
por
ele descritos. Nesse
sentido, é
também no
espaço
entre o
pólo
artístico (obra)
e o
pólo
estético (leitor)
que se formulam e reformulam as
configurações ideativas
inerentes à fenomenologia da
leitura.
Em
função dessa especificidade, surge de
imediato
um
outro
motivo
que impede
dispor, num
mesmo
modelo, a
idéia de
fragmentação
em Barthes e
em Iser.
Para o
teórico
alemão, a
formação dos correlatos resulta
não
só do
que o
leitor pontua,
mas do
que o
texto informa. Trata-se de uma
constante do
processo, marcado
por
influências mútuas e intercambiáveis:
por
um
lado, o
que a
obra diz (pólo
artístico);
por
outro, o
que o
leitor (pólo
estético) formula e reformula,
tal
como ocorre no
processo de
diferentes
configurações de gestalts,
em
função do
que percebe
como good continuation.
De
forma
diversa,
em Barthes, a
interferência do
leitor
não se
encontra submetida a essa
troca
entre
pólos.
Sua
proposta
interpretativa remete
mais
para o
ato de
estilhaçar o
original,
independente
até de uma
lógica de
ligação
entre os
diversos
grupos de lexias e
comentários.
Em
suma,
embora os
dois
teóricos tenham se posicionado
contrários a
conteúdos
imanentes, a
prescrições metodológicas, a
apreensões totalizantes de significações –
aspectos
gerais dos
paradigmas
críticos
anteriores
com os
quais estabelecem
rupturas – distinguem-se
entre
si
quanto ao
entendimento de
fragmentação.
Um
outro
aspecto
comparativo refere-se à
diferenciação
em
blocos das
manifestações literárias,
por
conta do
que Barthes e Iser refletiram
sobre a
diversidade das
estruturas ficcionais. A recusa de Barthes
em
recompor a
globalidade de Sarrasine,
por
exemplo, resulta de
concepções distintas
acerca das
obras
em
geral,
fato
este
que o
leva a classificá-las
em
dois
grupos no
conjunto
ordenado
pela
História da
literatura.
Também Iser compõe uma
série de
conceitos
que
só devem
ser pensados
em
relação a
certos
tipos de
ficções.
Obras
que se caracterizam
como
estruturas de
comunicação e
que,
por
isso, distinguem-se das
demais, cujas
organizações
harmônicas
com a referencialidade, conduziriam
menos ao
que Iser entende
por
comunicação
com o
texto ficcional, do
que a uma
atitude de
mera
reconstituição. Vejamos os
modos
pelos
quais
um e
outro tratam dessas classificações dicotômicas.
Para Barthes, a
construção
acabada dos
textos
legíveis requer uma significação
meramente ratificadora do
compromisso
que as
obras desse
grupo mantêm
com o
pensamento
te(le)ológico da
metafísica. À
interpretação, nesse
caso,
só caberia
fechar,
através da
conotação, o
círculo denotativo
pelo
qual se constrói
esse
modo de
fazer
literário, o
que confere ao
texto
analítico a
característica de
simples referendum,
conforme é
falado
em S/Z. Os
legíveis
são
textos
que estimulam o
leitor a
permanecer na intransitividade,
posição de
simples
consumidor do
que a priori
lhe foi
reservado.
Por
outro
lado, os
textos escrevíveis seriam
aqueles cujas
estruturas
plurais estimulariam a
entrada do
leitor
para
participar da
construção ficcional.
Segundo essa
outra
prescrição, o
próprio
modo de
combinar
significantes na
superfície do
eixo sintagmático induziria o
leitor
para o recorte das lexias e
respectivos
comentários, resultando num
tipo
específico de significação,
isto é,
em multifacetadas significações. A
articulação
entre
elas,
caso viesse a
ser
feita, ficaria a
cargo de
um
outro
leitor
diante da
interpretação
já realizada, estilhaçada
mesmo
tal
como
ali permaneceu. Instaura-se
então
aí uma possibilidade de
abertura
para
acréscimos,
tarefa
infinita
que
bem ilustra a sintonia de Barthes
com o
pensamento de Nietzsche.
O
contraponto
passível de
ser estabelecido
aqui
com Iser diz
respeito a
um
marco divisório
que o
teórico da
Escola alemã promove na
seqüência
histórica das
obras literárias. Trata-se de uma
discussão
feita nas
páginas
iniciais do The act of reading,
visando
demonstrar a
inadequação do
gesto da
tradição
interpretativa
que insiste
em se
manter
como
tal
diante de
literaturas cujas
construções estariam exigindo
um
outro
modo de
aproximação. Iser
nos lembra
que haveria duas
formas básicas de
estruturas literárias: aquelas encontradas nas
ficções produzidas
pela
tradição
até o
Romantismo e a
literatura
contemporânea à
arte da modernidade. No
primeiro
capítulo de
seu
livro,
mais especificamente na
parte intitulada “Total
interpretation”, escreve
ele
que
qualquer
metodologia
que queira
descobrir o
significado
secreto
só entraria
em
consonância
com as
obras
que pretendessem
ser o
testemunho do
espírito de uma
época, de
suas
condições
sociais, das
neuroses de
seus
autores e
assim
por
diante. Trata-se de
literaturas
que trouxeram
para
si a
incumbência de se revelarem
como
representações de
sistemas
sociais e de
pensamento,
ou de terem
querido
corresponder às
expectativas dos
acordos consolidados
em
sociedade, assumindo
assim a
função de
guardiães da
semântica das
totalidades. A
obra comprometida
assim
com a
prevalência dos
sistemas de
seus
contextos
históricos,
por ajustar-se ao
que Iser denomina
total interpretation,
encontra
seu
lugar no
mesmo
modelo
que, na
nomenclatura de Barthes, aparece
como
texto
legível,
já
que a
literatura ratificadora de
normas (Iser) tende a
privilegiar a
Lei do
Significado (Barthes).
A
esse
primeiro
conjunto das
produções literárias na classificação de Iser vem
contrapor-se
um
outro: o
corpus constituído
por aquelas construídas
por
estruturas de
caráter artístico-comunicativo.
Para tematizar essa
estrutura
que acarreta
um
efeito e uma
resposta
estética (Cf. ISER, 1978: 20-49),
Iser
cria os
conceitos de
repertório (Cf. ISER, 1978: 53-85)
e de estratégias (Cf. ISER, 1978: 86-103), atribuindo-lhes a
condição de possibilidade
para
que o
texto possa
ser configurado
como
potencialmente
capaz de
provocar a
interação
ou
comunicação
com o
leitor.
Em
resumo, diríamos
que o
repertório condensa
noções
que dizem
respeito à
variedade de
normas,
valores,
alusões
sociais/literárias,
códigos da referencialidade e
que as
estratégias dizem
respeito às
perspectivas
textuais (narrador,
personagem(ns),
enredo), sendo
que essas
perspectivas encontram-se
sempre no
intercâmbio
com o ponto-de-vista
nômade (wandering viewpoint).
Segundo Iser, a
produção
literária
passível de
suscitar
um
efeito/resposta
estética é aquela
que,
por
trabalhar
sua
estrutura
em
repertório e
estratégia, promove a
combinação das
normas e
valores
sociais de
tal
modo
que
elas fiquem, no
universo ficcional, desprovidas das
validades
que possuíam no
contexto
pragmático de
onde foram
retiradas.
Em outras
palavras, a
estrutura
artística anula a
hierarquia
vertical dos
códigos da referencialidade,
quando reorganiza
horizontalmente as
normas.
Por
que, poderíamos
perguntar, “reorganiza
horizontalmente as
normas”?
A resposta implica
comparar a
estrutura de
realidade
com a
estrutura da
ficção. A
primeira, a
estrutura de
realidade, se define
por uma
rede verticalizada de
normas (Teoria dos
sistemas
gerais de Habermas e Luhmann)
que funciona
como
quadro de
referência
para a
ação dos
sujeitos
em
sociedade,
com
normas dispostas hierarquicamente
desde as
mais
dominantes até as
mais negadas.
Diferentemente, na
obra de
ficção, as
normas
são apresentadas umas
contra as outras,
através dos variados
movimentos das
informações
textuais. A
função das
estratégias,
isto é, das
perspectivas do narrador,
personagens,
enredo,
leitor
fictício (Cf. ISER, 1978: 96 e 153),
é
justamente
promover uma
estranha
combinação das
convenções (normas,
valores etc.) do
repertório.
Só
assim se viabilizam as
condições
sob as
quais o
material do
texto torna-se comunicável,
isto é,
passa a se
constituir
como
objeto
estético no
trânsito
com o
leitor.
Caso
contrário, a literatura é
vista
como
didática,
desprovida,
por
isso, das
condições básicas
que permitiriam a
experiência
estética:
A
organização
balanceada das
perspectivas é
principalmente encontrada nas
literaturas
religiosa,
didática e propagandista,
pois a
função
aí
não é
produzir
um
objeto
estético
que rivaliza
com o
sistema de pensamento do
mundo
social,
mas
oferecer uma
recompensa
para
deficiências específicas
em
específicos
sistemas de
pensamento. (ISER: 1978: 101).
Talvez a
melhor
forma de se
tornar
evidente a
importância das
estratégias seja
lembrar
certos
modelos de
escrita
em
que
elas
são
retiradas: os
resumos de
romances, as
paráfrases de
trechos
literários, as
versões comentadas de
conto
ou
romance etc.
Qualquer
um desses
textos (até
mesmo
por se
limitar à
substância do
conteúdo,
eu acrescento) distingue-se radicalmente do
original,
justamente
por
não se
revestir do
movimento de pontos-de-vista das
personagens, do narrador, dos
recursos das
falas, dos
encontros e
desencontros das
informações,
enfim,
textos
em
que se anulam os
mais variados
recursos do
ofício de
construção da
escrita ficcional. É
portanto a
estranha
combinação das
alusões do repertório (pela
atuação das
estratégias)
que impele o
leitor a
descobrir
quais as
convenções reguladoras do
universo ficcional
com o
qual interage.
Quando a
literatura despragmatiza o
familiar,
alimenta a
indeterminação do
discurso, provocando uma
resposta (significance) do
receptor. Iser acrescenta
que é
justamente na despragmatização do
familiar
que reside o
caráter
pragmático (funcional) da
literatura. De
fato, a
resposta (significance) do leitor
advém do
fato de
ter vivenciado
algo
até
então
desconhecido,
quer
dizer,
ter
passado
pela
experiência
ou
efeito
estético do
significado (meaning),
em
decorrência de
seu envolvimento
com a
tarefa de
articulação das
informações das
perspectivas
para
constituir o
código
regulador de
relação das
personagens.
De
imediato, tudo levaria a crer que o
texto escrevível de Barthes seria
semelhante
àquele
que Iser privilegia,
pelo
fato de
ambos incitarem o
leitor a
algum
modo de preenchimento, construindo,
pelo
prazer do
texto
ou
pela
experiência
estética, o texto-tutor (Barthes)
ou o
pólo
artístico (Iser). Nas primeiras
páginas de S/Z, lemos
que o escrevível,
por
não
ser
um
produto, incita à
produção;
um
texto
em
que o
leitor gostaria de
investir
como uma
força; uma
escrita
que
ativa a
pluralidade, fazendo
proliferar os
significantes.
Apesar de Barthes
ter
previsto essa
significativa
entrada do
leitor
em
contato
com a
obra,
logo se entende
que a
aproximação
entre
ele e Iser (quanto à
relação
entre os
dois
pólos) é
pertinente,
desde
que sejam
feitas as devidas ressalvas.
Para
tanto, a
atividade
comparativa
aqui realizada requer a
investigação dos
aspectos
que, na
semelhança, diferenciam as
categorias e os
autores comparados.
Em Barthes, a
interpretação da
obra
potencialmente polissêmica supõe uma
escrita
que,
após a
leitura, remeta
cada lexia
para
toda e
qualquer
associação
que o
leitor sinta-se motivado a
fazer.
Como Barthes
não prescreve
nem pratica (na
interpretação de Sarrasine) uma
articulação
formal
nem
entre as lexias selecionadas,
nem
entre
elas e
respectivos
comentários, os
possíveis
significados
não resultariam
nem de relações imageticamente formados.
Conforme Iser, no
processo fenomenológico, o
leitor retém na
memória
um
conjunto de
dados provenientes de uma
perspectiva e,
conseqüentemente,
projeta
outros
que imagina virem
acontecer.
Como o
processo é
dinâmico, essa
expectativa pode
ser confirmada
ou negada, uma
ocorrência
que irá
depender de
novas
informações, trazidas ou pela
mesma
perspectiva (suponhamos a do narrador)
ou
por
outra (suponhamos a de uma
personagem). A
movimentação das
perspectivas
textuais impele
portanto o
leitor a
estabelecer
constantes
cisões no
texto,
segundo uma
lógica
também
constante de
memória e
projeção.
Contudo,
para
que
tais
mecanismos de
percepção ocorram , é
preciso
que o
leitor se disponha a
ler o
que as
perspectivas informam, e
não o
que
bem
quer. A transformação
pela
qual deve
passar o
leitor
real no
sentido de
assumir a
função
que a
obra
lhe
reserva é
compor
com o
texto o ponto-de-vista
nômade,
participar dele
como
categoria,
enfim,
ser
um
leitor
implícito (Cf. ISER, 1978: 27 e
34-38). Trata-se de
um
processo de
comunicação
com o
objeto
literário
que, na
verdade,
já apresenta alguma
correlação,
ainda
que
potencial,
relativa ao
modo
como os
signos se auto-referenciam.
Essa
função do
leitor
implícito
diante de
signos
que se auto-referenciam difere daquela pensada
para o
leitor do
plural do
texto. Vejamos
por
quê.
A
interpretação
para Barthes é uma
atividade de
escritura (DERRIDA, 1971: 222-249),
em
que se ativam as significações, uma
decorrência da avaliação,
capaz de
caracterizar os
textos escrevíveis, os
que operam e incitam
um
jogo
incessante de
diferenças. Barthes
nos lembra
que
(...) o
texto somos
nós a
escrever,
antes
que o
jogo
infinito do
mundo seja atravessado, cortado,
interrompido, plastificado
por
qualquer
sistema
regular (Ideologia,
Gênero,
Crítica)
que reprima a
pluralidade de
entradas, a
abertura das
redes, o
infinito das
linguagens. (BARTHES: 1971: 15)
Por
descartar
então
conjuntos amarráveis numa
conjugação de
significados – e, contrariamente a
isso,
propor
abertura das
redes – , Barthes entende
que
qualquer
seleção das lexias sublinha
positivamente
não
aquilo
que a
memória remete
para a
projeção,
como pensou Iser, e
sim
para o
próprio
abandono de
outros
signos,
isto é, a
permissão do
esquecimento:
O
esquecimento dos
sentidos
não é
motivo
para
desculpas (...); é
um
valor
afirmativo, uma
forma de
afirmar a
irresponsabilidade do
texto, o
pluralismo dos
sistemas (se dele fizesse uma
leitura
acabada, reconstituiria
fatalmente
um
sentido
singular,
teológico). É
justamente
porque esqueço
que
eu leio. (BARTHES: 1978: 18)
Vê-se,
portanto,
que a positividade concedida ao
esquecimento é o
que distingue a
interpretação bartheseana
como
atividade
totalmente desvinculada de
qualquer
tipo de
articulação sígnica, seja no
interior do
conjunto multifacetado, seja
entre a
interpretação e o texto-tutor.
Por
aí
também se conclui
que a
prescrição
qualitativa do
fenômeno do
esquecimento
não
poderia
pertencer à
mesma
conjugação de uma
outra,
em
que a
memória é
essencial
tanto
para a
expectativa projetada
quanto
para a good continuation.
Por
último, cabe
lembrar as
conseqüências
que as
conceituações
sobre o
significado
em S/Z e no The act of reading
acarretam, no
sentido de distanciarem os
dois
teóricos
em
seus pressupostos, o
que
inclusive constitui
mais uma
justificativa
para
alguns
pontos
já discutidos
aqui,
mais especificamente
aqueles
que trataram das
formas distintas assumidas
pelo
leitor
que seleciona lexias e
por
aquele
que
forma gestalts.
Em Iser, o
significado é
um
efeito e possui
caráter imagético. Configurá-lo
por imagético implica necessariamente
revestir-lhe de duas outras
características: o
significado
não é
semântico e,
tal
qual a
imagem, forma-se na
mente
entre o
sensório e o
conceitual (ISER, 1978: 136).
Isso
quer
dizer,
ainda nas
palavras de Iser,
que,
enquanto
imagem, o
significado (meaning)
transcende o
sensório,
mas
ainda
não está
totalmente conceitualizado.
É
justamente o
fato de o
significado
ser imagético
que faz
com
que
tenda a
não
permanecer nesse
estágio
perceptivo
intermediário,
mas
passar a
um
outro
em
que o
leitor dá uma
resposta
para a
pergunta
que faz a
si
mesmo, ao indagar-se
por
que passou
por
tal
experiência
estética. Daí a
interpretação definir-se
como a transmutação discursiva do
efeito
estético de
um
significado.
O
modo
pelo
qual Barthes compreende o
significado
em
nada se aproxima daquele descrito
por Iser, sendo
que o pressuposto
em
que se baseia
para
configurar
esse
conceito participa
decisivamente da
exigência de distanciá-lo do
teórico
alemão. O
significado
para Barthes é uma
falta,
contraparte da
marca
que é o
significante. É
justamente essa
falta
que permite o
jogo das
substituições. As lexias e
respectivos
comentários constituem, na
verdade , a
própria
prática de
disseminação, de
deslizamento, de
movimentação da
pluralidade, de
exploração dos
vários
sentidos,
sem reagrupá-los numa
escrita
que resulte numa significação atribuída aos
fragmentos. O
teórico do desconstrutivismo
pensa a
interpretação
como pulverização de
significante , e
não
como
investigação do
significado. Daí a
idéia de
interpretação
ser condizente
com a de
texto: o
texto é tomado
como uma
galáxia de
significantes e
não uma
estrutura de
significados.
Tais
concepções formuladas
acerca de
significado, de
interpretação, de
texto vêm todas
sob a
rubrica nietzscheana
que indica a
superfície
como a
instância
em
que se deve
fazer
manifestar o
jogo e a
força dos
significantes.
Como
já circula no
saber
acadêmico,
para Nietzsche,
quanto
mais se escava a
terra da
superfície ao
encontro de uma
profundidade discursiva,
mais se constata
que
não há
nada a
ser (des)coberto, a
não
ser a
própria
superfície.
(...) a
profundidade torna-se
então
um
segredo
absolutamente
superficial de
tal
forma,
que o
vôo da
águia, a
ascensão da
montanha,
toda essa verticalidade
tão
importante
em Zaratustra,
não é
em
sentido restrito,
senão o
revés da
profundidade, a
descoberta de
que a
profundidade
não é
senão
um
jogo e uma
rusga da
superfície. (FOUCAULT, [s/d.]: 13).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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narrativa. Petrópolis:
Vozes, 1976.
BARTHES, Roland.
Crítica e
Verdade.
São Paulo:
Perspectiva, 1977.
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Elementos de
semiologia.
São Paulo: Cultrix, 1979.
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Masculino,
feminino e
neutro;
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Alegre:
Globo, 1976.
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O
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texto.
São Paulo:
Perspectiva, 1977.
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S/Z. São Paulo: Martins
Fontes, 1980.
DERRIDA, Jacques. Gramatologia.
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Perspectiva, 1973.
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La dissémination. Paris: Seuil, 1972
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A
escritura e a
diferença.
São Paulo:
Perspectiva, 1971.
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma
teoria da
linguagem.
São Paulo:
Perspectiva, 1975.
ISER,
Wolfgang. The act of reading. A theory of äesthetic response. London:
Routledge & Kegan
Paul, 1978.
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O
fictício e o
imaginário.
Perspectivas de uma
antropologia
literária.
Rio de
Janeiro: Eduerj, 1996.
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