UM
CASO DE
PRÓCLISE
ESPECIAL
EM
TEXTO DO
SÉCULO XIX
A
INTERPOLAÇÃO
OU APOSSÍNCLISE
Expedito Eloísio Ximenes (UECE)
Introdução
e
caracterização
do
corpus
Este
trabalho é uma
análise de
corpus
que investiga a
colocação dos
pronomes clíticos na
língua portuguesa
em
documentos
oficiais do
governo da
Capitania do Siará
Grande no
século XIX.
O
corpus estudado é constituído
por 67
Autos de Querella
escritos no
período de 1802 a 1829, distribuídos
em 04
livros,
referentes à
época colonial e
início da republicana. Os
documentos encontram-se organizados e guardados no
Arquivo
Público do
Estado do Ceará (APEC), situado no
centro da
cidade de
Fortaleza.
Trata-se de
registros de
queixas
referentes aos
diversos
crimes ocorridos
em todas as
vilas da
então
Capitania.
Esses
crimes
são de
natureza variada,
como espancamentos,
furtos,
estupros
dentre
outros, revelando a
situação
em
que se encontravam as
vilas,
distantes das
autoridades e dos
órgãos
públicos do
sistema colonial.
Os envolvidos
nos
crimes,
geralmente,
são
pessoas
simples,
pobres e analfabetas. A
maioria é constituída de
agricultores
ou
criadores de
pequenos
rebanhos de
gado. Essas
pessoas formam uma
mistura de
raças
que habita as
terras
cearenses, sobressaindo o
pardo, o
mameluco, o
cabra, o
índio e o
escravo,
apesar da
predominância do
branco.
Todos
esses
personagens
reais atuam no
cenário
social e
político de
nossa
história,
cenário de
pouco
prestígio e de
quase
abandono das
autoridades constituídas,
onde reinam a
violência, o
abuso e o
desrespeito
com a
pequena
população das primeiras
vilas do Ceará. É
também,
por
não
dizer, o
cenário
lingüístico,
pois
esses
extratos
sociais influenciam no
uso de
nossa
língua.
Aparece a
figura de
um
juiz
ordinário
ou
corregedor,
que percorre a
capitania de
norte a
sul
para
ouvir e
receber as
queixas
sobre os
crimes ocorridos.
Esse
juiz
era
geralmente
um
leigo e
ignorante
que
não entendia das
leis, no
entanto,
era o
responsável
pela
aplicação da
justiça. Afirma
Prado Jr. (1999)
que a
justiça
não
tinha
autoridade alguma
quando
muito
era
entregue,
nos
melhores
casos, à
incompetência e
ignorância de
leigos escolhidos
pelo
povo
através de
eleição
popular.
Destaca-se
também
um
escrivão de
correição,
esse
era
um
cidadão
comum
ou uma
pessoa de
influência na
comunidade
que,
pelo
menos, sabia
ler e
escrever,
qualidades
indispensáveis
para
assumir
tal
cargo. O
escrivão é nomeado
através do
pagamento de uma
certa
quantia,
para
exercer a
função
por
um
ano.
Esse é o
suposto
sujeito dos
textos,
já
que a
função
lhe é atribuída
por
ele
saber
ler e
escrever.
Os
textos
são razoavelmente
longos obedecendo a
um
modelo
uniforme e a uma
linguagem
formal
como requer,
pois trata-se de
documentos
jurídicos da
administração do
governo colonial.
Não
obstante o
grau de
formalismo, a
maneira de
escrever é
muito
livre, apresentando variação ortográfica
com
grande
freqüência e
predomínio da
escrita
fonética.
Quase
não há
sinais de
pontuação e de acentuação
gráfica,
como
também,
não há
regra
para os
limites de
palavras
nem
obediência à translineação. Essa
forma de
escrever caracteriza a
escrita do
século XIX,
por
isso a
importância de se
estudar os
aspectos
lingüísticos
aí
salientes.
Os
documentos foram compilados e editados
por Ximenes (2003). Seguimos o
modelo de
edição semidiplomático estabelecido
pelo
grupo
Para a
História do
Português do Brasil (PHPB). As
normas desse
modelo de
edição foram estabelecidas
em 1998
em
Campos do Jordão,
por
ocasião do
segundo
seminário do
grupo, apresentadas
por
Lobo (2001).
Nosso
estudo concentra-se na
análise da
colocação dos
pronomes clíticos, considerando
alguns condicionantes
gramaticais. Neste
artigo, apresentamos os
resultados encontrados
relativos à apossínclise
ou
interpolação do clítico,
que será
visto
com
mais
detalhe no
item 3.
O
estudo
da
sintaxe
dos clíticos
na
língua
portuguesa
Os
pronomes
átonos
são
vocábulos
que giram
em
torno de
um
verbo, apoiando-se nele
em
posição proclítica,
enclítica
ou mesoclítica, formando
com
este
um
vocábulo
fonológico.
Para Huber (s/d: 177), “o
pouco
valor
significativo dos pronomes-complemento tem
como
conseqüência serem
átonos, aparecerem,
portanto,
imediatamente
depois de uma
palavra
fortemente acentuada”.
Na
história da
língua portuguesa, o
estudo dos
pronomes clíticos teve
pouca
importância. As primeiras
gramáticas da
língua
não abordam o
assunto.
Melo
(1981: 132) ressalta
que o
assunto é
recente na
língua,
apesar disso
já gerou muitas
polêmicas. “O
problema é
relativamente
novo,
talvez
não
conta
com
cem
anos,
mas
já deu
matéria a muitas gramatiquices e a infinitas
discussões estéreis,
simplesmente
por
que
mal
posto e
tratado
com
método
inconveniente”
Lobo (2001) afirma
que no Brasil a
história da gramatização inicia-se na
segunda
metade do
século XIX,
em
que
todos os
gramáticos passam a
dedicar
um
capítulo ao
tema da
sintaxe dos
pronomes clíticos.
A
história da gramatização, no Brasil, inicia-se na
segunda
metade do
século XIX e,
não
por
acaso,
todos os
gramáticos
brasileiros,
desde
então, dedicarão
um
capítulo à “Colocação
dos
pronomes
oblíquos
átonos” o
que,
claramente, contrasta
com a
tradição
gramatical portuguesa,
que
desde os
gramáticos do
século XVI, (...)
não dá
tratamento
especial a
este
item da
sintaxe ”. (op. cit. p. 516).
O
assunto
passa a
ganhar
enfoque nas
gramáticas, a
partir de
então, sendo apresentado
como
um
conjunto de
normas
que serve de
parâmetro
para o “bom
uso” da
língua, levando-se
em
consideração
apenas a
variante
lingüística
padrão.
Tanto as
gramáticas
quanto
outros
trabalhos
são embasados nas
obras de
escritores
clássicos de Portugal e do Brasil,
que pretendem
dar
conta das
normas,
mas
não refletem as múltiplas
realizações do
fenômeno
nem contemplam as
diferenças
entre os
dois
países.
Maciel (1914), no
capítulo
sobre “collocação de
pronomes”, salienta
que as “fórmas syncliticas” devem
ser embasadas na
análise dos
modelos
clássicos.
A theorização attinente às
três
posições das fórmas syncliticas,
isto é, o
conjunto de
condições
que se devem
observar,
segundo a analyse dos
modelos
clássicos, diz-se synclitismo. As fórmas
pronominaes se dizem proclíticas, mesocliticas e enclíticas,
conforme
lhes seja na phrase a
posição
quanto ao
verbo,
como
centro de attracção do systema
pronominal (p. 372).
Said
Ali (1969)
em
sua
Gramática
Secundária da
Língua Portuguesa ao
tratar do
assunto ressalta
que
As
formas
pronominais átonas
me,
te, se,
lhe, o, a,
nos,
vos,
lhes, os, as colocam-se
em
português
normalmente
após o
verbo a
que se servem de
complemento e a
ele se encostam, sendo pronunciadas
como se
com o
verbo constituíssem
um
vocábulo
só. Chamam-se
por
isso
pronomes
ENCLÍTICOS (p. 204).
No
entanto, o
autor discute a
posição dos
pronomes
que varia de
acordo
com o
aspecto
fonético havendo
deslocamento do clítico
para
antes do
verbo,
principalmente no Brasil,
em
que a
pronúncia difere da de Portugal. “a
pronúncia
brasileira diversifica da
lusitana; daí resulta
que a
colocação
pronominal
em
nosso
falar
espontâneo
não coincide
perfeitamente
com a do
falar dos portugueses” (p. 205)
Em
relação aos
casos
mais polêmicos, se
assim podemos
dizer,
como das
palavras
negativas
que atraem os
pronomes
átonos, afirma
ele
que podem
ou
não
deslocar, estando de
acordo
com a
flexão do
verbo.
O
advérbio de
negação, modificando
diretamente o
infinitivo, desloca o
pronome
átono
sempre
que o
infinitivo é flexionado,
mas pode
deixar de o
deslocar
quando o
infinitivo
não tem
flexão. (p. 207).
Cunha e Cintra (2001: 309)
também ressaltam
que a
posição
lógica e
normal é a
ênclise,
mas
também destacam
que “Há,
porém,
casos
em
que, na
língua
culta, se evita
ou se pode
evitar essa
colocação, sendo
por
vezes conflitantes, no
particular, a
norma portuguesa e a
brasileira.” Apresentam as mesmas
normas
comuns
em
outros
autores, fazendo ressalvas
para o
português
europeu e o
português
brasileiro,
caso
raro
entre os
gramáticos
distinguir as
diferenças
lingüísticas
entre os
dois
países.
A
colocação dos
pronomes
átonos no Brasil,
principalmente no
colóquio
normal, difere da
atual
colocação portuguesa e
encontra,
em
alguns
casos,
similar na
língua
medieval e
clássica. (op. cit., p. 316).
Góis (1958)
trata os clíticos
como
palavras
que participam da acentuação de outras a
que vêm
apostas. Constitui,
segundo
ele, uma das
dificuldades e uma das
belezas da
língua.
Conforme o
autor,
quanto à
posição dos clíticos
em outras
línguas românicas
como o italiano e o
francês, obedece à
normas fixas,
salvo alguma
exceção. No
espanhol, prevalece a
próclise;
em
alguns
casos limitados, emprega-se a
ênclise. Na
língua portuguesa, no
entanto, a
colocação dos
pronomes é
muito
instável constituindo uma
grande
dificuldade
para a
língua,
mas a
mobilidade dos clíticos
torna essa
língua
menos
rígida e
mais
maleável.
A
instável
colocação dos
pronomes
pessoais
oblíquos
átonos
junto ao
verbo (de
que
são
complementos) constitui uma das
dificuldades e uma das
belezas
características de
nossa
língua:
dificuldade
meramente
aparente,
por
isso
que a
sua
topologia obedece a
fatores de
fácil
percepção: a
atração, a
distância, a
pausa (ou
parada), a
eufonia, a eustomia, a
clareza;
beleza
característica (ou
melhor,
idiomática),
porque a
mobilidade do
pronome
pessoal
oblíquo
átono
em
torno ao
verbo produz
alternativas topológicas,
que tornam a
frase
menos
rígida,
isto é,
mais
plástica e
maleável. (p. 77-78).
Ressalta,
ainda
Góis,
que a
tendência
natural da
língua portuguesa é a
ênclise,
apesar de
haver
uso
bastante acentuado da
próclise
por
influência do
espanhol, italiano e
francês,
que
são
línguas proclíticas.
Porém,
mesmo defendendo
que a
língua portuguesa,
por uma
questão
natural, tem
preferência
pela
ênclise, o
autor estabelece 15
normas de
colocação da
próclise, e a
mesma
quantidade
para o
emprego de
ênclise.
Infelizmente, nota-se
em
nossos
dias
manifesta
tendência,
por
parte de
escritores
infensos à
gramática,
ou
seus desconhecedores, a “fixar” o
pronome
pessoal
oblíquo
átono
antes do
verbo,
isto é, a, “uniformizar” a
sua
colocação (por
influência,
sem
dúvida, do
francês, do italiano e do
espanhol), esquecidos de
que a
precedência ao
verbo do
pronome
pessoal
oblíquo
átono (isto é, a
próclise)
em
certos
casos é
tão
contrária ao
gênio do
português
que constitui
verdadeiro
solecismo. (p. 78-79).
Conforme
Góis, (op.cit., p. 95) “a
ênclise é a
mais
lógica e a
mais
natural das
colocações do
pronome
pessoal
oblíquo
átono”. Sendo a
ênclise
natural e
inerente, os clíticos deveriam
vir invariavelmente pospostos ao
verbo,
porém existem
casos
diversos
em
que ocorrem a
próclise.
Sendo
esses
pronomes “palavras
sem acentuação
própria” (isto é,
palavras enclíticas (...) deveriam
vir invariavelmente pospostos ao
verbo, se a
eufonia, a eustomia, a
ênfase e outras
causas
não os solicitassem
para
antes
em
certos
casos) (op. cit. p. 95-96)
Outro
argumento
para
que ocorra a
ênclise é
que os
pronomes sendo
complementos de
verbos deveriam
ser colocados,
portanto,
logo
após
este.
Sendo
esses
pronomes os
complementos do
verbo (objeto
direto,
ou
indireto), – o
seu
lugar
naturalmente indicado é
tomar
posição
logo
após o
verbo ( e
não
antes destes) (op. cit., p. 96.)
Vemos
que as
normas de
colocação dos
pronomes clíticos
não se sustentam, muitas
são
até contraditórias
entre
si.
Não se
sustenta
também a
tese de
que a
língua portuguesa é
naturalmente
enclítica,
já
que admite uma
grande
quantidade de
ocorrências proclíticas, o
que
nos
leva a
crer
que
outros
fatores,
como o
fonético,
por
exemplo,
são condicionantes
para a sínclise e merecem
ser
tratado
com
mais
cuidado.
Há
estudiosos
que
vão
além das puras
normas
gramaticais
para
explicar o
fenômeno, defendendo a
importância de outras
variáveis
que contribuem
para
que o
pronome clítico assuma
este
ou
aquele
lugar na
sentença.
Fatores
como o
fonético, o rítmico
prosódico de
cada
língua.
Said
Ali (1957) faz diversas
críticas às
teses defendidas pelas
gramáticas, refutando frágeis
argumentos,
principalmente,
quando se
trata da
força
atrativa de algumas
palavras. Aborda
também as
diferenças de
emprego
entre Brasil e Portugal destacando
que essas
diferenças
são
naturais
por
que entram
em
jogo
fatores de
ordem
fonética.
É
conveniente,
pois
aceitar outras
regras de
uso
que,
apesar de estigmatizadas
pela
norma
padrão,
não
são
menos
importantes
que essa.
Através da
história da
língua conhecemos
que as
ocorrências
menos privilegiadas
sempre existiram e
tudo
que
hoje é
visto no
português
brasileiro é
fruto de
um
período
histórico, é uma
mudança
em
curso
que
ainda
não se cristalizou
ou é
algo
arcaico
que
volta à
língua,
enfim,
nada é
estranho e devemos
considerar
qualquer
variedade dessa
língua.
Sabemos
que
toda
língua tem
seu
código,
ou seja,
sua
gramática pautada na
variante
padrão
para
que
tal
língua tenha uma
identidade,
para
que haja
consenso na
modalidade
culta eleita
como
padrão,
mas ao
lado dessa
norma, existem muitas outras
que merecem
ser analisadas
com
cuidado,
para
que possamos
entender o
funcionamento do
sistema
como
um
todo.
Análise
do
fenômeno
uma
próclise
especial
interpolação
ou
apossínclise
Apresentamos
aqui
apenas os
resultados
referentes à
interpolação
ou apossíclise encontrados
em
nosso
corpus. Foram estudados 67
documentos da
língua
formal da
administração
judiciária,
conforme anunciado
anteriormente.
No
que diz
respeito à
posição do clítico, é
notória a
predominância da anteposição desse ao
verbo
em
todos os
contextos. Há
exceção
apenas,
com o
tempo
verbal no
gerúndio
em
que ocorre a posposição. Os
resultados contradizem a
tese de
que a
língua portuguesa é uma
língua
por
natureza
enclítica.
Um
tipo de
próclise
que
nos chamou a
atenção é a
freqüência do
uso da
interpolação,
caso
já
não
mais descrito nas
gramáticas
atuais,
mas
muito
freqüente no
português
medieval e
clássico,
como
bem ressalta Martins (1994).Trata-se do
fenômeno de
não
adjacência
entre o clítico e o
verbo, sendo
possível
apenas
quando o
pronome precede à
forma
verbal.
Góis (1958: 107) denomina o
fenômeno de
reforço da
próclise
que se identifica
pela “anteposição do
pronome
pessoal
oblíquo
átono,
não
só ao
verbo,
como a outras
palavras,
que precedem ao
verbo”.
Para
ele,
esse
fato é
um
idiotismo
arcaico
que subsiste
ainda
com a
partícula
não e
outro
elemento
causador de
próclise
como uma
conjunção subordinativa,
um
advérbio
ou
um
pronome
relativo. Pode
ocorrer o
fenômeno de
reforço da
próclise
em
quatro
casos:
a)
O
pronome precede ao
verbo e o
advérbio.
Já
lhe
eu perdoara
tudo.
b)
O
pronome precede ao
verbo, ao
sujeito e ao
advérbio.
Para se
aqui
deter
não
vê
razão.
c)
O
pronome precede ao
verbo, ao
sujeito e ao
advérbio.
Mas se lh’o o
regimento
não consente.
d)
O
pronome precede ao
verbo, ao
sujeito e ao
objeto
direto. Se
me
isto o
céu concede
Barbosa (1909)
fala da
interpolação
como uma
concorrência
entre o
pronome se e o
advérbio
não, ressaltando
que o
uso
por
bons
escritores
antigos e
modernos e
todos
que falam
bem é a
preferência
pela anteposição do
pronome à
negação.
Maciel (1931) considera o
uso da anteposição do
advérbio
não ao clítico uma
questão de
elegância.
Para
ele a apossínclise é usada “quando
occorre variação
pronominal, ao
longe o
verbo a
que
pertence, separada
por
palavras
ou
expressões intercurrentes” (op. cit. p.
419).
É uma
influência da
sintaxe
latina, na
língua portuguesa. É
um
fenômeno
antigo,
chama a
atenção o
gramático. Podemos
perceber
que,
diferentemente dos
outros
autores,
que consideram
um
fenômeno
possível
apenas na
presença do
não,
esse
acha
possível
em outras
situações
desde
que esteja
longe do
verbo,
como no
exemplo
que apresenta “Em
se ella annuveando,
em a
não vendo /
Já se
me a
luz detudo annuveava”.
Pereira (1943)
também
fala da
freqüência do
fenômeno da anteposição do
pronome ao
advérbio
não
entre os
clássicos e
entre os
escritores portugueses,
porém
entre os
brasileiros é preferida a posposição.
As
gramáticas
atuais
não se referem ao
assunto. É
com
certeza
um
fenômeno
extinto da
língua,
principalmente no Brasil.
Porém, aparece
com
freqüência na
literatura portuguesa do
século XIX,
basta lermos Camilo
Castelo
Branco.
Já
nos
textos da
administração
pública,
tanto de Portugal
como do Brasil, é
muito
recorrente
esse
tipo de
colocação do clítico.
Martins (1994), analisa
documentos notariais de Portugal do
século XIII ao XVI, e apresenta
como
elementos interpolados: o
advérbio de
negação
não, o
sujeito (pronominal e
nominal),
um
sintagma preposicional
ou
um
sintagma adverbial.
Observa Martins
que a
grande
maioria ocorre nas
orações subordinadas finitas,
apesar de
ocorrer
com subordinadas infinitas introduzidas
por
preposição, de,
por, a, pera. A autora
também encontrou a
interpolação
em
outros
contextos
como nas
orações introduzidas
por
advérbios
que provocam a anteposição do clítico;
em
orações introduzidas
por quantificadores e
em
orações introduzidas
por
sintagmas focalizados.
No
estudo de
Lobo (2001),
apenas o
não ocorre interpolado
entre o clítico e o
verbo,
observado
em
dois
tipos de
estruturas:
orações
dependentes finitas e
orações não-dependentes modificadas
por
advérbios “causadores”
de
próclises.
Shei (2003) ao
analisar
três
romances portugueses conclui
que a
interpolação
só ocorre
também
com
não. Os
contextos
em
que o
fenômeno é
freqüente
são as
orações subordinadas,
com
advérbio e
com
infinitivo preposicionado,
não aparecendo
nenhum
exemplo de
interpolação
em
outros
contextos
além dos citados.
Em
nosso
corpus encontramos várias
ocorrências de
interpolação
que
não diferem dos apresentados
por
Lobo e Schei. Aparece o
fenômeno
com as
seguintes
formas clíticas: se,
lhe, a, o, os,
somente
diante do
advérbio
negativo
não. Sendo
freqüente
nos
contextos de
orações subordinadas finitas, na
maioria dos
casos, e
em
orações
coordenadas,
apenas
um
exemplo.
Com
formas
verbais
simples e /
ou compostas e
em
orações reduzidas,
conforme as
ocorrências de (1) a (17) apresentadas a
seguir.
(1)
que sedis
lhe fizera seo genrro | (...) õmem
pardo
ameia
noite
em |
dia de
Quarta
feira do
mes deSetembro dopresente anno |
que
senão lembra a
hora do
dia (L.39, A. 3, L. 61).
(2) Seomosso
por
nome (...)
filho do
Alferes Joaõ Rodrigues lhenão pedice
que Seaque | tace...(L.39. A.12. L.26).
(3) epasar as
Ordens | necesarias comtodo osegredo | dejustiça
para Serem prezos | os Criminozos pedindo-se Au | xilio da
Milícia
Sem aqual Senaõ | Conceguiria aprizaõ
denenhum dele (L. 33, A.1, L.58).
(4)
Segundo Senaõ Continha | emdito despaxo
(L.33, A. 5, L. 95).
(5) oqual
logo se auzen | tou epertendia de envergonhado |
largar
logo apatria
pais eparen- |
tes se
estes
lhe
não persuadissem |
que pellos
meios jidiciais
procuras | se
satisfação (L. 33, A.19, L.50).
(6) epara
teralivio tomou
Cinco |
Sangrias, epor
ficar
toda pi- | zada, emaltratada, quesenaõ |
aCudice aronda, Sertamente |
que osuplicado aCoices lheaca | bava os
dias
devida (L.64, A.1, L. 28).
(7)
ejuntamente darlhe
Com os |
pez, esenão fez vestoria
logo pa | ra sever as noduas, epizaduras quetinhas,
foi
por senaõ puder |
levantar daCama (L. 64, A. 2, L. 39-40).
(8) elhe
intra | raõ adar borduadas Comhumpáo || Páo de
Angico
Cheio deEspinhos,
que |
por
felicidade onaõ matarão, porem | oferiraõ
gravementena
Cabeça (L.64, A. 12, L. 29)
(9) Aeste
ensulto respondeo ofilho do Su | plicante,
que
esses bofetes deviaõ aCon |
tecer a o seo
amo, enaõ aelle
que onaõ | offendera (L.1087, A. 7, L. 45).
(10)
sealgumas
mulheres ||
Mulheres osnaõ aCudicem eporque | Compete ao
Suplicante acçaõ
deque | rella
Contra osSuplicados (L.1087, A. 8, L. 40).
(11) eque
auiaõ |
ser asproprias quenomeado auia | emsua Pitiçaõ
com cominação |
que
não Sendo aprezentadas no |
dito
termo deannos edia delhenaõ | Serem
mais
tomadas (L.33. A. 2, L. 65).
(12)
Em
Sua
petição
com cominação | de
que
não produzindo nodito |
termo lhenaõ Serem
mais to | madas (L. 33, A. 11, L. 76).
(13)
para estelhe
pagar
dita |
quantia
antes devencido oprazo | prestado oQuerelante
não obstan ||
Obstante se
não
achar vencido | o
prazo procurou o
dinheiro | efoi levallo (L. 33, A. 19, L. 25).
(14)
ejuntamente darlhe
Com os |
pez, esenão fez vestoria
logo pa | ra sever as noduas, epizaduras quetinhas,
foi
por senaõ puder |
levantar daCama (L. 64, A. 2, L. 39-40).
(15) na
tardedodiaoito do
Cor | rentemes deoitubro, eannodemil |
oito
Centos edoze, la afoi inqui- | etar odito
Suplicado, eporque |
anão podevencer
por
rogos, a | vanssaouse aella
Como
danado | eainda quedellese desviace,
Como | as debeis
forças
anão Ajudarão, | eainda
que gritace... (L. 64, A. 16, L. 25)
(16)
Assim
mesmo
coma
falta daprata | aquerelante
que onaõ quis aSeitar | eandou demaõ, emmaõ
té
que ficou | namaõ deManoel deMelo
Pereira (L.33, A. 10, L. 72).
(17) edos
brados
que daua aSuplicante, aCodio Antonio Rodri | gues
Ramos
mais
já onaõ achou Senaõ os vestigios do Caua |
llo (L.39, A.12, L.28).
Conforme atestou Martins (1994),
como
também
Lobo (2001), podemos
demonstrar
quase as mesmas
normas
para o
fenômeno. No
corpus
que analisamos, podemos
observar
que há
ocorrências
em
contextos
sintáticos de subordinadas
com
verbos
simples na
maioria dos
casos,
como apresentamos
nos
itens 1 a 10.
Também
em
contextos
subordinados
com
grupos
verbais ocorreram 6
casos
em
que o
verbo
principal está no
particípio, nas
sentenças (11), (12) e (13), e no
infinitivo nas
sentenças (14), (15) e (16), havendo
elemento “proclitalizante”.
Já no
número (17) aparece a
interpolação
em
contexto de
oração
coordenada. Podemos
afirmar
que o
fenômeno é
mais
recorrente nas
orações subordinadas,
mas
não restritas a
elas.
Conclusão
Conforme o
exposto, a apossínclise
ou
interpolação foi
bastante usada
em Portugal no
período
arcaico e no
clássico da
língua,
tanto
em
documentos de
caráter
oficial
quanto
nos
textos
literários,
até o
século XIX.
No Brasil, constitui
um
arcaísmo,
mas foi
muito
recorrente
nos
textos da
administração
pública,
escritos
durante o
período colonial.
Talvez
pelo
fato de
que a
maioria dos
escribas
ou
era da
metrópole
ou
tinha raízes portuguesas,
já
que na
colônia o
índice de analfabetismo
era
muito
alto,
não tendo
mão de
obra especializada
para
ocupar a
função de
escrivão nas
unidades do
governo.
A
independência
política do Brasil
em 1822,
leva a uma
euforia dos
brasileiros
pela
independência
lingüística,
sobretudo, os
intelectuais e
escritores românticos e
mais
tarde os Modernistas. De
fato, houve uma
mudança
lingüística,
como afirma
Ribeiro (2001)
que se processou no
final do
século XIX, gerando uma
gramática do
português do Brasil
diferente da de Portugal,
principalmente, no
que tange ao
assunto da
colocação dos
pronomes
complementos nas
sentenças.
Esse
ponto é
um dos
aspectos de
maior
distanciamento de
nossa
língua
em
relação a Portugal.
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Dissertação de
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Livro 33. 1807-1813
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