OS
MANUAIS DE
ESTILO
E A
PRÁTICA MIDIÁTICA DA
EDIÇÃO
Cleide Emília Faye Pedrosa (UFS)
Se a
imprensa
não existisse, seria
preciso
não inventá-la (BALZAC
apud BERGER, 2002: 277).
GÊNERO
TEXTUAL
‘FRASE’:
PRÁTICAS
EDITORIAIS
Nesta
comunicação,
iremos
trabalhar
as
práticas
editoriais
com
base
em
um
gênero
textual
especifico do
discurso
midiático,
o
gênero
textual
‘Frase’.
Este
gênero
se caracteriza
por
ser
constituído
através
de
dois
processos
básicos,
a retextualização e a (re)contextualização.
No
primeiro, o
editor
fragmenta
ou estabelece
um recorte do
evento
comunicativo escolhido,
segundo
seus
propósitos
ou os da
instituição a
que serve. O
segundo
processo é o da (re)contextualização. Ao descontextualizar o
evento
comunicativo, o
editor necessita
definir
um
novo
contexto, o
que denominamos de (re)contexto,
por
ser de
sua
inteira
responsabilidade,
por
não
passar
para o
leitor a
segurança da
legitimidade da contextualização.
Esta
pesquisa enfocará os
dois
processos constitutivos do
gênero ‘frase’
descrito
acima, tendo-se
por
base,
inicialmente, as
idéias de Brémond e Brémond (2002)
sobre a uniformização das
ofertas,
ou seja,
como as
grandes
agências noticiosas controlam o
que o
público recebe.
Ainda,
para o
desenvolvimento desta
comunicação, é
crucial
que se entendam os
critérios da
edição. Os
textos, às
vezes,
são recortados
para “caberem nas
seções”. O
verbo “caber”,
aqui,
com
um
duplo
sentido,
um,
concreto,
referente ao
espaço
físico,
outro,
abstrato,
relativo ao “espaço”
ideológico (BERGER, 2002).
Em
suma, o
editor
retira
palavras
ou as substitui
por
sinônimos, “limpa” e “enxuga” o
texto, a
fim de
fazer
com
que
ele tenha o “tamanho”
adequado
para a
coluna
ou
seção. Nesse
contexto, muitas
vezes, o
locutor tem
sua
fala descaracterizada,
pois,
via de
regra, o
editor
passa a
ter
domínio
sobre o
discurso
que cita (MOUILLAUD, 2002).
Ainda a
análise e
comentários
que teceremos terão
por
base a
Análise
Crítica do
Discurso (ACD),
segundo o
posicionamento da
corrente
social de Fairclough.
AS
REDES
EDITORIAIS
Uniformização de
ofertas
Brémond
e Brémond (2002) afirmam
que
multinacionais controlam as
informações recebidas
pelo
público.
Esse
controle
passa
pela rentabilidade e o
pelo
exercício do
poder.
Como
esses
grupos controlam,
igualmente, os
meios de
divulgação,
então, a
manipulação
passa
também pelas
técnicas mercadológicas. Trata-se de uma
maneira de
difusão norteada
por
conteúdos preestabelecidos,
que chegam a
ser
mais
importantes,
por
si
mesmos, do
que a
expressão de
idéias e as
circunstâncias da
demanda
real, o
que viabiliza a publicação dos denominados “livros-irmãos”.
Esse
fenômeno é chamado de “onipotência da
difusão”.
Embora
esses
autores,
em
seu
livro Las
redes ocultas de la edición, façam
uma
análise da
edição do
livro
didático, consideramos
que
seu
parecer
também pode
ser aplicado ao
gênero
textual ‘frase’ e
outros
gêneros midiáticos. Comecemos
com a
citação
abaixo:
A
edição está
hoje dominada
por
alguns
gigantes: Bertelsmann, Vivendi-Universal, Lagardère
[...].
Para essas
grandes
empresas, o
livro
não é
senão
um
elemento
em uma
estratégia de
controle, a
nível mundial, de
todos os
aspectos da
comunicação,
desde o
livro à
televisão, da
imprensa
escrita à
internet. No
interior dessas gigantescas
empresas, a rentabilidade e a
lógica do
poder
são os
únicos
critérios
que orientam a
produção de
livros
(BRÉMOND; BRÉMOND, 2002: 10,
tradução
nossa).
É
interessante
como a onipotência de
difusão se
manifesta
não
só
em
livros,
mas,
também,
em
outros
suportes. No
gênero
que estamos analisando, verificamos
esse
fenômeno
através da
repetição de “frases-irmãs”
em
diversos
veículos de
divulgação:
"Se a
intenção fosse
matar,
por
que
só 111, e
não
os 2.200
presos?”
Ubiratan Guimarães,
em
depoimento no
início do
seu
julgamento (I – 27 / 06 / 01).
“Havia 2200
presos no
Pavilhão 9 e
apenas 111 morreram”.
Ubiratan Guimarães,
coronel da
reserva da PM,
que comandou o
massacre do Carandiru (V – 27 / 06 / 01).
“Só
morreram 111”.
Ubiratan Guimarães,
coronel da PM
que comandou o
massacre do Carandiru (E – 25 / 06 / 01).
De
conformidade
com os
exemplos
acima registrados. Constatamos
que, das
cinco
revistas trabalhadas
em
nossa
pesquisa,
três
são da
mesma
editora (Abril):
Contigo,
Tudo e Veja.
Assim,
encontrar “‘frases’-irmãs”
nessas
revistas
não há
que
ser
estranho,
pois pertencem à
mesma
rede, tendo, presumivelmente,
um
mesmo
interesse ideológico. No
entanto, há o
caso dos
exemplos
acima,
em
que as “’frases’-irmãs”
foram veiculadas
por publicações de
editoras
diferentes, sendo
elas, na
ordem,
Editora
Três (Isto É),
Editora
Abril (Veja) e
Editora
Globo (Época).
Autonomia do
editor
Ainda
em
consonância
com Brémond e Brémond, há o
predomínio dos
grandes
grupos
editoriais
sobre os
demais,
menos
potentes, e
sobre a
mídia
em
geral.
Seu
poder estaria
além das
linhas
editoriais de
suas publicações. A mundialização, a
concentração e o “marketing”
têm, “[...]
desde o
ponto de
vista cultural e
político,
efeitos
perversos
amplamente ocultados
pela
imagem
que a
edição
quer
dar de
si
mesma” (BRÉMOND; BRÉMOND, 2002: 11,
tradução
nossa).
Por
certo, o
poder de
um
editor, necessariamente, limita-se ao
direcionamento
editorial da publicação
em
que
ele atua,
que,
por
sua
vez, se ajusta aos
interesses de uma
rede
que envolve várias outras publicações.
Isso
nos permite
falar
em vulnerabilidade
ou, digamos,
em “fragilidade” dos
editores-chefe dos
grandes
grupos. Referindo-se ao
caso da
saída de
um
editor de Havas Advertising and Publicis,
cuja
composição acionária passou a
contar
com a participação do
grupo
francês de
mídia Vivendi, Brémond e Brémond (2002: 44,
tradução
nossa) afirmam: “Essa
saída
lança
luz
sobre a
fragilidade das
funções e o
caráter limitado do
poder daquele
que aparece
como
chefe de
empresa de
um
editorial
que
não é,
senão,
um dos
elementos de uma
multinacional”.
Esse é
um
fenômeno chamado
por
eles de “deslizamento
de
poderes”.
O
poder do
editor é limitado
pela
linha
editorial do
suporte
para o
qual
trabalha (‘deslizamento
de
poder),
pois, “quase
todo
veículo de
informação segue uma
linha
editorial –
conjunto de
convicções
que defende
em
seus
editoriais – e é praticamente
inevitável
que
ela tenha alguma
influência no
tratamento das
notícias” (GARCIA, 2003: 112).
Assim,
mesmo
que
não se negue
um
certo
poder ao
jornalista
ou
editor,
este,
claro, é limitado
pelos
interesses da
empresa:
É
verdade
que o
jornalista tem uma
margem de
autonomia
importante e
seu
comentário
não é
ditado
pelo
proprietário do
jornal.
Até é de
desejar
um
pouco de
impertinência,
porém,
segundo as
modalidades e os
limites
compatíveis
com os
interesses da
empresa (BRÉMOND; BRÉMOND, 2002: 56,
tradução
nossa).
Os
processos de retextualização e (re)contextualização
do
gênero ‘frase’
são norteados
pela
autonomia do
editor
compatível
com os
interesses da
organização
que controla o
suporte
em
que se dá
sua
fixação. A
autonomia
em
referência pode
ser identificada na
seleção das ‘falas’,
na retextualização e
nos
comentários
tecidos na (re)contextualização:
Caetano Veloso,
sobre o
terrorista Osama bin Laden. A
semelhança
entre os
dois foi
alvo de uma
brincadeira
fotográfica
que circula
pela
internet (T – 23 / 11 / 01).
“Osama bin Laden é
um
homem
bonito”.
Caetano Veloso,
cantor e
compositor (V – 21 / 11 / 01).
“Bin Laden é
um
homem
bonito e se parece
com
pessoas de
minha
família.
Mas sou
contra o
terrorismo”.
Caetano Veloso, no
lançamento de
seu CD
duplo,
Noites do
Norte ao
Vivo,
em
resposta a
charges
que circulam na
Internet, nas
quais o
cantor apareceu
caracterizado
como
o
milionário
saudita (E – 19 / 11 / 01).
“Osama Bin Laden é
um
homem
bonito e se parece
com algumas
pessoas da
minha
família”.
Caetano Veloso,
compositor e
cantor,
sobre as
montagens
que circulam na
internet nas
quais
ele aparece
caracterizado
como o
terrorista (I – 21 / 11 / 01).
Caetano Veloso,
cantor,
sobre o
terrorista Osama bin Laden (T – 21 / 12 /
01,
retrospectiva).
Vale
destacar
que
apenas o
editor do
terceiro
exemplo registrou o
fragmento de
fala
em
que o
locutor ressalta
que é
contra o
terrorismo e, na (re)contextualização, é o
único a
utilizar uma
expressão
positiva
em
referência a Osama, “milionário
saudita”.
Estereotipagem de
personalidades públicas
Brémond e Brémond (2002)
continuam
suas
denúncias, afirmando
que
grandes
empresas se articulam de
tal
forma
que põem
em
funcionamento o
que se denomina de “mecanismos
de uniformização”.
Como funcionam
esses
mecanismos? A
oferta no
mercado
editorial
passa
por uniformização de
pontos de
vista, de
conteúdos e,
até
mesmo, de estereotipagem de
personalidades públicas.
Esse
último
aspecto, o da estereotipagem de
personalidades, confirma-se, facilmente,
nos
exemplos
que seguem,
em
que estão envolvidos
três
personagens,
um
político,
um
ator e
um
apresentador. Neles, observamos as
estratégias discursivas dos
editores, a
serviço de
linhas
editoriais, nas
escolhas das
falas, nas retextualizações e nas
(re)contextualizações
que fazem, e
em
como as fazem.
Antes,
porém, evoquemos
registro
que o filósofo Soren Kierkegaard fez
em
seu
diário,
em 1848:
De
fato, se a
imprensa
diária,
tal
como acontece
com
outros
grupos
profissionais, tivesse de
pendurar
um
letreiro,
seus
dizeres deveriam
ser os
seguintes:
aqui
homens
são desmoralizados
com a
maior
rapidez
possível, na
maior
escala
possível ao
preço
mais
baixo
possível (KIERKEGAARD
apud BERGER, 2002: 275).
a.
Personagem A – Anthony Garotinho:
“Tinha
muito
peixe
para
pouca
água.
Por
isso
muitos morreram sufocados. A
mortandade foi
devido à
superpopulação de
peixe”.
Anthony Garotinho,
Governador do
Rio de
Janeiro, explicando a
causa mortis de
toneladas de
peixes na
Lagoa Rodrigues de Freitas, o
mais
novo
esgoto a
céu
aberto (V – 22 / 03 / 00).
“Vamos
distribuir
camisinhas
para os
peixes,
para
que
eles
não se reproduzam
mais”.
Mário Moscatelli,
biólogo,
respondendo ao
governador
(V – 22/03/00).
“O
governador é
um
frouxo,
incompetente”.
Eurico Miranda,
deputado
federal (PPB-RJ) e
presidente eleito do
Vasco da
Gama, criticando a
ordem do
governador do
Rio de
Janeiro, Anthony Garotinho,
que cancelou a
partida
final da
Copa João Havelange
depois
que desabou uma
parte do
alambrado do
estádio de
São Januário (V – 10 / 01 / 01).
“Se o
Garotinho
ficar
embaixo da
mesa,
tudo
bem”.
Leonel Brizola,
líder do PDT,
sobre a possibilidade de se
sentar à
mesa
para
negociar uma
aliança
com o
governador do
Rio, Anthony Garotinho (V – 27 / 03 / 02).
b.
Personagem B – Reynaldo Gianecchini:
“Sei
que
vão
dizer
que o Gerald está
me usando
para
fazer
sucesso e
eu o estou usando
para
ganhar
um
certo
respeito no
teatro.
Tudo é
mentira e
tudo é
verdade”.
Reynaldo Gianecchini,
ator e
modelo, mostrando-se
profundo no
ensaio da
peça
Príncipe de Copacabana, dirigida
por Gerald Thomas (V – 11 / 04 / 01).
“Preciso
de
um
ator despreparado
para
viver
um
príncipe despreparado”.
Gerald Thomas,
diretor
teatral, justificando a
montagem de O
Príncipe de Copacabana,
peça
baseada
em Hamlet,
com o
galã Reynaldo Gianecchini (V – 31 / 01 / 01).
c.
Personagem C – Luciana Gimenez:
“Vocês
viram o
vexame da
Seleção? E o Ronaldinho,
que
nem tocou na
bola?”
Luciana Gimenez, apresentadora, referindo-se à
derrota do Brasil
para
o Uruguai,
em
seu
programa
Super Pop, da
Rede
TV (I – 11/07/01).
“Sou
fiel,
porém
já
não fui diversas
vezes”.
Luciana Gimenez,
modelo e apresentadora (I – 16 / 08 / 01).
“Eu
vou entertenir
vocês”.
Luciana Gimenez, apresentadora da
Rede TV!,
que
jura
já
estar conseguindo
raciocinar
em
português (V – 24 / 01 / 01).
Os
exemplos,
nos
três
casos, falam
por
si. Os
locutores
são estereotipados
tanto
por
meio de
suas próprias
falas
como
através das
falas de
outrem. Os
editores,
talvez, façam
questão de
selecionar essas
falas,
em
detrimento de outras
que
não seriam
relevantes aos perfis estereotipados
que pretendiam
para os
personagens envolvidos.
Em
relação ao
primeiro
exemplo, é interessante
considerar o
contexto situacional: Ronaldinho
não havia sido convocado
para
aquele
jogo. Contrapondo-se aos
exemplos
acima, temos as
seguintes
orientações
para
jornalistas, do “Manual
de
redação e
estilo”, de O
Globo:
O
Jornal
não acolhe
manifestações de
preconceito e
só as registras
em
tom
ostensivo de
denúncia.
Isso inclui
preconceitos
sobre
etnia,
nacionalidade,
características
físicas
ou
mentais,
religião,
preferência
sexual etc.
[...].
Há
preconceitos nas
tentativas de
provocar o
riso do
leitor às
custas do
comportamento provinciano
ou de
falta de
elegância de
alguns
personagens (GARCIA, 2003: 119-120).
Aos
dois
preceitos, acrescenta-se
que,
também, o
jornalista recebe
orientação
para
não
divulgar
declarações
aparentemente absurdas, se
não as
confirmar, antecipadamente,
com o declarante:
As
pessoas
mais equilibradas podem
fazer
declarações
aparentemente absurdas, contrariando
suas próprias
idéias,
fatos
conhecidos
ou
senso
comum. Uma
vez estabelecido
que o declarante disse
isso
mesmo – e o fez
intencionalmente – a
declaração deve
ser registrada, obrigatoriamente acompanhada de
informação
sobre
sua
natureza
fora do
comum (GARCIA, 2003: 40).
Diante disso, constata-se o
óbvio: a “teoria” é
subjugada à
prática,
pois
mais
vale à
mídia
vender do
que
respeitar
suas próprias
regras e,
muito
menos, as
pessoas, esquecendo-se,
mesmo, de
um
outro
aspecto
que defende, o de
que “a
ofensa é
definida
por
quem a recebe,
não
por
quem a comete” (GARCIA, 2003: 119).
MARCAS
DO
EDITOR
NOS
PROCESSOS
CONSTITUTIVOS DO
GÊNERO
‘FRASE’
Por
conta dos
processos constitutivos do
gênero
textual
em
estudo, várias
estratégias discursivas podem
ser identificadas, destacando-se
entre
elas:
a.
Os
editores podem
escolher
espaços discursivos
distintos
para o
mesmo
tópico referencial
ou informativo.
b.
Os
editores retextualizam as
falas dos
locutores
segundo
critérios
subjetivos.
Por
isso,
mesmo estando
entre
aspas, as
falas podem
apresentar variações
lexicais, sintáticas,
semânticas e
pragmáticas.
c.
Os
editores (re)contextualizam as
falas retextualizadas a
fim de situá-las nas subjetividades deles
próprios
ou,
talvez
melhor,
em “seus”
contextos (admitindo-se,
para o
pronome “seu”,
toda a
carga de
ambigüidade permissível nessa
construção semântico-sintática).
Retextualização e (re)contextualização: os
espaços discursivos
A
primeira das
estratégias discursivas
acima consiste no
fato de os
editores poderem
escolher
espaços discursivos
distintos
para o
mesmo
tópico referencial
ou informativo.
Quanto à
escolha de
espaços discursivos
distintos
para
um
mesmo
tópico, convém
considerar
que
ele,
quando
não é retextualizado,
geralmente, é (re)contextuali-zado.
Como a retextualização e a (re)contextualização
são
tarefas do
editor, poder-se-ia
considerar o
resultado
como
algo
uno e
indivisível,
não fossem o
uso de
aspas na
parte retextualizada, induzindo o
entendimento de
transcrição
literal da
fala,
ou seja, de
ela
ser
textual
ou,
pelo
menos, disso se
aproximar, e o
fato de a (re)contextualiza-ção
ser,
totalmente, da
responsabilidade
interpretativa do
editor.
A
fala, na retextualização, é caracterizada
como
discurso
direto (DD),
como
indicativo do
status discursivo de
citação
direta. O
enunciado
deixa “aparecer o
discurso de
origem
através de ‘janelas’
com
aspas” (MOUILLAUD, 2002: 136,
destaque do
autor).
Quando a
informação integra a (re)contextualização, há uma
visível
mudança no
status do
enunciado, tendo-se
em
vista os
enunciados,
em uma
primeira
situação, conservarem
determinados
graus de
exterioridade e,
em uma
segunda, ao serem manipulados
por
um
editor, apresentarem
diferentes
graus de
aproximação
ou afastamento.
No
Quadro 01,
adiante, cotejamos
exemplares
textuais
que apresentam
espaços discursivos
distintos
para
um
só
tópico referencial. Na
coluna da
direita, tecemos
breves
comentários.
Quadro 01 –
Espaços discursivos
distintos
para
um
mesmo
referente.
RETEXTUALIZAÇÕES |
(RE)CONTEX-TUALIZAÇÕES |
COMENTÁRIOS
|
“Os
animais
não
podem
ficar
enjaulados
em
apartamentos.
Tenho
um
irmão
excepcional,
que
gritava
muito
quando
era
pequeno
e incomodava os
vizinhos.
Por
isso
não
podíamos
morar
em
apartamentos.
Assim
é
também
com
os
animais”.
Vera
Loyola, “socialite” (I – 24 / 01 / 01). |
“Tenho
um
irmão
excepcional
que
gritava
muito
quando
era
pequeno
e incomodava os
vizinhos,
por
isso
não
podíamos
morar
em
apartamento.
Assim
é o
caso
dos
animais”.
Vera
Loyola, “socialite”,
explicando
por
que
é
contra
ter
bicho
de estimação
em
apartamento
(V – 24 / 01 / 01). |
Verifica-se
que
o
tópico
informativo sublinhado ocupou
espaços
discursivos
distintos.
No
primeiro
exemplo
[71], o
editor
utiliza o DD, reproduzindo a
fala
da locutora,
inclusive
reforçado
pelo
uso
das
aspas.
Em
[137], o
editor
opta
por
colocá-lo
em
seu
espaço
discursivo. |
“Nós
temos
hoje
a
consciência
de
que
acelerar
a
economia
demais
acaba levando a uma derrapagem, uma
colisão”.
Armínio
Fraga,
presidente
do
Banco
Central
(E – 26 / 02 / 01). |
|
O
tópico
“acelerar
a
economia”,
no
exemplo
[138], está na retextualização e
em
[139] aparece na (re)contextualização,
em
forma
parafrástica – “o
crescimento
da
economia”,
complementando o
sentido
da retextualização (acelerar
o
quê).
Considerando-se o
segundo
exemplo
isoladamente,
não
é
possível
identificar
se a
paráfrase
resulta de
voz
do
locutor
ou
é uma
voz
assumida
pelo
editor. |
Nota –
Destaques
nossos.
Os
exemplos confirmam
que os
editores podem
trabalhar
indistintamente
com os
tópicos, inserindo-os na retextualização
ou na (re)contextualização. Desse
modo,
um
contexto
lingüístico poderá transformar-se
em
contexto situacional
ou
vice-versa, ocorrendo uma retextualização
ou uma (re)contextualização.
Mais do
que uma
opção
lingüística de
construções sintáticas e
decisões de
localização do
tópico informativo, essa
prática discursiva revela uma
prática
social: a do “quarto
poder”
que se apropria das
falas
ou
vozes
sociais, manipulando-as,
pois, no
dizer de Mouillaud (2002: 119), “o
jornal tem a
tendência a
tratar os
enunciados dos
quais
não é o
autor
como se fossem
seus”.
As
marcas do
editor na retextualização
Neste
item, abordaremos a
segunda
estratégia discursiva, a de
que “os
editores retextualizam as
falas dos
locutores
segundo
critérios
subjetivos.
Por
isso,
mesmo estando
entre
aspas, as
falas podem
apresentar variações
lexicais, sintáticas,
semânticas e
pragmáticas”. A retextualização das
falas
segundo
critérios
subjetivos é
estratégia de
fácil
comprovação,
pois,
mesmo sendo destacadas
com
aspas, delimitando-se as
vozes dos
locutores, as
falas podem
apresentar variações
lexicais, sintáticas,
semânticas e
pragmáticas. Se
bem
que,
em
muitos
casos,
não seja
possível
analisar essas variações separadamente,
pois é
mais do
que
sabido
que, na
língua
em
uso,
elas estão inter-relacionadas.
A
explicação
que Marcuschi (2001b) dá
para a
prática de retextualização é
significativa
para o
material
que estamos estudando.
Para o
autor,
sempre
que repetimos
ou relatamos o
que
alguém disse,
até
mesmo
quando pretendemos citá-los ipsis verbis,
estamos transformando, reformulando, modificando e recriando uma
fala
em
outra. O
processo de retextualização “envolve
operações complexas
que interferem
tanto no
código
como no
sentido e evidenciam uma
série de
aspectos
nem
sempre bem-compreendidos da
relação oralidade-escrita” (MARCUSCHI, 2001b: 46).
Segundo
ele, é
comum realizarmos
ações
lingüísticas
bem complexas,
quando repassamos
para
alguém
algo
que
nos foi informado
por
outrem. Os
casos de retextualização apresentam
graus de
interferência
muito
grandes,
pois intervimos
tanto na
forma e
substância da
expressão,
como na
forma e
substância do
conteúdo, sendo
que, nesse
segundo
conjunto, a
questão se
torna
muito
mais
delicada e
complexa.
Dois
pontos
são
destacados no
processo de retextualização (editoração):
a
eficácia
comunicativa e a gramaticalidade do
texto.
Assim, se o
editor
respeitar
esses
dois
aspectos, pode-se
considerar
que o
processo de retextualização é
aceitável,
já
que
não se
trata de
um
gênero
que é “genuinamente primeira-geração de
mensagem” (JONSON; LINELL
apud MARCUSCHI, 2001b: 64).
Na
prática da retextualização, observamos,
em
nosso
objeto de
análise,
desde a
colagem, passando
por
acréscimos de
termos e
informações, mudanças na
pontuação,
até alterações
semânticas
pequenas
ou,
mesmo, expressivas.
Colagem
Verificamos
que a
colagem da ‘fala’ se
dá
entre
revistas
diferentes, da
mesma
editora e de
editoras distintas.
Talvez pudéssemos
inferir
que as
revistas
com as
datas
posteriores é
que fizeram a
colagem,
contudo
esse
raciocínio
não é
seguro,
pois é
comum
revistas
com
datas de
meio de
semana
já começarem a
circular no
final da
semana
anterior.
No
Quadro 02, apresentam-se
alguns
casos de
colagem, envolvendo
diferentes
revistas. Na
coluna
central estão as retextualizações
comuns às
revistas indicadas nas
colunas
laterais,
em
que se identificam,
inclusive, as
editoras a
que pertencem.
Nas
retextualizações e (re)contextualizações há
indícios
ou
pistas de
que as
falas foram retextualizadas de
situações
orais e, no
entanto, todas
são
repetições
literais, uma da
outra,
independentemente de
seus
tamanhos.
Transposição
oracional
Transposição
oracional é
mais uma das
práticas do
editores
em
suas retextualizações:
Na
reprodução de
declaração
textual, seja
fiel ao
que foi
dito,
mas, se
não for de
relevância
jornalística, elimine
repetições de
palavras
ou
expressões da
linguagem
oral: hum, é, ah [...]
Para
facilitar a
leitura, pode-se
suprimir
trecho
ou
alterar a
ordem do
que foi
dito –
desde
que respeitado o
conteúdo (MANUAL...
2001: 39,
destaque
nosso).
Exemplos (destaques
nossos):
“Sou
safado.
Se
não
existissem
leis,
namoraria a
mulher
do
próximo”.
Dorival Caymmi,
músico (I – 19 / 09 / 01).
“Se
não
existissem
leis,
namoraria a
mulher
do
próximo.
Sou
safado”.
Dorival Caymmi,
músico (T – 14 / 09 / 01).
Quadro 02 –
Colagens nas retextualizações
(RE)CONTEXTUA-LIZAÇÕES |
RETEXTUALIZAÇÕES |
(RE)CONTEXTUA-LIZAÇÕES |
Editora
Três
Irene Ravache,
atriz,
sobre os
critérios
usados
pelos
diretores
para
escalar
novas
atrizes (I
– 07 / 02 / 01). |
“Se uma
atriz
iniciante
me
pedisse
conselhos,
eu
diria: cuide do
bumbum
e tenha
um
filho
com
um
jogador
de
futebol”. |
Editora
Globo
Irene Ravache,
atriz (E –
05 / 02 / 01). |
Editora
Três
Anadyr Rodrigues,
corregedora-geral da
União, cansada das
críticas
feitas a
sua
aparência
(I – 28 / 04 / 01). |
"Tenho
o
direito
de
ser
feia,
pô!" |
Editora
Abril
Anadyr
Rodrigues, corregedora-geral da
União, chateada
com as
críticas
que fazem
de
suas
roupas e
de
sua
aparência (V
– 02 / 05 / 01). |
Editora
Globo
David Zylbersztajn,
da
Associação
Nacional
de
Petróleo,
sobre
seu
silêncio
acerca do
acidente
com a
plataforma
da Petrobrás (E – 02 / 04 / 01). |
"Daqui a
pouco
vão
pedir
para
me
manifestar
também
sobre
a
queda da Mir”.
|
Editora
Abril
David Zylbersztajn,
da
Agência
Nacional
do
Petróleo, irritado
com os
que
criticam
seu
silêncio
sobre o
acidente
com a
plataforma
P-36 (V – 04 / 04 / 01). |
Alterações
semânticas
Embora o
tópico
anterior inclua alterações
semânticas, vamos,
agora, retomá-lo de
forma
um
pouco diferenciada,
pois queremos
apontar as alterações sintáticas
ou
lexicais
que causam mudanças
semânticas
mais acentuadas na
fala do
locutor.
No
gênero
textual ‘frase’,
embora a
voz citada conserve
indicativo de
exterioridade,
por
força,
principalmente das
aspas, podemos
verificar
que o
editor “é
senhor do
efeito
que confere às
vozes
que reproduz” (MOUILLAUD, 2002: 121).
Esse
efeito pode
resultar no
distanciamento
entre o
que é citado e
sua
legitimação. Os
textos do
gênero ‘frase’ estão
caracterizados
por
um
dispositivo
ou
estrutura
espacial
que superpõe às
vozes do
locutor a do
editor. Essa
disposição contribui
para
que o
locutor,
em
vários
casos, seja
privado da
propriedade de
seu
discurso. O
editor,
como
um arquilocutor, utiliza-se da
fala do
locutor
para reescrevê-la e reinterpretá-la
segundo
sua
prática
social.
Marcuschi (2001b)
chama
atenção
para a
ocorrência de
falseamento no
processo de retextualização. Chamamos,
aqui,
esse
falseamento de “alteração
semântica”.
Abaixo, no
Quadro 3,
um
demonstrativo dessas alterações, estando
elas acompanhadas de
comentários
que julgamos
pertinentes.
Quadro 3 – Alterações
semânticas
EXEMPLOS |
COMENTÁRIOS |
[1] “Sou da
época dos
cantinhos
escuros,
onde
se quebrava
um
lampião
na
frente
da
casa
da
namorada
e acontecia
tudo
o
que
se
vê
hoje”.
Mário
Lago,
ator (I – 21/03/01). |
[2] “Sou da
época dos
cantinhos
escuros,
quando
se quebrava
um
lampião
na
frente
da
casa
da
namorada
e acontecia
tudo
o
que
se
vê
hoje”.
Mário
Lago,
ator (E – 28 / 03 /
01). |
Alterações:
Em [1]
opta-se
por “lugar”:
“onde”
–
época dos cantinhos.
Em [2]
opta-se
por
apenas “tempo”,
“aspecto
temporal”:
“quando”
–
época dos cantinhos.
Com
essas
escolhas,
os
editores
fazem
com
que o
leitor
“flutue” (nuvem
flutuante
de pressuposições – Douglass, 2002)
entre os
efeitos
de
sentido
que dará
a
fala do
locutor,
ao
fixar
um
ou
outro
paradigma. |
[1] “Drogas
são
prejudiciais
à
saúde”.
Fernandinho
Beira-Mar,
traficante,
em
depoimento
à
Comissão
de
Direitos
Humanos
no
Congresso
(I – 23 / 05 / 01). |
[2] "Não
fumo,
não
bebo,
não
cheiro,
não
jogo.
Droga é
prejudicial
à
saúde”.
Fernandinho
Beira-Mar,
traficante
carioca
preso na Colômbia,
em
depoimento
na
Câmara dos
Deputados
(V – 16/05/01). |
A
diferença
marcante
é
que
em [1]
há uma
estrutura
lingüística
impessoal,
sem
sujeito,
como se
o
locutor
assumisse a
voz da
consciência
social,
e
em [2]
destaca-se a subjetividade do
locutor
ao
negar várias
ações (não
fumo,
não
bebo,
não
cheiro,
não
jogo)
para
reforçar a
estrutura
lingüística
impessoal
final (Droga
é
prejudicial
à
saúde),
bem
como
para
reforçar
sua
defesa
diante
de
seus
interlocutores
institucionalizados (A
Comissão
de
Direitos
Humanos,
da
Câmara de
Deputados),
ou
mesmo
sua
estratégia
de
estar ‘politicamente
correto’. |
[1] “Na TV,
os
programas
são
mais
dirigidos
para as
mulheres.
Tenho
certeza
de
que
são
elas
que
mandam
em
casa”.
Daniel
Filho,
diretor
de TV (E – 21 / 05 / 01). |
[2 “A
mulher
é
quem
manda
na
televisão
em
casa.
O
homem
pega
carona,
é
mais
fingido”.
Daniel
Filho,
diretor
de
televisão
e
autor do
livro
O
Circo
Eletrônico,
ao
jornal
O
Globo
(T – 20 / 05 / 01). |
Observemos as alterações:
Em [1],
“tenho
certeza
de
que
são
elas
que
mandam
em
casa”
e,
em [2],
“a
mulher
é
quem
manda
na
televisão
em
casa”,
revelando
leituras
sociais
bem
diferentes.
Em [1],
a
leitura
é,
ainda,
mais
reforçada,
devido à
expressão
“tenho
certeza”.
Envolvendo
um
aspecto
social
ainda
muito
controvertido,
a
voz
masculina
que
afirma a “certeza”
de
que as
mulheres
é
que
mandam
em
casa
revela uma
mudança
de
paradigma
em uma
sociedade
masculinizada
ou uma
referência
jocosa a
essa
perspectiva. |
[178] “Eu
não
sou
apenas
um
pedaço de
carne
de
açougue.
Também
tenho
cérebro”.
Nana
Gouvêa,
modelo, eliminada do
programa
Casa dos
artistas
e magoada
com o
SBT
por
ter exibido as
cenas
em
que
ela
aparecia seminua (05 / 12 / 01). |
[01] “Eu
não
sou
um
pedaço de
carne
de
açougue.
Também
tenho
cérebro,
só
que
ele
é pequenininho”.
Nana
Gouvêa,
modelo, eliminada do
programa
Casa dos
Artistas
(T – 07 / 12 / 01). |
Esses
exemplos
são
típicos
de “enquadres desfocados” (MARCHUSCHI, 2003b),
porque
não se
evitou
um
recorte epistemológico
preconceituoso
em [01],
“só
que
ele é
pequenininho”,
que
prejudica a “face”
positiva
da locutora, criando uma
imagem
estereotipada.
A
partir desse
fragmento
de
fala, “só
que
ele é
pequenino”,
alguns
aspectos
podem
ser levantados:
a.
Por
que a
locutora afirmaria
isso de
si
mesma?
b.
Com
que
intencionalidade se reproduziu essa
parte da
fala?
c.
Se a locutora
não
falou
isso,
por
que foi
acrescentado na retextualização?
d.
Se a locutora falou
isso
em
tom
jocoso,
por
que
não se
ressaltou
esse
dado na
(re)contextualização?
Se a locutora falou
isso,
por
que
em [179]
não foi
retextualizado? |
As
marcas do
editor na (re)contextualização
Finalmente, a
última
estratégia: “Os
editores (re)contextualI-zam as
falas retextualizadas a
fim de situá-las nas subjetividades deles
próprios
ou,
talvez
melhor,
em “seus”
contextos”.
Há uma
categoria
importante
sobre a
qual necessitamos
discorrer,
pelo
menos, resumidamente: o
contexto. Todas as
teorias de
gêneros
textuais assumem
que “texto e
contexto
são
tão intimamente relacionados
que
um
não pode
ser concebido
sem o
outro” (HASAN, 1989: 52). E
isso ocorre de
tal
forma
que “todo
texto parece
levar
consigo algumas
influências do
contexto no
qual se produziu. Poderíamos
dizer
que o
contexto se introduz no
texto
porque influi
sobre as
palavras e
estruturas
que
seus
autores utilizam” (EGGINS; MARTIN, 1997: 338,
tradução
nossa). Eggins e Martin
ainda destacam
que o
texto é
tanto uma efetivação dos
tipos de
contexto
como uma
realização do
que é
significativo
para os
membros culturais nas
diferentes
situações.
Como
texto e
contexto estão
diretamente inter-relacionados,
então
qualquer
exame
mais particularizado do
processo
textual está
sujeito a uma
visão
mais
exata do
contexto
social
em
que o
texto veicula
discursos (MOTTA-ROTH, 2000). É
por
isso
que “os
textos
são
sempre
realizações situadas, contextualizadas e
com
propósitos
bem
definidos. Contém
escolhas léxicas, sintáticas e
realizações
estilísticas,
registros, etc.
muito
bem
determinados” (MARCUSCHI, 2001a: 2).
Conforme o
posicionamento de Martin (1996), a
teoria do
gênero foi
desenvolvida
como uma
teoria do
contexto
social,
ou seja,
como uma
teoria do
processo
social constituindo uma
cultura do
ponto de
vista da
linguagem.
Como
tal, o
modelo aborda a
relação
entre
linguagem e
contexto
social
em
termos de “realização”,
ou seja, a
linguagem é
entendida simbolicamente,
tanto construindo o
contexto
social
como sendo construída
por
ele e,
também, reconstruindo-o,
permanentemente.
A
opção
pelo
termo (re)contextualização, e
não contextualização
ou,
mesmo, recontextualização,
como seria presumível, permite
entender
que o
editor
registra
sua subjetividade
através de
escolhas
lexicais e de
estrutura, de supressões
ou de alterações
semânticas e outras tantas
estratégias discursivas.
Como
são essas
estratégias o
fio
condutor da (re)contextualização,
elas
tanto podem
ser
comuns
entre os
editores,
como a estrutura-padrão do
gênero ‘frase’,
quanto
pessoais, as
que permitem
opiniões dos
editores e revelam os
graus de
sua
presença
ou
preferências na (re)contextualização.
Colagem
Geralmente, a
colagem na (re)contextualização resume-se aos
casos
em
que os
editores utilizam
apenas a
identificação dos
locutores e
um
aposto.
“Minha
mãe
me considera
simpático. Os
outros,
não sei.
Eu
só tenho
certeza a
respeito da
minha
mãe”.
José
Serra,
Ministro da
Saúde (I – 04 / 04 / 01).
“Minha
mãe
me considera
simpático. Os
outros,
eu
não sei.
Eu
só tenho
certeza a
respeito de
minha
mãe”.
José
Serra,
Ministro da
Saúde (E – 30 / 04 / 01).
Paráfrase
(destaques
nossos)
"Não
estamos escolhendo a miss Brasil,
mas
o
presidente
do Brasil”.
Anthony Garotinho,
governador
fluminense, numa
referência a
Roseana Sarney,
pré-candidata do PFL à
sucessão
de FHC (V – 05/12/01).
"Não
estamos escolhendo a Miss Brasil,
mas
o
presidente
do Brasil”.
Anthony Garotinho,
governador do
Rio de
Janeiro, referindo-se ao
desempenho da governadora Roseana Sarney
nas
pesquisas de
opinião na
corrida presidencial (E – 03 / 12 / 01).
Alterações
semânticas
À
semelhança da retextualização, estamos reunindo os
casos de alterações
que resultam
em profundas mudanças
semânticas na (re)contextualização. Teceremos
breves
comentários
em
relação aos
fenômenos observados.
Quadro 4 – Alterações
semânticas na (re)contextualização
EXEMPLOS |
COMENTÁRIOS |
[1] “Ele
é
lindo,
frágil
e
perfeito”.
Gerald Thomas,
diretor
teatral,
justificando
por
que
escolheu o
ator
Reynaldo Gianecchini
para
protagonizar a
sua
nova
peça
inspirada
em
Hamlet, de Shakespeare (I – 31 / 01 / 01) |
[2] “Preciso
de
um
ator des-
preparado
para
viver
um
príncipe
depre parado”. Gerald Thomas,
diretor
teatral,
justificando a
montagem
de O
Príncipe
de Copacabana,
peça
baseada
em
Hamlet,
com
o
galã
Reynaldo Gianecchini (V – 31/01/01). |
[3] “Preciso
de
um
ator
despreparado
para
mostrar
uma
pessoa
despreparada no
mundo
de
hoje”.
Gerald Thomas,
diretor
de
teatro,
sobre
Reynaldo Gianecchini (E – 12 / 03 / 01). |
Há
grandes
diferenças
semânticas
entre as
três
(re)contextua-lizações:
Em 1], a
justificativa
da
fala
recai
sobre o
ator (reforçando a
retextualização).
Como o
recorte da retextualização isolou uma
fala
que
utiliza
um
léxico
positivo
(adequado a
descrição
de
um
ídolo),
não
apresenta comprometimento
para a “face”
do
ator mencionado
pelo
locutor.
Já as
outras duas (re)contextuali-zações, associadas às retextualizações,
comprometem a “face”
do
ator. |
[06] “Estou
feliz
com
os
meus
peitinhos
pequenos,
mas
sinceros”.
Nívea
Stelmann,
atriz,
afirmando
que
não
pensa
em
colocar
silicone
nos
seios (I
– 23 / 05 / 01). |
[07] “Estou
feliz
com
meus
peitinhos
sinceros”.
Nívea
Stelmann,
atriz,
sobre a
hipótese
de
aumentar os
seios
com
silicone
(E – 21 / 05 / 01). |
[08] “Sou
feliz
com
os
meus
peitinhos
pequenos
e
sinceros”.
Nívea
Stelmann,
atriz (T
– 27 / 05 / 01). |
Os
editores
de [06] e [07] apresentam
interpretações
diferentes
na (re)contextualizações.
Em [06],
o
uso do
verbo “afirmar”
pelo
editor
não é
coerente
com a
fala da
locutora,
embora a
inferência
de “que
não
pensa
em
colocar
silicone
nos
seios”
seja autorizada
para o recorte da
fala
apresentado.
A
hipótese
levantada
pelo
editor
de [07], entendemos,
não é
autorizada
pela
fala
retextualizada,
pois
a locutora afirma
que
está “feliz”
com
os
seios
como
são.
Em [08]
não há
uma
leitura
interpretativa
da
fala, a
interpretação
ou
inferência
cabe ao
leitor. |
Nota
–
Destaques
nossos.
Pragmática
"Não
acredito
em
Papai Noel”.
Mario
Bernardini,
diretor de competitividade
industrial da Fiesp, comentando a afirmação do
presidente FHC de
que o Brasil crescerá 3% neste
ano (V – 21 / 11 / 01).
Mário Bernardini,
diretor de competitividade
industrial da
Federação das
Indústrias do
Estado de
São Paulo (Fiesp),
sobre a
esperança do
presidente Fernando Henrique Cardoso de
que o PIB
brasileiro cresça 3%
este
ano (T – 23 / 11 / 01).
A
força ilocutória dos
enunciados manifesta-se nas
diferentes
escolhas discursivas dos
editores, envolvendo
dois
locutores. O
editor do
primeiro
exemplo (re)contextualiza a
fala
interpretativa de
um
locutor
que é o
principal, Mário Bernardini,
acerca da
fala de
um
outro
locutor, o
secundário,
que está
implícita no
texto, no
caso, a de Fernando Henrique Cardoso, utilizando-se
de
escolhas
lexicais, “afirmação” e “crescerá”. O
efeito de
sentido resulta na
intensificação da
crítica do
locutor
principal ao
locutor
secundário. O
editor do
exemplo
seguinte prefere
amenizar a afirmação do
locutor
secundário,
que foi
motivo de
crítica do
locutor
principal: “esperança”, “de
que [...] cresça”. Essa
estratégia discursiva resulta
em
um
efeito de
sentido
em
que a
crítica do
locutor
principal, Mario Bernardini,
já
não seja
tão
relevante.
CONCLUSÃO
GÊNERO
‘FRASE,
UMA
AMOSTRA
DO
DISCURSO
MIDIÁTICO
As diversas
estratégias
lingüísticas e discursivas, utilizadas
pelos
diferentes
editores,
conforme se demonstrou neste
estudo, concorrem
para
evidenciar as
práticas
sociais
em
que se apóia o
discurso
midiático.
Esse
discurso “flui de
maneira
constante e
ininterrupta, encadeia
enunciados
que se apresentam
habitualmente de
forma
acabada, escondendo os
seus
processos de
gestação” (RODRIGUES, 2002: 217).
Esse
efeito de
completude, essa exteriorização de
forma
acabada, na
verdade, resulta de
estratégias discursivas
que camuflam o
processo de
enunciação.
Uma
outra
forte
função
estratégica do
discurso
midiático é
naturalizar os recortes
arbitrários (RODRIGUES, 2002: 223)
que o
editor executa
nos
diversos
discursos de
que se apropria, sejam os de
instituições sejam os de
indivíduos.
Como afirma Mouillaud,
válida a
repetição do
trecho citado no
início do
capítulo, “o
jornal
não está
mais centrado
sobre o
dizer de
origem,
mas
sobre
sua
interpretação” (MOUILLAUD, 2002: 138).
No
gênero
em
estudo, verificamos
que os
processos de retextualização e (re)contextualização
são utilizados
como
práticas de
edição
para
atingir essa
naturalização. Os
vários
textos utilizados
para
exemplificar
esses
processos confirmam
tanto os recortes
arbitrários,
feitos
pelos
editores,
como expõem as diversas
estratégias discursivas
que
são usadas
para a
naturalização desses recortes.
Conseqüentemente, podemos
afirmar
que a
prática discursiva do
gênero “frase” repete,
obviamente, o
que é
comum
em
todos os
meios midiáticos,
qual seja, o da
prática
jornalística
como uma
grande
fábrica de retextualizações. Todas as
informações
são
sempre reprocessadas, rescritas,
novamente produzidas,
ou
melhor,
em
nossos
termos, retextualizadas e (re)contextualizadas,
pois,
como é
sabido, as
fontes
são,
quase
que praticamente, as mesmas, as
agências noticiosas.
Elas
são poucas
em
relação ao
número de
unidades de
mídia e,
em
função disso, funcionam
como
sistemas
onipotentes de
difusão. O
fato pode
ser facilmente comprovado, se olharmos os
jornais de
um
mesmo
dia, de
vários
Estados
nacionais e,
mesmo, de
vários
países: verificaremos,
sem
dificuldades,
que
são
todos retextualizações das mesmas
fontes, as poucas
agências
internacionais existentes.
Como
já ressaltamos neste
trabalho, Brémond e Brémond (2002) asseveram
que poucas
multinacionais controlam as
informações recebidas
pelo
público.
Como essas
empresas noticiosas,
sem
dúvidas, se norteiam
segundo
seus
interesses,
linhas editorais,
inclusive
questões de rentabilidade,
elas exercem
um
controle
que se traduz
em
evidente
exercício de
poder, impondo
padrões
que uniformizam a
oferta
editorial,
tanto
em
termos de
pontos de
vista
quando de
conteúdos.
Bibliografia
BERGER, Christa. Do
jornalismo:
toda
notícia
que couber, o
leitor
apreciar, e o anunciante
aprovar, a
gente publica. In: MOUILLAUD, Maurice;
PORTO, Sérgio D (orgs.). O
jornal: da
forma ao
sentido. 2ª ed, Brasília:
Universidade de Brasília, 2002, p. 273- 284.
BRÉMOND, Janine; BRÉMOND, Greg.
Las
redes ocultas de la edición. Madrid:
Popular, 2002.
DOUGLASS, Herbert E.
Mensageira do
Senhor.
Tatuí:
Casa Publicadora, 2002.
EGGINS, Syzanne; MARTIN, John R.
Géneros y
registros del
discurso. In: DIJK, Teun
van (org.). El
discurso
como estructura y proceso. Estudios
del
discurso: introducción multidisciplinaria 1,
Barcelona: Gedisa, 1997, p. 335-371.
FAIRCLOUGH, Norman.
Discurso e
mudança
social. Brasília:
Universidade de Brasília, 2001.
––––––. El análisis
crítico del
discurso
como
método
para la investigación en ciencias
sociales. In: WODAK, Ruth; MEYER, Michel (eds.).
Métodos de análisis
crítico del
discurso. Barcelona: Gedisa, 2003, p.
179-203.
GALILEU (Revista)
Mensagem
pessoal recebida
por
eliaspedrosa@uol.com.br em: 11 fev.
2002.
GARCIA, Luiz (org).
Manual de
redação e
estilo: o
Globo. 28ª ed.
São Paulo:
Globo, 2003
HASAN, Ruqaiya. The structure of a
text. In: HALLIDAY, M. A. K.; –––. Language, context, and text:
aspects in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press,
1989, p. 52-69.
KLEIMAN, Ângela B.
Apresentação. In: DIONÍSIO, Ângela P. et alii.
Gêneros
textuais e
ensino.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 2002, p. 7-12.
MANUAL de
redação da
Folha de
São Paulo. 7ª ed.
São Paulo: Publifolha, 2001.
MARCUSCHI, Luiz A.
Gêneros
textuais: o
que
são e
como se constituem.
Recife: 2000 (Material
cedido
pelo
autor).
––––––.
Gêneros discursivos &
oralidade e
escrita: o
texto
como
objeto de
ensino na
base de
gêneros.
Recife: PG
em
Letras – UFPE, 2001a (mimeo).
––––––. Da
fala
para a
escrita:
atividades de retextualização.
São Paulo: Cortez, 2001b.
––––––.
Gêneros
textuais.
Recife: 2002a. (apostila).
––––––.
Gêneros
textuais
emergentes e
atividades
lingüísticas no
contexto da
tecnologia
digital. In:
Reunião
anual do
grupo de
estudos
lingüísticos de
São Paulo, 50, 2002b,
São Paulo: USP (mimeo).
––––––.
Gêneros
textuais:
definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO,
Ângela P. et alii.
Gêneros
textuais e
ensino.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 2002c, p. 19-36.
––––––. A
questão do
suporte dos
gêneros
textuais.
Recife: 2003a (Material
cedido
pelo
autor).
––––––.
Fala e
escrita.
Recife, 2003b (apostila).
MARTIN, John R. Evaluating
disruption: symbolizing theme in junior secondary narrative. In: HASAN,
R.; WILLIAMS, G. (eds.). Literacy in society. London / New York: Longman,
1996, p. 125-171.
MOTTA-ROTH, Desirée.
Gêneros discursivos no
ensino de
línguas
para
fins
acadêmicos. In: FORTKAMP, Mailce B.M.;
TOMITCH,
Leda M.B. (orgs).
Aspectos da
Lingüística aplicada. Florianópolis:
Insular, 2000, p. 167-184.
MOUILLAUD, Maurice. O
sistema de
citações. In: MOUILLAUD, Maurice;
PORTO, Sérgio Dayrell (orgs). O
jornal: da
forma ao
sentido. 2ª ed, Brasília:
Universidade de Brasília, 2002, p. 117-144.
RIBEIRO, Silvana.
Placar (Revista) – Atendimento ao
leitor [mensagem
pessoal] recebida
por
eliaspedrosa@uol.com.br em: 06 fev.
2002.
RODRIGUES, Adriano Duarte. Delimitação,
natureza e
funções do
discurso
midiático. In: MOUILLAUD, Maurice;
PORTO, Sérgio Dayrell (orgs.). O
jornal: da
forma ao
sentido. 2ª ed. Brasília:
As pressuposições
podem,
em
muitos
casos,
dirigir o
leitor
para ‘ver’
apenas o
que está interessado
em
ver,
assim ao
relegar algumas
informações,
ele
fixa
paradigmas
que o norteia
em
sua
leitura.
...........................................................................................................................................................
|
Copyright © Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos
|