A MPB VAI À ESCOLA
UM PROJETO DE PESQUISA
AÇÃO E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
A PARTIR DO GÊNERO CANÇÃO POPULAR BRASILEIRA
Adelino Pereira dos Santos (UNEB)
Considerações Teóricas
Um indivíduo letrado, isto é, que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica-as, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2001:79). De que maneira a escola pode contribuir efetivamente para o processo de letramento de seus alunos, de modo que estes venham a ser leitores e produtores eficientes de textos, assumindo sua condição de cidadãos por direito e de fato ?
O minicurso “Projeto Pedagógico de Língua Portuguesa – Uma proposta de ensino a partir dos gêneros textuais” que se constitui numa primeira etapa do projeto A MPB Vai à Escola se desenvolve como uma reflexão e tentativa de responder à questão proposta, oferecendo a professores do ensino fundamental e médio, notadamente aqueles que se dedicam às séries iniciais do ensino fundamental, subsídios teóricos e práticos para elaboração de projetos pedagógicos para a disciplina Língua Portuguesa a partir dos diversos gêneros textuais orais e escritos que circulam na sociedade. Tendo como objetivo principal refletir sobre práticas pedagógicas da disciplina, dimensiona o texto como o conteúdo precípuo do trabalho de ensino e aprendizado. Como objetivos específicos, o mini-curso busca definir gêneros e tipos textuais, discursos e domínios discursivos, diferenciando-os e delimitando-os de modo que se possam prestar a abordagens pedagógicas no ensino fundamental e médio. Os professores são instruídos a elaborar objetivos, “conteúdos”, procedimentos metodológicos, processos e recursos de avaliação da aprendizagem e do ensino em projetos pedagógicos por eles estruturados. Analisam-se ainda concepções de língua e de gramática subjacentes a projetos pedagógicos que abordem os gêneros textuais como o conteúdo do ensino e aprendizagem de língua portuguesa.
SOARES (2001:67) alerta que mesmo sob uma perspectiva individual torna-se difícil definir letramento devido à extensão e diversidade das habilidades individuais concernentes à aquisição, apropriação e uso da leitura e da escrita em práticas sociais. Apesar dessa dificuldade, sente-se cada vez mais intensamente a necessidade de as escolas de ensino fundamental e médio caminharem em busca de parâmetros e suportes teóricos seguros e, sobretudo, práticas pedagógicas que efetivamente possam contribuir para o processo de letramento de seus alunos, obviamente dentro dos limites e possibilidades que envolvem o ensino.
Por outro lado, assumir uma concepção sociointeracionista de língua(gem) é igualmente procurar estudar a língua em suas diversas realizações, nos infinitos processos de interações sociais que as criaturas humanas se envolvem no fazer da cultura, ao longo de toda a vida.
Assim sendo, a escola, talvez a principal agência de letramento que se conhece, não pode negligenciar nem recalcitrar ante sua responsabilidade de tornar seus alunos em leitores e produtores dos mais diferentes gêneros textuais, que não apenas circulam na sociedade, mas cujo domínio se torna a chave de acesso aos bens culturais e econômicos produzidos diariamente em grande escala.
Os estudos na área de linguagem têm evoluído muito nos últimos dez anos e também muito se tem publicado Brasil afora sobre letramento, gêneros textuais, discurso e ensino de língua portuguesa numa perspectiva sociointeracionista da linguagem. Este projeto, por exemplo, começou a ser pensado logo após a leitura livro da professora Irandé Antunes, publicado pela Parábola Editorial, em 2003. Apesar disso, contudo, e ainda a despeito de programas e parâmetros curriculares dos órgãos oficiais responsáveis pelo ensino, parece que as escolas de ensino fundamental e médio, notadamente os colégios públicos, tornam-se a cada dia mais incompetentes no ensino de língua portuguesa, isto porque as políticas oficiais não têm dado prioridade ao que seria fundamental para reverter esse processo: a formação adequada dos professores e, sobretudo, sua valorização profissional, traduzida em seu bem estar econômico e disponibilidade de tempo.
Saliente-se também que mesmo professores com formação específica no curso de Letras continuam infensos a uma abordagem metodológica significativa em relação ao ensino de língua portuguesa, seja por razões ideológicas que asseguram a sobrevivência de uma tradição estritamente metalingüística de ensino, seja por comodidade ou ainda por, também de natureza ideológica, aquilo que BAGNO (1999) chamou de comandos paragramaticais.
No que diz respeito aos livros didáticos, as últimas publicações têm trazido inovações relevantes pelo abandono das velharias gramatiqueiras e pela inserção do texto, alguns até abordando os gêneros textuais, como objeto de estudo, especialmente após as exigências do MEC quanto à seleção e classificação por número de estrelas dos livros a serem distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático. O problema, contudo, ainda persiste porque o professor de língua portuguesa, notoriamente aqueles que se dedicam às séries iniciais do ensino fundamental, nem sempre tem a competência e o discernimento que se espera para seleção adequada desses materiais e, sobretudo, para saber usá-los sem ser paradoxalmente usados por eles.
Realizando-se numa dimensão mais pragmática da área pedagógica, este trabalho quer ser um contributo à prática do professor de português e caracteriza-se por afastar-se da pura crítica, subsidiando-o teórica e metodologicamente para assumir em suas aulas a dimensão sociointeracionista da linguagem.
O professor e pesquisador Luiz Antônio Marcuschi, em livro coordenado por DIONÍSIO, MACHADO & BEZERRA (2002) diferencia gêneros de tipos textuais, conceituando os primeiros como realizações lingüísticas concretas, definidas por propriedades sócio-comunicativas. Assim sendo, os gêneros textuais constituem textos empiricamente realizados, cumprindo funções em situações comunicativas. Sua nomeação, conseqüentemente, abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função. Este autor apresenta como exemplo de gêneros textuais o telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo virtual, aulas virtuais, etc.
Quanto aos tipos textuais, Marcuschi os define como constructos teóricos definidos por propriedades lingüísticas intrínsecas e afirma que constituem seqüências de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos. Assim sendo, sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal. São designações teóricas dos tipos narração, argumentação, descrição, injunção e exposição.
O autor chama a atenção para não se confundir texto e discurso, já que apesar das muitas discussões a respeito, pode-se compreender texto como uma entidade concreta, realizada materialmente e corporificada em um gênero textual. Discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos. Em outros termos, os textos realizam discursos em situações institucionais, históricas, sociais e ideológicas. Citando Robert de Beaugrande, Marcuschi afirma que os textos são acontecimentos discursivos para os quais convergem ações lingüísticas, sociais e cognitivas.
Na perspectiva dos gêneros textuais, usa-se ainda a expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios discursivos não são textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos. Do ponto de vista dos domínios discursivos, fala-se em discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso, etc.
Para este pesquisador, em relação ao ensino de uma maneira em geral, e na sala de aula em particular, pode-se tratar dos gêneros e levar os alunos a produzirem ou analisarem eventos lingüísticos os mais diversos, tanto escritos como orais, e identificarem as características de gênero em cada um. É um exercício que, além de instrutivo, também permite praticar a produção textual. A relevância maior de tratar os gêneros textuais acha-se particularmente situada no campo da Lingüística Aplicada. De modo especial no ensino de língua, já que se ensina a produzir textos e não a produzir enunciados soltos. Para este autor, vale enfim repisar a idéia de que o trabalho com os gêneros textuais será uma forma de dar conta do ensino dentro de um dos vetores da proposta oficial dos Parâmetros Curriculares Nacionais que insistem nesta perspectiva. Tem-se, assim, a oportunidade de trabalhar tanto a oralidade como a escrita em seus usos culturais mais autênticos sem forçar a criação de gêneros que circulam apenas no universo escolar.
Este projeto também se desenvolve no sentido de seguir as orientações de POSSENTI (2002) em seu artigo “Um programa mínimo”, igualmente constante das referências anexas, quando afirma que se ouve muito dizer que as universidades propõem medidas abstratas, inaplicáveis, ou sem base, devidas à inexperiência com as questões e com os alunos reais. Desse jeito, seguem-se aqui suas sugestões, orientando-se professores com propostas mais tentadoras do que as práticas pedagógicas tradicionais, tanto nas aulas como nas avaliações. Para ele, os professores de língua portuguesa deveriam centrar suas atividades nos seguintes pontos de trabalho:
a) práticas de leitura de materiais os mais variados (jornais, revistas, textos literários, com ênfase em textos literários bem escolhidos, com base no interesse dos alunos e na relevância para a memória cultural) em alta escala, e na própria escola, tão logo os alunos dominem os mecanismos básicos da escrita. Antes disso, que os professores leiam para eles, de forma que o contato quotidiano com textos escritos se torne constitutivo da vida escolar. Como convencer alunos de que é importante que leiam, se nas aulas não há tempo para essa prática e se há tempo para tantas outras, talvez inúteis ?
b) prática de escrita constante, várias vezes ao dia, todos os dias: narrativas, comentários, resumos, paródias, paráfrases, diários, cartas, bilhetes, etc. De novo, como convencer alunos de que escrever é relevante, se não se escreve na escola e, principalmente, se os professores não escrevem nem mesmo quando os alunos escrevem? Sírio Possenti propõe muita leitura e muita escrita simplesmente porque é assim que se aprende a ler e a escrever. Para ser prático, o autor acrescenta que o tempo para essas atividades será o que vai sobrar quando as atividades sem sentido forem efetivamente abandonadas.
c) como a língua é um domínio de marcação de identidades e, muito freqüentemente, de discriminação, a escola deve assumir a obrigação de dar ênfase aos aspectos da língua que são exatamente os pretextos para a discriminação social.
Ainda quanto ao especificamente lingüístico, é ainda este autor, em seu livro “Por que (não) ensinar gramática na escola” (1996), que considera importante que não se façam experiências no ensino de língua materna porque “se o experimento fracassa, não se desperdiçam materiais, mas pedaços de vida” (p. 16). Assim, destaca que não tem dúvidas de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Em que consistiria o domínio do português padrão? Pergunta o autor e ele mesmo responde em seguida, que do ponto de vista da escola (embora não só) trata-se da aquisição de determinado grau de domínio da escrita e da leitura. Sendo evidentemente difícil fixar os limites mínimos satisfatórios que os alunos deveriam poder atingir, sugere que a escola se proponha como objetivo de seu projeto pedagógico em língua portuguesa que os alunos, aos 15 anos de vida e 08 de escola, escrevam, sem traumas, diversos tipos de textos (narrativas, textos argumentativos, textos informativos, atas, cartas de vários tipos, etc.; pode-se excluir a produção de textos literários dos objetivos da escola, já que literatos certamente não se fazem nos bancos escolares; o máximo que se pode esperar é que eles não se percam) e leiam produtivamente textos também variados: textos jornalísticos, como colunas de economia, política, educação, textos de divulgação científica em vários campos, textos técnicos (aí incluído o manual de declaração de imposto de renda, por exemplo) e, obviamente, e com muito destaque, a literatura. No final do ensino médio, deveriam conhecer a literatura contemporânea e os principais clássicos da língua. Seria bom que conhecessem também, nesse nível de formação escolar, pelo menos alguns dos principais clássicos da literatura universal, pelo menos nas edições condensadas.
Este projeto, contudo, não se propõe a ser uma receita a que o professor passe a seguir como um elixir infalível para os seus problemas de ensino de língua portuguesa. Ao contrário, apesar de sua dimensão pragmática visa a despertar no professor a sua criticidade e criatividade e aumentar ainda mais as suas inquietações no sentido de que se disponha a sair do lugar muitas vezes cômodo, mas pouco produtivo, em busca de um ensino de língua portuguesa mais condizente com as demandas sociais de uso da linguagem que a todos nos circundam.
Primeiros Resultados
Os primeiros contatos com os professores foram extremamente tensos, acostumados que estavam a uma prática pedagógica em que se priorizavam “conteúdos tradicionais” de caráter metalingüístico. Muitos deles disseram que trabalhavam com textos, mas através do relato de suas experiências percebia-se que o texto era apenas um pretexto para o ensino da gramática normativo-prescritivista. Atividades tais como “retire do texto um substantivo coletivo, dois adjetivos e um verbo no imperativo” eram rotineiras, e o processo de produção textual mais comum viria a ser “olhe para o desenho (um cavalo, um parque, um balão) e conte uma história”. O que muitos deles compreendiam como atividade de interpretação textual era a simples transcrição do título do texto, escrever o nome dos personagens (sempre em evidência o tipo narrativo) e “quem disse o que para quem?”.
Nesse estado de coisas, nossa primeira tarefa seria gerar dúvidas sobre a eficácia dessas atividades, através de discussões com os alunos-professores sobre diferentes concepções de gramática, definições de texto e textualidade, relação e perspectivas entre oralidade e escrita, além de apresentar “visões” da sociolingüística sobre normas X padrão, variação e preconceito lingüístico.
Após exemplificação e orientações práticas, os alunos-professores foram convidados à elaboração de um planejamento pedagógico que contemplasse as quatro primeiras séries do ensino fundamental, de forma seqüencial e que tivesse o texto como o conteúdo precípuo do ensino de língua portuguesa.
Trabalhando em equipes de quatro componentes, os primeiros trabalhos, em rascunhos, ainda apresentavam perspectivas extremamente tradicionais, em que o texto era colocado somente nos procedimentos metodológicos, sendo que tinha como objetivos gerais e específicos, por exemplo, identificar no texto verbos no tempo x ou y.
Solicitados a analisar as concepções de língua e gramática e implicações político-pedagógicas subjacentes a esses planos-rascunhos, surgiram novos momentos de tensão porque os alunos-professores resistiam em admitir, embora já “visualizassem”, a ineficácia de um ensino voltado tão somente para classificação de palavras e tempos verbais. “Sempre fizemos assim...”, “É isso que está certo...”, “Retiramos de um livro didático, portanto, está certo”, “Sempre ensinamos com parlendas e trava-línguas e os alunos gostam”.
Tensão e resistência. Após muitas negociações, contudo, e sobretudo leituras e releituras cuidadosas das referências bibliográficas sugeridas, os trabalhos finais, intitulados “Um Programa Mínimo”, em homenagem ao texto homônimo de Possenti, de modo geral apresentaram uma substancial melhoria de qualidade, conforme se pode depreender da análise do plano resumidamente transcrito abaixo, elaborado com vista a uma 3ª série do ensino fundamental, retirado de um desses programas.
O planejamento de curso resumido a seguir foi elaborado por quatro professoras, alunas do Programa de Formação de Professores da Universidade do Estado da Bahia, em convênio com prefeituras municipais – REDE UNEB 2000 - curso de Pedagogia com habilitação nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Naquele momento, as professoras cursavam o 4° semestre, todas com faixa etária entre 22 e 28 anos, 2 a 5 anos de experiência em sala de aula:
PROGRAMA MÍNIMO PARA A 3ª SÉRIE
Apresentaram a seguinte justificativa:
A leitura e a escrita são instrumentos de conhecimento do mundo e das relações sociais que contribuem para a construção do próprio sujeito. É neste sentido que a escola deve direcionar o ensino, trazendo textos que possibilitam (sic) um maior nível de letramento.
Para a primeira unidade selecionaram o gênero notícia como foco de trabalho em sala de aula, apresentando cinco objetivos:
1 – Desenvolver um trabalho de linguagem que proporcione ao aluno observar, perceber, descobrir e refletir sobre o mundo;
2 – Perceber e analisar o texto jornalístico como de suma importância para a vida social;
3 – Adequar notícia escrita para jornal falado;
4 – Analisar sinais de pontuação que orientem a leitura e a compreensão;
5 – Diferenciar palavras quando usadas no sentido próprio ou figurado.
Os aspectos relacionados à metodologia, recursos e avaliação centraram-se no processo de elaboração de um telejornal para apresentação em sala de aula, aspectos relacionados à pesquisa sobre fatos e acontecimentos relativos à vida da cidadezinha onde a escola se situa, leitura de jornais e revistas, assistir a programas jornalísticos de TV, entre outros.
Para a II unidade, as professoras selecionaram o gênero poema, apresentando como aspecto mais significativo “pesquisa e entrevistas com poetas da terra”, como um dos procedimentos metodológicos. Já na III unidade as professoras selecionaram como conteúdo o que denominaram de “documentos bancários mais comuns”, dinamizados em linguagem oral: discussão sobre documentos e procedimentos bancários; linguagem escrita: preenchimentos de envelopes, folhas de cheques, carta de solicitação de serviços e, como análise lingüística a escrita de numerais. Nesta unidade, selecionaram como procedimentos metodológicos:
1 – Visita a uma agência bancária;
2 – Palestra sobre a tecnologia bancária com pessoas que entendam do assunto;
3 – Explicar sobre saldos e extratos;
4 – Simulação de um banco na sala de aula onde os alunos farão transações bancárias.
5 – Atividades de preenchimento de cheques, envelopes para depósitos;
6 – Escrever uma carta ao gerente de um banco solicitando esclarecimentos sobre problemas em conta corrente.
Para a IV unidade, as professoras selecionaram como conteúdo de ensino-aprendizagem o gênero ata, enfocando como aspecto oral a participação em reuniões para discussão de problemas relacionados à escola e como linguagem escrita aspectos formais de uma ata, tais como data e local da reunião, participantes e objetivos. Destacaram ainda como aspectos da textualidade a estrutura específica do gênero ata e como análise lingüística a pontuação, pronomes de tratamento e reflexões ortográficas.
Como atividade complementar da IV unidade, selecionaram o gênero bula de remédio, colocando como objetivo identificar, ler e interpretar uma bula de remédio.
Considerações finais:
POSSENTI (1996) adverte que para que um projeto de ensino de língua seja bem sucedido é necessário que se tenha clareza do que seja uma língua e do que seja uma criança. Para alcançar tal clareza, continua o autor, o que dispensaria um professor de português de uma leitura minuciosa de uma vasta literatura de lingüística e de psicologia é “ler meia dúzia de textos bem escolhidos” (p. 21).
Os primeiros resultados obtidos com o mini-curso Projeto Pedagógico de Língua Portuguesa – Uma proposta de ensino a partir dos gêneros textuais, primeira etapa do projeto A MPB Vai à Escola, vêm a ser uma comprovação dessa verdade expressa por Possenti. A partir da leitura de um punhado de textos bem escolhidos, os professores foram capazes de modificar suas concepções prévias de língua e de gramática, adotando o texto e a textualidade como principal objetivo do trabalho em sala de aula, expressando ainda uma concepção de planejamento pedagógico e ensino de língua portuguesa articulados com o funcionamento das instituições sociais a que todos estamos, de alguma forma, inseridos. Nessa perspectiva, a escola passa a assumir o seu papel de principal agência de letramento do educando.
Vê-se, no plano de curso descrito acima, a língua como um trabalho em funcionamento nas entrelinhas dos diversos gêneros textuais selecionados, oralidade e escrita numa perspectiva não dicotômica e funcional, leitura e produção em função da coerência textual e análise lingüística voltada para os elementos coesivos textuais, mediada pela significação e pelo contexto histórico-social.
Cremos tratar-se de um planejamento de curso numa perspectiva sociointeracionista da linguagem, tal qual descrita por ANTUNES (2003).
Uma análise cuidadosa dos trabalhos de todos os professores que participaram do mini-curso revelaria, por certo, uma série de equívocos, contradições talvez, mas que de modo algum diminuiriam o mérito dos trabalhos, visto que, ao final, conseguiram desvencilhar-se de equívocos maiores em relação à concepção de língua e de gramática a que estavam a serviço.
Neste artigo, procuramos deixar em evidência que a Instituição Universitária muito ainda tem a oferecer a alunos e professores no que se refere à mudança qualitativa no ensino de língua portuguesa a que tanto almejamos. Iniciativas iguais a essa podem ser, quem sabe, um passo no caminho.
Referências
ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.
BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola: o que é, como se faz. 18ª ed. São Paulo: Loyola, 2004.
COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e Textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
DIONÍSIO, Ângela Paiva. MACHADO, Anna Rachel. BEZERRA, Mª Auxiliadora (Orgs.). Gêneros Textuais e Ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
DIONÍSIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Mª Auxiliadora. (Orgs.) O livro didático de português: múltiplos olhares. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
KAUFIMAN, Ana Maria; RODRIGUEZ, Mª Helena. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996.
POSSENTI, Sírio. Um programa mínimo. In: BAGNO, Marcos. Lingüística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
........................................................................................................................................................... |
Copyright © Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos |