Vc tb escreve axim?
Uma
análise do léxico
nos blogs de adolescentes

Carmen Pimentel (UERJ)

 

Introdução

Com as novas tecnologias da informação, muitas pessoas estão cada vez mais utilizando a Internet para se comunicar. Através de e-mails, blogs, orkut e chats[1], podem-se contatar pessoas de qualquer parte do mundo para trocar correspondência, conversar, pesquisar, estudar, informar-se. O que mais chama a atenção é o intenso uso da escrita nesses meios eletrônicos, mas uma escrita com características específicas, próprias. Com a Internet, a escrita ganha um novo espaço, mas com algumas variantes pertinentes a esse meioabreviações, símbolos e maneiras de usar a língua de forma econômica devido à fluidez do meio. Surge um novo jargão? Uma nova variação lingüística? Mattoso Câmara Jr. (1980:27) diz que

a língua é, de maneira geral, coletiva; mas cada um de nós tem certas peculiaridades lingüísticas, ou pelo menos preferências, e há assim, de certo modo, múltiplas línguas individuais, ou idioletos (...). O estilo é em princípio, individual, (...) mas os traços estilísticos coincidem, em grande parte, nos indivíduos de uma sociedade lingüística (...).

Então nesse meio eletrônico estaria surgindo uma sociedade lingüística com suas peculiaridades ou seria apenas uma transcrição da linguagem oral para a escrita sem a preocupação da formalidade gramatical?

Como a língua é utilizada na Internet numa relação mais íntima com a oralidade, a preocupação com a correção diminui e em muitos casos encontraremos textos com vocabulário mais relaxado e estruturas gramaticais inadequadas à norma culta. Os blogs utilizam uma escrita menos monitorada e, portanto, mais livre nos aspectos morfológicos e lexicais. Existe aqui, portanto, uma relação mais contundente entre a oralidade e a escrita.

Analisar o uso da linguagem e termos específicos para verificar a provável formação de uma gíria para esse meio é um dos objetivos desse trabalho. Como o aprimoramento da Língua acontece a partir do momento em que se deseja transmitir informações e se quer ter a certeza de que o interlocutor compreenderá a mensagem, mais um uso da Língua Portuguesa se faz presente: o possível dialeto da Internet ou uma escrita eletrônica. Cabe aqui estabelecer relações entre a oralidade e a escrita, entre a língua culta e a coloquial e entre texto escrito no papel e texto escrito no meio digital.

 

Blogs

Blogs são diários eletrônicos ou diários virtuais divulgados na Internet. O termo é uma corruptela de WEBLOG (WEB – a rede de computadores mundial – e LOG – tipo de diário de bordo). É como se fossem sites com temas específicos e desenvolvidos por qualquer pessoa que tenha algo a contar. Utilizam o texto escrito como base, mas permitem outras mídias como som, imagens, pequenos vídeos. São, portanto, eventos multimídia.

O que os diferencia dos diários “de papel” é que estes não foram feitos para serem lidos por qualquer pessoa, pois funcionam como um amigo confidente e muitas vezes carregam chaves para que fiquem fora do alcance de leitores indesejados. chegam à publicação os autorizados para isso. aqueles são publicados na Internet pelo próprio autor, para que qualquer pessoa do mundo leia e comente. Isso faz com que os blogs tenham uma característica distinta dos diários que é justamente o segredo. Na verdade, quem escreve confidências ou intimidades em um blog, quer que todos saibam de seu segredo.

Qualquer blog possui uma entrada para receber comentários. Isso os torna interativos, abertos à participação. Tais entradas permitem deixar breves anotações para o autor do blog, possibilitando o exercício da argumentação. O leitor, então, passa a ter uma outra atividade no processo – a de co-autor ou leitor participativo ou, ainda, leitor/autor.

Os blogs apareceram no final dos anos 90 e hoje em dia, acredita-se, existe um milhão de blogueiros (escreventes de blogs) espalhados pelo mundo. Aliás, essa é uma das características dos blogsmuitos não têm nem a identificação de onde são. A idéia é trocar informações e divulgar opinião e sentimentos, não importando muito quem ou de onde é o autor. Forma-se uma grande rede social de divulgação de saberes.

Existem muitos blogs feitos por adolescentes que relatam suas experiências diárias como as noitadas com a turma, quem ficou com quem, filmes a que assistiram, seus relacionamentos com os pais etc. Também existem blogs criados por jornalistas, escritores, religiosos, políticos etc. O objetivo de todos, no entanto, é o mesmodivulgar idéias através da produção textual para que o mundo todo tenha acesso. O que os diferencia é a linguagem: dos adolescentes, informal; os outros, mais cuidada.

Devido às suas característicaspoder ser sempre atualizado; ter facilidade de utilização; a publicação de textos é sem limite de tamanho; permitir o armazenamento de várias versões; para cada texto publicado há espaço para comentários de outras pessoas (interatividade)[2]; é disponível a todos (livro aberto), entre outras – os blogs podem ser utilizados no contexto educacional. Permitem a troca entre grupos, a organização de conteúdos, o exercício da argumentação, a participação de vários alunos sem restrições (timidez, tempo, número de alunos), a elaboração de projetos com acréscimo de diferentes mídias, entre outras possibilidades. Esses blogs permitem aos estudantes produzir informação a partir de suas próprias conclusões, motivando-os e valorizando seu trabalho.

 

A escrita na Internet

A comunicação acontece porque existe uma espécie de acordo entre os componentes de um grupo para utilizarem determinada variedade lingüística. É o caso da Internet. Os usuários de blogues (principalmente os adolescentes) optaram por uma forma de escrita com características próprias e passaram a se comunicar através dela. Pode-se chamar esse fenômeno de linguagem digital ou virtual ou, ainda, eletrônica.

Para Minchillo e Cabral (1994, prefácio), escrever é uma constante e difícil procura da situação certa, da palavra adequada, da idéia atraente. (...) Não existem regras, mas existem recursos que, bem trabalhados, resultam numa narrativa interessante. A partir dessa idéia dos autores, de que para escrever é necessário que haja um conjunto de recursos que resultarão em um texto interessante, é que irei à busca desses recursos que os escritores de blogues[3] utilizam para sua produção escrita na Internet.

Primeiramente abordarei a questão da criação de comunidades virtuais que surgem em torno de um blogue. Isso pode justificar o uso da linguagem adotada pelos jovens. Depois, uma análise das marcas de oralidade que aparecem nos textos dos blogues; e, a seguir, os neologismos e abreviações provenientes da escrita eletrônica. Por fim, será feita uma breve discussão a respeito de alguns termos utilizados nesse meio em função do teclado ou de programas de computador que não suportam til, acentos e cedilha.

 

As comunidades virtuais

Esse meio de comunicação – o blogue – favorece a criação de comunidades virtuais, que reúne pessoas de diferentes lugares e culturas para discutirem sobre assuntos de comum interesse. Para Marcuschi (2004:22), uma comunidade é uma coleção de membros com relacionamentos interpessoais de confiança e reciprocidade, partilha de valores e práticas sociais com produção, distribuição e uso de bens coletivos num sistema de relações duradouras. Se transferirmos essa definição para o ambiente dos blogues, teremos como membros os usuários (autor e leitores), a produção é o próprio texto escrito coletivamente; e, como os blogues estão na Internet desde o final dos anos 90, poderíamos considerá-los duradouros.

Comunidades virtuais são grupos que surgem dentro do espaço virtual – a Internet, por exemplo – e que mantêm uma rede de informações e afinidades. As comunidades virtuais criaram novas formas de sociabilidade em que está presente a sensação de pertencimento. O ambiente virtual passa a ser um novo local de interação social. No entanto, nem sempre podemos considerar este tipo de ambiente (como os chats, blogues, listas de discussão, sites) como comunitário, pois seus membros usufruem do espaço virtual de duas maneiras diferentes: (a) com uma permanência temporal e compartilhando do espírito comunitário ou (b) sem nenhum vínculo afetivo ou temporal.

Para Rheingold (2000), é necessário que haja interesses compartilhados, sentimento comunitário e perenidade nas relações para que se tenha uma comunidade virtual. É preciso motivação para que uma comunidade continue com vigor e intensidade. Howard Rheingold aponta também, como grande vantagem das comunidades virtuais, a possibilidade de se entrar num assunto desejado imediatamente, através de tópicos armazenados na memória de determinada comunidade mediada por computador.

É nesse sentido, de comunidade com permanência temporal, vínculo afetivo e interesses compartilhados, que surge uma linguagem comum como motivação para que o grupo continue a se “encontrarcom intensidade e continuidade. Seria uma espécie de pacto, a criação desse dialeto[4] como uma marca desse grupo.

Se a linguagem utilizada pelos jovens nos blogues pode ser considerada um dialeto, significa que ela tem características próprias, mas sem prejudicar ou interferir na compreensão e na intercomunicação entre pessoas que falam a Língua Portuguesa. Podemos, então, considerar esse dialeto como sendo um fenômeno social, pois utilizado por um determinado grupo de pessoas, de certa faixa etária e condição social; e, também, como um fenômeno geográfico, no sentido espacial da palavra, que um espaço virtual.

A linguagem de um grupo fornece pistas a seu respeito: a que classe sócio-cultural pertence, quais as características dos falantes ou escritores, como idade, sexo, nacionalidade etc. Leite e Callou (2004:7) dizem que “é na linguagem que se refletem a identificação e a diferenciação de cada comunidade e também a inserção do indivíduo em diferentes agrupamentos, estratos sociais, faixas etárias, gêneros, graus de escolaridade”. Dessa forma, o grupo que participa de um blogue usando um dialeto, diferencia-se do resto, criando uma identidade própria.

Além disso, também podemos constatar que a linguagem dos blogues tem marcas fortes de oralidade, pois é como se fosse a representação escrita de uma conversa, não presencial e assíncrona, mas ainda uma expressão oral através do textual escrito. Mais uma vez fica caracterizada a existência de um dialeto da Internet.

 

As marcas de oralidade

A principal diferença entre a linguagem escrita e a linguagem oral está na situação de interação. Na linguagem oral, os interlocutores estão face-a-face e fazem uso de recursos entonacionais e gestuais, de sobreposição de vozes, de repetições, correções, entre outros eventos. Na linguagem escrita, muitas vezes não se sabe nem quem vai ler o texto. Na escrita, tem-se tempo para reelaborar o que se quer escrever, existe o cuidado com a gramática e as escolhas lingüísticas. Preti (2004:18) afirma que a tendência, pois, é atendermos com mais atenção às regras da gramática tradicional, embora o coloquial possa também fazer parte de nosso estilo.

No caso dos blogues, os interlocutores se conhecem (ou não!), ou virtualmente ou pessoalmente, mas não estão ao mesmo tempo no espaço da conversa. Cada um escreve sua mensagem em momentos diferentes, mas com características de conversação. A escrita de um texto por um interlocutor é comentada por outro que responde novamentetudo assincronamente. Por ter essa forma de conversa, o texto fica carregado de marcas de oralidade.

No caso da Internet, em que seus textos apresentam características ora da fala ora da escrita, nãopreocupação mais intensa com a formalidade dos textos e o uso da língua culta.

Preti enumera estratégias conversacionais empregadas durante um diálogo. Algumas delas podem ser observadas em um blogue[5]. São elas a riqueza prosódica; as interrupções sintáticas; a mudança de tópicos durante a conversação; hesitações; repetições e paráfrases; parentéticas; a sobreposição de vozes; os marcadores conversacionais; períodos curtos; frases incompletas; uso de gírias, entre outras (op.cit.:121,124).

Na observação da escrita virtual – de um blogue, por exemplo – percebe-se que há uma transposição da língua falada para o texto escrito, pois não existe um planejamento prévio nem elaboração da escrita, muito menos de reescrita com a finalidade de correção. A impressão que se tem é que o autor pensa e escreve no mesmo momento, sem nenhum distanciamento, quase como se fosse uma gravação de sua fala.

O que se pode concluir é que:

Não existe variante boa ou má, língua rica ou língua pobre, dialeto superior ou inferior. O que ocorre é uma variabilidade na produção, muitas vezes determinada por fatores sociais, que não é exclusiva de uma língua, é universal e inerente a todas. (Leite e Callou [2004:7])

Por isso a linguagem usada pelos adolescentes em blogues, ou em outros ambientes da Internet, não deve ser considerada comocheia de errosou como umempobrecimento da língua”, mas sim como mais uma variante da língua portuguesa e, pelo contrário, rica em criatividade. O importante é que se compreenda que esse tipo de variante é pertinente ao meio eletrônico e tão somente a ele, devendo ter-se o cuidado de não fazer uso dessa linguagem em outras situações de comunicação.

Ainda como marcas de oralidade, os blogues apresentam símbolos, pontuação excessiva, gírias e neologismos. Estes últimos criados, muitas vezes, especificamente para o meio.

Os símbolos também são conhecidos como emoticons (do inglês emotion + iconsícones que exprimem emoção) e são, geralmente, representados por carinhas que mostram os sentimentos do autor. Elas são confeccionadas com o próprio teclado, apesar de hoje em dia se tê-las disponíveis para inserir no texto com seu formato definitivo[6].

A pontuação expressiva é muito utilizada nos textos de blogues. Como ferramenta de representação do gestual e da entonação, o uso de exclamações, interrogações e reticências é bastante enfático. Outros recursos também muito aproveitados pelos escritores de blogues é a letra maiúscula e a repetição de letras, que funcionam como uma alteração de voz, um grito ou uma ênfase na sílaba ou palavra. No exemplo abaixo, podemos observar esses recursos e sua utilização:

Terça-feira, Maio 03, 2005

ATENÇÃO!!!

É
com prazer que hoje inauguramos a nova sessão do nosso blog. E com vocêêêêês... TÃNÃNÃÃÃÃÃÃÃÃ...


- O LIVRO DE RECEITAS DO CHEF JOSÉ FRANCISCO (TAMBÉM CONHECIDO COMO MEU PAI)


Receita de Hoje:

- PIPOCA DE MICROONDAS

(...)

em casa, retire a embalagem externa (para que o pacote possa "estuuUUUUFFAAAARRRR", enquanto as sementes de milho explodem dentro da embalagem interna!)


Recolhido do blogue: http://www.eeepa.blogger.com.br/ (em 18/05/2005 - trechos)

(Luciana Farias tem 16 anos (em 2005) e utiliza seu blog de diversas maneiras: para contar fatos ocorridos no dia-a-dia, transcreve diálogos que teve com as pessoas envolvidas, ou faz pequenas narrativas de suas lembranças. Também gosta de dar dicas sobre como fazer a mala, tirar dúvidas de informática, o que fazer com trabalhos urgentes, receitas, entre outras. Lu não escreve com abreviações, mas usa bastantes onomatopéias.)


 

Neologismos

O acervo lexical de uma língua viva está sempre se renovando. No caso da língua portuguesa, atualmente, as maiores contribuições são de língua inglesa. Um dos motivos é o grande uso de equipamentos de informática, que, junto com a importação, trazem consigo vários termos específicos que são rapidamente incorporados e, em alguns casos, abrasileirados.

Alves (2004) apresenta uma série de tipos de neologismos que servirão de base para guiar a análise dos vocábulos utilizados pelos adolescentes em seus blogues. Os neologismos podem ser fonológicos, sintáticos, semânticos, por conversão, por empréstimo, além de outros processos.

O grande desafio é determinar em que categoria alocar os termos criados pelos usuários dos blogues. Poderíamos considerar os termos vc (você), tb (também), blz (beleza), bjs (beijos) como neologismos fonológicos, que sofreram transformações ao nível do significante, mas sem impedir que o leitor os compreenda adequadamente. Também poderíamos colocá-los no grupo dos neologismos sintáticos – da composição por siglas, ou acronímica –, em que “o sintagma é reduzido de modo a tornar-se mais simples e mais eficaz no processo da comunicação” (op.cit.:56), ao que a autora denomina economia discursiva.

Ainda no caso de neologismo fonológico, existe o tipo transformação gráfica, e podemos incluir as palavras akele (aquele), nkela (naquela), mew (meu), nunk (nunca), em que o grupo qu e o grupo ca foram substituídos pela letra k. Aquele por economia, este porque a letra k tem som equivalente a ca, o que também resulta em economia de escrita.

As onomatopéias também são muito utilizadas nos blogues. Como a intenção do autor é reproduzir a fala, a conversa, esse recurso é bastante usual. Para indicar que o autor está rindo, o recurso é rsrsrs (para risos), hahaha (para uma gargalhada), hehehe (para um sorriso maroto).

Nos vocábulos giriáticos, criados com a intenção de dificultar a compreensão por parte daqueles que não integram um determinado grupo, a neologia é muito produtiva (op.cit.:65). Este é o caso das palavras que surgiram a partir da unidade lexical blogue: blogar, blogueiro, blogagem. Estas novas palavras entraram para o vocabulário do usuário de blogues pelo processo de estrangeirismo integrado à língua receptora. Há aqui uma adaptação gráfica e morfológica.

Como neologismo sintático, muitas palavras que entraram na língua portuguesa pelo processo de estrangeirismo, passaram a incorporar o sufixo verbal ar, colocado nas palavras que sofreram adaptação do inglês para o português, como em blogar, postar e linkar.

Galli (2004: 127) diz que “a linguagem virtual possibilita ao indivíduo participar e inteirar-se dos acontecimentos sociais e universais, visto que ele está em contato com uma linguagem globalizada, conhecida também por culturas diversas”. A utilização da Internet acabou por produzir uma linguagem própria entre seus usuários, repleta de termos específicos que têm como finalidade facilitar a comunicação e agilizar o processo de interação.

 

Programas e teclados

Com base em pesquisa feita com jovens e adultos usuários de computadores e de Internet, consegui algumas justificativas para essa escrita tão peculiar dos blogues (e de outros meios de interação virtual). Dos mais velhos, a informação colhida trazia a explicação sobre os primeiros programas de computador desenvolvidos para a troca de e-mails. pelos fins da década de 80, trocavam-se os primeiros e-mails, através de programas sem interface gráfica e sem recursos que permitissem o uso de acentos, cedilha ou til nas palavras.

Esses programas eram em inglês, importados e ainda não traduzidos para a nossa língua. Como na Língua Inglesa nãopalavras com essas marcas lingüísticas, o programa não havia sido preparado para elas. A solução foi encontrar meios para grafar as palavras de maneira que não gerasse dúvida no leitor. É claro que, em muitos casos, o que aconteceu foi um processo de hipercorreção, pois essa dúvida certamente não existiria que todos os usuários tinham consciência do que se passava.

Aliado a isso, ainda havia a falta de algumas teclas e a disposição delas no teclado. Como este era americano, a tecla ç, por exemplo, não existia nos primeiros teclados importados ou fabricados aqui, mas ainda como cópias dos originais. Para digitar essa letra, era preciso teclar aspa simples (pois também não existia a tecla de acento agudo) e depois a letra c. Cabe aqui observar que os usuários muitas vezes não encontravam as teclas no teclado e desistiam de digitar acentos. Mas também havia o problema do programa de computador, que simplesmente não reconhecia acentos e cedilha e transformava essas marcas em símbolos ininteligíveis, atrapalhando a leitura e a compreensão do texto. A saída foi buscar alternativas.

A falta de possibilidade de acentuar as palavras fez com que se usasse a letra h para mostrar que ali deveria haver um acento agudo: eh (é), soh (), neh (né).

Por economia de digitação e/ou de tempo, alguns blogueiros adotaram a escrita da palavra não, por exemplo, na forma naum. Se analisarmos o teclado do tipo americano, que era o mais utilizado, era necessário digitar as teclas n-a-shift-til-o (cinco teclas) para escrever não. A forma naum usa quatro teclas.

Essas são as explicações que recebi ao perguntar para jovens e adultos sobre o porquê da escrita de blogues e de outros meios de comunicação na Internet serem dessa maneira abreviada, econômica e tão peculiar. No próximo capítulo reproduzo um trecho de um blogue em que todos esses termos aparecem. Além disso, ainda aponto para outras características desses tipos de textos.

 

Estudo de caso – O blogue de Alexis

Esse blogue representa como é a escrita na maioria dos blogues de adolescentes na Internet. Vários outros foram analisados e muitos deles utilizam esses termos abreviados, as formas de expressão com pontuação exagerada, as marcas de oralidade etc., como veremos:

  

 

Nome:Alexis
Idade:16 em 2004 (SP)

http://www.arekisu.blogger.com.br/ (já não está mais atualizando porque criou um outro novo) - trecho

 

Dani:...qtas brigas bestas...qse dexo de falar com vc q eu gosto tanto...desde akele feeesta da pontes....foi mto bom ter ido nkela festa, ter robado seu breguetin e emprestado meu palito pra vc...ainda bem q eu fui de bicao!hahaha...naum naum..gracas a voce consegui convite pra festa..mew...conte sempre cmg linda...vc eh mto especial pra mim(taum inteligente e esclerosada neh!hehehe)Bju!!!(nossa, vc me passando essa foto agora, vai demorar dois anos hein..pelo menos a gnte fica conversando por mais tempo!)

Bom...sexta eu fui numa festa...de uma tal de Natalia(faze oq...num conheco!) Soh consegui convite gracas a Dani(brigadao Dani!Te Adoro!)...para mim e pro Vitola....

O DJ era estiloso...fez uns remix la da hora..as vezes exagerava, mas blz...
e pros q duvidaram(Rugna, Denise e
pirralha da perua q eu eskeci o nome) eu num fikei bebado =] e nem sou bebado.....e nunk fikei beb....ah...essa parte pula
entao...acho q
eh soh...


Flw pessu!

 

Análise do blogue de Aléxis:

Abreviações

qtas (quantas)

qse (quase)

vc (você)

q (que)

mto (muito)

cmg (comigo)

bju (beijo)

gnte (gente)

oq (o que)

blz (beleza)

flw (falou)

 

 

Troca de letras

 

akele (aquele)

nkela (naquela)

naum (não)

mew (meu)

taum (tão)

eskeci (esqueci)

fikei (fiquei)

nunk (nunca)

pessu (pessoal)

num (não)

 

 


 

Falta de letra/acento/til

dexo (deixo)

faze (fazer)

voce (você)

as vezes(às vezes)

robado (roubado)

bicao (bicão)

brigadao (obrigado)

la ()

entao (então)

bebado (bêbado)

 

 

 

O nome do blogue

O nome do blogue no endereço da Internet (arekisu) é uma brincadeira com a pronúncia do nome do autor Aléxis, em que houve a troca do fonema /le/ por /re/ e o som da letra x foi representado pelo grupo /kis/.

 

Algumas trocas fonéticas

u final é substituído por w em mew (meu)

que, qua – ou é abreviado para q ou é substituído pela letra k

ca também foi substituído por k

ão por aum

São os neologismos fonológicos citados anteriormente.

 

A evolução da palavra você

A palavra você sofreu muitas mudanças ao longo dos tempos. foi Vossa Mercê, vossemecê, vosmecê, você, ocê, até a forma na fala atual. Segundo o Dicionário Aurélio Século XXI, existem cerca de 30 variações e formas paralelas no Brasil derivadas de Vossa Mercê. A adotada pela informática é vc.

 

Abreviações

As abreviações geralmente se dão pela manutenção das consoantes – vc, tb, mto, cmg. Isso nos remete à teoria de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986) sobre a hipótese silábica em que a criança, em fase de alfabetização, se encontra. A criança nesse nível utiliza as letras com atribuição de valor sonoro, ora vogais ora consoantes, para representar as palavras.

 

As faltas

As cedilhas não aparecem – graças, conheço – novamente por uma questão de economia. Para digitar a cedilha “gastam-se” tempo e teclas.

Substituição de acento agudo por h – eh, soh

 

Gírias

breguetin (breguetinho)              remix la da hora

bicao                                              perua

Importante ressaltar que o autor é de São Paulo, daí o uso de algumas expressões específicas da região – “meu”, “breguete”. Apesar da linguagem coloquial e informal, o uso de palavras como estiloso e esclerosada mostram um vocabulário um pouco mais apurado. No entanto, essas palavras foram empregadas com sentido pejorativo.

 

Pontuação

Uso excessivo de reticências como marca de hesitação. Falta de vírgulas e de ponto lógico mostram o descuido com as regras formais da língua e apontam para transcrição imediata da fala, sem distanciamento ou preocupação com a correção e com reescrita. No entanto, a opção pela pontuação expressiva demonstra que a preocupação está no nível da expressividade e da entonação, ou seja, da representação da forma oral da língua.

 

Marcas de oralidade

Parentética, hesitação (reticências), interrupção (brigadao Dani), marcadores conversacionais (bom... ah...), frases curtas, interrompidas. Muitas são essas marcas, o que vem comprovar a idéia de que os textos na Internet procuram ser a reprodução de uma conversa informal.

 

Gênero epistolar

Esse trecho corresponde ao registro de um dia, em resposta ao comentário de uma amiga (Dani). O autor começa o trecho com uma saudação – o vocativo Dani – e escreve o primeiro parágrafo para ela. O segundo parágrafo é dirigido a um público mais geral e pode-se perceber essa mudança de destinatário pela palavra Bom... e porque Dani é citada como referência no texto. Mas o autor sabe que Dani está lendo, poisconversacom ela nos parênteses. Ao final do texto, o autor se despede, não de Dani, para quem foi destinado o primeiro trecho, mas para um público maior e genérico (“Flw pessu” – Falou, pessoal).

Percebe-se aqui nuances do gênero epistolar nas marcas de saudação e despedida, nas conversas com o leitor, nas possíveis respostas que ele dá a esse destinatário. Mas, novamente, o cuidado com a correção é deixado de lado. O autor não procura uma uniformidade discursiva – o receptor varia como em uma conversa com mais de dois interlocutores, em que ora nos dirigimos a um ora a outro. Quando isso é transcrito, como no exemplo acima, temos a impressão de uma grande confusão, mas para os mais desavisados! Os jovens estão bastante acostumados com essa forma recortada de escrita e não demonstram nenhum estranhamento na leitura desses textos.

A partir do blogue de Aléxis, podemos constatar que essa linguagem é bem específica do meio em que é utilizada. De maneira geral, não apresenta dificuldade de entendimento, mas causa estranhamento nas primeiras vezes em que se o texto. É claro que para o que se destina – a comunicação entre jovenssua função foi cumprida.


 

Conclusões

Essa linguagem dos blogues (e também de outros meios da Internet) tem sido incorporada pelos jovens, e por adultos também, como forma de interagir socialmente e se comunicar com pessoas de todo o país (e do mundo, pois esse fenômeno ocorre também em outras línguas). Isso parece se dar por necessidade de comunicação ou por imposição social: ummodismo lingüístico”.

Esses termos e expressões estão difundidos na linguagem do dia-a-dia. Bilhetes, cartas familiares, anotações particulares contêm abreviações e empréstimos utilizados naturalmente, que essa linguagem se constrói a partir da língua comum com pequenas adaptações.

 

Transferência para o dia-a-dia

Muitos pais e professores estão preocupados com a escrita eletrônica. Acreditam que seus filhos e alunos estão desaprendendo o Português com o uso cada vez mais intensificado da Internet e seus meios de comunicação. Isso não tem fundamento, de maneira geral. A maioria dos adolescentes não trocou a escrita formal pela escrita da Internet. Pelas entrevistas que tenho feito, eles sabem que cada variante lingüística tem seu espaço para se manifestar. Um ou outro admitiu deixarescapar um vc ou um tb de vez em quando numa redação escolar. Mas, no geral, eles se policiam e procuram não misturar as situações. Cabe também aos professores e aos pais alertar os jovens sobre essa variação dialetal da língua e orientá-los quanto ao uso correto de cada uma.

 

A escrita internetês na Tv

Essa escrita, que está ficando conhecida como internetês, apareceu agora na Tv. O canal de televisão pago Telecine (NET) agora tem uma sessão de filmes legendados com essa linguagem. Uma vez por semana, um filme de interesse do público jovem é transmitido com legendas em internetês. Essas legendas são escritas por jovens que “traduzem” a legenda em português para essa linguagem. Segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo[7], o canal de Tv decidiu por essa alternativa por considerar que os jovens não assistiam mais a filmes nem programas da Tv, preferindo ficar no computador em salas de bate-papo ou navegando pela Internet. A solução foi usar a linguagem deles na Tv.

O dialeto da Internet, representada aqui pelos blogues, mostrou-se dominando vários espaços da sociedade. Isso faz com que pensemos sobre a utilização da língua como meio de comunicação e de socialização, principalmente quando disseminada por um meio tão amplo de divulgação.

 

Referências bibliográficas

ALVES, Ieda Maria. Neologismo: criação lexical. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2004.

CÂMARA Jr, Joaquim Mattoso. Princípios de lingüística geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1980.

Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1986.

GALLI, Fernanda Correia Silveira. Linguagem da Internet: um meio de comunicação global. In: MARCUSCHI, L. A. & XAVIER, A. C. S. (orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

LEITE, Yonne e CALLOU, Dinah. Como falam os brasileiros. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

MARCUSCHI, Luiz Antônio & XAVIER, Antônio Carlos. Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

MINCHILLO, Carlos Alberto & CABRAL, Isabel Cristina. A narração: teoria e prática. 7ª ed. São Paulo: Atual, 1994.

RHEINGOLD, Howard. The virtual community. Homesteading on the electronicfrontier. Cambridge, Massachusets. The MIT Press, 2000. Disponível no site do autor www.rheingold.com/index.html. Acessado em 28/7/2005.


 


 

[1] E-mail, blog, orkut e chat são ferramentas existentes na Internet para promover a comunicação entre pessoas do mundo inteiro. As três primeiras são assíncronas, funcionam como um correio eletrônico, em que se escreve uma mensagem e se recebe a resposta em um outro momento. o chat (ou bate-papo) é síncrono: escreve-se a mensagem e obtém-se a resposta no mesmo instante, como numa conversa telefônica.

[2] Para ver a estrutura de um blog pessoal: http://berinjelavoadora.blig.ig.com.br/ ; de um blog jornalístico: http://noblat.blig.ig.com.br/  e de um blog educacional: http://fisica2cec.blogspot.com/

[3] A partir de agora, não mais utilizarei o itálico para marcar essa palavra nem seus derivados, visto que ela se encontra adaptada à estrutura da língua, portanto aportuguesada (ou “abrasileirada”).

[4] Usaremos aqui a definição do dicionário Houaiss para a palavra dialeto.

[5] Ver o blogue de Aléxis, mais adiante.

[6] Algumas delas a título de ilustração: :-) J ;-) :-( L É preciso olhá-las de lado. O próprio editor de textos ou de e-mails faz a transformação para o formato de carinha (como nesses dois casos).

[7] Canal exibe filme para jovens em "internetês" (Folha de São Paulo - Cotidiano - 24/4/2005)

 

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