ESTILÍSTICA E POÉTICA NA MPB
Afrânio Garcia (UERJ)
O objetivo básico deste mini-curso é não apenas habilitar o professor de Português e Redação de primeiro e segundo graus (mas não só esses) a preparar uma aula bastante produtiva utilizando a música popular brasileira como elemento de trabalho, como também apresentar a alunos e professores a riqueza temática, estilística e poética presente neste vasto manancial.
Para tanto, estudaremos não só aqueles músicos que são considerados exemplos de excelência, como Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque, mas também músicos mais propriamente do povo, como Noel Rosa, Cartola e Zeca Pagodinho, de forma a dar um panorama bastante amplo da perícia lírica e textual de nossos compositores, sua perfeição estilística, sua competência poética, sua excepcional qualidade artística.
Pretendemos também com isso combater o preconceito lingüístico estulto e totalmente desvinculado da realidade (cujo maior representante parece-me ser o professor Marcos Bagno) , de que o português culto, elaborado, gostoso de se ler e ouvir é um apanágio da oligarquia dominante, como se o povo brasileiro em geral, independente de sua classe social, não fosse capaz de uma elaboração lingüística esteticamente relevante.
Basta uma ligeira olhada na obra de Zeca Pagodinho ou de Cartola (ambos sambistas vinculados diretamente ao morro, sendo que o segundo viveu, compôs, morou e morreu na favela) para nos darmos conta da sua enorme importância tanto musical quanto literária.
VERDADE (N. Rufino / C.Santana) |
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Descobri que te amo demais Descobri em você minha paz Descobri, sem querer, a vida Verdade Pra ganhar teu amor fiz mandinga E fui à ginga de um bom capoeira Dei rasteira na sua emoção Com o teu coração fiz zoeira Fui à beira de um rio e você Uma ceia com pão, vinho e flor Uma luz pra guiar sua estrada Na entrega perfeita do amor Verdade Descobri que te amo demais Descobri em você minha paz Descobri, sem querer, a vida Verdade |
Como negar essa linda emoção Que tanto bem fez pro meu coração A minha paixão adormecida Teu amor, meu amor incendeia Nossa cama parece uma teia Teu olhar uma luz que clareia Meu caminho tal qual lua cheia Eu nem posso pensar te perder Ai de mim, esse amor terminar Sem você, minha felicidade Morreria de tanto penar Verdade |
POSSO ATÉ ME APAIXONAR
(Dudu Nobre)Gosto que me enrosco
Dum rabo de saia
Quero carinho, quero cafuné
Esse teu decote me tira o sossego
Vem me dar um chamego, se você quiser
O seu remelexo é um caso sério
Esconde um mistério que eu vou desvendar
Mas você, piteuzinho
Faz logo um charminho pra me maltratar
Não faz assim
Que eu posso até me apaixonar
Faz assim
Que eu posso até me apaixonar
Fingindo inocente
Toda saliente
Vem me olhando diferente
Chego a estremecer
Meu Deus, que avião
Chamando minha atenção
E balança meu coração
E quer me enlouquecer
Machuca esse teu nego
Eu não vou pedir arrego
Não vou fraquejar
Você fazendo jogo duro
Só penso no teu sussurro
Dentro de um quarto escuro
Querendo me amar
Pedaço de mau caminho
Esse seu umbiguinho
Me deixa em desalinho
Juro que não ligo
Já é do metiê
Por uma saia de crochê
Ou um belo bustiê
Só pra acabar comigo
Senhor como é que
Pode
Essa nega no pagode, chega pra abalar
O corpo queimado de praia
Blusa tomara-que-caia
Noite inteira na gandaia
Ela só que sambar
Não faz assim...
CASO SÉRIO (Rita Lee – Roberto de Carvalho)
Eu fico pensando em nós dois
Cada um na sua
Perdidos na cidade nua
Empapuçados de amor
Numa noite de verão
Ai, que coisa boa!
À meia-luz, a sós, a toa
Você e eu somos um
Caso sério
Ao som de um bolero
Dose dupla
Românticos de Cuba Libre
Misto quente
Sanduíche de gente
AMOR E SEXO
(R. Lee / R. de Carvalho / A.Jabor)
Amor é um livro – Sexo é esporte
Sexo é escolha – Amor é sorte
Amor é pensamento, teorema
Amor é novela – Sexo é cinema
Sexo é imaginação, fantasia
Amor é prosa – Sexo é poesia
O amor nos torna patéticos
Sexo é uma selva de epiléticos
Amor é cristão – Sexo é pagão
Amor é latifúndio – Sexo é invasão
Amor é divino – Sexo é animal
Amor é bossa nova – Sexo é carnaval
Amor é para sempre – Sexo também
Sexo é do bom – Amor é do bem
Amor sem sexo é amizade
Sexo sem amor é vontade
Amor é um – Sexo é dois
Sexo antes – Amor depois
Sexo vem dos outros e vai embora
Amor vem de nós e demora
FOLHA MORTA (Ary Barroso) |
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Sei que falam de mim Sei que zombam de mim Oh, Deus! Como sou infeliz! Vivo à margem da vida Sem amparo ou guarida Oh, Deus! Como sou infeliz! Já tive amores Tive carinhos Já tive sonhos Os dissabores Levaram minh’alma |
Por caminhos Tristonhos Hoje, sou folha morta Que a corrente Transporta Oh, Deus! Como sou infeliz! Infeliz! Eu queria Um minuto apenas Pra contar Minhas penas Oh, Deus! Como sou infeliz! |
APESAR DE VOCÊ (Chico Buarque) |
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Hoje você é quem manda Falou, tá falado Não tem discussão A minha gente hoje anda Falando de lado E olhando pro chão, viu Você que inventou esse estado E inventou de inventar Toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar O perdão Apesar de você, amanhã há de ser Outro dia Eu pergunto a você Onde vai se esconder Da enorme euforia Como vai proibir Quando o galo insistir Em cantar Água nova brotando E a gente se amando Sem parar Quando chegar o momento Esse meu sofrimento Vou cobrar com juros, juro Todo esse amor reprimido Esse grito contido Este samba no escuro Você que inventou a tristeza Ora, tenha a fineza De desinventar Você vai pagar e é dobrado Cada lágrima rolada Nesse meu penar |
Apesar de você, amanhã há de ser Outro dia Inda pago pra ver O jardim florescer Qual você não queria Você vai se amargar Vendo o dia raiar Sem lhe pedir licença E eu vou morrer de rir Que esse dia há de vir Antes do que você pensa Apesar de você, amanhã há de ser Outro dia Você vai ter que ver A manhã renascer E esbanjar poesia Como vai se explicar Vendo o céu clarear De repente, impunemente Como vai abafar Nosso coro a cantar Na sua frente Apesar de você, amanhã há de ser Outro dia Você vai se dar mal Etc. e tal |
COTIDIANO (
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café
Todo dia eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
PRA MACHUCAR MEU CORAÇÃO (Ary Barroso)
Está fazendo um ano e meio, amor
Que o nosso lar desmoronou
Meu sabiá
Meu violão
E uma cruel desilusão
Foi tudo que ficou
Ficou pra machucar meu coração
Quem sabe, não foi bem melhor assim
Melhor pra você
E melhor assim
O mundo é uma escola
Onde a gente precisa aprender
A ciência de viver pra não sofrer
SAMPA
(Caetano Veloso)Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mas possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
VOCÊ É LINDA (Caetano Veloso) |
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Fonte de mel Nuns olhos de gueixa Kabuki máscara Choque entre o azul E o cacho de acácias Luz das acácias Você é mãe do sol A sua coisa é toda tão certa Beleza esperta Você me deixa a rua deserta Quando atravessa E não olha pra trás Linda E sabe viver Você me faz feliz Esta canção é só pra dizer E diz Você é linda Mais que demais Você é linda, sim Onda do mar do amor Que bateu em mim Você é forte Dentes e músculos Peitos e lábios Você é forte Letras e músicas Todas as músicas Que ainda hei de ouvir No Abaeté, areias e estrelas Não são mais belas Do que você Mulher das estrelas Mina de estrelas Diga o que você quer |
Você é linda E sabe viver Você me faz feliz Esta canção é só pra dizer E diz Você é linda Mais que demais Você é linda, sim Onda do mar, do amor Que bateu em mim Gosto de ver Você no seu ritmo Dona do carnaval Gosto de ter Sentir seu estilo Ir no seu íntimo Nunca me faça mal Linda Mais que demais Você é linda sim Onda do mar do amor Que bateu em mim Você é linda E sabe viver Você me faz feliz Esta canção é só pra dizer E diz |
DRÃO (Gilberto Gil) |
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Drão O amor da gente é como um grão Uma semente de ilusão Tem que morrer pra germinar Plantar nalgum lugar Ressuscitar no chão Nossa semeadura Quem poderá fazer Aquele amor morrer! Nossa caminhadura Dura caminhada Pela estrada escura Drão Não pense na separação Não despedace o coração O verdadeiro amor é vão Estende-se, infinito Imenso monolito |
Nossa arquitetura Quem poderá fazer Aquele amor morrer! Nossa caminha dura Cama de tatame Pela vida afora Drão Os meninos são todos sãos Os pecados são todos meus Deus sabe a minha confissão Não há o que perdoar Por isso mesmo é que há De haver mais compaixão Quem poderá fazer Aquele amor morrer Se o amor é como um grão! Morrenasce, trigo Vivemorre, pão |
SUPERHOMEM – a canção (Gilberto Gil)
Um dia
Vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter
Que nada
Minha porção mulher, que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É que me faz viver
Quem dera
Pudesse todo homem compreender, oh, mãe, quem dera
Ser o verão o apogeu da primavera
E só por ela ser
Quem sabe
O Superhomem venha nos restituir a glória
Mudando como um deus o curso da história
Por causa da mulher
FOI ASSIM (Paulo André e Ruy Barata) |
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Foi assim Como um resto de sol no mar Como a brisa na preamar Nós chegamos ao fim Foi assim Quando a flor ao luar se deu Quando o mundo era quase meu Tu te fostes de mim Volta meu bem, murmurei Volta meu bem, repeti Não há canção nos teus olhos Nem há manhã nesse adeus |
Horas, dias, meses se passando E nesse passar, uma ilusão guardei Ver-te novamente na varanda A voz sumida em quase pranto A me dizer, meu bem, voltei Hoje esta ilusão se fez em nada E a te beijar, outra mulher eu vi Vi no seu olhar envenenado O mesmo olhar do meu passado E soube então, que te perdi |
PAUAPIXUNA (Paulo André e Ruy Barata) |
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Uma leira, uma esteira Uma beira de rio Um cavalo no pasto Uma égua no cio Um princípio de noite Um caminho vazio Uma leira, uma esteira Uma beira de rio Uma cantiga de amor se mexendo Uma tapuia no porto a cantar Um pedacinho de lua nascendo Um cheiro bom de peixada no ar Um não sei que de saudade doendo Uma saudade sem tempo ou lugar Uma saudade querendo, querendo... Querendo ir e querendo ficar |
Uma leira, uma esteira... E o vento espalhado na capoeira A lua na cuia do bamburral A vaca mugindo lá na porteira E o macho fungando cá no curral O tempo tem tempo de tempo ser O tempo tem tempo de tempo dar Ao tempo da noite que vai correr O tempo do dia que vai chegar Uma leira, uma esteira... |
ACONTECE (Cartola) |
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Esquece nosso amor, vê se esquece Porque tudo na vida acontece E acontece que eu já não sei mais amar Vai sofrer, vai chorar, e você não merece Mas isso acontece |
Acontece que meu coração ficou frio E o nosso ninho de amor está vazio Se eu ainda pudesse fingir que te amo Ah, se eu pudesse Mas não posso, não devo fazê-lo Isso não acontece |
FLOR DE LIS (Djavan) |
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Valei-me, Deus! É o fim do nosso amor Perdoa, por favor Eu sei que o erro aconteceu Mas não sei o que fez Tudo mudar de vez Onde foi que eu errei? Eu só sei que amei, Que amei, que amei, que amei Será talvez Que minha ilusão Foi dar meu coração Com toda força Pra essa moça Me fazer feliz |
E o destino não quis Me ver como raiz De uma flor de lis E foi assim que eu vi Nosso amor na poeira, Poeira Morto na beleza fria de Maria E o meu jardim da vida Ressecou, morreu Do pé que brotou Maria Nem margarida nasceu. E o meu jardim da vida Ressecou, morreu Do pé que brotou Maria Nem margarida nasceu. |
NEM UM DIA Djavan |
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Um dia frio Um bom lugar pra ler um livro E o pensamento lá em você, Eu sem você não vivo Um dia triste Toda fragilidade incide E o pensamento lá em você, E tudo me divide Longe da felicidade E todas as suas luzes Te desejo como ao ar Mais que tudo, |
És manhã na natureza das flores Mesmo por toda riqueza Dos sheiks árabes Não te esquecerei um dia, Nem um dia Espero com a força do pensamento Recriar a luz que me trará você. E tudo nascerá mais belo, O verde faz do azul com o amarelo O elo com todas as cores Pra enfeitar amores gris. |
IDEOLOGIA
Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Frequenta agora as festas do "Grand Monde"
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver (repete)
O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem sou eu
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
(Mudar o mundo)
Agora assiste a tudo em cima do muro
Meus heróis morreram de overdose
Meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver (repete)
NUNCA (Lupicínio Rodrigues) |
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Nunca Nem que o mundo caia sobre mim Nem se Deus mandar nem mesmo assim As pazes contigo eu farei Nunca Quando a gente perde a ilusão Deve sepultar o coração Como eu sepultei |
Saudade Diga à esse moço por favor Como foi sincero o meu amor O quanto eu adorei tempos atrás Saudade Não esqueça também de dizer Que é você quem me faz adormecer Pra que eu viva em paz |
AS ROSAS NÃO FALAM (Cartola)
Bate outra vez, com esperança o meu coração
Pois já vai terminando o verão, enfim
Volto ao jardim, na certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar para mim
Queixo-me às rosas, mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai
Devias vir, para ver os meus olhos tristonhos
E quem sabe sonhar com os meus sonhos, por fim
EXAGERADO (Cazuza – Ezequiel Neves – Leoni) |
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Amor da minha vida Daqui até a eternidade Nossos destinos foram traçados Na maternidade Paixão cruel, desenfreada Te trago mil rosas roubadas Pra desculpar minhas mentiras Minhas mancadas Exagerado Jogado aos teus pés Eu sou mesmo exagerado Adoro um amor inventado Eu nunca mais vou respirar Se você não me notar Eu posso até morrer de fome Se você não me amar |
Por você eu largo tudo Vou mendigar, roubar, matar Até nas coisas mais banais Pra mim é tudo ou nunca mais Exagerado Jogado aos teus pés Eu sou mesmo exagerado Adoro um amor inventado Que por você eu largo tudo Carreira, dinheiro, canudo Até nas coisas mais banais Pra mim é tudo ou nunca mais |
CONVERSA DE BOTEQUIM
(Noel Rosa, Vadico e Francisco Alves)
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada
Fecha a porta da direita com muito cuidado
Que não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão uma caneta, um tinteiro
Um envelope e um cartão
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos
Vá dizer ao charuteiro que me empreste umas revistas
Um isqueiro e um cinzeiro
Telefone ao menos uma vez para 34-4333
E ordene ao Seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório
Seu garçom, me empreste algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure essa despesa no cabide ali em frente
SE ACASO VOCÊ CHEGASSE (Lupicínio Rodrigues e F. Martins) |
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Se acaso você chegasse No meu chatô e encontrasse Aquela mulher que você gostou Será que tinha coragem De trocar nossa amizade Por ela que já lhe abandonou? |
Eu falo porque essa dona Já mora no meu barraco À beira de um regato E de um bosque em flor De dia me lava a roupa De noite me beija a boca E assim nós vamos vivendo de amo |
FEITIO DE ORAÇÃO (Noel Rosa e Vadico)
Quem acha vive se perdendo
Por isso agora eu vou me defendendo
Da dor tão cruel desta saudade
Que, por infelicidade, meu pobre peito invade
Batuque é um privilégio
Ninguém aprende samba no colégio
Sambar é chorar de alegria
É sorrir de nostalgia dentro da melodia
Por isso agora lá na Penha vou mandar
Minha morena prá cantar com satisfação
E com harmonia essa triste melodia
Que é meu samba em feitio de oração
O samba na realidade não vem do morro
Nem lá da cidade
E quem suportar uma paixão sentirá que o samba então
Nasce no coração
AQUARELA
(Toquinho – V. de Moraes – M. Fabrizio – G. Morra)
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo.
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva,
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva.
Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel,
Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu.
Vai voando, contornando a imensa curva Norte e Sul,
Vou com ela, viajando, Havai, Pequim ou Istambul.
Pinto um barco a vela branco, navegando, é tanto céu e mar num beijo azul.
Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená.
Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar.
Basta imaginar e ele está partindo, sereno, indo,
E se a gente quiser ele vai pousar.
Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida.
De uma América a outra consigo passar num segundo,
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo.
Um menino caminha e caminhando chega no muro
E ali logo em frente, a esperar pela gente, o futuro está.
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar,
Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar.
Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar.
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá.
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.
Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela que um dia, enfim, descolorirá.
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
(que descolorirá).
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
(que descolorirá).
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo (que descolorirá).
TARDE EM ITAPUÃ (Toquinho – V. de Moraes) |
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Um velho calção de banho, O dia pra vadiar. Um mar que não tem tamanho, E um arco-íris no ar. Depois, na Praça Caymmi, Sentir preguiça no corpo E numa esteira de vime Beber uma água de coco, é bom. Passar uma tarde em Itapuã, Ao sol que arde em Itapuã. Ouvindo o mar de Itapuã, Falar de amor em Itapuã. Enquanto o mar inaugura Um verde novinho em folha, Argumentar com doçura Com uma cachaça de rolha. |
E com olhar esquecido No encontro de céu e mar, Bem devagar ir sentindo A terra toda rodar, é bom. Passar uma tarde em Itapuã... Depois sentir o arrepio Do vento que a noite traz, E o diz-que-diz-que macio Que brota dos coqueirais. E nos espaços serenos, Sem ontem nem amanhã, Dormir nos braços morenos Da lua de Itapuã, é bom |
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