ENSINO DE GRAMÁTICA
ABORDAGENS, PROBLEMAS E PROPOSTAS

Claudia de Souza Teixeira (UNIG e CBNB)
Leonor Werneck dos
Santos (UFRJ)

 

algum tempo, muitos educadores e lingüistas têm enfaticamente defendido a primazia do texto no ensino de línguas. As atividades de leitura e de produção textual têm ocupado cada vez mais espaço nas aulas de português. Embora muitos ainda não tenham, na prática, privilegiado essas atividades, ninguém pode discordar de que desenvolver a competência textual dos alunos deva ser um dos principais objetivos do ensino de língua materna.

Por outro lado, no que se refere à gramática, muitas são as divergências. Alguns ainda defendem o seu ensino sistemático; outros, o abandono deste, principalmente nas séries iniciais; uns, tentando "contextualizá-lo", procuram dar-lhe uma perspectiva "textual", apesar de, muitas vezes, encobrirem um ensino tradicional, utilizando o texto apenas como "pretexto" para uma análise metalingüística. Cresce, no entanto, o número de professores que, conscientes de que o estudo da gramática deve habilitar os alunos a usarem adequadamente os recursos lingüísticos, tem enfatizado abordagens diferentes das tradicionais.

A proposta deste minicurso é refletir sobre as diferentes abordagens, relacionando-as com as concepções de ensino de língua e de gramática. Além disso, serão propostas atividades para tornar mais produtivo o trabalho com os conteúdos gramaticais nas aulas de português.

 

Tipos de ensino de língua

a) Prescritivo – objetiva levar o aluno a substituir seus padrões de atividade lingüística considerados errados/inaceitáveis por outros tidos como corretos/aceitáveis.

b) Descritivo – objetiva mostrar como uma determinada língua funciona.

c) Produtivoobjetiva ensinar novas habilidades lingüísticas.

 

Concepções de gramática

a) Conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado pela tradição (gramática normativa). Tudo o que foge ao padrão é "errado".

b) Descrição da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e função (gramática descritiva).

Saber gramática significaria ser capaz de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade, o que implicaria a utilização de uma metalinguagem específica da teoria lingüística adotada.

c) Conjunto de regras internalizadas que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar (gramática internalizada).

Saber gramática, então, não dependeria, em princípio, de escolarização ou de aprendizado sistemático, mas do amadurecimento progressivo, na própria atividade lingüística. Nessa concepção, não há o erro lingüístico, mas a inadequação da variedade lingüística utilizada em uma determinada situação de interação comunicativa.

 

Ensino de gramática
gramática teórica, normativa, reflexiva, de uso

a) Gramática teóricaleva o aluno a identificar os elementos lingüísticos e a empregar uma metalinguagem apropriada para nomeá-los e classificá-los.

Ex: Sublinhar os adjetivos nas frases/textos.

Classificar morfologicamente/sintaticamente as palavras sublinhadas nas frases/textos.

Classificar as palavras quanto ao número de sílabas.

b) gramática normativa – o aluno aprende as normas de bom uso da língua, para falar e escrever bem, de acordo com a variedade culta, padrão.

Ex: Exercícios de colocação pronominal, de concordância etc.

c) gramática reflexiva – pode ser de dois tipos:

·                     leva o aluno a explicitar fatos da estrutura e do funcionamento da língua. Ao invés de, por meio de aulas expositivas, dar a teoria gramatical pronta para o aluno, são desenvolvidas atividades que o levem a redescobrir fatos estabelecidos pelos especialistas.

Ex: De uma lista de monossílabos, o aluno depreende a regra de acentuação dos monossílabos tônicos.

De uma lista de formas nominais, o aluno separa adjetivos e substantivos a partir de características dadas.

·                     focalizam-se os efeitos de sentido que os elementos lingüísticos podem produzir na interlocução, que fundamentalmente se deseja desenvolver a capacidade de compreensão e expressão. Seria uma reflexão mais voltada para a semântica.

Ex: Diferenças entre palavras sinônimas (ex: belo e bonito, ganhar e vencer).

Diferenças acarretadas pela inversão de palavras (ex: homem grande e grande homem, "Maria veio à reunião." e "Maria veio à reunião .").

Diferenças na concordância (ex: Comprei uma calça e um cinto preto/pretos.).

Diferenças entre a negação do adjetivo e o uso do antônimo formado por prefixo ( ex: "não ser favorável" e ser "desfavorável").

d) Gramática de uso – desenvolve-se um trabalho voltado para o conhecimento prático da língua. Pode e deve ser trabalhada a partir de produções orais e escritas, inclusive dos alunos.

São realizadas atividades de produção e compreensão textual, exercícios estruturais (ex: transformação da voz ativa para passiva, substituição de nomes por pronomes, junção de frases através de elementos conectivos, ampliação de frases, etc.) , de vocabulário (ex: processos de formação de palavras, campos semânticos, sinônimos, antônimos, homônimos, hiperônimos, hipônimos, etc.) , de variedades lingüísticas.

 

O ensino de gramática segundo os PCN

Segundo Perini (1997) , é necessário destacar os principais problemas no ensino de gramática: objetivos mal colocados, metodologia inadequada e falta de organização lógica da matéria. Se, com relação a este último ponto, o professor não pode fazer muito, que a tarefa de atualizar e organizar a gramática caberia a lingüistas e gramáticos, no que se refere aos dois primeiros, será ele essencial para a adoção de uma abordagem mais adequada. Para isso, ele conta com algumas sugestões dos PCN (1998: 89-90) , como se percebe no fragmento a seguir:

É no interior da situação de produção do texto, enquanto o escritor monitora a própria escrita para assegurar sua adequação, coerência, coesão e correção, que ganham utilidade os conhecimentos sobre os aspectos gramaticais.

Saber o que é um substantivo, adjetivo, verbo, artigo, preposição, sujeito, predicado, etc. não significa ser capaz de construir bons textos, empregando bem esses conhecimentos. Quando se enfatiza a importância das atividades de revisão é por esta razão: trata-se de uma oportunidade privilegiada de ensinar o aluno a utilizar os conhecimentos que possui, ao mesmo tempo que é fonte de conteúdos a serem trabalhados. Isso porque os aspectos gramaticais – e outros discursivos como a pontuação – devem ser selecionados a partir dos das produções escritas dos alunos. O critério de relevância dos aspectos identificados como problemáticosque precisam, portanto, ser ensinados prioritariamente – deve ser composto pela combinação de dois fatores: por um lado, o que pode contribuir para maior adequação e legibilidade dos textos e, por outro, a capacidade dos alunos em cada momento.

A propriedade que linguagem tem de poder referir-se a si mesma é o que torna possível a análise da língua e o que define um vocabulário próprio, uma metalinguagem. Em relação a essa terminologia característica, é preciso considerar que, embora seja peculiar a situações de análise lingüística (em que inevitavelmente se fala sobre língua) , não se deve sobrecarregar os alunos com um palavreado sem função, justificado exclusivamente pela tradição de ensiná-lo. O critério do que deve ser ou não ensinado é muito simples: apenas os termos que tenham utilidade para abordar os conteúdos e facilitar a comunicação nas atividades de reflexão sobre a língua excluindo-se tudo o que for desnecessário e costuma apenas confundir os alunos.

Por exemplo, torna-se necessário saber, nas séries iniciais, o que é "proparoxítona", no fim de um processo em que os alunos, sob orientação do professor, analisam e estabelecem regularidades na acentuação de palavras e chegam à regra de que são sempre acentuadas as palavras em que a sílaba tônica é a antepenúltima. Também é possível ensinar concordância sem necessariamente falar em sujeito ou em verbo.

Isso não significa que não é para ensinar fonética, morfologia ou sintaxe, mas que elas devem ser oferecidas à medida que se tornarem necessárias para a reflexão sobre a língua. "

 

De onde vêm
e
para onde vão as propostas dos PCN

Ao ler os PCN, muitos professores sentem-se diante de um material idealista e utópico, sem respaldo científico que justifique a aplicação das idéias apresentadas. Enganam-se os que pensam dessa forma, pois os PCN, na verdade, nada mais fazem que reunir resultados e pressupostos teóricos de pesquisas desenvolvidas no Brasil, desde a década de 1970, englobando perspectivas lingüísticas, que vão da sociolingüística à Análise do Discurso. As informações dos PCN sobre variação lingüística, por exemplo, há muito tempo vêm sendo divulgadas em congressos, e esse tópico costuma figurar na grade curricular dos cursos de Letras. Com relação às idéias sobre pedagogia de leitura, desde Paulo Freire, na década de 1960, abordava-se a necessidade de fazer do aluno um agente do ato de ler, sentindo-se também um produtor de textos eficaz. E no que se refere às propostas da Lingüística Textual e da Análise do Discurso, diversas pesquisas vêm sendo cada vez mais divulgadas, desde a década de 1980.

Assim, nãocomo negar o valor dos PCN-LP, como material de divulgação e incentivo nos estudos da linguagem, embora haja problemas de nível estrutural e teórico no corpo do texto dos Parâmetros (cf. Santos, 2005). O ensino de língua portuguesa, segundo esse documento, parte do texto e apóia-se no tripé leitura/escutaprodução textualanálise lingüística. É, porém, esse último item, a análise lingüística, que parece ser mais difícil de entender.

Como explica Geraldi (1997) , por análise lingüística entende-se, não apenas a abordagem metalingüística tradicional, nem o abandono da teoria gramatical, mas o ensino de aspectos lingüísticos a partir de textos, observando como se constrói o sentido com o uso de um ou outro elemento gramatical. Além disso, a teoria passa a segundo plano, a serviço do papel das estruturas gramaticais nos textos dos mais diversos gêneros, literários ou não, produzidos por alunos inclusive.

 

Algumas sugestões de atividades

As propostas que se seguem abordam aspectos da grade curricular do ensino fundamentalcomo pontuação, uso dos tempos e modos verbais, seleção lexical – a partir de textos. Destaque-se que alguns exercícios foram elaborados por alunos da Faculdade de Letras da UFRJ, formandos de 2005. Demonstra-se, assim, que é possível elaborar atividades com base nos princípios dos PCN, abordando leitura/escuta, produção e análise lingüística, com o objetivo de fazer o aluno refletir sobre a língua.

Esperar para ver (O Globo)

A primeira operação de controle urbano nas praias coordenada pelo novoxerife” da orla, Rafael Luiz Morais de Souza Bandeira, foi marcada para hoje. Guardas municipais em parceria com a Comlurb e a Secretaria Municipal de Governo vão concentrar esforços para retirar todas as propagandas irregulares das praias da Zona Sul. Este será o início de uma série de intervenções na orla.

Uma das etapas mais complexas do trabalho, entretanto, é o acolhimento de mendigos, que ontem ocupavam parte do canteiro central de um dos mais famosos cartões-postais do RJ, Avenida Atlântica, em Copacabana.

Para o “xerife”, a tarefa é complexa, porque exige um trabalho preventivo por parte do município, que muitos mendigos voltam para as ruas, se não encontram outras maneiras de sobreviver. Em Copacabana, eles conseguem locais para descansar e ganhar dinheiro, pedindo esmolas.

Não adianta a gente retirar os moradores da rua, porque eles voltam. O problema é mais sério e vamos contar com o apoio da Secretaria Municipal de Assistência Social, para tentarmos solucionar o problema – afirma Bandeira.

Ontem, dezenas de mendigos podiam ser vistos em quase toda orla do Leme e de Copacabana. Próximo a hotéis como o Othon Pálace e o Meridien, eles dormiam no canteiro central da Atlântica e nas areias da praia, ao lado de tapumes de obras, de quiosques e da arquibancada onde foi realizada a Copa do Mundo de Futebol. Reunidos em grupos, eles guardavam seus objetos pessoais em carrinhos de supermercados e sacolas. Alguns aproveitaram os galhos de árvores para estender suas roupas.

1) Compare a frase a seguir com a primeira frase do texto e responda: A primeira operação de controle urbano nas praias coordenada pelo novoxerife” da orla foi marcada para hoje.

a– Que elemento foi omitido? A retirada desse elemento dificulta a compreensão do texto? Justifique sua resposta.

b– Por que esse elemento está entre vírgulas no texto original?

c– Elabore uma regra que justifique o uso das vírgulas na 1ª. frase do texto.

d– Procure no 2º. parágrafo um exemplo semelhante de uso da vírgula.

e– Procure outros exemplos de frases no jornal com mesmo uso da vírgula.

2) Observe a última frase do 3º. parágrafo: Em Copacabana, eles conseguem locais para descansar e ganhar dinheiro, pedindo esmolas.

a– Altere a posição do elementoem Copacabana”, na frase e verifique como fica a pontuação.

b– Faça o mesmo com a 1ª. frase do último parágrafo.

c– Elabore uma regra que justifique a pontuação nessas frases.

 


 

Horóscopo [1]

Leia o seu signo nos horóscopos das revistas Marie Claire e Toda Teen:

Revista Marie Claire

Revista Toda Teen

Áries (21/3 a 20/4)

Eu e o amor: Aproveite o começo do mês para impulsionar seu relacionamento com mais alegria e, principalmente, suavidade. Com Júpiter, Marte, mercúrio (até o dia 15) e Sol (até o dia 22) incentivando a área afetiva, não faltarão oportunidades para um novo encontro. O resultado dependerá de sua receptividade e diplomacia.

Eu e o mundo: Prepare-se para enfrentar desafios nas relações de trabalho, perto do dia 6. Mudanças bruscas ou decepções podem deixar o ambiente confuso. A partir do dia 15, sua visão estratégica ficará mais apurada, com a entrada de mercúrio em Escorpião. Evite palavras cortantes, de 12 a 20, para não gerar confrontos ou rupturas.

Áries

Na segunda quinzena do mês, sua estrela vai brilhar intensamente nos contatos.

 

Touro

Você vai descolar muitas paqueras e alegrias. Curta mais o pessoal de casa e as amizades.

1. Analisando os verbos empregados, faça o que se pede:

a) Os exemplos do horóscopo privilegiam duas formas verbais diferentes. Destaque os verbos, identificando seu modo e tempo.

b) Que relaçãoentre o objetivo do horóscopo e a utilização dessas formas verbais?

2. Levando em consideração o público leitor de cada um desses veículos de comunicação, observe a diferença em relação à linguagem utilizada.

3. Em dupla, escreva o horóscopo para o signo de seu colega, seguindo os critérios abaixo:

a) escolha em qual veículo de comunicação seu horóscopo será publicado, atentando para a linguagem adequada ao seu público alvo;

b) determine se sua previsão será diária ou mensal;

c) não se esqueça de utilizar os aspectos abordados nas questões anteriores.

4. Troque o texto com o seu colega:

a) Leia-o e perceba se o texto está de acordo com a questão 3. Faça os comentários necessários.

b) Reescreva o seu texto levando em consideração as observações feitas pelo seu colega.

 

Conclusão

Pretendeu-se, neste minicurso, mostrar caminhos para ajudar a solucionar os problemas do ensino de língua portuguesa. Não existem receitas absolutas, nem fórmulas mágicas, mas é possível melhorar a compreensão do aluno sobre a língua, tornando-o, de fato, um leitor e produtor de textos eficaz. Os exercícios citados como exemploalguns elaborados por futuros professores – ilustram que, se é difícil pensar em atividades produtivas, por outro lado é instigante o desafio de apresentar propostas interessantes.

Ainda que não seja possível ser criativo em 100% do tempo em que estamos com nossos alunos, pelo menos em algumas situações o professor pode trabalhar com exercícios que façam do aluno um agente do próprio ato de aprender. Dessa forma, as abordagens de ensino gramatical citadas por Travaglia (1996) podem ser colocadas em prática

 

Referências bibliográficas

GERALDI, João W. (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

PERINI, Mário A. Sofrendo a gramática: a matéria que ninguém aprende. In: –––. Sofrendo a gramática: Ensaios sobre a linguagem. São Paulo: Ática, 1997.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1999.

SANTOS, Leonor W. dos. O ensino de língua portuguesa e os PCN. In: PAULIUKONIS, Ma. Aparecida L. & GAVAZZI, Sigrid (org.). Da língua ao discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p. 173-184.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no ensino de 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.


 


 

[1] Grupo: Carolina Casarin, Héllen Dutra, Juliana Carvalho e Nathalia Coutinho. Por questão de espaço, foram citados apenas exemplos dos textos das revistas.  (exercícios com adaptações)

 

 

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