o
ensino
da
argumentação
nas
aulas
de
língua
portuguesa
três
propostas
de
trabalho
Sigrid Gavazzi
(UFF)
Cristiane Guimarães
(UFF)
INTRODUÇÃO
O
presente
trabalho
objetiva
apresentar,
sobretudo aos
professores de
língua portuguesa
atuantes no
ensino
médio,
três
propostas de
trabalho (cada uma utilizando uma
estratégia argumentativa)
para
dinamizar/diversificar o
ensino de
argumentação,
esteio
para a
elaboração de
dissertação,
modalidade
textual
sempre solicitada
em
provas e
exames
Vestibulares.
Importante
ressaltar
que os
três
níveis a
seguir descritos resultam de
postulados
primacialmente defendidos
por Aristóteles (1967).
Hodiernamente foram revistos/atualizados,
entre
outros
estudiosos,
por CITELLI (1995) e PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA
(1996).
Situam o
ensino das
técnicas argumentativas
em
três
níveis, separados
por
grau de complexidade: o
primeiro requer uma
estrutura de
raciocínio
mais
completa, assemelhando-se a
um
ensaio
curto; o
segundo,
por
sua
vez, identifica
cinco
mecanismos
intermediários, praticamente no
nível do
parágrafo; o
último,
finalmente, detém-se
mais no
nível frásico, de
identificação
mais
pontual.
Como exemplificação, utilizamos duas
entrevistas
com
líderes de
segmentos
sociais
distintos, à
época (1990-95) considerados minoritários, i.e.,
sem representatividade
social
relevante: Ivanir dos
Santos,
diretor do CEAP (1994/Centro
de
Apoio à
População Marginalizada) e Luiz Mott (1995/
Grupo
Gay da Bahia). A
primeira apresenta
respostas extensas, daí
ser utilizada
como
exemplário
para a
PROPOSTA 1 (em
que necessitamos de
texto
com “começo,
meio e
fim”). Servimo-nos da
segunda,
por
sua
vez,
como
amostra
para as
PROPOSTAS 2 e 3 – apresenta uma
série
extensa de
respostas
breves
que focalizam
estritamente o
tópico proposto
pelo entrevistador.
A
escolha
pelo
gênero “entrevista”
não foi
aleatória. Nesse
tipo de
inquérito,
muitos
são os
mecanismos
textuais discursivos utilizados
pelos entrevistados,
para
tentar
convencer/persuadir
seu
leitor –
ainda
mais
quando se é representante de alguma
causa
específica e minoritária no
universo
social.
Nos dos
casos
em
pauta,
por
certo a
entrevista
poderia
vir a
constituir
excelente
oportunidade
para
divulgar
idéias/ações e
iniciar
um
movimento de
reversão da
situação. Daí, os entrevistados terem-se valido de
suportes argumentativos (a
seu
ver)
convincentes,
pois
não podem
apenas “dizer
algo”: têm de “dizê-lo
bem”,
por
não contarem,
em
princípio,
com os
domínios de “verdade
social” (as
evidências
sociais)
que
lhes garantiriam
status, confiabilidade e
credibilidade (CHAUREAUDEAU: 1996). Atuarão,
portanto, no
campo do
verossímil, do
plausível, do
provável,
isto é, terão de (com)
provar
que
suas
idéias podem (ou
devem)
inicialmente
ser aceitas.
Segundo PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA (1996: 01),
este é o
escopo
básico da
argumentação,
já
que,
conforme os
autores,
não se
argumenta
contra a
evidência.
Portanto, a
teoria da
argumentação é “...o
estudo das
técnicas discursivas
que permitem
provocar
ou
aumentar a
adesão dos
espíritos às
teses
que se
lhes apresentam ao assentimento” (Ibidem,
p. 04). O entrevistado atua
em
função de
um
auditório/leitores - o
discurso
mais
eficaz,
conseqüentemente, será o
mais facilmente compreendido.
Assim,
para a
consecução discursivo-argumentativa, oferece a
Retórica várias possibilidades. As
três
propostas a
seguir representam
apenas uma
opção,
dentre várias.
AS
PROPOSIÇÕES
Proposta de
trabalho 1
Neste
nível, a
relação argumentativa teria,
como
arcabouço, uma
asserção de
partida (PREMISSA),
uma
asserção de
chegada (CONCLUSÃO) e
várias
asserções de
passagem,
devidamente seqüenciadas e algumas
vezes implícitas, constituindo a
inferência, a
prova, o
argumento (GAVAZZI, 1998: 11). Constitui a
estrutura
básica da argumentatividade, sendo o “modelo”
mais difundido
nos
compêndios
didáticos.
Por
isso, a
ele
não aferiremos
maior
detalhamento.
DIAS (1998: 60) ressalta,
também,
que
esse
quadro de
questionamento constituiria o “dispositivo
argumentativo”: a
premissa (ou
proposta) materializaria,
pois, a assertiva
principal; os
argumentos, encadeados, demonstrariam a
tomada de
posição do
sujeito —
ou seja, a
proposição. O
raciocínio
final levaria, inevitavelmente, a uma
conclusão.
Em
outros
termos: a
proposta vai-se
consubstanciar na
asserção
ou
encadeamento de
asserções.
Diante dela, é
necessário atribuir-lhe
um
julgamento
subjetivo. Nesse
ponto, o
sujeito
passa a
tomar uma
posição
em
relação à
proposta -- trata-se da
proposição
que acarretará a
conclusão,
pensamento
final
que, se
bem estruturado
pelos
argumentos
anteriores, implicará a
persuasão.
Tal
mecanismo seria
similar ao proposto
por Aristóteles (apud
CITELLI, 1995: 10) ao
estabelecer a
necessidade de
um
exórdio (=introdução/asserção
de
partida), das
provas
técnicas (=asserções
de
passagem/argumentos) e
do
epílogo (=conclusão).
Vejamos,
então, o
exemplo
abaixo, extraído do
texto de Ivanir dos
Santos.
O entrevistado afirma, genericamente,
que “a
juventude é
um
caminho”,
ou seja, os “meninos-delinqüentes” e “funkeiros”
com
quem
trabalha
são
jovens e devem
ter o
direito a uma
nova
chance,
pela
sua
própria
juventude.
Como
sustentáculo, alicerça as
bases do relacionamento
que poderá
mudar o
destino
cruel a
eles
reservado. A
partir dos
meandros dessa
comunicação,
eles passam a
confiar nele –
elo
fundamental do
trabalho
desenvolvido –
para, a
partir daí, trilharem
rotas
mais positivas
socialmente.
PREMISSA
MAIOR
(PROPOSTA) |
“A
juventude é
um
grande
caminho” |
PROPOSIÇÕES
(ASSERÇÕES
DE
PASSAGEM) |
1)
Necessidade
de
conversar
com a
família;
2) Os bailes funk ainda protegendo os
meninos;
3) Os meninos funk têm potencial;
4) As gangues tendem a se eliminar;
5) O papel das ONGs e dos trabalhadores a
ela(s) filiados;
6) Não se pode negar ajuda. |
CONCLUSÃO (ASSERÇÃO DE CHEGADA) |
Tem-se,
portanto,
de
obter a
confiança do
jovem
ladrão
(p..21)[2] |
Proposta de
trabalho 2
Neste
nível
intermediário, trataremos dos
esqueletos argumentais citados
por CHARAUDEAU (1992).
Este
autor, ao
delinear o
dispositivo argumentativo
maior, explicitado
anteriormente,
já enumerava
cinco
estratégias específicas, contidas nas assertivas de
passagem (apud
DIAS, 1998: 60-61).
Tais
estratégias requerem
um
filtro
analítico
mais refinado
que o
anterior
por
parte do
analista.
São
elas:
a)
a da
JUSTIFICAÇÃO: o
sujeito posiciona-se
total
ou
parcialmente
favorável
em
relação à
pergunta.
Luiz Mott — (...) Os
negros
também
reivindicaram a negritude de
Machado
de Assis e de Mário de Andrade
exatamente
quando
se lembrava alguma
efeméride
desses
ilustres
mestiços.
Nada
mais
justo
que
também
os
homossexuais
aproveitem essas
ocasiões
para
chamar
a
atenção
sobre
a
sexualidade
de
seus
heróis
(...). (p.2)
Nesse
caso, o
interlocutor justifica
seu
posicionamento (“os
homossexuais
também podem se
apropriar da
imagem de
personalidades
ilustres
em
causa
própria”)
com
base na
proposta,
ou seja, favoravelmente à
proposta: “Os
negros (...) reivindicaram a negritude (...)
quando se lembrava alguma
efeméride desses
ilustres
mestiços”.
b) a da
REFUTAÇÃO: o
sujeito posiciona-se
total
ou
parcialmente
contrário
em
relação à
pergunta.
Veja —
Com
tantos
contemporâneos
homossexuais,
por
que
o
senhor
foi
escolher
logo
um
do
século
XVII
para
entregar?.
Luiz Mott — No mundo inteiro, os movimentos
das minorias —seja dos negros, índios ou homossexuais — estão fazendo pesquisa
para descobrir os seus heróis. Precisamos de modelos positivos a nos inspirar
(...). ( p. 7)
O documentado
não “entrega”
ninguém. Ao
contrário,
descortina a
sexualidade daqueles
que podem
ajudar o
movimento —
não importando de
que
século.
a)
a da
PONDERAÇÃO: o
sujeito
não se posiciona
nem
contra,
nem a
favor. Prefere
considerar os
argumentos
favoráveis a uma
ou a
outra
posição.
Veja — Deve-se
também
dar
credibilidade à
tese de
outro
grupo
homossexual, o
Gay &
Cia,
que está tratando Virgulino
Lampião
como
um
velho
companheiro?.
Luiz Mott —
Onde há
fumaça, há
fogo. Se
até
entre os
samurais, os
bandoleiros do Japão, foi comprovada a
prática de
homossexualismo,
não
me surpreenderia
que o
mesmo ocorresse
entre os
cangaceiros (...)“. ( p. .8)
Nesse
exemplo, percebemos
que o
interlocutor
não se posiciona
nem a
favor
nem
contra o
fato de
Lampião
ter sido
homossexual — e,
muito
menos, se o
outro
grupo
ativista
homossexual tem
razão.
Ele
apenas reflete
sobre o
assunto, deixando
que a
dúvida permaneça.
d)
a da
POLÊMICA: a
posição do
sujeito é
feita
face à
sua
própria
argumentação, havendo
ainda a
predominância de
controvérsias.
Veja —
Nos
Estados Unidos e na Inglaterra, os
grupos
gays estão usando a
tática da
deduragem dos
enrustidos.
Esse
tipo de
patrulhamento
já é cogitado no Brasil?.
Luiz Mott —
Eu
não chegaria a
praticar essa
espécie de
guerrilha,
que
lá
fora ficou
conhecida
como ‘outing’, uma
central de
denúncias
sobre a
homossexualidade de
pessoas
célebres.
Mas chegarei a
esse
extremo
em
casos de
enrustidos
que atrapalhem
ou prejudiquem o
movimento de
liberação
homossexual.
Já botei
agentes na
rua
para
descobrir se há
algum
gay
enrustido
entre os
que criticaram as nossas
revelações
sobre
Zumbi.
Esses,
por
exemplo, devem
ser denunciados“. ( p.l O)
Como pudemos
observar, o
interlocutor se contradiz,
ou seja,
não praticaria
aquele
tipo de
patrulhamento
para “dedurar” os
enrustidos,
mas
já estava colocando “agentes”
na
rua
para
investigar os
gays
não assumidos.
Em
sua afirmação, percebemos
que
ele condena o
ato da
denúncia, diz
que
não faria,
mas se “arrepende”.
Afinal, há
aqueles
que,
porventura, podem
atrapalhar o
seu “trabalho” e,
então, essa é uma boa
tática
para
evitar
problemas.
e) a
DEMONSTRATIVA: o
sujeito distancia-se de
sua
tomada de
posição.
Luiz Mott — Na
história do Brasil, lastimavelmente,
só temos
três
casos reconhecidos de
homossexuais
que se assumiram exercendo
cargos
políticos
eletivos: o ex-deputado estadual João
Batista Breda (PT-SP), o
vereador-travesti Kátia, do
município de
Colônia do Piauí (...); e o
vereador Renildo José dos
Santos, do
município de
Coqueiro
Seco,
em Alagoas (...). (p. 10)
Nesse
trecho, o
interlocutor
apenas tem a
preocupação de
demonstrar (enumerar) os
homossexuais assumidos publicamente e
que,
mesmo
assim, ocupavam
cargos
políticos
eletivos (verdadeiros
exemplos
para a
causa,
por
certo).
Ele afirma
que, na
História do Brasil,
só há
três
casos desse
tipo ,
ou seja,
muito
poucos.
Entretanto,
não se aprofunda no
assunto –
somente o
lamenta.
Proposta de
trabalho 3
Neste
momento, listam-se os
argumentos
que, de
forma
mais isolada,
em
determinado
momento da
cadeia argumentativa, mostram-se
mais
relevantes/contundentes.
Normalmente, na
seqüência, acoplam-se a
outros.
Mas se destacam
como
fundamento valorativo de
maior
realce
para o
autor do
discurso.
PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECA (1996) distribuem tais procedimentos em pequenos
grupos. Optamos pelos abaixo discriminados, porque, na leitura inicial das
entrevistas, ocorreram com mais freqüência, chamando nossa atenção.
1 —
Argumento
baseado na “autofagia”:
“é
um
argumento
que tende a
mostrar
que o
fato
empregado
para
atacar uma
regra é
incompatível
com o
princípio
que
sustenta
esse
ataque”. (p.231).
Ninguém deixará de
comprar
um
disco de Maria Betânia se
ela
algum
dia disser
como Martina Navratilova e Ângela Rô Rô disseram,
que
ama o
mesmo
sexo (...). (2/I, p.8).
Observa-se
que o
fato de alguma
personalidade
pública se
assumir
corno
homossexual,
ou seja, mostrando
sua
face “negativa”,
não interferirá
em
nada na
sua
personalidade
nem no
seu relacionamento
com outras
pessoas.
2 —
Argumento de “autoridade”:
indivíduo legitimado
socialmente possui
opinião
idêntica
ou
diferente daquela utilizada
pelo
sujeito argumentador.
Em
relação aos
gays, João Paulo II é o
mais
intolerante inquisidor da
história
recente do
papado. Diz
que a
homossexualidade é intrinsecamente má (...).
(p. l0)
Nesse
fragmento, nota-se
que o
papa João Paulo II (indivíduo
legitimado
socialmente) é
totalmente
contra o
homossexualismo,
isto é, possui
opinião
diferente
em
relação ao argumentador —
homossexual assumido. A
autoridade de João Paulo II é
então evocada
para
ser negada, no
dizer do
emissor,
por
sua
intolerância (e
não
ser
tolerante,
para
um representante
religioso,
nem
sempre é
aceitável).
3 —
Argumento “ad hominem”:
refere-se à
opinião do
interlocutor,
quando
este se refere explicitamente a
seu
grupo minoritário.
Os
grupos de
homossexuais existem
exatamente
para
estimular
gays e
lésbicas a se
assumir,
porque
quanto
mais “zumbis”, “santos
dumonts”,
quanto
mais
cantores e cantoras
baianas se assumirem,
menos
jovens irão
parar
nos
consultórios
psiquiátricos
ou se
matar,
com o
ego dessintonizado do
desejo
mais
profundo (...).( p.8)
O
interlocutor afirma
claramente o
motivo da
existência de
seu
grupo e
sua
opinião,
conseqüentemente.
4 —
Argumento “ad humanitatem”:
supõe
ser o estabelecido
por
toda a
comunidade.
Veja —
Mas o bichinho de
longos
chifres
não costuma
ser evocado
para
fazer
elogios a
ninguém.
Luiz Mott — É a
primeira coisa que ocorre à boca de um brasileiro quando quer insultar
alguém que lhe criou algum problema. O veado é sempre o vilão da história
(...). (p.8)
De
acordo
com o informante,
todos os
brasileiros, ao insultarem
alguém, recorrem ao “bichinho de
longos
chifres”,
que “é
sempre o
vilão da
história”.
5 —
Argumento “por
conseqüência”: deles obtêm-se
conseqüências
principalmente na
esfera
moral.
(...)
Homossexuais
enrustidos
que ocupam
destaque na
mídia poderiam
ter
um
papel importantíssimo
para
diminuir a
discriminação e
acabar
com a
violência
que
nos
últimos quinze
anos, matou no Brasil
mais de 1.500
gays,
lésbicas e
travestis,
vítimas de
crimes homofóbicos,
todos catalogados
em
dossiê
pelo
Grupo
Gay da Bahia. ( p.8)
Com
esse
argumento, o informante afirma
que as
personalidades da
mídia
não assumidas
como
homossexuais deveriam se
expor
para,
conseqüentemente,
mudar a
mentalidade das
pessoas, evitando,
assim, a
discriminação e a
violência
contra os
mesmos.
6 —
Argumento “a pari”: utiliza
uma
premissa e aplica-a a
outra,
como
reforço,
por
semelhança.
É o
caso
também das
acusações
que o
próprio Quércia fez a Ciro Gomes, chamando-o de
Odalisca do
Agreste”,
porque
ele usava
brinco (...) ( p..8)
Nesse
caso, a
premissa é a
ofensa
por
intermédio de
termos
que tenham
relação
com o
homossexualismo. O “acusado” de
homossexual seria o ex-governador Quércia,
que,
por
sua
vez,
também
já se utilizou de
tal
recurso
para
ofender
um “colega”
político. Sendo
assim, o informante se apropriou desses
argumentos
para
reforçar a
semelhança
com a
sua
opinião.
7 —
Argumento “a contrario”:
utiliza uma
premissa e aplica-a a
outra,
mas na
intenção de refutá-la, desqualificando-a.
Veja — Essas
acusações beneficiam os
gays
brasileiros?
Luiz Mott — De maneira alguma. Acho deplorável usar a suposta preferência
homossexual de alguma personalidade como estratégia política, como arma para
criar escândalos ou diminuir a virtude de alguém. Trata-se de um jogo baixo”.
(p.8)
O
argumento, nesse
fragmento, é
completamente
contra ao proposto na
premissa,
isto é, “não se deve
ofender
alguém
com
base
em
seus
gostos
sexuais”.
8 —
Argumento de “dilema”:
consiste
em
apresentar uma
proposição
disjuntiva
em
que os
dois
membros
disjuntores
são
igualmente afirmados.
(...) Essa
disputa
por
Zumbi revela o
despreparo de
alguns
setores do
movimento
negro
para uma
convivência
mais
orgânica
com as
minorias
sexuais. E
até uma
contradição
porque o
candomblé,
como todas as
religiões afro-brasileiras, é liderado
por
pais,
mães e filhos-de-santo
homossexuais (...) (p. 7)
Nesse
exemplo, o informante questiona o
posicionamento dos
negros
contra o
fato de
Zumbi
ser
mesmo
um
homossexual,
já
que,
em
sua
opinião, os “pais,
mães e filhos-de-santo”
são,
normalmente,
homossexuais e,
nem
por
isso, perdem
seu
prestígio no
meio
religioso.
9 —
Argumento “a fortiori”:
resulta de comparações
Como
tanto
homossexuais, pensei
em
suicídio”. ( p.l O)
10 —
Argumento “pelo
ridículo”: ridiculariza-se a
opinião do
opositor,
para retirar-lhe a
credibilidade.
A
verdade é
que Caetano é
um
rapaz
bastante
inteligente,
mas
já foi
mais
liberal há
alguns
anos.
Hoje,
ele é
contraditório. Chamou de “canalha”
o
correspondente do New York
Times
com
um
autoritarismo
que contradiz
toda a
sua
meiguice. Os
anos 70 e 80 documentaram
um Caetano Veloso
extremamente
simpático à bissexualidade e ao
homossexualismo (...). (2/I, p. lO)
O
argumento desse
fragmento ataca a
mudança de
opinião,
ou
mesmo a
opção
sexual, de uma
personalidade
brasileira
que,
hoje,
não
mais compactua
com o
pensamento do informante. Desse
modo, o
mesmo
tenta
expor o
artista ao
ridículo:
seu
autoritarismo contradiz
sua
meiguice.
11 —
Argumento “pelo
superfefatório”:
despreza o
argumento/
posicionamento de
alguém
por
considerar
suas
conseqüências
irrelevantes, desnecessárias, supérfluas.
(...) O
cantor Emilio Santiago
também
já se declarou
gay,
mas
não sei se
ainda
hoje
todos
eles (...) mantêm a
mesma
posição.
Em
suas
declarações, Ney Matogrosso reflete
muito
bem a
posição de
vários
artistas
famosos apontados
pela
mídia
como
amantes do
mesmo
sexo,
mas
que preferem
dizer
que
não aceitam
rótulos,
que
não querem
fazer da
homossexualidade uma
bandeira.
Em
última
análise, preferem
viver
debaixo do
pano. ( p. 8)
Percebemos
que,
embora o informante enumere e demonstre as
declarações dos
outros,
não as considera
importantes
junto à
sociedade —
inclusive
porque a
ação
social
por
eles desempenhada,
junto à
causa da
legitimação
homossexual,
deixa a
desejar,
pois “...preferem
viver
debaixo do
pano”.
CONCLUSÃO
Qualquer
profissional
que labute na
área do
ensino sabe da
dificuldade do
professor de
língua portuguesa no
que tange ao
assunto “ensinar
REDAÇÃO”.
Ainda
mais
quando possui,
como
público,
alunos
que
não se interessam
em
escrever –
ou,
melhor dizendo,
não têm
sequer
preocupação
em
possuir uma
visão
mais
crítica,
mais
analítica do
que ocorre a
sua
volta,
principalmente a
respeito de
questões
sociais
que, teoricamente,
não
lhe diriam
respeito,
pois
longe se encontram, muitas
vezes, da
sua
área de
atuação..
É
verdade,
também,
que,
fora o
esforço
individual do
mestre, os
manuais
didáticos se esmeram
para,
em
cada
capítulo
ou
seção,
apresentar
temas
sob variados
ângulos.
Para
um
assunto
determinado (para o
qual se pedirá
posteriormente uma
dissertação
completa) adicionam-se
poesias,
canções, uma
narrativa,
um
depoimento, uma
carta.
Ou seja, embasa-se o
assunto
com
gêneros
textuais
diversos,
sempre na
tentativa de “criar
um
leitor
mais
proficiente e
crítico”.
Entretanto,
mesmo
que se multipliquem os
temas, ao
final, o
que se pede é a
mesma
serviço: a
escritura de
um
ensaio
curto,
com
três
ou
quatro
parágrafos, de
preferência
com
coesão e
coerência.
Difícil se tornam,
então, as
aulas de
Redação,
com o
professor
sempre correndo o
risco de
levar
para o
lar
um
sem-número de
textos,
absolutamente
repetitivos
entre
si,
que
não elevam a auto-estima de
ninguém.
Professor e
aluno terminam
cada
etapa, na
maioria das
vezes, prejudicados.
O
que pensamos,
então, é
que, às
vezes, o
profissional
responsável
pela
disciplina pode
DIVERSIFICAR
seu
trabalho,
mesmo à
custa de
um
saber
que
talvez
não
lhe tenha sido alinhavado na
Graduação, e
que
lhe custe
algum
estudo e
certa
coleta de
material.
Portanto, uma
sugestão –
somente uma
sugestão –
para
que a
escola caminhe
diferentemente do
que vem ocorrendo, seria o
ensino e a
real
aplicação de
planos de
trabalho
como os
anteriormente
expostos. De
fato, representariam, a
nosso
ver, uma
mudança no modus operandi
cotidiano dos
mestres de
língua
materna.
Ora, a
diferença estaria na “novidade”
em
princípio.
Mas
seu
núcleo se centraria na
QUALIDADE da
opinião do
aluno,
já
que,
para se
produzir
textualmente, utilizando
patamares cognitivos
como
compreensão,
análise,
resumo e
síntese, faz-se
necessário,
mais do
que
nunca,
que os
filtros
exploratórios do
educando sejam provocados, aguçados,
desenvolvidos.
Em
síntese,
somar
informações
sobre
um
tema é
bom e
necessário,
sempre. No
entanto,
modificar, algumas
vezes, o
ritmo do
serviço, inferindo-lhe
novas
categorias,
só virá a
acrescentar, a
somar, a
contribuir. Ao
final, os
dois
pólos do
processo
educacional –
professor e
aluno – saem ganhando.
Esperamos,
então,
que as
propostas
aqui apresentadas possam
vir a
auxiliar o
professor,
mesmo
que
humildemente, na
sua
árdua
tarefa
diária.
Já seria
um
bom
começo.
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Rhétorique.
Livre I. Trad. De M. Dufour.
Paris: Les Belles Letres, 1967.
CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du
sens
et de l`expression. Paris: Hachette, 1992.
––––––.
Para uma
nova
análise do
discurso. In:
CARNEIRO, Agostinho
Dias. O
Discurso da
Mídia.
Rio de
Janeiro:
Oficina do
Autor, 1996.
CITTELLI,
Adilson.
Linguagem e
persuasão. 9ª ed.
São Paulo: Ática, 1995.
DIAS, Clementina da Silva.
Redações de
Vestibular.
Dissertação de
Mestrado
em
Língua Portuguesa. UFRJ, 1998. 302 p.
GAVAZZI,
Sigrid.
Fechamentos
em
entrevistas. Niterói: EDUFF, 1998.
PERELMAN,
Chaim & OLBRECHTS-TYTECA, Lucie.
Tratado de
argumentação: a
Nova
Retórica.
São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
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