A OBRA DE ZEDANTAS DE CARNAÍBA AO MUNDO
DO LINGÜÍSTICO AO SOCIAL

Tadeu Luciano Siqueira Andrade (UNEB)

 

A linguagem se constitui na história. Com essa afirmação, iniciamos um estudo acerca da construção de sentidos e idéias presentes na obra de inspiração popular em que, categoricamente, afirmamos: o povo é a fonte de tudo. Nestas circunstâncias, analisamos a obra literária, partindo de dois pressupostos: a construção e a circulação de sentidos. Naquele, estudamos a linguagem – o sujeito – a história, neste, a maneira como a obra circula e o que significa no processo histórico-social e no espaço de uma linguagem tão diversificada.

O autor busca inspiração no espaços físico, sócio cultural e na sabedoria humana. Tudo isso é permeado pelos pressupostos da Análise do Discurso: Linguagem – Sujeito – História. Na linguagem, está a fundamentação de toda uma construção que ocorre nas dimensões: identidade social do autor e as diferentes linguagens, identidade social do receptor e os elementos do contexto da comunicação, conforme diz Bright (apud PRETTI, 2000: 16).

O sujeito, nesse caso, é caracterizado como o agente da história. Esta história se constitui na e pela linguagem, pois “o único agente da história é o homem, ora como personalidade isolada, ora somando-se a outras no anonimato da comunidade”. (Lapesa apud. CUNHA, 1968: 57). Sendo a linguagem um fato social, ela está associada às relações culturais, sociais e geográficas. Na história, encontramos a atuação do sujeito no contexto sócio-cultural através da língua.

A realidade sócio-cultural das classes foi temática de vários escritores brasileiros que descreveram o Brasil nas diferentes culturas, transformaram-no em vários brasis. Jorge Amado descreveu a luta pela posse da terra na região do cacau, José Lins do Rego, a economia açucareira, Rachel de Queiros, a seca, Graciliano Ramos, o drama dos retirantes, Simões Lopes, as terras gaúchas, Amadeu Amaral, o dialeto caipira, João Cabral, as vidas severinas do Nordeste, Manuel Bandeira, o Capibaribe e o Beberibe entre outros.

Zedantas[1] foi buscar, no Pajeú das Flores, no Riacho do Navio, nas caatingas sertanejas, em Carnaíba – PE e na sabedoria do homem sertanejo, a inspiração para sua poesia, cuja temática pode apresentar a ambivalência do povo para o povo.

Considerando o sujeito, a história e as relações graças à linguagem, passamos a analisar a obra de Zedantas, partindo das condições de produção do discurso: o autor – o ouvinte – o contexto. José de Souza Dantas Filho nasceu em Carnaíba – PE, localizada na microrregião do Sertão do Alto Pajeú, em 12 de fevereiro de 1921. Considerado um estudioso da cultura sertaneja, Zedantas, desde o seu tempo de aluno, no Colégio Americano Batista do Recife – PE, já compunha xotes, baiões, toadas, publicando algumas dessas composições na Revista Formação. Embora morasse na capital, estudando Medicina, sempre esteve ligado ao Sertão. Era um sertanejo-citadino. Não existe literatura brasileira que retrate tão bem o sertão nordestino como a poesia de Zedantas, desde a variação lingüística, adequada à classe social e ao espaço geográfico, até os problemas sócio-políticos. Luiz Gonzaga, um dos parceiros da música de Zedantas, em entrevista ao Jornal do Brasil – 30/07/83 disse “Zé Dantas veio do sertão brabo. Eu costumava dizer que eu podia sentir o cheiro de bode na pessoa dele” (GONZAGA apud RENNÓ, 1990: 41).

Do ponto de vista lingüístico, incorporou, na sua poesia, a linguagem do nordestino, sua forma de falar as palavras não conhecidas pelos letrados, seu vocabulário ausente dos dicionários, suas construções frasais desconsideradas pelas gramáticas, conforme nos diz Ferratti:

Zedantas utiliza em sua obra a própria linguagem, musicalidade e poesia do sertanejo para descrever o homem do sertão, sua realidade ecológica e social para divulgar as suas tradições, crenças e valores, tão desconhecidos no Sul. (FERRATI, 1988: 117).

No contexto sócio-político, Dantas trouxe a problematização do descaso das autoridades políticas frente aos problemas sociais do Nordeste, como por exemplo, a seca e, mais tarde, os problemas urbanos entre outros. Isso lhe concedeu o título de precursor da música de protesto. Não podemos dizer que Zedantas, em sua poesia, abordou apenas a tristeza do sertanejo, abordou também o apego ao homem a terra, embora calcinada pela seca, serviu de palco para as lutas diárias, o mandacaru florando, símbolo da chegada da chuva, a volta da Asa branca ao sertão, o lamento do acauã, o despertar do amor no coração da menina-moça, o saudoso Riacho do Navio, o Rio Pajeú, a forma melódica de o sertanejo articular os jis, guês, os sis de nosso alfabeto entre outras temáticas.

Zedantas escreveu para o povo e sobre o povo. Sua obra é, sem dúvida, uma ida ao povo. Ao lado de Luiz Gonzaga, divulgou a cultura nordestina em todas as partes do Brasil e do mundo, a exemplo de um show no Mutualité de Paris em 1971, quando Gilberto Gil e Gal Costa improvisaram Acauã sendo ovacionados, como nos afiança Rennó (1990: 119). Acauã, elegia sertaneja (grifo meu), era a música predileta de Zedantas, cuja temática reflete o medo e a tristeza da seca, simbolizada pelo canto de mau agouro do acauã, de acordo com a sabedoria popular.

Do ponto de vista sócio-histórico, a obra de Zedantas não sou retratou o descaso dos políticos e das classes dominantes para com os problemas das classes subalternas, divulgou também a música nordestina no Centro-Sul, nos anos 50/60, período áureo do Baião. No Rio de Janeiro e em são Paulo, nesta época, surgiram as Casas de Forrós, ou seja, casas de diversão. O público eram os nordestinos, migrantes nas metrópoles, que se divertiam e lembravam de sua terra. Na diversão, no passo da dança e na linha melódica, o sertanejo, exilado de sua terra, lembrava os “causos”, evocava o longínquo Riacho do Navio, o Pajeú das Flores, o aboio do vaqueiro, o canto do acauã, o vôo da asa branca, os repentistas nas feiras livres. No olhar, o amor e a exaltação à terra distante, tristeza e saudade por viver longe dela. Em meio a todo esse cenário, Zedantas chamou a atenção do poder público e despertou a consciência nacional para o problema dos nordestinos. Segundo Ferratti (1988: 47), as Casas de Forró, e a música de Zedantas trouxeram o divertimento e “consolo” para o migrante e a conscientização dos problemas do Nordeste.

A obra de Zedantas exerceu papel importante na história da música e da literatura brasileira na formação ideológica. Sobre isso nos diz Matinas Suzuki, em matéria publicada na Folha de São Paulo em 9/5/82 (apud RENNÓ, 1990: 98)

Vale a pena lembrar que por essa época o Brasil começava a tomar consciência do estágio de subdesenvolvimento e o Nordeste, neste horizonte ideológico, representava a imagem crua de nossa mazela social. Além do ritmo novo, este canto expunha um retrato demasiadamente verídico do lado miserável de nossa existência. Neste sentido, canções como ‘Asa Branca’ (também de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira) e ‘Vozes da Seca’ (de Luiz Gonzaga e Zé Dantas) estavam a meio caminho entre o romance de Graciliano Ramos e as primeiras imagens da caatinga filmadas pelo Cinema Novo.

Comparando a visão sócio-regionalista de Zedantas com a produção literária de 30, diríamos que os romances nordestinos da década de 30, tão aclamados pela crítica literária, tiveram sua posição política continuada na música de Zedantas.

Alguns estudiosos consideram a obra de Zedantas dividida em dois pólos: tristeza da seca e alegria do inverno e música de protesto. Considerando a diversidade temática de sua obra, difícil é estabelecer, categoricamente, fases bem distintas. Em Acauã (52) e Vozes da Seca (53), temos a temática da seca (52/53). Neste mesmo período, Dantas escreveu O Xote das Meninas (53). Esta composição fala da seca apenas para comparar a flor do mandacaru com os prenúncios de chuva, segundo a sabedoria sertaneja, como também comparar o florar do mandacaru com o despertar do amor no coração da menina-moça. Em 53, escreveu ainda Casamento de Rosa e A Letra I, cujas temáticas fogem dos problemas sociais.

Podemos dizer que a obra de Zedantas analisa o sertão nordestino em todos os seus aspectos (geográficos, culturais, sociais, econômicos), tendo como cenário a caatinga. O personagem central é o sertanejo, não como o pau-de-arara, excluído no centro-Sul, mas como forte, trabalhador, valente, um cabra da peste, corajoso e confiante em Deus. Na poesia de Dantas, uma temática nunca é específica de uma determinada composição é, freqüentemente, retomada em outras.

Para uma melhor análise da obra de Zedantas, escolhemos algumas de suas composições, considerando a linguagem e a situação em que foram produzidas:

A Volta da Asa Branca (1950) – nesta toada-baião, Zedantas retrata a alegria do sertanejo ao ver a Asa branca voltar ao Sertão e, com ela, chegam as primeiras chuvas, a esperança do sertanejo. Luiz Gonzaga, em entrevista ao Globo Repórter – TV Globo (1985), afirma que “A Asa branca é o símbolo da dor e do sofrimento na seca. Quando a seca queima o Sertão, até a Asa branca vai embora”. Zedantas, ao organizar uma seleção de seus sucessos com Luiz Gonzaga, em uma nota explicativa para o primeiro LP em 1959, intitulado Luiz Gonzaga canta seus sucessos com Zedantas, diz: “A Asa branca, imitando o sertanejo, migra para outras terras e volta ao Sertão nas primeiras chuvas. Tão singular o mimetismo de vida, já legou ao retirante o epíteto de ‘Asa branca’”.(DANTAS, 1959).

 

ASA BRANCA
autoria de Humberto Teixeira ou Zedantas?

Dentro da Música Popular Brasileira, há muitas composições cuja autoria é desconhecida. Umas por se tratar de adaptações, outras, por questões financeiras para registro e divulgação, visando à inserção delas no mercado fonográfico. Daí, resulta o problema de autoria quando uma composição dessa natureza é gravada. Foi o que aconteceu com a música Asa Branca. Gravada por Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga pela primeira vez em 1947, sua autoria é questionada, uma vez que há indícios que deixam em dúvida seu verdadeiro autor.

Segundo Luiz Carlos Santos (apud FERRATTI, 1988: 66), “muitas músicas registradas por Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga e cantadas por este, eram baseadas em cantigas do povo nordestino, como Asa Branca (1946) e Juazeiro (1949)”. Em matéria de 10/06/95 do Diário de Pernambuco, Gildson Oliveira afiança que a parceria de Teixeira e Gonzaga, iniciou em agosto de 45. Houve a “sanfonização” de uma linda peça que viria a se transformar na imortal Asa Branca (OLIVEIRA, 1995). Luiz Gonzaga, falando na TV Bandeirante Canal Livre em 07/06/81, sobre Asa Branca, afirma que Asa Branca é do folclore nordestino. Na sua fase de menino, já a ouvira seu pai, Januário, tocá-la, em Exu – PE. Parecia uma cantiga de cego (GONZAGA, 1981). Antes de 1930, quando Luiz Gonzaga deixou o Sertão pernambucano, Asa Branca já era cantada na Zona Oeste do Rio Grande do Norte, como assegurou J. Aquino. Mas em outro contexto, sua letra era igual a uma quadra colhida por José Rodrigues de Carvalho em 1903, no Nordeste. Em vez de Asa Branca, dizia-se Mariquinha (FERRATTI, 1988: 99).

Embora não exista nenhum documento acerca da autoria de Asa Branca, em entrevistas com pessoas ligadas a Zedantas, afirmou-se que nunca se pôs em dúvida sua autoria em relação a Juazeiro e Asa Branca (c.f. FERRATTI, 1988: 98). Wilson (1978 apud. FERRATTI, ibidem.) inclui Légua Tirana, editada por Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, no repertório de Zedantas.

Renó (1990: 130), falando sobre o encontro de Dantas com Gonzaga, diz que neste momento, foram apresentados versos de Acauã, Vem Morena e A Volta da Asa Branca, e Zedantas propôs a Luiz Gonzaga que as gravasse, dizendo: “Bota lá com teu nome e a mim basta a satisfação de ver a minha música na tua voz”. Ainda, segundo Renó (1990), neste mesmo encontro, Dantas disse a Gonzaga que tinha feito uma resposta para Asa Branca e cantarolou: Já faz três noites que pro norte relampeia/ e a asa branca ouvindo o ronco do trovão/ Já bateu asas e voltou pro meu sertão/ ai, ai vou me embora vou cuidar da plantação. (RENÓ, 1990: 131).

O fato de Dantas ocultar o seu nome nas composições, uma vez que o pai não aprovava a sua carreira artística, conforme depoimentos de familiares, essa não seria uma das hipóteses que justificam Dantas ser o autor da adaptação de Asa Branca? (grifo meu).

Comparando a Volta da Asa Branca, cuja temática é o retorno da Asa branca ao Sertão, sinal de chuva, esperança do sertanejo, como nos dizem os versos: A Asa branca ouvindo o ronco trovão/ Já bateu asas e voltou pro meu Sertão, e Asa Branca, como a migração, conforme os versos: Inté mesmo a asa branca/ Bateu asas do Sertão, podemos questionar sua autoria. Do ponto de vista da intertextualidade, analisando a promessa de retorno em: Espero a chuva cair de novo/ pra mim vortá pro meu Sertão, uma vez que é cumprida em A Volta da Asa Branca, encontramos pontos que nos levam a reflexões.

Diante da problemática exposta acerca da autoria de Asa Branca, respaldando-se nas informações e Zedantas ser um estudioso da cultura do Sertão, não seria ele o autor verdadeiro da adaptação de Asa Branca? Fica, portanto, o questionamento. Após pesquisas futuras poderemos, de fato, comprovar que Zedantas é o autor de Asa Branca e devolver-lhe sua obra-prima (grifo meu).

Vozes da Seca (1953), é uma toada-baião. É um poema que aflige. Ao lado de Asa Branca, é o hino do Nordeste. Vozes da Seca é a polifonia dos nordestinos, suplicando às autoridades políticas medidas urgentes para o problema, exigindo mais atenção e criticam os favores políticos. Isso é notado nos versos: Livre assim nóis da esmola/ que no fim da estiagem lhe pagamo inté o juro/ sem gastar nossa coragem. Contextualizando a época desta pungente, Siqueira Andrade diz:

Em 1953, o Nordeste brasileiro enfrenta uma das grandes secas. A seca não é apenas uma questão geográfica, é, antes de tudo, uma questão político-social, pois os poderes públicos usam a situação para fins eleitoreiros, tornando a seca um agente intermediário para a “política de favores” (ANDRADE, 2003).

Zedantas, naquela época, já tinha uma descrição do oportunismo político frente aos problemas do Nordeste. Acredita o autor ter interpretado em Vozes da Seca, o verdadeiro pensamento do Nordeste (DANTAS, 1959).

Devido à conotação político-social desfavorável ao governo, presente em Vozes da Seca, o então Presidente da República Getúlio Vargas procurou conhecer pessoalmente Zedantas (c.f. Jornal BANDEPE, outubro de 1989). Para Tárik de Souza (apud RENNÓ: 1990: 68), Dantas levou Luiz Gonzaga de volta aos temas telúricos sertanejos de forte conteúdo político. Foi com Zé Dantas que Luiz Gonzaga resolveu usar o mesmo estilo direto de músicas que hoje podem ser consideradas como as melhores canções de protesto, principalmente em Vozes da Seca, Algodão e Paulo Afonso. (Última Hora, 18/9/71. apud RENNÓ, 1990: 96). Em entrevista à Folha de S. Paulo, em 23/3/78 (apud RENNÓ, 1990: 71), Luiz Gonzaga critica a censura e cita Vozes da Seca e Paulo Afonso como as duas músicas dele com Zedantas que ela quis vetar.

Em se tratando de teor crítico-social, Dantas descreveu em Vozes da Seca a imagem real dos problemas sociais do Nordeste, mas em Profecia (1963), obra póstuma, Zedantas já mostrara uma evolução em sua preocupação com as questões sociais. Desta vez, não é a seca, e sim a pobreza urbana e a migração do campo para a cidade, problemas sociais da década de 60/70, como podemos ver através do jogo semântico que Dantas faz com as palavras “mulambo” e “mucambos” em: Diz a mesma profecia/ Ninguém mais veste mulambo/ Rua feita de mucambo. Segundo Ferratti, (1988: 139), surgida pouco antes do golpe militar de 1964, Profecia foi pouco divulgada, não tendo sido regravada por Luiz Gonzaga e nem comentada por jornalista, críticos e historiadores que consideravam Zadantas como o precursor da música de protesto no Brasil.

Riacho do Navio (1955) – neste xote, percebem-se uma nostalgia e um tom bucólico, em que o poeta evoca o seu passado às margens do Rio Pajeú e de seu afluente, Riacho do Navio. Mostra a relação do homem com a natureza e espaço geográfico, onde a fauna e a flora ocupam lugar de destaque e são freqüentes o aboio dos vaqueiros e o deleite dos caçadores.

A região do Pajeú (sertão pernambucano) viu nascer e florescer gerações de poetas, escritores, repentistas, violeiros, cordelistas, lá nascidos ou radicados. Consagraram-se nas letras e revelaram, na veia poética, a vida do povo sertanejo que, como Asa branca, resiste à discriminação e ao preconceito lingüístico-social.

Paulo Afonso (1955) – Embora este baião seja considerado pelo próprio autor como um louvor a Delmiro Gouveia e aos políticos que transformaram a idéia de Gouveia em realidade, mostra um teor crítico em “Olhando pra Paulo Afonso/ Eu louvo nosso cassaco/ Caboclo bom verdadeiro.” Nestes versos, Dantas enaltece o trabalho e a bravura do sertanejo.

Para alguns estudiosos acerca da obra de Zedantas, Paulo Afonso é uma poesia de enaltecimento ao poder público. Para outros, está inserida nas músicas de protesto. Valendo enfatizar que Paulo Afonso foi uma das músicas de Dantas com Luiz Gonzaga que a censura quis vetar, conforme entrevista de Luiz Gonzaga à Folha de S. Paulo em 23/3/78. Analisando o enaltecimento ao nosso cassaco, o trabalhador braçal, o nosso engenheiro que deixou na força do rio São Francisco toda sua coragem, podemos ver marcas de um protesto. Fica difícil delimitar quais as canções de protesto de Dantas a partir da temática ou em termos de data, a exemplo de Algodão (1953), composta, a pedido do então Ministro da Agricultura João Cleofas, para incentivar a cultura do “ouro branco”, isto é, o algodão no Nordeste. Dantas (1959) diz que, em Algodão, imitando a linha melódica do aboio sertanejo, emprestou-lhe certo sentido apoteótico. Seria Algodão uma música de protesto? Embora tendo sido feita a pedido de uma autoridade política, Dantas não criticou o paternalismo político? (grifo meu) Em matéria publicada no Última Hora em 18/9/71 (apud RENNÓ, 1990: 96), Algodão está inserida nas músicas de protesto de Dantas.

Todas as composições que, de certa forma, mostram o Sertão nordestino, a exemplo de Vozes da Seca, Algodão e Paulo Afonso, sofreram os ditames da censura. Tal fato é um dado importante para um estudo mais detalhado, pois deixa clara exclusão do sertanejo do cenário sócio-cultural do Brasil.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O falar do Nordeste é do pé-de-serra para o universo da língua. São as expressões vivas e sentidas na pele do sertanejo, são ensinamentos que provêm dos leitos dos rios, dos aboios do vaqueiro na caatinga, consolando a rês, das conversas das lavadeiras ao redor das cacimbas, dos engenhos, das farinhadas, dos “causos” contados pelos sertanejos, pelos repentes, pelos cordelistas, que denunciam também as injustiças sociais, transformando a vida do sertanejo em um grande cenário cultural. Tudo isso consiste em um universo lingüístico diversificado, no qual Zedantas encontrou a problemática de toda a sua obra. Na letra de Zedantas e na voz de Luiz Gonzaga, o Brasil descobriu o Nordeste, o Sertão, o baião, o xote, o sertanejo, a Asa branca, a dor, o sofrimento, a festa, o cangaceiro, os valentes, os covardes.

Corrigindo uma injustiça que a história comete ao esquecer o nome de pessoas, cujas obras foram importantes no cenário cultural, necessário se faz que as instituições de pesquisa desenvolvam metas para que nomes, como Zedantas, sejam conhecidos pelas gerações futuras, não apenas como poeta, mas como críticos que, no passado, previam a realidade sócio-político-econômica do presente.

Assim a obra do carnaibano Zedantas sairá do contexto fonográfico, sendo inserida no cenário artístico-cultural para que não esqueçamos daquele que de Carnaíba ao mundo e do lingüístico ao social, tão bem descreveu o homem sertanejo, a terra em todos seus aspectos.

 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Tadeu Luciano Siqueira. Lendo Zé Dantas numa perspectiva lingüístico-histórico-social. Entrelinhas. Revista do Curso de Letras – São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Ano II. p. 66-69, n.4. março 2002.

––––––. As frases feitas no Nordeste: um estudo onomasiológico. Léxico – Semântica – Lexicologia. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Cadernos do CNLF. Ano VI n.7. p. 58-71. agosto de 2002.

––––––. A Literatura de Zé Dantas: um encontro Lingüístico-Discursivo. In: XXI Seminário Brasileiro de Crítica Literária e XX Seminário de Crítica do Rio Grande do Sul: Novos Paradigmas. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre 04/12/2003.

CARNAÍBA Vozes da seca e da beleza. Jornal O Bandepe Banco do Estado de Pernambuco. Recife, outubro de 1989.

CUNHA, Celso. Língua portuguesa e realidade brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: 1968.

DANTAS, José. Luz Gonzaga canta seus sucessos com Zedantas. São Paulo: RCA– BMG. 1959. 1 CD Remasterizado.

FERRATTI, Mundicarmo Maria Rocha. Baião dos Dois: Zedantas e Luiz Gonzaga. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Massangana, 1988.

OLIVEIRA, Gildson. Diário de Pernambuco. Recife, 11/6/95. A vida de Luiz Gonzaga – Zé Dantas, precursor da música de protesto. Capítulo 7.

RENNÓ, Carlos et alii. Vozes do Brasil – Luiz Gonzaga. São Paulo: Martin Claret, 1990.

PRETTI, Dino. Sociolingüística: os níveis de fala. São Paulo: Edusp. 2000.

VIDA (A) de Luiz Gonzaga. Globo Repórter. Produção Rede Globo Nordeste. Reportagem Celso Freitas e Ernesto Paglia. Recife, agosto de 1989.


 

[1] Registra – se a forma, considerando a assinatura do próprio autor no encarte do CD remasterizado Luiz Gonzaga canta seus sucessos com Zedantas, (1959) 1ª versão.

 

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