diferentes usos para o rótulo folhetim
e A CONSTRUÇÃO DO PÚBLICO LEITOR
DO SÉCULO XIX

Rosane Manhães da Rocha Faria (UFRJ)
Alexandre Xavier Lima (UFRJ)

 

Considerações iniciais

Com base em textos dedicados ao estudo da “evolução” do rótulo folhetim[1], este trabalho apresenta, num primeiro momento, dois objetivos bem definidos: promover uma maior divulgação das informações já consolidadas sobre a origem, a “evolução” e as características estruturais do termo folhetim, bem como trazer outras informações, fruto de nossa investigação e até onde sabemos inéditas, pois não foram mencionadas nas leituras realizadas por nós sobre o assunto até aqui.

Uma vez conhecidas a origem francesa do termo folhetim e as suas características estruturais, concentramos a nossa pesquisa em um periódico carioca oitocentista de grande circulação – DIARIO DO RIO DE JANEIRO - a fim de verificar como tais características acerca do rótulo folhetim foram aplicadas em um periódico brasileiro.

Além disso, após a verificação dos aspectos que caracterizaram o rótulo folhetim no periódico Diario do Rio de Janeiro, nos atentamos em investigar qual foi a possível contribuição do folhetim na construção de um sólido público leitor carioca no século XIX[2].


 

Origem, “evolução”[3]
e características estruturais
do rótulo folhetim

Atentamos, antes de tudo, para a informação de que, segundo Meyer (1988), Sodré (1966) e Sodré (1978), o termo folhetim, originário da palavra francesa feuilleton e criada pelo jornalista Émille Girardin, surgiu pela primeira vez na década de 1830 no periódico francês La Presse.

Inicialmente, o termo folhetim indicava o nome do espaço físico, localizado no rodapé do jornal, ao qual se destinavam as publicações de variedades, miscelâneas -mistura de variadas reuniões de textos literários de vários autores-, resenhas literárias, dramáticas ou artísticas. A criação de um espaço no jornal destinado à publicação de textos, que visava o entretenimento do público leitor, nada mais foi que uma estratégia formulada pelo jornalista Émille Girardin para estimular, juntamente com o baixo preço do periódico, o aumento da sua vendagem.

Posteriormente, o tipo de texto publicado no espaço denominado folhetim tornou-se mais específico com a publicação dos romances ficcionais. Esses romances eram obras já prontas, mas publicadas aos pedaços no jornal. Essa foi mais uma estratégia encontrada para manter a boa vendagem do periódico francês, ou seja, uma vez aguçada a curiosidade do leitor para saber a continuação das histórias dos romances, estaria garantindo, assim, a volta do leitor para adquirir as edições posteriores.

A partir do grande sucesso da publicação dos romances aos pedaços, uma nova fórmula de publicação desse tipo de texto foi criada: novos romances começaram a ser produzidos aos poucos, ou seja, os escritores produziam romances para serem publicados no jornal e, a medida que as histórias eram publicadas, verificava-se a resposta do público e a continuidade ou não das histórias dependeria do gosto dos leitores.

“Os folhetins, tanto na intenção do diretor do jornal quanto na intenção do folhetinista, foram produzidos sob a inspiração do gosto do público e não do gosto dos autores.” (GRAMSCI, 1986: 124) - Uma visão do público europeu.

Sendo assim, passou-se adotar ao rótulo folhetim a própria noção de uma nova modalidade textual - o romance-folhetim.

Explorando ainda os aspectos estruturais da nova “modalidade” de folhetim, o romance-folhetim, pode-se observar um quadro com as principais características particulares:

a)         Tipologia textual em narrativa com a presença dos diálogos;

b)         O elemento suspense de episódio para episódio, o que atiça a curiosidade do leitor.

c)         Presença da figura do Herói – homem de gênio superior, solitário entre os medíocres, triunfante entre os vencidos. O herói se move em dois mundos antitéticos: o baixo mundo e a alta sociedade, os extremos da escala social em máxima tensão conflitual.

d)         Oposições binárias (maniqueísmo) – bem x mal, felicidade x   amargura, perseguidor x perseguido, generosidade x mesquinhez, resolvidas pela ação heróica de uma individualidade poderosa.

“O folhetinista deve cercar-se de técnicas para envolver o leitor fazendo com que o fim de uma história/capítulo provoque o desejo seguinte.” (Alexandre Dumas apud Gramsci)

Muitos dos folhetins publicados nos jornais europeus foram importados, traduzidos e publicados em alguns periódicos oitocentistas do Brasil. Várias obras de consagrados autores estrangeiros foram publicadas no Diario do Rio de Janeiro, como: O Judeu Errante (Eugène Sue), A Adaga do Rei Pelagio (Paul Féval), A Marqueza Ensanguentada (Condessa Dash), Um Sonho de Amor (Fred Soulié), etc.

Além disso, autores brasileiros como, por exemplo, Machado e Alencar começaram a publicar suas obras, primeiro, nos periódicos. Depois de garantir o sucesso entre o público leitor, as obras eram publicadas em livro: O guarani, de José de Alencar, apareceu publicado no Diario do Rio de Janeiro em 1857, e Cinco Minutos começou a ser publicado em 1856 e o anúncio da venda do romance em 1858.

 

Diario do Rio de Janeiro
– uma investigação estrutural
do rótulo folhetim

Detivemo-nos ao caso do Diario do Rio de Janeiro em meio à galáxia de periódicos que surgiram em meados do século XIX. Segundo SODRÉ (1966), tratava-se do primeiro jornal informativo e circular. Seu período de publicação foi de junho de 1821 até outubro de 1878, com pequenas interrupções[4]. Além de transcrever alguns romances-folhetins[5], observamos a estrutura da seção folhetim. Desse rótulo, constatamos algumas relações com os conceitos já apresentados e algumas peculiaridades.

O espaço no rodapé dedicado às miscelâneas, dentre elas o texto literário, surgiu em 1840, mas, já bem antes, havia seções, como VARIEDADES e LITTERATURA que atendiam aos mesmos princípios, ou seja, traziam crônicas, contos, poesia, etc.

Em 02 de Janeiro de 1840, surge uma seção no rodapé da primeira página desse periódico, vinculando a esse espaço textos literários, em sua maior parte. No entanto, o nome da seção era APPENDICE. Um ano depois, essa seção mudou de nome.

O rótulo da seção que até então era conhecida como APPENDICE, passou a se chamar FOLHETIM, pelos motivos que o próprio jornal expõe no dia 12 de fevereiro de 1841, como podemos observar na transcrição abaixo:

A palavra folhetim, adoptada pelo jornal | do commercio para dar ideia dos artigos de | recreio que os francezes chamao feuilleton, | está geralmente recebida: nós, para não | contrariar o uso, substituimos o nosso appen- | dice pelo folhetim. || Publicamos hoje algumas fabulas e uma ode, composição d’um nosso compatriota | o Sr. Doutor J. J. T.: o publico apreciará | seu merecimento [...].

O termo folhetim no Diario do Rio de Janeiro seguiu uma “evolução” um pouco diferente da “evolução” nos jornais franceses. Ao invés da nova forma sobrepor a forma anterior, passava a conviver lado a lado. Portanto, era comum encontrar textos no rodapé dos periódicos baseados na primeira concepção (miscelâneas), ou na segunda (livros publicados em folhetim) ou na terceira (romances feitos para o folhetim). Essa última em menor freqüência até a década de 50, pois, as Obras que predominavam eram de autores consagrados da Europa[6].

Mesmo depois do surgimento do espaço Folhetim, há textos, como por exemplo, Visita aos Tumulos (poema) por A. C. L. do dia 02/11/1842 que não aparece o título da seção. Um outro exemplo da complexidade do rótulo folhetim no Diario do Rio de Janeiro é a existência de textos com diálogos que são publicados no espaço FOLHETIM no rodapé, mas a história é concluída no mesmo dia, não tendo a fragmentação como o romance-folhetim. Um exemplo é o texto “A Experiência” (01/04/1842).

Havia também mobilidade do texto nas seções: O texto, como por exemplo “Apontamentos de um caixeiro”, ora aparece no Folhetim, ora em Variedade. O texto surge no dia 10/05/1847 até 28/05 no Folhetim, depois, continua em Variedade nos dias 05, 09, 15/05, 28/06 e 01/07/1847.

A seção VARIEDADE continuava trazendo histórias com estrutura de folhetim, mas publicadas fora do espaço do rodapé. Havia textos que começavam na seção VARIEDADE e depois passavam para o FOLHETIM. Ex.: O Marquez de Pombal – 12/08/1842 (variedade) 16/08/1842 (folhetim). Ou casos em que, simultaneamente, ocorria a publicação de uma história fragmentada na seção VARIEDADE (ex.: Viagens na minha terra- Almeida Garret) e no rodapé FOLHETIM A condessa de Monrion por Freuderic Soulié.

A partir de 25/09/1847, temos livros publicados em fascículo no rodapé. Ex: O Pirata Negro por Charles Expilly. A seção folhetim reaparece no dia 27/08/1847. Depois, em 02/01/1854, surge uma estrutura bem diferente da que era vigente: localiza-se no centro da página do jornal, na parte inferior, em 2 colunas, tendo como título da seção “Folhetim do Diario”.

 

Formação do público leitor brasileiro

Até a primeira metade do século XIX, é possível observar que a sociedade brasileira não apresentava uma produção cultural expressiva. O país vivia num período de forte censura que, além de inibir o seu próprio desenvolvimento literário e cultural, proibia a importação de obras estrangeiras.

A importação de livros era feita clandestinamente, bem como as leituras. Estas eram realizadas, muitas vezes, em gabinetes clandestinos, por exemplo.

Considerando, ainda, o grande número de analfabetos que figuravam na sociedade oitocentista, não eram raras as leituras feitas oral e coletivamente e entre os membros da família.

Com a abertura e o desenvolvimento da Imprensa brasileira, a produção cultural do país encontrou, efetivamente, condições para progredir. Observou-se, portanto, o crescimento da produção do material impresso. Embora o acesso aos livros continuasse ainda muito limitado devido aos altos preços, por exemplo, os periódicos muito contribuíram para a divulgação e expansão do material literário e para a construção de um sólido público leitor. Um dos elementos que ajudou a “popularizar” a leitura foi exatamente o Folhetim.

 

Público leitor feminino

Se a formação do público leitor como um todo já apresentou dificuldades para se estabelecer, imagine um público específico, como o público leitor feminino. A citação que segue demonstra a presença do público feminino numa sociedade patriarcal:

Poucas literaturas terão sofrido, tanto quanto a nossa, em seus melhores níveis, esta influencia caseira e dengosa, que leva o escritor a prefigurar um público de mulheres e a ele se ajustar. (Candido, 1976, p. 100).

Como também afirma MORAIS (2002), as mulheres eram representadas no romance como público alvo. Quando o autor se dirigia ao público, geralmente utilizava a leitora como interlocutor. O que não queria dizer, necessariamente, que os textos eram produzidos para elas.

De qualquer forma, grande parte do público leitor feminino tinha acesso aos textos através da recitação em auditórios. Inclusive, a escritora Júlia Lopes de Almeida costumava ouvir de seu pai a leitura do JORNAL DO COMMERCIO.

No entanto, essa realidade modificou-se aos poucos. Num primeiro momento, surgiram jornais voltados ao público feminino. O Bandolim (1889), O Beijo (1881), Biblioteca das Senhoras (1874), O Bisbilhoteiro (1889), Os Bons exemplos (1870), O Direito das Damas (1879-1882) eram alguns dos periódicos literários dedicados às mulheres.

Esses jornais, como diz MORAIS (2002), traziam artigos sobre instrução, artigos sobre modas, crônicas, romance, folhetim. Os jornais ainda estabeleciam uma certa cumplicidade com as leitoras. Essa cumplicidade era traduzida em forma de esclarecimento sobre a situação da mulher na Europa.

As mulheres começam também a redigir periódicos. Como é o caso de Belo-sexo, O sexo feminino, Jornal das senhoras, A mulher e O quinze de novembro do sexo feminino. Assim passavam coletivamente a por em debate na sociedade seus projetos, buscando um espaço não apenas no rodapé da vida intelectual, mas em todas as “seções” culturais do país.

 

Referências bibliográficas:

ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas: Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil. São Paulo: Fapesp. 2000.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 5ª ed. São Paulo: CEN, 1976.

DINIZ, FARIA, FERREIRA & LIMA  Romances-folhetim e notícias em jornais do século XIX: Padrões e contrastes sociolingüísticos e culturais. XXV Jornada de Iniciação Científica da UFRJ. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2003.

DINIZ, FARIA, LIMA & MOTHÉ. A Evolução dos Folhetins em Jornais Brasileiros do Século XIX. XXVI Jornada de Iniciação Científica da UFRJ. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ, 2004.

GRAMSCI, Antonio. Derivações culturais do romance folhetim. In: –––. Literatura e vida nacional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1986.

LIMA SOBRINHO, Barbosa. Panorama do Conto Brasileiro: os precursores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960.

MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

––––––. As mil faces de um herói canalha e outros ensaios. Rio de Janeiro: [s/ed.], 1988.

MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. Leituras de mulheres no século XIX. Belo Horizonte:Autêntica, 2002.

NADAF, Yasmim Jamil. Rodapé das miscelâneas – o folhetim nos jornais de Mato Grosso (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002.

SODRÉ, Muniz. Teoria da Literatura de Massa. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 1978.

SODRÉ, Nelson Werneck. A história da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.


 

[1] Meyer (1984), Sodré (1966) e Sodré (1978).

[2] Levantamos, transcrevemos e editamos alguns folhetins na íntegra de jornais cariocas oitocentistas que se encontram no acervo de periódicos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ). Parte do material já se encontra disponibilizado na rede mundial de computadores (www.letras.ufrj.br/~folhetim). 

[3] Em breve, disponibilizaremos, no site já citado, as fotos dos periódicos que possibilitam uma idéia mais apurada de como ocorreu o processo de “evolução” do folhetim.

[4] 1 Jun – Dez 1821 – 1858

Mar – Dez 1860 – 1877

Jan, Abr – 31 Out 1878

[5] Inês de Las Sierras, A Flor das Favas e O último dia de Frascati. Esses folhetins estão disponíveis no site www.letras.ufrj.br/~folhetim

[6] Posteriormente, as revistas tornaram-se mais um veículo para publicação de folhetins.

 

 

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