Vinde
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André Luiz Alves
Luís de Camões,
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Como
[...]
–
deste
o doce e piadoso
mover de olhos, que as almas suspendia,
foram as ervas mágicas, que o Céu
me fez beber; as quais, por longos anos,
noutro ser me tiveram transformado,
e tão contente de me ver trocado
que as mágoas enganava cos enganos;
e diante dos olhos punha o véu
que me encobrisse o mal, que assi creceu,
como quem com afagos se criava
daquele para quem crecido estava. (Ibidem, p. 202-203)
Além da intensificação do martírio, pode-se perceber o diálogo da estrofe acima com o soneto Um mover d’olhos brando e piedoso, com a imagem literal citada e a figura de Circe, feiticeira da mitologia:
Um mover d’olhos, brando e piedoso,
sem ver de quê; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;
um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto;
uma pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo e gracioso;
um encolhido ousar; uma brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento:
esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pôde transformar meu pensamento. (CAMÕES, 2002:104)
Grande parte do desconcerto camoniano se deve ao desgosto da desilusão, aqui representada pela imagem da feiticeira e das ervas mágicas – mágico veneno. Tem-se, então, a alegoria da ilusão e punição, pois o Poeta ilude-se e em vez de contrariar a paixão, afaga-a.
A melancolia presente nas queixas ao secretário revela uma lira em constante estado de conflito. A ilusão e a fantasia, em contraste com a dura realidade, mostram os enganos do sujeito lírico. O Fado implacável com o Poeta fá-lo sentir-se em desconcerto:
[...]
as bem-aventuranças
nelas também pintadas e fingidas;
mas a dor do desprezo recebido,
que a fantasia me desatinava,
estes enganos punha em desconcerto (CAMÕES, 1963: 202)
Esse desconcerto atinge intensamente o eu-lírico, uma vez que envolve a própria condição humana. É percebido que o curso de tristeza faz arrefecer o fogo ardente de pensamentos namorados, e a força humana parece não resistir à aspereza do comportamento da amada:
Este curso contino de tristeza,
estes passos tão vãmente espalhados,
me foram apagando o ardente gosto,
que tão de siso n'alma tinha posto,
daqueles pensamentos namorados
em que eu criei a tenta natureza,
que do longo costume da aspereza,
contra quem força humana não resiste,
se converteu no gosto de ser triste. (Ibidem, p. 204)
A fraca força humana é também aludida na última oitava do canto primeiro d’Os Lusíadas. Ao invés da fraqueza do homem perante a sua amada, a impotência humana se apresenta em relação ao mar:
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno? (CAMÕES, s/d.:.98)
A reflexão amarga apresentada tanto na canção Vinde cá, meu tão certo secretário como n’Os Lusíadas constata a fragilidade do ser humano frente ao mundo e aos sentimentos. Essa fragilidade é principalmente sentida nas obras que parecem apresentar traços autobiográficos. Em determinada passagem da canção, alguns críticos vêem elementos da vida do autor nas palavras do eu-lírico:
Dest'arte a vida noutra fui trocando;
eu não, mas o destino fero, irado,
que eu ainda assi por outra não trocara.
Fez-me deixar o pátrio ninho amado,
passando o longo mar, que ameaçando
tantas vezes me esteve a vida cara.
Agora, exprimentando a fúria rara
de Marte, que cos olhos quis que logo
visse e tocasse o acerbo fruto seu
(e neste escudo meu
a pintura verão do infesto fogo) (CAMÕES, 1963: 204)
Note-se que mesmo com todas as agruras que o fero destino lhe trouxe, o Poeta não o quereria trocar por nenhum outro. A imagem de combate em terras distantes aparece, mas é importante perceber que em Vinde cá... o sujeito lírico enfatiza a sensação de exílio, diferente da perspectiva heróica de sua produção épica. As referências à violência da guerra, à sua vida posta em perigo, e à perda de um de seus olhos assumem um caráter de lamento.
A falta de piedade humana o conduz a uma sensação de exílio que o sufoca, fazendo faltarem-lhe tempo e mundo:
A piadade humana me faltava,
a gente amiga já contrária via,
no primeiro perigo; e no segundo,
terra em que pôr os pés me falecia,
ar para respirar se me negava,
e faltavam-me, enfim, o tempo e o mundo. (Ibidem, p. 204-205)
A estrofe citada, nitidamente autobiográfica, como afirma Faria e Sousa (SARAIVA, 1981:70), refere-se às situações vividas por Camões em Ceuta e na Índia. Semelhante lamento é visto no soneto Em prisões baixas fui um tempo atado, no mesmo tom melancólico da canção aqui estudada:
Em prisões baixas fui um tempo atado,
vergonhoso castigo de meus erros;
ainda agora arrojando levo os ferros
que a Morte, a meu pesar, tem já quebrado.
Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
que Amor não quer cordeiros nem bezerros;
vi mágoas, vi misérias, vi desterros:
parece-me que estava assim ordenado.
Contentei-me com pouco, conhecendo
que era o contentamento vergonhoso,
só por ver que cousa era viver ledo.
Mas minha estrela, que eu já agora entendo,
A morte cega, e o caso duvidoso;
Me fizeram de gostos haver medo. (CAMÕES, 2002: 99)
Nessa dolorosa confissão, que também pode ser considerada autobiográfica, o sujeito lírico declara que toda a sua vida foi sacrificada ao amor, e que dele só recebeu tristezas. O Amor, aqui visto como um deus, não haveria de aceitar sacrifícios de animais – como nas culturas pagãs –, mas sim a vida do próprio Poeta, confirmando o caráter cruel daquele, imagem já explorada anteriormente. Digna de destaque é a imagem da Morte que o vai libertando da profunda prisão em que ele se encontra, numa perspectiva em que a Morte parece mais benevolente do que a Vida.
A estrofe seguinte apresenta um dos aspectos da contradição camoniana: o sujeito lírico parece temer o desenrolar dos acontecimentos, mesmo com o fim de seus suplícios, por não saber o porvir, que talvez lhe venha pior do que os tormentos passados:
Não conto tantos males como aquele
que, despois da tormenta procelosa,
os casos dela conta em porto ledo;
que ainda agora a Fortuna flutuosa
a tamanhas misérias me compele,
que de dar um só passo tenho medo. (CAMÕES, 1963:205)
A passagem acima remete ao célebre soneto Erros meus, má fortuna, amor ardente, em que as mágoas passadas são suficientes para despertar um sentimento de frustração no poeta, que já não quer mais ser contente:
Erros meus, má fortuna, amor ardente
em minha perdição se conjuraram;
os erros e a fortuna sobejaram,
que para mim bastava o amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
a grande dor das cousas que passaram,
que as magoadas iras me ensinaram
a não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
dei causa a que a Fortuna castigasse
as minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse que fartasse
este meu duro gênio de vinganças! (CAMÕES, 2002: 122)
Note-se que há uma ocorrência de vários fatores para o conduzir ao sofrimento, já expressos no primeiro verso: a junção de seus erros à fortuna que com ele foi má, além de um amor ardente não correspondido, acaba por levá-lo a um estado de sofrimento permanente. O medo diante de novidades ou mudanças manifesto em Vinde cá... assume aqui o ar melancólico que pauta o soneto, o qual, por sua vez, remete a outros sonetos, como o que se vê abaixo, cuja primeira estrofe é marcada pelo pessimismo em relação a um mundo do qual ele nada mais espera:
Que poderei do mundo já querer,
que naquilo em que pus tamanho amor,
não vi senão desgosto e desamor,
e morte, enfim: que mais não pode ser! (Ibidem, p. 102)
A última estrofe da canção aqui estudada traz o mesmo ceticismo e amargura do final melancólico de seu poema épico. N’Os Lusíadas, tal momento se dá quando o Poeta pede à Musa o fim da inspiração:
No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e da rudeza
Dua austera, apagada e vil tristeza. (CAMÓES, s/d: 353)
O tom de lamento apresentado pelo Poeta diz respeito à falta de valorização, de quem ouviria seu canto – gente surda e endurecida –, o que lhe causa o destempero. Curiosamente, enquanto n’Os Lusíadas ele pede à Musa que não mais o inspire, aqui ele parece se dirigir à própria canção:
Nô mais, Canção, nô mais; que irei falando,
sem o sentir, mil anos. E se acaso
te culparem de larga e de pesada,
não pode ser (lhe dize) limitada
a água do mar em tão pequeno vaso.
Nem eu delicadezas vou cantando
co gosto do louvor, mas explicando
puras verdades já por mim passadas.
Oxalá foram fábulas sonhadas! (CAMÓES, 1963: 206)
A canção aparece aqui personificada, e o Poeta lhe diz que não falará mais, pois, do contrário, falaria por mil anos. É importante destacar que ele atribui o tom pesado da mesma ao fato de ela conter o registro de tudo o que ele passou verdadeiramente. Essa idéia é intensificada no momento em que ele se refere às puras verdades já por mim passadas, ressaltando o caráter autobiográfico. Numa amargura já expressa ao longo da canção, ele afirma que tudo aquilo foi de fato verdade, aproveitando a ocasião para se lamentar novamente, dizendo que queria que tudo não passasse de imaginação: Oxalá foram fábulas sonhadas. Sua lira é destemperada e sua voz enrouquecida, melancólicos ecos de um mundo em desconcerto.
BIBLIOGRAFIA
CAMÕES, Luís de. Lírica. São Paulo: Cultrix, 1963.
––––––. Os Lusíadas. Porto: Porto, s/d.
––––––. Sonetos. São Paulo: Martin Claret, 2002.
FALCON, F. A cultura renascentista portuguesa. In: Semear 1.Revista da Cátedra Padre Antônio Vieira de Estudos Portugueses. Rio de Janeiro: Nau, s/d. Disponível no dia 03/07/2005 em www.letras.puc-rio.br/catedra/revista/1Sem_03.html
SARAIVA, António José & LOPES, Óscar. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora, s/d.
SARAIVA, Maria de Lourdes. Luís de Camões - Lírica Completa. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1981.
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