AS TIRAS DE QUADRINHOS DE MAFALDA
UMA PROPOSTA DE ENSINO DA LÍNGUA MATERNA.
Lídia Maria Rodrigues de Oliveira (UFES)
Mônica Lopes Smiderle de Oliveira (UFES)
INTRODUÇÃO
O ensino da língua portuguesa para o ensino fundamental e médio no Brasil enfrenta sérias dificuldades. Existe um grande desinteresse dos alunos na aprendizagem, bem como uma aparente defasagem no conhecimento dos professores. No entanto, não se pode apontar esses dois fatores como sendo responsáveis por todos os problemas. Na realidade tanto o desinteresse como a aparente falta de preparação é resultado de um problema maior sobre o qual não se pode apontar um culpado: a própria gramática do português brasileiro.
Calcada nos moldes da gramática greco-latina, a gramática portuguesa de hoje apresenta uma sobrecarga de normas e prescrições de formas insuficientes à compreensão e que, apesar de um grande número, não explicam todos os mecanismos da língua.
Além disso, como se tal sobrecarga de informações a serem decoradas já não desanimasse os alunos, muitas dessas regras são incoerentes entre si, impossibilitando o aprendizado cabal dos alunos, bem como colocando em risco a segurança e competência do professor que tem muitas vezes sem lógica passando-se por um mau educador.
E com isso, as aulas de português estão resumidas ao fato de só se ensinar à gramática normativa e aquelas intermináveis nomenclaturas. Não estamos dizendo que não se deva ensinar as normas gramaticais para os alunos, o problema é que como nos mostra Marcos Bagno (1999).
A escola tenta impor sua norma lingüística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 160 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolaridade etc.
Mais do que ensinar-lhes a gramática normativa é preciso instruir a usar a língua em diversos contextos e é essa transmissão que nos chamou a atenção. O ensino da língua materna, então, deixou de estimular os alunos e os afastou do caminho leitura e da formação de cidadãos críticos que saibam ler e entender qualquer tipo de texto. Como diz Irande Antunes (2003: 35):
Se o que predomina nas aulas de português continua sendo o estudo inócuo das nomenclaturas e classificações gramaticais, ir à escola e estudar português pode não ter muita importância, principalmente para quem precisa, de imediato, adquirir competências em leitura e escrita de textos.
Se isso continuar acontecendo os alunos vão abandonar a escola, porque não se sentem à vontade com a sua própria língua. Parece que o que estão aprendendo é uma outra língua totalmente diferente da deles, como salienta Bagno (1999).
Pensando em inverter esse quadro iremos utilizar os quadrinhos como apoio ao tratamento de temas escolares de forma lúdica, possibilitando um processo de aprendizado mais agradável. Para Ângela Roma (2004) as histórias em quadrinhos (HQs) constituem um importante recurso não só para o entretenimento dos alunos, mas também como ferramenta que auxilia os professores. Além do que, segundo Mário Feijó, as HQs aumentam a motivação dos estudantes para o conteúdo das aulas, aguçando a curiosidade dos alunos e desafiam seu senso crítico.
OS QUADRINHOS EM AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Os PCNs (Parâmetros curriculares Nacionais) mostram que o ensino de Língua Portuguesa tem sido, desde os anos 70, o centro da discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade da educação. É preciso reformular o ensino, pois o mesmo está desconsiderando a realidade e os interesses dos alunos, apresentando uma teoria gramatical muitas vezes inconsistente, uma excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de texto, uma extrema valorização normativa e a insistência nas regras de exceção, com o conseqüente preconceito contra as formas de oralidade e as variedades não-padrão.
Nessa perspectiva de mudança, é necessário organizar o ensino em torno do texto, sendo este a unidade básica por meio da qual contextualizaremos o estudo gramatical. O ensino, assim pensando, responde às imposições de organização clássica de conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em função das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção, leitura e escuta de textos. Segundo Soares (1996) esses textos devem ser escolhidos mediantes dois critérios: necessidade e interesses dos alunos com relação ao texto a ser trabalhado.
A leitura que a escola propõe aos alunos, na maioria das vezes, não tem qualquer sentido para eles, pela maneira como é trabalhada. Em sua maior parte, a interpretação é feita através de perguntas facilmente localizáveis no texto, exigindo do aluno apenas a habilidade de decodificação da linguagem escrita. Para que o ensino produtivo é preciso que as aulas de Língua Portuguesa tragam a vida e a sociedade para dentro da sala de aula através dos diversos textos que nela circulam.
Partindo desses critérios de escolhas de textos, introduziremos o gênero de quadrinhos no ensino da língua materna, pois as histórias em quadrinhos (HQs) são de interesse dos alunos porque interligam o texto com a imagem, ampliando assim a compreensão do fato ocorrido; também a linguagem utilizada é de fácil compreensão; além do que as HQs aumentam a motivação dos estudantes para o conteúdo das aulas (RANA, 2004).
Segundo Penha Lins (2002) essa junção do visual com o lingüístico faz do texto de quadrinhos a base ideal para pesquisa centrada na interação: o código visual supre lacunas que, por caso, possam ser deixadas pelo código lingüístico e vice-versa. Como sabemos a valiosa contribuição dos aspectos visuais são bem recebidos pelos alunos, dessa forma, o professor tem acesso a esse suporte pedagógico para o ensino da língua portuguesa, não só para esta disciplina, mas para outras, tais como: literatura, história, geografia, entre outras.
COMO SURGIRAM AS HQS
Remonta à
pintura rupestre da Pré-história. Desenhos que mostram aventuras de caça são encontrados nas grutas de Lascaux, na França, e Altamira, na Espanha. Hieróglifos e desenhos contando a vida dos faraós aparecem em baixos-relevos egípcios. Narrativas figuradas são comuns à via-sacra, aos estandartes chineses, às tapeçarias medievais, aos vitrais góticos e aos livros ilustrados de diversas épocas. Os filactérios, faixas com palavras escritas junto à boca dos personagens, usadas em ilustrações européias desde o século XIV são considerados a gênese dos balões. A partir do século XIX, o texto acompanha sistematicamente o desenho.Os primeiros comics americanos fazem rir explorando cenas da vida cotidiana. Em 1895, Richard Fenton Outcault desenha, pela primeira vez para um jornal, as histórias bem-humoradas de Yellow Kid (1895), o menino que vive nos becos e ruas da cidade. O personagem de camisolão amarelo cor escolhida por oferecer menos problemas de secagem torna-se uma vedete lucrativa. Da cor também nasce o termo "jornalismo amarelo", para designar a imprensa sensacionalista. Outcault introduz os balõezinhos contendo as falas dos personagens e a ação fragmentada e seqüenciada, iniciando nova forma de expressão. Onomatopéias e novos sinais gráficos aparecem nas aventuras de Os sobrinhos do capitão (1897), de Rudolph Dirks, que já utiliza quadrinhos pretos em volta da ação.
E Quino (1932), pseudônimo de Joaquin Salvador Lavado. Em 1962 cria Mafalda a pedido de uma agência publicitária. O desenho é rejeitado e fica engavetado por dois anos, até que a revista Primera Plana solicita uma colaboração regular. A filósofa baixinha, de cabeça grande e enorme laço, que odeia sopa, se transforma num fenômeno internacional.
A opção pelas tiras da Mafalda é porque diferentemente daquele tipo de tiras em que os autores narram uma história que enaltecem um herói que sempre aparece para salvar as pessoas. As tiras de Quino revelam a intenção de abordar a problemática social, sugerindo críticas e levando a julgamentos; trabalhando com a ironia. Mafalda não é uma heroína. É uma anti-heroína. Não aparece para salvar as pessoas, aparece para criticar comportamentos e situações e pôr a sociedade em questionamento como nos mostra, Eco (1992).
Humberto Eco (1969) considera a Mafalda o personagem dos anos 70, uma heroína “Iracunda” que rechaça o mundo tal qual ele é. Em Mafalda se refletem as tendências de uma juventude inquieta. Além do que esse projeto visa analisar aspectos discursivos da fala dos personagens principais de Quino, que são Mafalda, Manolito, Suzanita, Miguelito, Felipe, Guile, Liberdade, Papai e mamãe (de Mafalda), pois estas personagens apresentam um discurso interessante e diversificado que se enquadram perfeitamente na atual sociedade, o que nos proporcionou desenvolver com alunos (com os quais trabalhamos) de ensino fundamental e médio uma visão crítica do mundo através dessas tiras de quadrinhos.
A análise desse corpus propiciou uma interpretação globalizada em que o lingüístico é visto em paralelo com o visual e que, juntos, os dois códigos nos permitem analisar não somente falas, mas, também, movimentos dentro da interação, posturas, sentimentos de cada personagem.
Os resultados desse estudo podem representar novo modo de interpretação de leitura, por que vai além do semântico, ou do semântico-pragmático, indicam o modo de ler o todo a partir de detalhes, e que o conjunto de detalhes podemos, observando não só o que o personagem diz ou faz, mas como e por quê diz e faz.
JUSTIFICATIVA
Percebemos que o modo como estamos ensinado a língua portuguesa para os nossos alunos é ineficaz, pois eles não aprendem os conteúdos propostos, provavelmente devido o caráter opressor da gramática normativa que é tão imposta nas escolas. Então para auxiliar o ensino pretendemos utilizar as histórias em quadrinhos para que os estudantes voltem a se sentir motivados para o estudo da língua materna, pois acreditamos que elas sejam uma ferramenta importante para o ensino.
As historias em quadrinhos aumentam a motivação dos alunos para o conteúdo das aulas, aguçando sua curiosidade e desafiando seu crítico, além disso, podem ser utilizadas tanto como reforço a pontos específicos do programa como para propiciar exemplos de aplicação dos conceitos teóricos desenvolvidos em aula. Pode se acrescentar ainda, que as histórias em quadrinhos auxiliam no desenvolvimento do hábito da leitura, enriquecem o vocabulário dos estudantes e podem ser usadas em qualquer nível escolar com qualquer tema. Dessa forma nota-se o papel importante que as HQS desenvolvem no processo de ensino aprendizado.
Assim, acreditamos que com este estudo poderemos refletir melhor sobre as teorias do ensino da língua portuguesa que nos ajudará a contribuir para uma aprendizagem mais agradável e eficaz, preparando os professores para agirem de formas criativa e inovadora. Além disso, pretendemos estar contribuindo com uma concepção menos tradicional do ensino da língua portuguesa, que tenha o texto ou o discurso como foco.
Este aprofundamento será fundamental para a formação desta pesquisadora como profissional porque nos auxiliará na transmissão dos conteúdos proposto pelos livros didáticos e também acreditamos que será de grande proveito para podermos dar continuidade na vida acadêmica.
RESULTADOS E IMPACTOS ESPERADOS
Pretende-se realizar uma ampla pesquisa bibliográfica sobre o uso das histórias em quadrinhos na sala de aula, traçando um paralelo entre as HQS e a gramática tradicional. Evidentemente o olhar norteador da pesquisa será a concepção de linguagem que facilite o ensino da Língua Portuguesa.
Em um segundo momento, pretende-se analisar as histórias em quadrinhos da Mafalda introduzindo-as no processo de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa. Escolhemos a Mafalda, por que a mesma possui uma linguagem acessível, tratando criticamente temas atuais.
Com essa pesquisa, além de contribuir com um maior enriquecimento das discussões sobre a temática, pretendemos auxiliar de forma positiva no processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa, pois a utilização das histórias em quadrinhos na sala de aula dinamiza e amplia a motivação de alunos, o qual, conseqüentemente, se refletirá sobre as nossas práticas como professores de língua portuguesa, atingindo com isso melhores resultados.
Como a utilização das HQS na sala de aula tem sido muito pouco estudada, acreditamos que qualquer contribuição nesse sentido será muita bem aceita, pois atualmente o ensino da língua portuguesa aponta para uma renovação conceitual, e esse trabalho pode contribuir com essa busca. Além disso, pretendemos estar contribuindo com uma concepção menos tradicional do ensino da língua portuguesa, que tenha o texto ou o discurso como foco.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACEVEDO, Juan. Como fazer histórias em quadrinhos. São Paulo: Global, 1990.
ANTUNES, Irande. Aulas de português: encontro & interação. 2ª ed. São Paulo: Parábola, 2003.
BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. O que é, como se faz. 28ª ed. São Paulo: Loyola, 1999.
BRASIL – Secretaria da Educação Fundamental – PCNs:terceiro e quarto ciclos, apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental – PCNs: português. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CAVALCANTI, Ronaldo A. O mundo dos quadrinhos. São Paulo: Símbolo, 1977.
ECO, Humberto. Mafalda, o sobre el rechazo. (Trad. Marcelo Ravoni) In: RAVONI, Marcelo (org). El mundo de Mafalda. Barcelona: Lumen, 1992.
GOIDANICH, Hiron Cardoso. Enciclopédia dos quadrinhos. Porto Alegre: L&PM, 1990.
IANNONE, Leila R. & IANNONE, Roberto A. O mundo das histórias em quadrinhos. 5ª ed. São Paulo: Moderna, 1994.
INFANTE, Ulisses. Curso de Gramática Aplicada aos textos. São Paulo: Scpione, 1995.
KOCK, Ingedore Villaça. A coesão textual. 17ª ed. São Paulo: Contexto, 2002.
LINS, Maria da Penha P. O humor nas tiras de quadrinhos: Uma análise de alinhamentos e enquadres em Mafalda.Vitória: Grafer, 2002.
LUYTEN, Sônia M. B. O que é histórias em quadrinhos. 3ª ed. São Paulo, 1985.
MOYA, Álvaro de. História da história em quadrinhos. Nova edição ampliada. São Paulo: Brasiliense, 1996.
QUINO. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
RAMA, Angela & VERGUEIRO, Waldomiro (orgs). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
SEARLE, John. Expressão e significado. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
SILVA, Diamantino da. Quadrinhos para quadrados. Porto Alegre: Bels, 1976.
VERÓN, Eliseo. A produção do sentido. São Paulo: Cultrix, 1980.
........................................................................................................................................................... |
Copyright © Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos |