Leitura de palavra, leitura de
imagem,
leitura de mundo
a formação do formador de leitores
Cristina Vergnano Junger (UERJ)
Solange de Souza Vergnano (CEFET e
FIOCRUZ)
Introdução
Quando falamos em leitura, o que primeiro costuma vir à mente é a compreensão das palavras e o processo de alfabetização. No entanto, já nos alertava Paulo Freire (2003) que leitura é bem mais que decodificar palavras: é ler o mundo. E, neste mundo moderno, repleto de mensagens imagéticas, a leitura também envolve ler imagens.
Embora seja uma atividade complexa que permeia grande parte da vida numa sociedade urbana, industrializada e tecnológica, a leitura como processo, que requer uma metodologia e teoria próprias, não ocupa lugar de destaque nos currículos de formação de professores, muito além das fronteiras da alfabetização. No caso das línguas estrangeiras, cuja orientação teórico-metodológica dos parâmetros curriculares nacionais sugere seu amplo trabalho na educação básica, sua presença é, talvez, mais rarefeita. Abordagens que contemplem, além disso, a inclusão de discussões sobre a leitura de imagens e dos aspectos do mundo de maneira geral são ainda mais escassos, se não inexistentes.
Este trabalho propõe refletir sobre o problema e as implicações dessa carência na formação de professores de espanhol como língua estrangeira, a partir da realidade de sua formação continuada em nível de especialização. Apresentamos para tal, considerações sobre dados coletados numa turma caso da Especialização de uma IES pública, no ano de 2005, numa disciplina específica sobre leitura, e sobre a análise de seus trabalhos finais.
Compreensão leitora e formação docente
A língua estrangeira (LE) volta a ganhar, com a nova LDB (Brasil, 1996), destaque entre as disciplinas curriculares do ensino básico. Trata-se de uma matéria obrigatória, mas que, devido à defesa do plurilingüísmo, é apresentada não sob a forma uma língua específica a ser ensinada compulsoriamente, mas sim como um elenco de opções entre idiomas estrangeiros determinados pela comunidade, dentre o qual uma deve ser escolhida, então, pelos alunos. Sua inclusão corresponde à crença no seu papel como instrumento de interação entre povos, acesso a culturas e conhecimentos diversos, além de uma forma de potenciar o desenvolvimento discursivo, a cidadania e o autoconhecimento, pelo contato com o outro.
Recentemente, em agosto de 2005, o presidente sancionou a lei sobre o ensino da língua espanhola (Brasil, 2005), que legisla sobre a necessária oferta desse idioma por parte dos estabelecimentos de ensino, sem, contudo, limitar a liberdade de escolha dos estudantes. A ênfase no espanhol indica uma disposição ao relacionamento mais estreito com nossos vizinhos hispano-americanos e com nossas raízes ibéricas comuns.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (Brasil, 1998; 1999), em especial o de Ensino Fundamental, o enfoque para o ensino-aprendizagem de LE deve assumir uma abordagem socio-interacional, apoiar-se numa proposta comunicativa e enfatizar, ao menos, o desenvolvimento da competência leitora. A leitura é vista como um instrumento de aproximação mais imediato à realidade do outro estrangeiro e aos saberes que circulam na sociedade moderna e são veiculados através da escrita. Isso não invalida o ensino das demais habilidades lingüísticas, sempre que o contexto o favoreça ou demande, mas fixa um aspecto mínimo a ser trabalhado (Brasil, 1998).
Estas medidas legais indicam uma política lingüística do governo e demandam por parte de professores e seus formadores um cuidado com os currículos de LE. Nesse sentido, chamamos atenção para o tema da compreensão leitora, que, em geral, não tem sido priorizado nos currículos universitários de Letras[1] (Junger, 2002; 2004).
A leitura, proposta nos PCNs a partir do modelo interativo, deve ser entendida como um processo no qual a informação flui tanto do texto para o leitor quanto do leitor para o texto. Observa-se uma interação entre autor/texto/leitor, na qual o sujeito leitor não permanece apenas num papel passivo de decodificador de palavras, ou frases. Todo o seu conhecimento de mundo pode ser ativado para elaborar e verificar hipóteses de leitura sobre o assunto do texto; negociar ou inferir significados; hierarquizar o texto, separando idéias principais e secundárias; estabelecer objetivos de leitura e definir níveis de acesso ao material lido segundo os mesmos; associar imagens e texto verbal na construção de sentidos, entre outros procedimentos (Brasil, 1998; Kleiman, 1996; Moita Lopes, 1996).
Ocorre que os programas universitários não costumam incluir essa prática leitora, nem a teoria subjacente à mesma, em seus programas de Língua. No caso de espanhol, podemos observar, recentemente, casos escassos desse conteúdo. Nas disciplinas de Prática de Ensino de Espanhol, a leitura aparece com maior freqüência que nas disciplinas de Língua Espanhola, mas, ainda assim, sem protagonismo e com pouco tempo a ela dedicado[2]. O contato com professores de diferentes níveis de ensino em eventos acadêmicos, jornadas de Extensão ou capacitação institucional, bem como em Especializações tem confirmado essa lacuna na formação de docente. Os próprios professores reconhecem a novidade de muitas informações teóricas e práticas a respeito do ensino-aprendizagem de leitura. Também informam sobre as dificuldades de implementar o trabalho de compreensão leitora, entre outras razões pelas dificuldades que os alunos parecem trazer na leitura em sua própria língua materna. Há casos em que a dificuldade recai sobre a crença de que só se pode ler quando já se possui um vasto conhecimento sistêmico da língua, o que pode prejudicar/atrasar o processo de ensino de leitura no caso do ensino de LE.
Quanto ao tema do desconhecimento da LE, cabe ressaltar que, segundo os PCNs (Brasil, 1998), a leitura envolve diferentes tipos de conhecimento: enciclopédico (de mundo), estratégico (relacionado aos procedimentos leitores), textual (sobre as estruturas e características dos diferentes textos) e sistêmico, ou seja, lingüístico. Isso significa que, de fato, é requerido o conhecimento de vocabulário e do funcionamento de estruturas gramaticais para o desempenho leitor. No entanto, também é certo que deficiências nesse campo podem ser compensadas pelos demais conhecimentos e que um domínio formal e normativo da língua não garante a proficiência leitora (Moita Lopes, 1996).
Em última análise, a leitura é um processo complexo, que não se limita à decodificação de signos e palavras, envolvendo uma leitura de mundo, uma atribuição e negociação de significados. Portanto, necessita ser sistematicamente trabalhada, segundo bases teóricas claras, pois só se aprende a ler, lendo (Freire, 2003). Sendo assim, como cabe ao professor o papel de orientador e incentivador de seus alunos durante o desenvolvimento dessa habilidade, sua formação precisa incorporar pressupostos teóricos e procedimentos práticos que o preparem para a tarefa.
Leitura de imagens e compreensão leitora
Tomando a Internet como base para uma pesquisa informal sobre a oferta de disciplinas dedicadas à prática da leitura de imagens, podemos perceber sua ocorrência, prioritariamente, em cursos de licenciatura ou pós-graduação em Artes Visuais, ou em bacharelados nas áreas de Comunicação e Ciências Sociais. Um número muito restrito de Faculdades de Pedagogia vem incluindo em suas grades curriculares a disciplina de Educação Estética, porém, em sua maioria, limitam-se à Prática de Ensino em Educação Artística.
O ensino de Artes vem passando por importantes transformações metodológicas e conceituais. Da ênfase no trabalho artesanal, ao estudo de técnicas pictóricas ou o livre-fazer, a busca por novas bases epistemológicas, durante a década de 1980, resultou na criação de metodologias pautadas nas pesquisas contemporâneas da Arte. Ana Mae Barbosa, arte-educadora da Universidade de São Paulo, a partir das experiências educativas do Museu de Arte Contemporânea / USP, durante sua gestão como diretora, e em revisões de movimentos estrangeiros como as Escuelas al aire libre, do México; o Critical Studies, da Inglaterra e o DBAE (Discipline Based Art Experience), dos Estados Unidos, apresenta a Proposta Triangular para o ensino das Artes, que viria a ser o referencial para a Arte-Educação brasileira. Apoiada em três princípios: o fazer artístico, a leitura de obras de arte e a contextualização, essa abordagem metodológica está baseada na inter-relação entre diferentes saberes e em questões estéticas e culturais da pós-modernidade (Meneguetti, 1999).
O estudo da cultura pós-moderna, a chamada cultura visual, vem-se desenvolvendo nas mais diferentes áreas do conhecimento. Manguel (2001) afirma que nossas experiências diárias são permeadas de imagens de todos os tipos e que as lemos constantemente – códigos textuais e gráficos, expressões fisionômicas, elementos da natureza. Portanto, o conceito de leitura é muito mais vasto do que o usualmente empregado no senso comum. Segundo o escritor, ao contrário do que ocorria durante as sociedades de imagens da Idade Média ou do Renascimento, hoje, o nosso vocabulário não corresponde ao das imagens veiculadas massivamente, como propaganda do mercado de consumo. “Somos simplesmente receptáculos para o lixo da propaganda” (Manguel, 2001). Tornar-se decodificador desse produto, possibilita a desconstrução dessa fórmula, resgatando a “dignidade humana”, a memória e a atenção para as “imagens verdadeiras”. Wulf (2003) descreve a nossa era como a segunda etapa do processo de “mundialização”. O primeiro ocorreu com a criação da imprensa e a possibilidade de divulgação da palavra escrita. Hoje, com as novas mídias e a produção de imagens, nossa realidade passa a ser construída através da representação imagética e não de um objeto real. Observa-se, portanto, a necessidade de criação de mecanismos para a leitura desses novos, múltiplos e poderosos códigos visuais que invadem espaços públicos e privados, através da televisão, de jornais e revistas, do cinema e do computador (Ferraz, 2005).
Trevisan (2002) propõe cinco modalidades de metodologias de leitura de imagens, devido às múltiplas facetas existentes nesse processo. O primeiro, leitura bibliográfico-intencional, prevê um estudo da vida do autor e suas idéias estéticas, do ambiente em que viveu, das condições de sua produção e da relação artista-cliente. A leitura cronológico-estilística baseia-se na influência do período histórico sobre os modos de ver e interpretar do artista. A leitura formal, ainda muito popular no Brasil, fixa-se na análise da obra de arte em si, na sua estrutura e organização da composição e dos elementos gráficos. A leitura iconográfica acrescenta à leitura formal, a leitura dos elementos expressivos e simbólicos intrínsecos – questões históricas, sociais, econômicas, políticas, documentais – descrevendo e classificando as imagens. Finalmente, a iconologia ou iconografia interpretativa busca analisar a concepção de mundo refletida no objeto artístico, baseando-se em documentação política, poética, religiosa, filosófica e social, referencial de uma época ou local. Esboça, assim, a atitude do artista de representar ou de pensar sobre uma realidade.
Apresentamos, então, uma estrutura mais didática para o processo de leitura de imagens, utilizado com a turma caso da Especialização de uma IES pública, baseado em caminho proposto por Martins (1998).
1. Análise da forma e conteúdo:
• Elementos da visualidade (ponto, linha, forma, espaço, volume, textura, cor – natureza e efeitos) e a relação entre eles (composição, repetição, ritmo, variação, contrastes, harmonia, tensão).
• Temática (figurativo, não figurativo, abstrato, descritivo, naturalistas, subjetividade, relação com a memória, outros).
2. Análise das linguagens:
• Desenhos, pinturas, esculturas, gravura, objeto, instalação, fotografia, história em quadrinhos, outros.
3. Análise da materialidade:
• Suportes, ferramentas, matérias, procedimentos técnicos.
4. Contextualização
• Saberes estéticos e culturais – História da Arte, Sociologia da Arte, Cultura Popular, outros.
5. Conexões transdisciplinares – com outras áreas do saber
6. Processo de criação.
Os tópicos enumerados são aplicáveis à análise de qualquer tipo de imagem, artística ou não. Porém, deve-se sempre observar que, no caso de materiais de comunicação, o objetivo do material veiculado é elemento primordial a ser estudado, pois dele dependem os métodos para alcançar metas desejáveis:
• Objetivo do material (o que se quer alcançar – qual o resultado esperado)
• Destinatário
• Quais vozes estão expressas – intertextos
• Formas de circulação
• Definição do conteúdo – conceitos representados
Contexto do estudo
Propomos uma reflexão sobre o desenvolvimento da prática leitora em docentes de espanhol como língua estrangeira (E/LE), discutindo não apenas as linhas teóricas a serem seguidas ou as dificuldades a serem vencidas, mas a ampliação da visão de leitura em LE. A partir da realidade da disciplina de Leitura como processo interativo, de um curso de Especialização de uma instituição de ensino superior (IES) pública do estado do Rio de Janeiro, discutimos a relação interdisciplinar entre a proposta pedagógica de leitura de imagens da Arte-Educação e a formação permanente dos formadores de leitores em E/LE.
A turma observada possuía 20 alunos, licenciados em Português-Espanhol, em sua maioria professores, atuando em diferentes níveis do ensino de espanhol (Fundamental, Médio, Pré-vestibular, Superior, Cursos livres). Suas realidades de trabalho revelam diferentes objetivos e, conseqüentemente, práticas docentes. Nelas a leitura nem sempre é prioridade, estando, muitas vezes, subordinada à produção oral e escrita e limitada à decodificação de textos elaborados com fins didáticos – aquisição de novo vocabulário ou estruturas gramaticais, apresentação de aspectos culturais hispânicos.
O curso em questão teve a duração de 45 horas/aula, divididas em dois módulos: o primeiro, de 30 horas, trata do conceito e modelos de leitura, da leitura interativa e como enunciação; o segundo, enfoca especificamente a leitura de imagens e as bases teóricas que fundamentam essa atividade. Como atividades, além das leituras, apresentações expositivas das professoras e dos debates em aula, os alunos, em pequenos grupos, tiveram que apresentar dois seminários ao final de cada módulo. No primeiro caso, escolheram um texto e procederam a uma leitura, enfatizando um dos procedimentos leitores estudados. No segundo, trabalharam uma proposta leitora de textos caracterizados pela presença prioritária da imagem, procurando materiais que ilustrassem suas visões sobre hispanidade.
Fez também parte das atividades desenvolvidas no período, o preenchimento de um questionário objetivo sobre a disciplina: a pertinência e adequação de seu conteúdo e seus objetivos, a relação entre teoria e prática, a relevância do estudo para os alunos. Os dados coletados ressaltaram, unanimemente, a necessidade de estudar a leitura e sua pertinência para a formação docente e a atuação em sala de aula de LE. Também foi assinalada a novidade do tema para a maioria dos professores participantes da turma. A relação entre teoria e prática, no entanto, não apresentou equilíbrio e homogeneidade na opinião dos consultados. Para alguns, a teoria estava mais valorizada que a prática, quando sentiam necessidade de mais indicações sobre a aplicação das bases teóricas às suas respectivas realidades docentes. Outros, embora em menor número, ao contrário, demandaram maior aprofundamento no campo teórico, ampliado a diferentes níveis e realidades de ensino. De qualquer forma, ao final da disciplina, ficou patente no depoimento dos alunos a importância de incluir a sistematização da leitura e seu ensino na formação do professor de E/LE.
Análise dos trabalhos
desenvolvidos pelos professores
Optamos por enfatizar em nossa análise os trabalhos da segunda etapa do curso. Uma das razões está no fato de que os docentes, oriundos de cursos de Letras, não têm qualquer formação relacionada à questão da leitura de imagens. No entanto, cada vez mais se tornam freqüentes os exercícios e avaliações em LE que utilizam textos com presença de elementos gráficos, em alguns casos, quase exclusivamente: histórias em quadrinhos, charges, propagandas e publicidades, reproduções de obras de arte.
Para dar apenas um panorama mais geral do curso no que toca à apreensão de novas concepções sobre o processo leitor, cabe ressaltar que, no primeiro seminário, a maioria dos grupos alcançou os objetivos propostos. Isso significa que escolheram os textos que eram de seu interesse, tendo o cuidado de selecionar aqueles que favoreciam o tópico teórico que deveriam destacar em suas leituras[3] e utilizando os procedimentos estudados. Estas, por sua vez, exploraram o potencial do leitor para a atribuição e construção de sentidos pela interação com o texto.
Um único trabalho merece destaque por fugir às propostas teórico-metodológicas para a leitura. O grupo que apresentou sua leitura com ênfase em inferências lexicais partiu de uma abordagem que mesclou procedimentos do método direto com uma visão tradicional de ensino de vocabulário. Escolheram um texto que tratava de uma nova opção de vestimenta nas empresas japonesas para combater o calor, devido aos cortes orçamentários no que se refere ao uso de aparelhos de ar condicionado. Ao invés de propor uma aproximação ao tema a partir do título e de imagens que compunham a notícia, ou de discutir possíveis dúvidas de vocabulário dentro de seus contextos, partiram para o uso de dramatizações, desenhos e cartazes, a fim de fomentar a associação das palavras desconhecidas que representavam com seu significado. Evitaram também, ao máximo, a presença da língua materna nas atividades de definição de vocabulário desconhecido. Não houve comentários sobre o assunto/conteúdo do texto, seu enunciador, co-enunciadores, finalidade ou gênero. Esse passou a figurar apenas como um pretexto para a aquisição de léxico novo. Todo o protagonismo do trabalho, segundo o exposto, ficaria para o professor, que deteria as falas e controlaria a intervenção dos alunos, limitada a decodificar os significados das palavras destacadas.
O segundo seminário, como apresentado anteriormente, objetivou a aplicação dos conceitos e teorias estudados sobre imagens e sua leitura no trabalho com E/LE. Procuramos abordar variadas formas de veiculação de imagens presentes em nosso mundo – desde as artísticas, às midiáticas e comerciais – e possíveis utilizações na prática pedagógica. Em nossa proposta metodológica buscamos alternar informações teóricas com exercícios práticos de análise de obras artísticas em diferentes linguagens – desenhos, pinturas, esculturas, instalações, fotografias –, mídia televisiva e impressa e história em quadrinhos. Após essa experiência, os grupos apresentaram propostas didáticas com o uso de imagens, na linguagem de sua escolha, que expressassem a essência de elementos da cultura hispânica.
Da mesma forma que ocorreu no primeiro seminário, a maioria dos trabalhos atingiu os objetivos. Os recursos utilizados foram: (a) história em quadrinhos, (b) charge, (c) ilustrações de livros e sites, (d) documentário; (e) reproduções de pinturas da artista plástica Maria Elena, que faz uma releitura da cultura popular mexicana através das cores e representação das piñatas; (f) fotografias da festa, também mexicana, do Dia dos Mortos, em contraponto com o Dia de Finados, no Brasil; (g) vídeo-clip da cantora mexicana Thalía Sodi, onde são ressaltadas cores, elementos naturais, vestimentas, instrumentos, ritmos, dança e elementos simbólicos da cultura hispânica; (h) campanhas publicitárias sobre o turismo na Espanha, veiculadas na Internet e em revistas; (i) o filme Diários de Motocicleta, de Walter Salles Jr.
Fazemos uma análise mais detalhada dos dois últimos trabalhos. Cabe, antes, destacar duas soluções opostas. A apresentação de um grupo, ofereceu propostas educacionais que tinham potencial produtivo, porém a escolha de imagens isoladas do seu contexto original – páginas da Internet – empobreceu o seu uso, tornando-as meramente ilustrativas. Outra equipe, ao contrário, exibiu um pequeno documentário sobre a imigração ilegal na Espanha, não aproveitando seu rico potencial pedagógico.
Os grupos que trabalharam com o filme Diários de Motocicleta e com imagens da campanha institucional turística Espanha Marca desenvolveram cuidadoso estudo dos elementos presentes nas distintas linguagens – formais, estilísticos, simbólicos, contextualização sócio-histórico-cultural. Após a exibição das cenas finais do filme de Walter Salles Jr., a análise deteve-se no aspecto dramático do filme, como forma de reflexão sobre o espaço social da América Latina, através do uso imagens locais originais, de fácil leitura e grande apelo emocional. A proposta pedagógica incluiu o uso de história em quadrinhos sobre Che Guevara, como forma de complementação do conteúdo histórico.
A versão da campanha turística Espanha Marca utilizada pelo grupo havia sido retirada de circulação pelo governo espanhol, por poder sugerir um vínculo com o turismo sexual. A partir dessa informação, foi aberto um debate sobre a cultura e a moral espanhola e o público alvo da referida campanha – estrangeiro, possivelmente americano ou inglês, representado pelo uso de jeans. Ficou explicito, em ambas as propostas, a importância dada à participação dos alunos na descoberta de significados e na construção coletiva do conhecimento.
Considerações finais
A leitura, como já foi ressaltado, é um processo complexo que envolve não apenas a palavra, mas a imagem e os aspectos mais diversos do mundo. Apesar de fazer parte do cotidiano e merecer menção em documentos institucionais sobre educação, não tem um espaço de destaque na formação do professorado de LE. Isso significa que, para desenvolver o potencial leitor de seus alunos, o docente necessita investir numa reflexão e aperfeiçoamento de seu próprio processo de leitura. Além da demanda de investimento nos currículos universitários, também é desejável, pois, o trabalho num nível de formação continuada que favoreça o contato com teoria, metodologia e práticas leitoras por parte dos professores.
Conscientes de que o desenvolvimento da capacidade leitora de imagens é processo árduo, que exige prática e sólidas bases teóricas, a experiência descrita configura-se como ponto de partida para o profissional em LE. A intimidade com a informação imagética depende de atitude curiosa, crítica e perseverante. Para isso, ao uso da imagem em aula, deve anteceder uma detalhada pesquisa sobre a sua autoria, informações técnicas de produção, para que público e uso se destinam e em qual contexto foi criada, além da leitura dos elementos formais e simbólicos que a constituem.
De qualquer maneira, é imprescindível que o professor formule claramente os objetivos pedagógicos que pretende alcançar com a leitura de forma geral e com o uso de imagens. Que tenha em mente os inúmeros enfoques que as imagens podem propiciar e os caminhos interpretativos que podem ser percorridos durante qualquer leitura.
Um último aspecto que merece destaque, observado através da análise dos trabalhos que não alcançaram plenamente os objetivos durante os seminários dos alunos de Especialização, é o fato de que imagem e texto verbal não devem ser dissociados. A retirada das imagens de seu contexto e sua leitura isolada gera uma limitação no processo leitor, que passa a ser fragmentado e desconecta elementos que, juntos, compunham a mensagem original e contribuem para a construção de sentidos.
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[1] Referimo-nos, com especial atenção, ao caso dos cursos de Português-Espanhol, que têm sido alvo de nossas pesquisas
[2] A pesquisa “Leitura e ensino de espanhol como língua estrangeira: uma abordagem integrada quantitativo-qualitativa”, atualmente em curso na UERJ, coordenada pela professora Cristina Vergnano Junger, tem recolhido e analisado programas de universidades do estado do Rio de Janeiro, confirmando essa constatação do reduzido investimento em abordagens teórico-metodológicas que contribuam para a formação de formadores de leitor nos cursos de espanhol da graduação.
[3] Os trabalhos deveriam oferecer a leitura do grupo sobre um texto escolhido, enfatizando um dos temas a seguir: inferência lexical, gêneros de discurso, polifonia e intertextualidade, conhecimento de mundo e elementos inter-culturais, elementos lingüísticos (coesão e marcadores discursivos).
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