A
CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS:
elementos
para uma
edição
crítica
Fábio Frohwein (UNESA e UFRJ)
RESUMO
Esta
comunicação apresenta algumas das
questões
com
que lidamos na
elaboração da
edição
crítica d’A
Confederação dos
Tamoios (1856), de
Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882).
Como é
sabido,
sua publicação foi
imediatamente
seguida de
oito
cartas veiculadas no
Diário do
Rio de
Janeiro
entre 10 de
junho 15 de
agosto do
mesmo
ano
por José de Alencar
sob o
pseudônimo Ig.
Em
linhas
gerais, Alencar reclama da
qualidade do
poema, expondo
problemas
quanto à
rima,
métrica,
língua,
construção de
personagens,
descrição das
belezas
naturais do Brasil,
argumento
central do
poema,
dentre
outros.
Um dos
maiores
problemas
para a
compreensão dos
ataques alencarinos à
Confederação consiste no
fato de
em
determinados
pontos o
crítico basear-se
em
passagens da
primeira
edição
que foram modificadas
ou suprimidas
por Magalhães na
segunda
edição (1864). A
tradição
impressa da
obra,
por
seu
turno, passou a
tomar
por texto-base a segunda
edição, de
acordo
com a
vontade do
autor
expressa
em
sua
advertência. Na
elaboração da
edição
crítica da
Confederação, julgamos
oportuno,
portanto,
informar
nos
aparatos
críticos as
variantes autorais relativas às
primeira e
segunda
edições,
não
só
para
que se recupere
integralmente o
sentido da
crítica de Alencar,
bem
como se recomponham e estudem
passos da
criação do
poema
assinalados na
tradição
impressa. Integraram ainda os aparatos elementos das versões prototípicas dos cantos primeiro, quarto, sétimo e oitavo publicados na Revista Nacional e Estrangeira em 1839.
A
Confederação dos
Tamoios (1856),
poema
épico de
Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), narra o
episódio
histórico
homônimo ocorrido
entre 1554/5-1567,
em
que
índios do
norte de
São Paulo e
sul
fluminense reuniram-se
com o
objetivo de
expulsar os portugueses daquela
região. O
poema tem
por
herói Aimbire,
filho de Cairuçu,
que
busca
vingar a
morte do
pai, escravizado
até a
exaustão
por Brás
Cubas,
governador da
Capitania de
São Vicente. Aimbire persuade os
chefes
indígenas a unirem-se numa
confederação, apoiada
pelos franceses, e investe
contra os lusos. A
obra finda
com a
derrota dos
índios e
conseqüente
morte do
herói, sepultado
por José de Anchieta.
Do
manuscrito da
peça Antônio José
ou o
Poeta e a
Inquisição, consta
um
pós-escrito
segundo o
qual Magalhães começou a
redigir A
Confederação
em 1837.
Por
outro
lado,
não foram localizados
até
agora
indícios
materiais da
pré-história do
poema,
senão as publicações esparsas na
Revista
Nacional e
Estrangeira de
dois
anos
depois. Da
mesma
forma,
são
por
enquanto de
paradeiro
desconhecido quaisquer
originais
manuscritos
autógrafos.
Hélio Viana
alude a
um
exemplar
com anotações de Magalhães
enviado a Pedro II,
mas
não se trataria propriamente de
um
original
empregado
como
modelo
para a
edição
ou
reedição da
obra.
Embora Magalhães tenha publicado
apenas
dois
itens
relativos à
Confederação
em 1839, o
material
já traz o
embrião de
quatro
cantos, a
saber, os
primeiro,
quarto,
sétimo e
oitavo. As alterações do
estado da
Revista
Nacional e
Estrangeira
para o da editio princeps abrangem
desde modificações micro-estruturais,
como
acréscimo, supressão e
modificação de
versos,
até remanejamento da
matéria narrada. A
rigor,
conforme os
títulos, os
itens dizem
respeito aos
cantos
primeiro e
quarto,
porém o
cotejo
com a
edição de 1856 revela
que do
embrionário
canto
primeiro se originaram os
cantos
sétimo e
oitavo. À
parte mudanças
mais localizadas, o
canto
quarto foi
posteriormente alongado, mantendo a
mesma
unidade
nos
testemunhos
posteriores.
Curiosamente a
primeira
amostra
que Magalhães oferece d’A
Confederação é o
canto
quarto, publicado
em
maio de 1839.
Dois meses
depois,
em
julho, o
canto
primeiro viria a
público. No
canto
quarto, há a
despedida dos
guerreiros,
que seguem
pela
floresta
para o
ataque à
vila de
São Vicente, deliberado na
assembléia do
canto
segundo. A
meio do
canto, lia-se originariamente o
subtítulo “IGUASSÚ”, marcando o
início do
monólogo da
esposa prometida de Aimbire. O
lirismo da
fala da
índia destacava-se de
tal
forma,
que parecia
ser o
assunto
principal.
Entretanto, na editio princeps, o
canto passou a
abrigar
também o
episódio da tangapema,
que se sobrepôs ao
monólogo de Iguaçu,
pela funcionalidade (elemento
maravilhoso), dramaticidade (tensão
entre Aimbire e o
Pajé) e
extensão
em
versos (271
contra os 129 da
cena da
índia).
No
estado da
Revista
Nacional e
Estrangeira, o
canto
primeiro abarcava
elementos dos
cantos
primeiro,
sétimo e
oitavo do
estado da
edição de 1856. Abrangia a
invocação ao
sol e aos
gênios da
natureza, a
descrição das
belezas do Brasil, dos
rios
Amazonas e
Paraná,
comentários
acerca dos
indígenas, a
chegada dos portugueses e a escravização dos
brasílicos.
Além disso, mencionava o
fato de Anchieta e Nóbrega
não lograrem
êxito ao tentarem
dissuadir os lusos dos
maus
tratos aos
índios e a
questão do
livre-arbítrio trabalhada
nos
versos 4059-4067,
ambos remanejados
para o
canto
sétimo. Remetia
ainda aos ardis de
Satã
para
desencaminhar os
lusitanos, refundidos no
canto
oitavo. Na
versão
definitiva, o
canto
primeiro ganhou a
cena
em
que Aimbire
chega à
aldeia de Pindobuçu e assiste ao
funeral de Comorim,
gancho
para o
canto
segundo.
Na
edição de 1856, A
Confederação
enfim apareceu
completa
em
público.
Em 20 de
maio, Francisco de Paula Brito,
responsável
pela
tipografia imperial
Dois de
Dezembro, entregou os
primeiros
exemplares a Pedro II (Viana, 1970: 64). Ao
que
tudo indica, havia
grande
expectativa e
ansiedade
em se
ler o
poema de Magalhães, haja
vista os
comentários
sarcásticos dos
críticos
que atacaram a
obra e o
simples
fato de se terem publicado
dois
anos
antes os
fragmentos mencionados. A
qualidade do
trabalho
tipográfico foi
muito elogiada,
mas o
texto
em
si recebeu duras
críticas, dando
margem a uma das
mais famosas
polêmicas literárias do
século XIX. José de Alencar,
sob o
pseudônimo Ig., publicou de
junho a
agosto de 1856 no
Diário do
Rio de
Janeiro
oito
cartas,
ainda no
mesmo
ano compiladas no
livro
Cartas
sobre A
Confederação dos
Tamoios. (Apud Castello, 1953)
Em
linhas
gerais, Alencar reclama da
qualidade do
poema, expondo
problemas
quanto a
rima,
métrica,
língua,
construção de
personagens,
descrição das
belezas
naturais do Brasil,
argumento
central do
poema,
dentre
outros. Os
ataques instigaram os
defensores d’A
Confederação a participarem do
debate. Pedro II e Manuel de Araújo Porto-Alegre saíram
em
defesa de Magalhães. À
parte
demais
críticas de
menor
freqüência nas
páginas dos
jornais, o
frei Francisco de
Monte Alverne quis
equalizar a
situação, apontando
tanto
incongruências das
cartas de Ig,
quanto
problemas estilísticos d’A
Confederação.
À
guisa de
exemplo, a
segunda
carta de Alencar, publicada a 11 de
junho, aborda
em
específico o
segundo
canto do
poema. O
crítico de
início
manifesta
profunda
decepção a
despeito da
descrição das
belezas
naturais do Brasil. Compara A
Confederação aos Natchez, de Chateaubriand, asseverando
que a
natureza
brasileira na
pena de Magalhães
em
muito
deixa a
dever às
regiões e
rios da América do
Norte.
Alencar critica a
abertura do
segundo
canto. Entende
que
um
poeta
épico
precisa
alçar as
raças e as
ações à
dimensão
divina,
para
fazer
jus ao
uso da
épica. Reclama da
falta de
grandiosidade na
descrição do
conselho. E prossegue:
P’ra
acabar co’os
ataques reiterados
Dos Lusos, confederão-se os Tamoyos.
Eis o
começo do
segundo
canto.
Eis a
causa d’essa
grande
confederação
que merece uma epopéa!
Eis o
motivo d’essa
guerra de
morte, d’essa
vingança
estrondosa!
Eis o principio de
um
drama terrivel
que acaba
pela
destruição de
um
povo!
Não é
pelo odio instinctivo da côr,
não é
pelo opprobrio e a
vergonha de
homens
livres reduzidos á
escravidão,
não é
pelo
seu bello paiz, dominados
por
filhos de
terras estranhas;
não é
para
vingar as
cinzas de
seus
pais,
não é
por
nenhum d’esses
incentivos
nobres,
que os Tamoyos se confederão; é unicamente
para
acabar
com os
ataques reiterados dos Lusos. (Castello, 1953: 11)
Outra
crítica diz
respeito à
insistência na
tradição
acerca das
águas do
rio
Carioca e do
seu
poder de
adoçar a
voz,
já aludida no
primeiro
canto, e
certa “inexatidão historica
sobre o territorio habitado
pelos tamoyos” (Castello, 1953: 12),
embora nas
notas reveja o
comentário. Compara os
heróis de Magalhães aos de Basílio da
Gama e avalia
que as
personagens d’O Uraguay foram compostas
com
mais “força e belleza” (Idem, ibidem, p. 13). Observando
ainda
que o
autor d’A
Confederação inspirou-se no
poeta setecentista,
confronta várias
passagens
em
que se contrastam a
pele de
jacaré usada
por Aimbire e a
pele
verde
negra do
índio d’O Uraguay; as
aljavas; os
aspectos
agressivos de Pindobuçu e Kobé.
A
única
concessão
que faz é
quanto à
passagem
em
que Aimbire
fala de
seu
pai: “Ia escapando-me
citar
um
trecho do
poema
que, excepção
feita de algumas
palavras communs, achei lindissimo, e repassado d’essa
poesia mysteriosa das
lendas e dos mythos” (Idem, ibidem, p. 15). A
seguir
torna a
atacar e reclama da
falta de expressividade das
cenas de
combate
entre lusos e franceses e a
excessiva
repetição das
palavras
fogo e
sangue,
que
torna a
descrição
um
tanto inadequada a
um
índio,
em
tese acostumado “aos
combates mortiferos de
massa e
tacape, e a
quem
por
conseguinte essas idéas de
sangue devião
parecer
naturaes, e
não
causar
tanta
impressão.” (Idem, ibidem, p. 16)
As
cartas
sobre A
Confederação foram publicadas no
Diário do
Rio de
Janeiro
em duas
etapas. A
primeira, de 10 de
junho a 14 de
julho, compreende
cinco
cartas. A
segunda, de 9 a 15 de
agosto de 1856, acrescenta
mais
três.
Em
princípio, a
crítica limitar-se-ia às
cinco primeiras,
já
que a
quinta se intitulava “última
carta”. No
entanto,
somente
após a
quinta, começaram a
surgir as
respostas. O
primeiro
contra-ataque, de Porto-Alegre
sob o
pseudônimo O
amigo do
poeta, foi publicado no
Correio da
Tarde
em 23 de
julho,
isto é, 9
dias
depois da “última
carta”.
Talvez a morosidade da
réplica tenha
decorrido da
falta de
sucesso dos
pedidos de Pedro II.
Hélio Viana relata o
esforço empreendido
pelo
Imperador
para
obter
junto a
personalidades de
vulto
literário
comentários
favoráveis à
Confederação. Alexandre Herculano e o
poeta João Cardoso de Meneses e Sousa alegaram
razões
que os impedissem de
participar da
polêmica.
Espantosamente
membros da
diplomacia
brasileira,
colegas de
profissão de Magalhães,
como Antônio
Peregrino Maciel Monteiro, Francisco Inácio de
Carvalho Moreira, Francisco Adolfo de Varnhagen, Joaquim Caetano da Silva e Joaquim Tomás do Amaral
também se esquivaram da
tarefa. O
frei Francisco de
Monte Alverne,
por
seu
turno, atendeu à solicitação,
ainda
que
tardiamente. Redigiu as
Considerações
críticas, literárias e filosóficas, publicadas no
Jornal do
Comércio
em 23 de
dezembro,
cerca de
quatro meses
depois da
oitava
carta de Alencar.
Após a
edição de 1856, a
obra teve no
ano
seguinte uma
reimpressão,
que
freqüentemente
figura na
tradição
crítica
como
segunda
edição. No
entanto,
apenas a
edição
brasileira de 1864 traz na
página de
rosto a
indicação de
segunda
edição. A
reimpressão de 1857 consiste na
verdade num codex descriptivus e
não introduz
inovações, podendo, portanto,
ser descartada
sem
prejuízo do
trabalho filológico.
Sua
importância
histórica circunscreve-se a
ter servido de
base
para a
elaboração da
edição portuguesa de 1864,
conforme
abona a
informação
inicial.
Por
isso, as
edições
brasileira e portuguesa de 1864
são
absolutamente
diferentes, uma
vez
que seguem
estados
distintos do
texto.
Na
advertência à
segunda
edição, Magalhães assume
que alterou o
texto. As modificações
não chegam a
ser macro-estruturais
como as observadas
anteriormente do
estado de 1839
para o da editio princeps. O
que se
nota
são
acréscimos, supressões e modificações de
versos,
como o
próprio
autor declara.
Em
carta de 31 de
agosto de 1856
para Porto-Alegre,
até
agora
inédita, Magalhães diz
não se
abalar
com a
crítica:
Que pensas?
Que fiquei
muito afflicto
com a
leitura das 4
cartas empressas no Diario do
Rio
sobre a
Confederação dos Tamoyos? Enganas-te.
Não
me surpreendeo,
nem
muito incommodou-me essa critica
assim
tão
saturada de
fel,
que
por
isso
mesmo
quase
prova o contrario do
que diz.
Eu
não esperava parabens e
louvores:
quem os merece
entre
nós
só os recebe de
alguns
raros
amigos.
Refuta
alguns dos
principais
ataques,
como a
questão
em
torno à
ação
central do
poema. Afirma
que o
crítico
...não leo
todo o
poema, e
que vai
expor as
suas idéas na
mesma
ordem
em
que as formulou,
isto é de
canto
em
canto. Dahi afirma
que
eu faço
derivar a acção do
poema, e a alliança das tribus de
um
incidente
insignificante,
como seja a
morte de
um indio. O
que é
completamente inexacto.
Quando Aimbire se apresenta a Pindobuçú, e o
acha dando
sepultura a
um
filho,
que na
defesa de
sua
tenra irmã,
fora
morto
por
alguns
colonos
que pertendiam raptal-a,
já todas as tribus,
como Aimbire
altamente o declara, estão confederadas,
para
defesa da propria
liberdade, das
suas
vidas, e das
suas
terras, unicos
bens de
homens
incultos;
Que
razão
mais
forte? Creio
que
pelo
menos
vale o
rapto de uma
mulher.
Não faço
pois
depender a acção do
poema, e a alliança das tribus da
morte de
um indio,
como erradamente assevera o auctor das
cartas. Faltava uma
só tribu; o
que fiz de proposito
para
começar o
poema
por
um
quadro
animado de
grandes paixoens,
por uma scena pathetica e
inesperada de uma familia, de uma tribu
inteira
que
chora a
recente
morte do
filho do
seu
chefe, victima do
inimigo commum.
Na
advertência à
segunda
edição, Magalhães
não menciona
críticas
negativas à
Confederação.
Acerca da
revisão da
obra,
alude aos “louvores, e
ainda
mesmo a critica benevola
com
que o acolheram os litteratos nacionaes, e
alguns
estrangeiros”. Cita
em
nota os
nomes de D. João Guttierrez, Ricardo Ceroni, Ferdinand Wolf, J.
Soares de Azevedo, e Inocêncio Francisco da Silva.
Em carta (In Viana, 1970) ao
Imperador de 12 de
julho de 1859, o
autor justifica os melhoramentos de
outra
maneira:
Conveniente julguei
ajuntar
um
Prólogo,
mais duas
Notas, e
aumentar a 7.ª, do 4.º
Canto,
para
responder às
censuras
que
me fizeram, e
prevenir outras de
igual
natureza. O
nosso
público, e
ainda
mesmo os
nossos
críticos,
não
são
tão instruídos
que dispensem
explicações. (Viana, 1970: 69)
De
fato, a
recepção
crítica influenciou nas reformulações
para a
segunda
edição. No
entanto, Magalhães
tinha
por
hábito
modificar
seus
textos
quando de
novas
edições. A
Confederação
não é
um
caso isolado de
revisão. Veja-se,
por
exemplo, a
edição
crítica dos
Suspiros poéticos,
para
que se tenha
noção do modus operandi do
autor.
Logo, seria
leviano
concluir
que as alterações no
texto de 1856 significam
em
absoluto
que Magalhães se abateu
com a
crítica
desfavorável.
A
carta a Pedro II pormenoriza
inovações
que
com
efeito se verificam na
edição de 1864:
Seguindo o
exemplo
constante de Camões, e de
quase
todos os
bons
poetas portugueses, escrevo
agora
para,
em
vez de p’ra,
mais usado no Brasil
que
em Portugal;
pelo
que foi
necessário
corrigir
muitos
versos. (Viana, 1970: 69)
Nos
aparatos
críticos ao
texto d’A
Confederação, ilustram-se várias
passagens
em
que se substituiu p’ra,
variante sincopada da
preposição
para,
mais de
acordo
com a
oralidade
brasileira,
pela
forma
plena. Há
quatro
categorias decorrentes da
substituição da
forma sincopada:
a)
simples
substituição
pela
forma
plena:
primeira
edição |
segunda
edição |
Que estende os
braços p’ra
abarcar a
terra! |
Que estende os
braços
para
abarcar a
terra! (v.22) |
b)
simples
substituição
por
outra(s)
preposição(ões)
com
ou
sem refusão do
verso:
primeira
edição |
segunda
edição |
Donde p’ra
seus
irmãos o
mal saía.
Toscas
pedras p’ra o
tosco
monumento. |
Donde
incessante
mal aos indios
vinha
Toscas
pedras
em
tosco
monumento. (v.317) |
c)
substituição
com refusão do
verso:
primeira
edição |
segunda
edição |
Tão
grande
crime fugirá p’ra
sempre? |
Para
sempre será
tal
crime extincto? (v.179) |
d)
substituição
com refusão do
verso e
adjacências;
primeira
edição |
segunda
edição |
P’ra
acabar co’os
ataques reiterados
Dos Lusos, confederam-se os Tamoyos. |
Em defensa da
vida e
liberdade,
Contra as injustas aggressões continuas
Dos Lusos, confederam-se os Tamoyos.
(vv.593-595) |
Sobre o
último
exemplo, haveria
ainda
outro
fator a
ser avaliado. Trata-se da
já mencionada
crítica de Alencar à
abertura do
canto
segundo. De
certa
maneira, parece
que Magalhães aceita o
comentário de Alencar. Na
primeira
versão, a
articulação dos
tamoios é
definida na
abertura do
canto
apenas
como
um
levante
contra os
ataques dos portugueses. Na
segunda, a motivação da
conjura tem
por
valor
maior a “defensa da
vida e
liberdade”, havendo
um
possível
influxo das
palavras de Alencar: “não é
pelo opprobrio e a
vergonha de
homens
livres reduzidos á
escravidão, (…) é unicamente
para
acabar
com os
ataques reiterados dos Lusos” (Castello, 1953: 11).
Contudo, a
problemática da
liberdade
desde o
canto
inicial se apresenta de
forma
significativa:
Mas
nós,
homens, a
quem Tupan dêo
tudo,
Nós,
que
livres nascémos nestes
bosques,
Porque
covardes,
sem luctar, escravos
Nos faremos
agora do
estrangeiro?”
Deste geito discorrem os
selvagens.
(vv.218-222)
Como o
próprio Magalhães escreveu a Pedro II, “o
nosso
público, e
ainda
mesmo os
nossos
críticos,
não
são
tão instruídos
que dispensem explicações” (Viana, 1970: 63).
Talvez o
autor tenha,
além da
substituição do p’ra, aproveitado
para
reiterar
que os
tamoios se confederavam
pela
causa
libertária, frisando
que o
levante
era “em defensa da
vida e
liberdade”. De
qualquer
forma,
quase todas as
censuras de Alencar a
versos
mal metrificados
não foram aceitas. O
autor d’A
Confederação
fala
sobre
correções de
linguagem e de
estilo.
Com
efeito, há
correções
métricas.
Por
exemplo, os
versos 124 e 504 tinham originariamente
nove
sílabas:
primeira
edição |
segunda
edição |
O
ar é
tão nectareo,
como o
aroma
Ah,
meu
filho! parece o estou vendo! |
Os
ares
tão nectareos,
como
aroma (v.124)
Ah,
meu
filho! parece
que o estou vendo! (v.504) |
Magalhães alterou
seis dos
versos censurados
por
Monte Alverne
em
função de cacofonia:
primeira
edição |
segunda
edição |
Que
nem no
ar voando ao
tiro
escapa.
Que a
par dos
versos
teus
mais
te exhaltassem:
Até
que á
par do
tio ajoelhou-se.
Do
leal
Camarão a
par dos
netos,
A
par da
Cruz de Christo
que o
decora,
A
par do
rico,
que no
fausto vive |
Que
nem
alto voando ao
tiro
escapa. (v.1273)
Que alêm dos
versos
teus
mais
te exaltassem; (v.2019)
Até
que juncto ao
tio ajoelhou-se. (v.2409)
Do
leal
Camarão junctos co’os
netos, (v.3202)
Juncto da
Cruz de Christo
que o
decora, (v.4669)
Servo do
rico,
que no
fausto vive (v.5275) |
No
verso 1273, a
contração da
preposição
com o
artigo no
junto
com o
infinitivo
ar
forma o
som desagradável noar, no
entender de
Monte Alverne. Os
versos 2019, 2409, 3202, 4669 e 5275
são
exemplos
em
que se ouvem os
cacófatos
pardo,
parda,
pardos, apontados
também
em outras
passagens
que
não foram alteradas. Magalhães parece
atender
mais às
observações do
frei, de
quem foi
discípulo, do
que às de Alencar. A
quinta
carta à
Confederação dos
Tamoios traz uma
seção dedicada à metrificação,
em
que se listam onze
versos defeituosos. Modificaram-se
somente
dois, sendo
que
um deles
muito provavelmente tenha sido alterado
por
causa do p’ra, a
exemplo da
segunda
categoria apontada:
primeira
edição |
segunda
edição |
Facil foi-me o
passar p’ra
adiante os
braços, |
Facil foi-me o
passar
adiante os
braços, (v.1100) |
Magalhães
fala da
inclusão de
um
Prólogo. Nas
Considerações,
Monte Alverne,
sobre a
estrutura d’A
Confederação, aponta
um
problema de
organização,
constante
em
poemas
épicos: a anteposição da
invocação à
narração.
Segundo o
frei, “a
invocação deve
ser,
portanto,
posterior á
narração (…)” (Viana, 1970).
Para
corrigir a
inversão dos
morfemas
canônicos da
epopéia, sugere
que a
invocação contenha “essencialmente a
exposição dos
grandes factos
que caracterisam a epopéa (…)” (Castello, 1953: 128). Provavelmente o
poeta pretendeu fazê-lo
para a
segunda
edição, ao
cogitar
em “ajuntar
um
Prólogo” (Viana, 1970: 69),
mas
depois voltou
atrás e o suprimiu, uma
vez
que
não aparece na
edição de 1864. O
exemplar
com anotações autógrafas depositado na
Biblioteca do
Imperador,
Museu Imperial de Petrópolis, esclareceria
melhor a
questão.
A
carta a Pedro II de 1859 revela
ainda outras alterações comprovadas
pela colatio dos
testemunhos. Magalhães suprimiu
pronomes
que julgou desnecessários e operou mudanças na
colocação
pronominal, reiterando a
opção
por
um
padrão
mais
clássico de
língua portuguesa. Daqui
também derivam
categorias de
modificação:
a) supressão de
pronome
com
pequenas alterações do
verso:
primeira
edição |
segunda
edição |
“Onde estão?
Tu
perguntas?
Pois
não sabes |
Onde estão? E o
perguntas?
Pois
não sabes |
b)
mudança da
colocação
pronominal
sem refusão do
verso:
primeira
edição |
segunda
edição |
Só faltava-lhe o
braço e a experiencia |
Só
lhes faltava o
braço, e a experiencia (v.302) |
Tencionou
substituir
em
todo o
poema a
variante
inda da
preposição
ainda: “Onde se
lê
inda, pode-se
escrever
ainda,
sem
alterar o metro” (Viana, 1970).
Em
alguns
versos, a alteração se verifica,
mas
não é uma
regra
geral:
primeira
edição |
segunda
edição |
Inda
tudo
não é!
Mesmo no
centro
Inda
que as aguas
suas reunissem, |
Ainda
tudo
não é!
Mesmo no
centro (v.270)
Inda
que n’um
só
leito se ajunctassem, (v.56) |
Não concorda
com a
censura ao
verso “Pelos
mandiocaes e milharadas” (v.4302),
feita
por Alencar na
quinta
carta.
Ainda
que
não o altere, Magalhães acrescenta o
verso “Que
tanto afan,
tanto
suor custaram.” (v.4303).
Objetiva
assim “pintar
melhor a
idéia” (Idem, ibidem) da
passagem apontada
pelo
crítico,
que
não merecia
ser modificada
ou substituída
por
perífrases. Observam-se
também
ressonâncias das
sanções a
respeito da
repetição desnecessária de
palavras, sublinhada
tanto
por Alencar,
quanto
por
Monte Alverne. A
repetição transcrita
pelo
autor das
cartas
não é alterada,
conquanto haja
um
deslocamento de
sintagma no
verso 214:
primeira
edição |
segunda
edição |
E
nem n’um
tronco
só
seu
ninho tece;
Embora o
tronco
firme
sobre a
terra
Supporte a
chuva, e o
sol, e o
vento, e o
raio;
Nem tem
membros o
tronco
que o [transportem. |
E
nem n’um
tronco
só
seu
ninho tece;
Embora
sobre a
terra o
tronco
firme,
Supporte a
chuva, e o
sol, e o
vento, e o
raio;
Nem tem
membros o
tronco
que o transportem. (vv.213-216) |
Todavia, a colatio atesta
passagens
em
que se substituíram
palavras repetidas
muito proximamente:
primeira
edição |
segunda
edição |
O
corpo sacudio, e os
fortes
braços,
E
por
terra atirou os dous contrarios:
Como
ligeiro e
forte
era
meu
filho!
Para a
grande
vingança, de
nós
digna:
Não ha
prazer
que ao da
vingança iguale. |
O
corpo sacudio, e os
rijos
braços,
E
por
terra atirou os dous contrarios:
Como
ligeiro e
forte
era
meu
filho! (vv.486-488)
Para a
digna de
nós
grande
vingança,
Que a
vida e a
liberdade
nos segure.
Não ha
prazer
que ao da
vindita iguale.
(vv.578-580) |
Além das
correções de
estilo e
linguagem,
nos
termos de Magalhães, houve o
aumento da paratextualidade. Os
cantos
primeiro,
segundo,
quinto e
décimo ganharam
cada
qual uma
nota, somando
um
total de 4
novas
notas explicativas.
Com
relação ao
acréscimo de
versos, a
segunda
edição inova
com
passagens de
implicações
semióticas variadas. Observa-se,
por
exemplo,
que foram enfatizados
traços
semânticos
já
presentes nas
categorias narratológicas do
poema no
estado de 1856. O
autor conferiu aos
índios
um
maior
aspecto de
heroísmo e
bravura,
problemática apontada
por Alencar. A
descrição das
armas dos
indígenas,
que na
primeira
edição se limitava a
um
verso, desenvolveu-se
por
mais 6:
primeira
edição |
segunda
edição |
Arcos
robustos, e emplumadas
flechas. |
Arcos
robustos,
lisos, e lustrados
Pelas lixosas
folhas de embahiba;
Carcazes
cheios de emplumadas frechas
De ligeiras
ubás, tendo
por
pontas
Dentes de
tubarões, e
ossos buídos,
Seguros
com tucúm, de icíca untado,
Que
mais o
fio
aperta, e sêcca o esmalta.
(vv.628-634) |
Com
relação a Aimbire, Magalhães procedeu a retoques
em diversas
passagens. Alterou,
por
exemplo, a
adjetivação “forte Aimbire”
para “heróico Aimbire” (v. 635).
Além disso, a
descrição do
chefe
tamoio ganhou
mais
detalhismo
com acentuados
matizes de
severidade e
soberania:
|
|
Aqui se
mostra á
frente dos Tamoyos,
Pelo
voto
geral
primeiro
chefe.
Aimbire
desde a infancia se amestrára |
Dos Tamoyos á
frente
aqui se
mostra,
Pelo
voto
geral
supremo
chefe.
De
vulto herculeo,
soberano o
porte,
Olhar
dominador,
severo o
rosto,
Bella estatua de
bronze parecia,
Qual a de
um
Marte modelára
um Phidias.
Aimbire
desde a infancia se amestrára
(vv.638-644) |
Aprofundou-se a
dimensão
psicológica do
velho
cacique Pindobuçu,
personagem de
grande
força
interior. Na
caracterização da
segunda
edição, passaram a se
mencionar a
tristeza da
viuvez e a
postura encurvada,
metáforas da
resistência ao sofrimento e ao
tempo:
|
|
De negras
plumas,
que a
tristeza exprimem
Pela
morte do
filho, qu’inda
chora. |
Com negras
plumas,
que a
tristeza exprimem
Da
sua
viuvez, e a dôr
recente
Pela
morte do
filho,
que
ainda
chora.
Curvo á
mágoa,
que
mais
que as cans
lhe
pesa,
Nas
mãos do
que
lhe
resta
digno
herdeiro
Descança do commando o sceptro e as
honras;
Mas da
antiga
bravura
exemplo dando,
Dos
perigos da
guerra
não se exime.
(vv.684-691) |
Demais alterações
não
só
em
torno às
personagens,
bem
como ao
espaço, nas
descrições da
paisagem
brasileira, poderão
ser conferidas ao
longo dos
aparatos
críticos ao
texto d’A
Confederação. Nesta
comunicação, privilegiaram-se
somente algumas das
variantes autorais, deixando-se
para
outra
oportunidade
comentários
acerca das
flutuações ortográficas, merecedoras de
um
estudo à
parte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Castello, José Aderaldo. A
polêmica
sobre a
Confederação dos
Tamoios.
São Paulo:
Faculdade de
Filosofia,
Ciências e
Letras da
Universidade de
São Paulo, 1953.
VIANA,
Hélio. D. Pedro II e a “Confederação dos
Tamoios”.
Revista do
Livro.
Ano XIII – 4º
trimestre, nº 43, 1970, p. 62-71.