Metáforas:
Subjetividade em Discurso Científico
Luciana Moraes Barcelos Marques (UFES)
Resumo
Neste trabalho analisam-se as estratégias comunicativas utilizadas em discursos científicos, com base nas noções funcionalistas de metáforas estruturais (Lakoff & Johnson, 1980) com vistas a observar construções argumentativas expressas metaforicamente. Desse modo, serão consideradas as concepções sobre metáforas de Lakoff e Johnson e sua utilização em discursos científicos, com aplicação a um corpus da biologia.
Introdução
O
A
Em
Numa abordagem funcionalista, ao
Deste modo, questionar-se-á o pseudo objetivismo na linguagem científica e a formulação conceitual de sistemas de conhecimento por meio da utilização metafórica em conformidade com o contexto científico e seu respectivo grupo sócio-cultural, corroborando a presença da subjetividade em contextos pretendidos como imparciais.
A Metáfora sob uma Perspectiva Funcionalista
Os
Essa teoria funcionalista esclarece
Como descreve Ortony (1993: 1-2), a
A perspectiva funcionalista abordada por Lakoff e Johnson distribui o estudo das metáforas em três grandes grupos: metáforas estruturais, orientacionais e ontológicas. Ao presente estudo, interessa as metáforas estruturais, contudo, comentaremos sucintamente, cada uma delas.
Segundo Lakoff e Johnson, o
De
“Desta
Complementando o
Desta forma, Lakoff e Johnson (1980) sistematizam as
Já as
Da
As
Pseudo Objetivismo:
A Metáfora no Discurso Científico
O pensamento científico, partindo de princípios extremamente racionalistas e de uma concepção filosófica de matriz positivista que afirma a superioridade da ciência sobre todas as outras formas de compreensão da realidade (o cientificismo), trouxe consigo a falsa afirmação da verdade:
Sua preocupação com a verdade surge de uma preocupação com a objetividade: para eles [os filósofos], a verdade é objetiva, absoluta. Concluem, habitualmente, que as metáforas não podem expressar verdades de forma direta e, se enunciam verdades, fazem-no apenas indiretamente, via alguma paráfrase “literal” não metafórica. (Lakoff & Johnson, 2002:261)
No entanto, faz-se necessário conceituar o que seria (e se existe) essa verdade e de que maneira ela se imanta nas noções de objetividade e cientificidade. Coracici (1991) explicita a relatividade da verdade que se apóia no momento enunciativo:
Mas, o que vem a ser a verdade se não uma forma de considerar a realidade inserida no momento histórico, num determinado estágio das descobertas científicas, num determinado local geográfico, enfim, numa cultura partilhada pelos indivíduos? Se se aceitar a relatividade da verdade, a idéia clássica que remonta a Aristóteles, segundo a qual existiria uma lógica cujas proposições se baseariam num valor de verdade independente da natureza particular da enunciação (sujeitos, momentos, enfim, condições de produção do discurso), não teria lugar nos enunciados das línguas naturais, nem mesmo naqueles que enunciam as ‘ditas verdades universais’, pois, mesmo estes se ligam à enunciação, à natureza dos participantes da comunicação verbal e de sua situação no espaço e no tempo. (cf. Kerbrat-Oreccchioni, 1977; Récanati, 1979; Rajagopalan, 1984). (Coracini, 1991: 122)
Quando se questiona o conceito de verdade, também é questionada a objetividade, portanto, o discurso científico objetivista relativiza-se pelo momento enunciativo e pelas relações lingüísticas que o embasam.
Entretanto, buscando atingir essa suposta objetividade na linguagem, o discurso científico utiliza relações diretas de significação, evitando as figuras de linguagem por expressarem – socialmente – relações subjetivas entre o enunciador e seu enunciado. Esses discursos, portanto, são compostos por inúmeros jargões específicos que se cristalizaram com o uso, objetivando um distanciamento do discurso, buscando ser imparcial e objetivo, uma vez que esse objetivismo defende uma linguagem ‘imaculada’, na qual
As palavras têm significados fixos, isto é, nossa linguagem expressa os conceitos e as categorias em termos dos quais pensamos. Para descrever a realidade corretamente, precisamos de palavras cujos significados sejam claros e precisos, palavras que correspondam à realidade. Essas palavras podem surgir naturalmente, ou podem ser termos técnicos de uma teoria científica. (Lakoff & Johnson, 2002: 296)
Cabe ressaltar que essa suposta objetividade não se configura discursivamente, uma vez que as escolhas lexicais do falante já expressam características subjetivas a ele, ou remetem a uma subjetividade partilhada (utilizada por membros de uma comunidade científica). Ao uso metafórico referente a essa subjetividade partilhada, costuma-se denominar ‘metáforas mortas’, pelas quais se argumenta que:
O tipo de metáforas de que a ciência se serve é considerado pelos lingüistas como ‘metáforas mortas’ e, por isso mesmo, já com tendência à literalidade e à denotatividade, uma vez que teriam perdido todo valor de surpresa, imagem e expressividade, características da linguagem metafórica. (Coracini, 1991: 133)
Esta abordagem ao considerar o uso em discursos científicos apenas de ‘metáforas mortas’ é discutível, uma vez que as imagens que elas constroem continuam sendo retomadas no momento comunicativo. Desta forma, as relações metafóricas se mantêm no discurso científico, implicando a existência de um cientista-enunciador, que parece querer se ocultar por meio de uma linguagem convencional e supostamente objetiva e imparcial.
Destarte, a expressão lingüística metafórica no discurso científico ratifica a subjetividade inerente à linguagem. Subjetividade esta que é expressa como a manifestação de uma individualidade coletiva que é subjugada por seu nicho social e que se ambienta às exigências desse nicho.
A partir disso, pode-se observar que mesmo nos discursos científicos, há metáforas estruturais (‘vivas’) que organizam o sistema conceitual sobre um determinado léxico específico e que formalizam uma referenciação discursiva.
Metáforas no Uso Científico
A partir das conceituações de Lakoff e Johnson há metáforas estruturais que abrangem determinadas comunidades científicas. Buscando ratificar tal afirmação, foram analisadas nesta pesquisa metáforas construídas e cristalizadas dentro do campo semântico da biologia humana, como exemplificadas a seguir.
Ø Metáfora Estrutural: Comunidades celulares são famílias
célula mãe” “células irmãs” |
“célula filha” “cromossomos-filhos” |
Ø Metáfora Estrutural:
Comunidades biológicas se organizam como seres humanos
“células companheira” |
“gânglios associados” |
Ø Metáfora Estrutural: Comunidades biológicas
possuem características de seres humanos
“célula madura” “cadeia simpática” “Sistema nervoso simpático: origina-se na medula torácica e na lombar” |
“Uma batida de porta repentina que ocorre no meio da noite produz uma grande quantidade de impulsos simpáticos eferentes.” “árvore bronquial; que conduzem, aquecem, umedecem e filtram o ar inalado de partículas de pó e gases irritantes, antes de sua chegada à parte pulmonar.” |
Ø Metáfora Estrutural: Comunidades biológicas são plantas
“células tronco” |
“árvore bronquial; que conduzem, aquecem, umedecem e filtram o ar inalado de partículas de pó e gases irritantes, antes de sua chegada à parte pulmonar.” |
Ø Metáfora Estrutural:
Comunidades biológicas são unidades geográficas
“Num corte do pâncreas, contudo, notam-se "ilhas" de substância formada de células diversas das do resto da glândula: são as ilhotas de Langerhans, que são dotadas, justamente, de urna função endócrina.” |
Outra forma de se verificar a metáfora no discurso científico encontra-se nas formulações explicativas a um público não acadêmico e com pouco conhecimento científico, desta forma, a metáfora torna-se veículo simplificador para a compreensão de processos especificamente técnicos.
Como por exemplo, a relação que se fez entre o sistema respiratório e uma estação de trem:
No começo do túnel há um portão, a glote. Ela só deixa entrar o ar, impedindo que alimentos passem. A primeira estação é a laringe, muito importante para a voz. Por isso que a gente fica rouco quando tem laringite: é quando a laringe está doente. Em seguida, vêm as cordas vocais. São elas que regulam o ar, quando a gente fala grosso ou fino. Logo embaixo vem a traquéia. É a última estação antes de chegar aos pulmões – ou a primeira quando o ar está saindo. Como o nariz, a traquéia tem um filtro de pêlos, que não deixa que nenhuma partícula passe para os pulmões: próxima parada...
A partir desses exemplos, pode-se observar que as metáforas também estão presentes no discurso científico, revelando um “cientista-enunciador” que busca esconder-se em um discurso convencional por uma pseudo-imparcialidade.
Retomando as conceituações de Wittgenstein (no Tractatus Lógico-Philosophicus), Araújo afirma que “os limites do mundo são também os limites da lógica, o que não pode ser dito não pode ser pensado.” (Araújo, 2004:77), desta forma, as metáforas – também no discurso científico – colaboram para a (não) delimitação do mundo, ou seja, por meio delas é possível conceber o mundo e interagir com ele.
Portanto, a linha que separa o que é metafórico e o que é literal é muito tênue, pois tais concepções estanques fazem parte de uma visão cartesiana ocidental que busca o essencialismo em oposição ao marginal. Portanto, todo o sistema lingüístico é por origem metafórico, uma vez que “a linguagem é, pois, em si mesma metafórica: modo de expressão da visão subjetiva do Universo” (Coracini, 1991: 146)
Algumas Considerações
Esta
Embora sejam
Apesar de o discurso científico buscar imparcialidade em suas colocações, as metáforas utilizadas (construídas) colaboram para a compreensão das relações existentes em abstrações novas e recriam a realidade discursiva pela qual se firmam categorias conectadas ao sistema conceitual ‘científico’.
Referências Bibliográficas
Araújo, Inês Lacerda. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. São Paulo: Parábola, 2004.
Camara Jr., Joaquim Mattoso. Dicionário de
Coracini, Maria José. Um Fazer Persuasivo: O Discurso Subjetivo da Ciência. São Paulo: Educ; Campinas: Pontes, 1991.
Lakoff, George & Johnson, Mark.
Searle, John R.
––––––.
Zanotto, Mara S.;
http://www.corpohumano.hpg.ig.com.br Acesso em 01/08/2006.