Qual é a
reação das pessoas
ao “enfiarem o
pé na
jaca”?
Renata da Silva de Barcellos (UFF e CETOP)
RESUMO
Nesta
comunicação será apresentada uma
parte da
pesquisa (em
andamento)
sobre a
gafe,
cujo
corpus de
análise é
oriundo de
discurso de
políticos, de
apresentadores de
programas, de entrevistados etc., das diversas
partes do
jornal O
Globo, a
partir de
janeiro de 2001; do
livro
Gafe
sem
pecado, de Claudia Matarazzo,1996, e de
programas de
televisão. Cabe
esclarecer
que
para o
presente
trabalho, abordaremos a
questão de
como as
pessoas reagem
diante do
surgimento deste
fenômeno discursivo.
Introdução
Esta
pesquisa está sendo
desenvolvida na
perspectiva da Sociolingüística Interacionista,
pois acreditamos
que esta forneça os
instrumentos
mais adequados
para o
tratamento da
gafe e,
por
conseqüência,
nosso
estudo contribuirá
para o aprofundamento dos
aspectos da
interação.
Ao pesquisarmos o
assunto
até o
momento, encontramos
apenas estas
três
definições de
gafe: a
primeira
definida
como “fontes de
embaraços e
dissonâncias
que
não estavam
nos
planos da
pessoa
responsável
por
eles e
que seriam evitados se o
indivíduo conhecesse de
antemão as
conseqüências de
sua atividade” (Goffman, 1975:193); a
segunda
como sendo “uma
situação
fora de contexto” (Matarazzo, 1996:13); e a
terceira
entendida
como “emissão de
palavras
que
não poderiam
ser ditas,
mas
que,
infelizmente, o foram” (Vincent
apud. Laforest, 2003: 154).
Mas,
desde
já, cabe dizermos
que nenhuma define adequadamente
este
fenômeno discursivo,
por serem pouquíssimas
claras e precisas
pelo
fato de podermos empregá-la
para o
entendimento de
outros
fenômenos
como
indiscrição e
crítica.
Por
isso, a
partir da
elucidação desses
autores e da
análise do
corpus
selecionado, proporemos
nossa
percepção de
gafe, a
fim de
melhor defini-la e distingui-la de
outros
fenômenos discursivos: é o
surgimento de
ação (constituída
pela
realização de
atos de
linguagem e/ou de
atos
não linguageiros)
involuntária e inadequada praticada
por
um dos participantes, na
troca
comunicativa,
cuja
conseqüência é a
ameaça à
face de
pelo
menos
um dos envolvidos.
Neste
sentido,
então, almejamos contribuir com uma possibilidade de
análise interacionista das
gafes, a
partir dos
conceitos
enunciação e
enunciado (Benveniste: 1986),
valor ilocutório (AUSTIN, 1962),
pertinência (Sperber & Wilson, 1989), footing (Goffman, 2002) e
preservação da
face (Goffman, 1975),
polidez (Goffman, 1974), enquadre (Goffman, 1974), negociação (Kerbrat-Orecchioni, 2000)
identidade (Charaudeau, 1991 & Kerbrat-Orecchioni, 2000) e
cultura (Trouche
apud Júdice, 2005: 69), provenientes da
pragmática e dos
estudos das
interações;
serão analisadas as
gafes
sob
diversos
aspectos:
natureza,
característica,
tipologia etc.
Este
artigo consiste
em
apresentar os
principais
aspectos da
forma
como os participantes lidam
com
este
fenômeno discursivo.
Para analisarmos esta
questão, adotaremos o
conceito de footing (Goffman, 1981). E, ao verificarmos as
diferentes
posições
que, numa
situação interlocutiva
em
que houve uma
gafe, os envolvidos podem
assumir, dividiremos
estes
em
grupos e
por
tipo a
partir da
posição adotada
por
cada
um deles.
A
partir das várias
indagações a
respeito desse
assunto,
por exemplo, qual é a
reação dos envolvidos?
Como reage o gafista? E o
seu
interlocutor? a
hipótese formulada é de
que a
gafe, caracterizada
como
um
acidente de percurso, cometida
por
um dos
interagentes, desestabiliza o
curso da
interação, comprometendo
assim a
face de,
pelo
menos,
um dos envolvidos na
situação interlocutiva, a
ponto de
um deles
poder
ter a
sua
face
completamente perdida (dependendo do
grau de
gravidade da
gafe).
TRATAMENTO
Ao
longo da
análise
acerca dos
elementos
constituintes da
gafe (participantes,
contexto e
conteúdo), verificamos
que,
em
cada enquadre, os
interagentes procedem de uma
determinada
forma, intervindo
ou
não,
independente da
gravidade da
gafe,
para
preservar a
sua
face e/ou a do
outro. Essa
questão de
como os participantes agem
diante de uma
gafe,
nos remete à
noção de footing,
cuja
definição é “a
postura, a
atitude, a
disposição, o
eu projetado dos participantes” (Goffman, 1981),
para caracterizarmos
como os enquadres ancoram a
forma do participante se
posicionar, se
alinhar, se
orientar
com
relação ao
que
expressa
ou o
seu
interlocutor.
Observando o
corpus, constatamos
que a
pessoa se posiciona de
diferentes
modos
em
relação à
gafe, e, dependendo da
gravidade da
gafe cometida no
desencadeamento da
interação,
um dos
interagentes pode
mudar de
posição
para
não se
comprometer e
não
comprometer o
outro
em
relação a alguma
coisa e/ou
alguém.
Esse ajustamento
feito, ao
longo da
interação,
em
função do
interlocutor pode
tanto
comprovar o ethos pré-discursivo
como pode
apresentar
outra
imagem
não condizente
com a
imagem
anterior no chamado ethos discursivo (Amossy,1999).
A
linguagem
em
uso e o footing dos
falantes,
que expressam a
forma
como
eles produzem e recebem as
elocuções dos
outros
interagentes da
interação, reproduzem a
realidade
social de
cada
interação.
Assim, de
acordo
com a
forma
como conduzem a
interação, os
falantes alinham-se
mediante
suas
intenções comunicativas e modificam
seu footing à
medida
que escolhem outras
estratégias
ou enquadres interacionais
para
manifestar
suas
intenções.
Então, verificamos
que é a
prática
social dos
indivíduos
que confere
sentido ao
contexto
em
que
eles atuam,
bem
como as
regras de
conduta
inerentes ao enquadre.
Dessa
forma, a
interação
comporta
diferentes
tipos de
imprevistos, os
voluntários e os
involuntários,
por
exemplo: a
gafe
que,
enquanto
um
acidente de percurso, apresenta a
seguinte
estrutura: ao
menos
dois
locutores, L1 (que, ao
cometer a
gafe, intervém
ou
não) e L2 (que, ao
perceber o
acidente de percurso de L1,
tenta
ou
não
contornar a
situação, sendo
bem sucedido
ou
não).
Quanto à
intervenção,
quando surge uma
gafe no
desenrolar de uma
troca e
um dos participantes interfere visando à
preservação da
sua
face e/ou a do
seu
interlocutor “deverá
ajustar
suas
concepções e
comportamentos
mútuos,
isto é,
negociar o
desacordo a
fim de neutralizá-lo” (Kerbrat-Orecchioni, 1996: 158).
Como nesta
pesquisa entendemos o
ato de falar como sendo “uma
forma de
ação
sobre o
outro e
não
apenas uma
representação do mundo” (Maingueneau, 2000:53), analisaremos os
três
tipos de
reações de L1, o gafista, propostos
por Matarazzo a
fim de ratificá-los.
São
eles: o gafista
não percebe a
gafe cometida, o gafista percebe e
tenta
reparar (sendo
bem sucedido
ou
não), o gafista percebe e não-repara (no
caso deste
último pode
haver sobreposição de
gafes,
porque L1
não percebeu
que cometeu a
primeira
gafe). Trataremos
também da
reação de L2, o
interlocutor,
que,
segundo a
nossa
análise
até o
momento, pode
ser de
três
tipos: o
interlocutor
não diz
nada (seja
porque
não
quer, seja
porque
não percebeu a
gafe); o
interlocutor percebe e auxilia o gafista; o
interlocutor percebe e revida
com uma
ofensa.
No
que diz
respeito ao
locutor,
segundo Traverso,
ele é “
também
receptor;
enquanto
ele
escuta, o
receptor é
também
emissor.
Toda
mensagem, numa
situação
face a
face é co-construída” (apud. Laforest, 1996: 6).
Isso significa
que,
em uma
conversação,
locutor e
receptor agem
um
sobre o
outro. No
momento
em
que a
gafe é cometida, o gaffeur pode
ter assumido o
papel de enunciador
ou de
locutor. É
necessário
ressaltar a
diferença
entre
esses
dois
tipos de gafistas,
porque,
apesar de
ambos mobilizarem uma
determinada
língua
para colocá-la
em
funcionamento, o enunciador é o
responsável pelas
posições expressas no
discurso,
ou seja, o
emissor profere
atos de
linguagem de
sua autoria,
enquanto o
locutor reproduz a
fala do
outro no
seu
discurso (Amossy, 1999). É na
tomada da
fala
por
um
ou
por
outro
tipo de
falante
que se dá a
enunciação (ato de
produzir
enunciados).
A
partir da
observação da
enunciação proferida
por L1 e analisando o corpus selecionado, podemos
verificar
que L1,
diante de L2, pode
assumir uma destas
posições:
Primeiro procedimento:
L1 percebe a
gafe cometida
quando L2 se pronuncia e,
imediatamente, L1
tenta
reverter a
situação
embaraçosa.
Por
exemplo:
A
candidata Denise Frossard cumprimentava os
eleitores no
Aterro do
Flamengo
quando, ao
apertar e
beijar uma das suas assessoras, esta diz:
– Deputada,
eu sou
sua assessora.
E Denise diz:
– Ih, é...
(O Globo, 21/10/06)
Na
troca
complementar
hierárquica, a
deputada Denise Frossard comete uma
gafe,
porque
não reconheceu
que se tratava da
sua assessora e a cumprimentou.
Segundo procedimento:
L1 persiste na
gafe. Vejamos a
seguir o
que
um
político disse a uma de
suas
colegas:
– A
senhora é
mais
gorda
pessoalmente do
que na TV.
A
elegante
vítima
mal recobrava a
respiração e foi
abatida por outra “gentileza” do
senador:
– Eu vou
te
mandar uns
chás de pata-de-vaca.
Mas a
senhora precisará do
apoio de uma
esteira.
(O Globo, 16/12/2006)
No
exemplo
acima, observamos uma
seqüência de
grosserias:
inicialmente,
quando
não
só declara
considerar a
pessoa a
quem se apresenta
gorda,
como
também intensifica esta caracterização” a
senhora é
mais
gorda
pessoalmente do
que na TV”;
em
seguida,
deixa
implícito
que a
pessoa
além de
precisar
fazer
um
regime, no
caso, sugeriu
que tomasse
chá de pata-de-vaca,
também necessita do
auxílio de uma
esteira
para
obter
resultado.
Terceiro procedimento:
A
tentativa de L1 é
um
fracasso.
Neste
terceiro procedimento, detectamos uma
particularidade: L1 sabe
que,
mesmo tentando
desfazer a má
impressão
criada,
não conseguirá
reconstruir a
sua
face. Vejamos o
exemplo a
seguir
em
que, ao
ser flagrado dirigindo
bêbado, no
momento da
prisão, o
ator
Mel Gibson diz:
Malditos
judeus (...) os
judeus
são
responsáveis por todas as
guerras do
mundo.
(O
Globo 24/07/2006)
Como
todos ficaram indignados
com o
que o
ator disse aos
policiais no
momento da
prisão,
para
atenuar a
situação, o
ator declara:
Não há
desculpas
nem deve
haver
qualquer tolerância para
alguém
que
expressa
algum
comentário anti-semita.
(O Globo, 30/07/2006)
No
exemplo
acima, podemos
constatar
que
mesmo sabendo
que
sua
tentativa será
um
fracasso,
por
não
haver
desculpas
para o
que disse
devido a
sua
gravidade: a
questão da
discriminação, e a
sua
identidade de
ator,
Mel Gibson decide
assumir a
culpa e declara
que deve
ser punido
pelo
seu
erro.
Quarto procedimento:
L1,
sem
saber
como
proceder
para
reverter “o
acidente de percurso”, acaba deixando L2
sair da
interação
com uma
impressão errônea,
conforme o
caso a
seguir.
“No Canecão, num
show de Chico Buarque, no
Rio de
Janeiro,
um
fã “soltou “tesãooooo”. Chico pediu
tesão
não, os
meus
netos estão na
platéia. E emendou:
vovô viu a
vulva?
Depois, corou de vergonha”. (O
Globo 16/01/2007). Ao
perceber o
que disse,
um
chiste
infeliz “vulva” no
lugar de “uva”, o
cantor dá
indícios de
seu
constrangimento, ficando
vermelho. E,
através dessa
característica, o
público constatou
que o
cantor percebeu a
gafe cometida.
Outro
caso é
quando
não se sabe se o gafista percebeu
ou
não a
gafe cometida,
como o
exemplo do
vocalista Dinho. Vejamos:
Num
show no
Oi
Noites
Cariocas, no
meio do
pessoal do
marketing desta
empresa
telefônica
Oi, ao
ver a
platéia
com os
celulares levantados, acompanhando uma musica, Dinho
Ouro
Preto,
vocalista do
Capital
Inicial, diz:
– Que
coisa
linda! Parece
até
propaganda da
Vivo!
(O Globo, 15/12/2006)
No
exemplo
acima, a
gafe ocorre do
fato de Dinho
ter
feito
alusão a uma das
companhias telefônicas de
celular
concorrentes da
Oi, no
caso, a
Vivo. O
vocalista,
que estava se apresentando na
casa de
show da
Oi e
diante de
vários participantes,
dentre
eles, os
patrocinadores
Oi do
show,
além de se
referir à
concorrente,
ainda demonstra
com
tal
declaração
considerar a
publicidade da
Oi
linda “Que
coisa
linda!”.
Quinto procedimento:
L1 pode
comprometer uma
terceira
pessoa
que
não está participando daquela
situação
comunicativa.
Por
exemplo: numa
videoconferência
com os
jogadores da
seleção, o
presidente
Lula acabou provocando
um
incidente
quando perguntou ao
técnico Carlos Alberto
Parreira
qual
era o
peso do
jogador Ronaldo.
Este
jogador,
que
não estava
presente na
videoconferência, ao
saber da
pergunta, se sentiu constrangido e, num
desabafo, o
craque respondeu:
– Todo
mundo diz
que
ele bebe
pra
caramba.
Assim
como é mentira
que estou
gordo, deve
ser
mentira
que
ele bebe
pra
caramba.
(O
Globo 10/06/2006)
No
exemplo
acima, o
presidente
Lula, ao
conversar
com o
técnico da
seleção, faz
alusão ao
peso de Ronaldo. Suscitando
assim neste uma
reação
ofensiva.
Sexto procedimento:
L1 se dirige a L2,
mas L3 ouve,
vê
ou
lê
algo comprometedor
contra L1
ou L2..
Um
policial
civil
carioca PhD na
área de
inteligência diz, ao
ser interpelado
por
um
amigo na
rua e
ouvido
por
um
jornalista,
sobre o
destino das
armas roubadas num
quartel do
Exército,
que
já tinham sido encontradas
por
eles:
– Deixa o
Exército se
ferrar
um pouquinho, procurando.
Depois a gente
acha.
(O Globo, 9 / 3 / 2006)
No
exemplo
acima, observamos
que a
declaração de
um
policial torna-se
pública (foi publicada na
coluna do Ancelmo Gois)
porque
alguém, L3,
um
jornalista, ouviu a
conversa dele
com
um
amigo. Naquele
momento, L3 tem
acesso a uma
informação
confidencial
que
só a
polícia e o
exército poderiam
ter.
Porém,
um participante não-autorizado, ouve a
conversa
cuja
inferência pode
ser: o
policial
poderia
estar dizendo ao
amigo,
indiretamente,
que
não sabia
ainda
onde estavam as
armas
porque
não as procurou,
mas,
quando
investigar, encontrará
todo o
material.
Ou, possivelmente,
que
já as encontrou,
mas estava deixando o
Exército
procurar
em
vão
por
algum
motivo.
Enfim, ao
observar o
corpus, detectou-se
que há
esse
tipo de
diferença
entre a
gafe cometida
por L1
contra
si
mesmo e percebidos
por L2, e
aquilo
que L1 comete e L2
não percebe.
Depois de
abordar as possibilidades de
ocorrência da
gafe do
ponto de
vista do
seu
responsável, o gafista, abordaremos o
mesmo
tema a
partir daquele
que presencia a
gafe, o
interlocutor,
alvo da
gafe
ou
não.
Primeiramente, cabe
ressaltar
que
este pode “
achar
que
ele (o gafista) teria tentado evitá-lo
caso pudesse
ter
previsto
suas
conseqüências ofensivas” (Goffman, 1982: 84). O
interlocutor identifica a
ocorrência da
gafe interpretando
não
só o
verbal,
como
também o não-verbal e o paraverbal,
além de
considerar a
posição
que ocupa
diante do gafista, o
lugar
onde se encontram, os
eventuais
ouvintes etc.
A
partir dessa
observação e analisando o
corpus
selecionado, constatamos
que L2,
diante de L1, pode
assumir uma destas
seis
posições
em
função da
gravidade da
gafe cometida
por L1.
Primeiro procedimento:
L2 reage contra L1
Duas amigas (uma
brasileira, L1, e
outra inglesa, L2),
que
não se viam há
muito
tempo, se reencontram na
casa de
um
amigo
em
comum
em
dezembro de 2003. A inglesa, L2,
apesar de
ter morado no Brasil
algum
tempo,
ainda
não faz a
concordância adequada.
Brasileira: -
Oi,
tudo
bem?
Quanto
tempo!
Inglesa: -
Oi,
tudo
bem. É
sua
neto?
Brasileira: -
Neta?
Não, é
minha
filha.
Inglesa: - I’m sorry.
(fato relatado
pela
brasileira
em
janeiro de 2004, no RJ)
No
trecho
acima, observamos
que o
ato de
linguagem de L2 “é
sua
neto?” tem a
superposição de
valores ilocutórios.
Isto
porque o
enunciado proferido
em
forma de pergunta-exclamação tem
não
só o
sentido de uma
correção do
tipo: “para
mulher se
usa neta”,
mas
também de “surpresa”, “indignação”
ou “recusa”
por
parte da
brasileira
que, no
seu
entender, teria sido
chamada de “velha’’. Nesse
caso, L2,
alvo da
gafe, negocia ao
mesmo
tempo duas
questões
com L1, a gafista:
primeiro, a
correção
relativa à
concordância
nominal do
termo “neta”
que está se referindo “a ela” e
segundo, a
demonstração de
sua
opinião
em
relação ao
fato de
ter sido
chamada de “velha”
pela
amiga inglesa.
Às
vezes, L2
leva L1 a
perceber o
deslize cometido de
forma descontraída,
Por
exemplo:
A ABL
sempre se refere ao
dramaturgo Alcione Araújo de
dona Alcione nas
correspondências enviadas,
como se existisse
apenas a cantora Alcione: a “Marrom”.
Por
isso, no
jornal O
Globo, saiu uma
nota intitulada
Meu
nome é
cujo
texto foi:
Para a
Academia
Brasileira de
Letras
não há Alcione no
mundo
que
não seja a “Marrom”. O
dramaturgo Alcione Araújo
já
nem
liga
mais
quando
chega a
correspondência chamando-o de
Dona Alcione.
Já sabe, é da ABL. “ É fogo”,
brinca, “até os
meus
companheiros de
letras preferem a
Marrom.
(O Globo, 24/10/2006)
Neste
exemplo, observamos
que
quem é
responsável
pela
gafe é uma
instituição
cujos
integrantes
são
profissionais da
área de
Letras e
que , ao
longo dos
anos, e
por
tradição ocupam uma
posição
destacada
dentro da
sociedade no
que se refere à
língua
materna.
Por
isso, deveriam
ter tido o
cuidado de
verificar a
identidade da
pessoa, no
caso, a de
Senhor Alcione.
Sendo
assim, a
imagem pré-estabelecida do
outro, o ethos
prévio (no
caso, a da ABL,
lugar
em
que se há o
maior
cuidado ao
tratar a
língua)
como pode
apresentar
outra
imagem
não condizente à
imagem
anterior no chamado ethos discursivo (o “incidente” ao
tratar o
dramaturgo
por
dona).
Segundo procedimento:
L1 compromete
apenas a
sua
própria
face tentando
esclarecer
algo a L2,
que,
por
sua
vez,
leva L1 a
perceber a
gafe cometida.
O
seguinte
exemplo, retirado do
jornal O
Globo, ilustra
bem
esse
caso:
toca o
telefone na
locadora Happy
Barra, no
Rio.
Um
senhor queria
alugar Superman, o
retorno e
Piratas do Caribe:
– Não temos.
Estes
filmes
ainda estão
nos
cinemas,
não foram lançados
em DVD...
– Ah,
minha
filha...
Vocês estão atrasados. Foram,
sim! Nos camelôs, tem
até
para
vender!
(O Globo, 02/08/2006)
No
exemplo
acima, ao
justificar o
fato de
não
ter
ainda o
produto solicitado
pelo
cliente, L1
só percebe a
gafe cometida
quando L2 intervém a
fim de
dizer
que o
artigo desejado
já está
disponível: “...Nos
camelôs tem
até
para vender”. Dessa
forma,
por
não
ter
um
determinado
conhecimento de
mundo (o
fato do
produto procurado
já
estar
disponível
nos
camelôs), L1 compromete
somente
sua
face.
A
partir da
análise do
ponto de
vista do
locutor e do
interlocutor, cabe ressaltarmos
também
que, às
vezes, numa
situação
comunicativa, ao
ouvir a
conversa
entre L1 e L2, L3 é
quem expõe o
conteúdo proposicional, tornando-se
assim o
responsável
pelo
aparecimento da
gafe, uma
vez
que,
por
exemplo, ao
tornar
público o
que
não
era
para
ser, compromete a
face de,
pelo
menos,
um dos
interagentes envolvidos (ver
exemplo do
policial).
Enfim, a
partir da
análise do
corpus, constatamos, no
que se refere ao
modo
como os participantes lidam
com a
gafe,
que há
dois
grupos de
gafe: o da
gafe
interventiva (quando o gafista
muda de footing
para
restabelecer a
harmonia interacional) e o da
gafe não-interventiva (em
que
não sabendo
como se
sair da
situação
embaraçosa
ou temendo
ameaçar
mais a
face dos envolvidos,
não interfere). O
grupo da
gafe
interventiva se subdivide
em
dois: o da reparadora, na
qual, ao
mudar de footing, o gafista compromete a
face; e a não-reparadora, na
qual o gafista,
apesar da
tentativa de
mudar de
posição,
não consegue
sair da
situação
embaraçosa; às
vezes,
ainda a
agrava
mais, perdendo
completamente a
face.
Conclusão
A
relação intersubjetiva
característica da
estrutura conversacional é a de
que,
quer haja
reparação
ou
não, uma
vez o
constrangimento/embaraço instaurado na
interação,
por
mais
que se tente desfazê-lo, o
outro poderá
ficar
com uma
impressão
negativa do
ato realizado. Há
casos
em
que o
valor ilocutório é
tão
ofensivo
que a
torna
muito conflituosa, a
ponto de o
interlocutor,
por se
sentir ofendido,
intervir a
fim de se
defender, agredindo
verbalmente
ou fisicamente o gafista.
Logo, a
relação
entre os envolvidos poderá
ficar comprometida
independente do gafista
ter tentado repará-la
ou
não.
No
que diz
respeito à
tentativa de
restabelecimento do
equilíbrio interacional, detectamos
que a
gafe se divide
em
dois
grupos: o da
gafe
interventiva (na
qual o gafista intervém retificando
ou
não) e o da não-interventiva (na
qual o gafista
não intervém
por
três
motivos:
primeiro,
por
não
saber
como
sair daquela
situação
embaraçosa.
Segundo,
por
não
perceber
que cometeu
um
deslize.
Terceiro,
por
temer
agravar
ainda
mais a
situação).
Buscamos
assim
analisar
como os participantes se comportam
diante de uma
gafe engendrada
por
algum deles à
luz da Sociolingüística Interacional.
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