MORFEMA ZERO E CASOS DE
ALOMORFIA
Elenir de Oliveira Machado
(UERJ)
INTRODUÇÃO
Este
trabalho pretende levantar alguns
questionamentos a respeito da ocorrência do morfema
zero Ø. É preciso
estabelecer uma diferença
entre morfema
e morfe, pois essa noção
de morfe em
oposição
a morfema será
útil
para a compreensão
de alguns
fenômenos
como a alomorfia.
A questão da flexão em língua portuguesa ainda
é motivo de muita
discussão. Matoso Câmara
abriu espaço para
muitos questionamentos sobre a tradição
gramatical; mas
percebemos agora,
em
alguns aspectos,
uma retomada de
alguns
pontos da gramática
tradicional através de Evanildo Bechara e
Valter Kehdi.
MORFEMA
ZERO
E CASOS DE
ALOMORFIA
Classificação do
morfema
O morfema
zero está incluído na seguinte classificação segundo
Valter Kehdi:
1)
morfemas aditivos
2)
morfemas
subtrativos
3)
morfemas alternativos
4)
morfemas
reduplicativos
5)
morfema
de posição
6)
morfema
zero
Conceito
de morfema
Antes
de explorar o morfema zero
começarei com
conceitos
de morfema dados
por alguns
gramáticos:
Evanildo Bechara: “Chama-se morfema a unidade
mínima
significativa
ou dotada de
significado
que integra a
palavra”.
Rocha
Lima: “A menor unidade significativa que
pode figurar numa palavra”.
Matoso Câmara: “O
elemento formal
que se combina
com
o semantema (radical), constituindo um mecanismo gramatical por meio do qual o
semantema passa a
funcionar
na comunicação
lingüística.
Manoel Ribeiro
(Gramática Aplicada da Língua
Portuguesa, 7a ed. Metáfora Editora) cita três
tipos de morfemas:
a) categoriais: expressam as categorias gramaticais
de uma língua (gênero,
número, tempo,
aspecto, modo,
pessoa, etc.)
b) lexicais:
são responsáveis
pela formação
de uma nova
palavra
(os prefixos e
sufixos).
c) relacionais: relacionam elementos frasais
(preposições,
conjunções,
pronomes
relativos).
Morfemas
categoriais
Os morfemas
categoriais serão
objeto
de estudo nessa
análise
da ocorrência do
morfema
zero na Língua
Portuguesa.
O morfema
zero consiste na
ausência
de uma marca de
oposição
em relação
a outro termo
marcado. Evanildo Bechara diz ainda: “Só haverá morfema
zero se a noção
por ele
expressa for inerente
à classe gramatical
em que
ele ocorra”.
Ocorrência
do morfema zero
São
comuns na Língua Portuguesa as
ocorrências
de morfema zero
na flexão nominal
e verbal.
Flexão
nominal
gênero
a – feminino:
menina
a) flexão nominal
número
s – plural
Em
relação à flexão de gênero
existe uma forma marcada -a (feminina) e em oposição, uma forma não marcada Ø (Masculino).
Em relação
à flexão de
número
existe uma forma marcada -s (plural) e uma não
marcada Ø (singular).
Flexão
nominal de gênero (outras considerações)
Ainda
há muitas discussões
sobre a flexão
de gênero; Matoso é
categórico
ao afirmar que
não existe marca
de masculino e
sim
uma ausência de
desinência:
morfema zero
(Ø). Sendo o -o de garoto,
livro, etc, uma vogal temática nominal. Se considerarmos o -o de garoto marca
de gênero
masculino, teríamos de considerar
também
o -e em
mestre,
porque ambos
fazem oposição a -a em garota
e mestra.
Evanildo Bechara (Moderna
Gramática Portuguesa) afirma
que
em relação
ao gênero, “no
par
alto/alta,
a oposição de
gênero
aparece marcada nos
dois
termos mediante
-o e -a”.
Nessa consideração
em relação
ao gênero, Bechara recorre à tradição gramatical,
considerando -o masculino em oposição ao -a
feminino.
Valter Kehdi nos
convida a rever a posição
do Matoso ao afirmar que
quando se acrescenta a uma palavra feminina
uma terminação
que
contenha -o, essa palavra passa a masculina.
Exemplos:
mulher (fem.) / mulheraço (masc.) -
cabeça
(fem.) / cabeçalho (masc.)
Valter Kehdi lembra
ainda
que o povo,
em sua
linguagem
espontânea,
cria formas
masculinas sempre
em
-o (ex: coiso, corujo, etc.) e conclui que
-o está intimamente associado à noção de masculino
e não reduz a uma
oposição
Ø / -a, e sim, a uma oposição -o / -a. Afirma ainda que a desinência -o apresenta as
variantes
Ø (peru / perua,
autor / autora) e u semivocálico (europeu / européia; mau
/ má).
Sobre
as considerações
feitas por
Valter Kehdi, sabemos que há uma tendência popular
em associar o
-o ao masculino (tartarugo,
colego, etc.), o -a ao feminino (cavala, etc.) e alguns
nomes terminados
em
-e acabam sendo neutros (a
ou o
hóspede
s.m. e hóspeda s. f.). Há
ainda
certa dificuldade
em associar certas palavras
terminadas em -a ao masculino (o grama
- unidade de
medida
- , telefonema, etc.) e palavras terminadas em
-o ao feminino (carrasco s.m., usada popularmente da seguinte
forma: carrasca
s.f. Nesse processo de escolha de desinência
-a ou -o, às vezes ocorre na criação
de neologismos (plugado, deletada, etc.).
Flexão
nominal de número (outras considerações)
No par
alto/altos,
a noção de número
plural, inerente
à classe dos nomes,
acha-se marcada pelo pluralizador -s, enquanto a noção
de singular está marcada pela ausência
de uma marca. Bechara considera esse como exemplo de um verdadeiro morfema
zero Ø.
Em
palavras
paroxítonas terminadas em -s (simples, lápis,
ourives, etc.), assim como
Matoso, Valter Kehdi fala em alomorfe zero
Ø. São nomes
que permanecem
invariáveis
no singular e no
plural
e a identificação de número só
acontece mediante à
concordância. Ex.: lápis
preto
/ lápis pretos.
O fato
de termos em
português mais
de uma representação fonológica para exprimir o plural, não significa dizer que temos também
mais de um
morfema para exercer essa função.
Em nomes
terminados em
consoantes,
antes é preciso
admitir que morfemas têm mais
de uma configuração fonêmica.
Além
da configuração fonêmica /s/ em nomes como gatos,
mapas, etc., têm a
configuração
/es/ em
nomes
como mares,
cruzes, etc.
A fim
de considerar as várias
configurações
de um morfema
dado, os
lingüistas
postularam uma espécie de pseudomorfema
chamado morfe. Os morfemas podem ser representados por
um ou
mais de um
morfe. Os morfes são constituídos de fonemas e diferem um
dos outros por
terem diferentes
sentidos
ou diferentes
realizações fonêmicas. Os vários morfes que
representam um
morfema
são chamados alomorfes. Assim, consideramos que
em mares
e cruzes, foi acrescentado o
alomorfe -es (da desinência -s)
aos radicais mar
e cruz.
Flexão
verbal
Número
pessoal:
Singular: 1a pessoa:
Ø, -o, -i;/ 2a pessoa: -s, -ste, -es, Ø (no
imperativo
afirmativo)/3a pessoa:
Ø, -u.
Plural:
1a pessoa: -mos / 2a
pessoa: -is, -stes, -des, -i (imperativo afirmativo), -de
(imperativo afirmativo)
/ 3a pessoa: -m.
Modo
temporal:
Indicativo:
presente: Ø/ pret. imperf. : -va-, -ve- (1a
conj.), -ia-, -ie- (2ª conj.) / pret. perf.: Ø (para
as cinco primeiras
pessoas), -ra- (3ª pes. do pl.)/pret.
mais que perf.: -ra-, -re- /fut. do pres..: -rá-, -re-/fut.
do pret.: -ria-, -rie-.
Subjuntivo:
pres.: -e- (1a conj.) / -a- (2a e 3a conj.) /
pret. imperf.: -sse-/fut.: -r-, -re-.
Formas
nominais:
infinitivo: -r- / gerúdio: -ndo / partcípio: -do.
O morfema
zero só
deve ser postulado
em caso
de necessidade. A
ocorrência
do morfema zero
na flexão verbal
se dá pela falta
de marca em
relação às outras do mesmo paradigma.
Em: escrevo, escreves,
escreve, escrevemos, escreveis, escrevem, a 3a forma verbal é
caracterizada pela
falta
de desinência em
relação às outras
pessoas
verbais. Temos,
portanto,
um morfema
zero. Assim,
para postularmos um
morfema zero,
temos de satisfazer as
seguintes
condições,
segundo
Valter Kehdi:
1.
é preciso que o morfema zero corresponda a um
espaço vazio;
2.
esse
espaço vazio deve opor-se a um
ou mais
segmentos;
3.
a noção expressa pelo morfema zero
deve ser inerente à classe gramatical do vocábulo examinado.
Alomorfia
Na flexão
verbal também
há casos de
morfemas
que assumem, em
certas situações,
diferentes
configurações
fonemáticas. São os alomorfes de um mesmo morfema. Nas formas
verbais: cantais, cantáveis, amais,
amáreis, cantardes, fazerdes, fizerdes, partirdes; é
possível
identificar em
todas o mesmo
morfema
com valores
de pessoa (2a ) e
número
(plural). Isso
acontece através de morfes diferentes: -is e -des. Estes dois segmentos constituem um
caso de
alomorfia,
pois contém mesmos
valores
significativos.
Quando ocorre a
alomorfia, a forma de
mais
alta freqüência
deve ser considerada a base;
a outra é variante,
seu alomorfe: no pret. Imperf. do ind., 1a
conjugação, a forma base é -va-; a variante é -ve- (cantáveis).
Morfema zero x alomorfe zero
É de grande
importância o
valor
significativo dos morfemas.
A alomorfia constitui uma diferença de significante,
não de
significado: o morfe é outro,
o morfema
é o mesmo. O
morfema
zero ocorre numa
série
de morfemas e o alomorfe zero ocorre numa série
de alomorfes.
CONCLUSÃO
Concluo
que
a divisão das palavras
em morfemas
não é uma tarefa
tão simples,
pois envolve muitos
aspectos.
Quanto
à flexão
dos nomes, podemos
dizer
que a existência
de uma oposição -a (fem.) Ø (masc.) para o gênero é a mais completa, pois os termos masculinos são
usados de modo
geral
há muito tempo,
só havendo particularização em relação ao uso do feminino.
O plural dos
nomes
em português
é mais simplificado do que sempre nos mostrou as gramáticas
tradicionais, estas estavam preocupadas em
mostrar exceções
desde os níveis
mais primários.
A
flexão
verbal requer um
pouco mais
de atenção quanto
ao uso do morfema
Ø, atentando sempre
para
a interpretação
fonológica
de um morfema.
BIBLIOGRAFIA
BECHARA, Evanildo.
Moderna Gramática Portuguesa.
37a ed. Ver. e ampl. Rio
de Janeiro :
Lucerna, 1999.
CÂMARA
JR.,J. Matoso. Dicionário de Lingüística e Gramática. 12a
ed. Petrópolis : Vozes, 1985.
––––––. Estrutura
da Língua Portuguesa. 21a ed. Petrópolis :
Vozes, 1992.
CARONE, Flávia de Barros.
Morfossintaxe. 6a ed. Ática – Série
Fundamentos.
CAVALIERE, Ricardo.
Fonologia e Morfologia
na Gramática Científica
Brasileira. 1a ed. Rio de Janeiro: EDUFF,
2000.
FREITAS, Horácio Rolim de.
Princípios de morfologia.
2a ed. Rio de
Janeiro
: Presença, 1981.
KEHDI, Valter.
Formação de palavras
em português.
3a ed. Ática - Série Princípios, 2000.
RIBEIRO,
Manoel Pinto.
Gramática Aplicada da
Língua
Portuguesa. 7a ed. Rio de Janeiro: Metáfora
Editora, 1992.
ROCHA
LIMA, Carlos Henrique da. Gramática
da Língua
Portuguesa. 38a ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.