Memória
sobre
o isqueiro,
ou caixa de guardar a isca para o fogo,
a qual foi remetida no caixão número
7º
da primeira remessa do
Rio
Negro
O
que os portugueses chamam "isca", para o fogo da palavra
latina, essa mudado o (e) em (i), chamam os índios
"tatapotaba". É uma palavra composta das duas: "tata"
que significa
fogo, e "potaba", porção. Os que
têm lido a gramática da
língua
e são versados
nela, sabem que concorrendo dos substantivos, um
após (d)o outro,
o primeiro fica sendo genitivo do segundo. Segue-se que
vertida literalmente, a palavra "tata-potaba" quer
dizer entre nós "ração
do fogo", quinhão
do pasto que
cabe ao fogo etc.
Por
conseguinte, significando a outra palavra
"rero" o mesmo que lugar,
tata-potaba-rero, vem a dizer o
mesmo
que "lugar
ou caixa do pasto do fogo". Tal é o nome que tem esta peça,
os mazombos a chamam "isqueiro".
Há nele duas coisas a
considerar: o cilindro,
que
serve de caixa à sobredita
isca, e a isca
em
si. Quanto
à primeira, é um
gomo da cana
vulgarmente
chamada
"taboca". Este é um nome genérico, o qual
compreende diversas espécies de canas. Taboca-uaçu é a cana
maior e mais
grossa; tacoara é a de que faz o gentio
mura as pontas
das suas flechas,
e para isso a
cultiva; tacoaris são os canudos dos cachimbos
e servem para os fogos
artificiais; tabocaí val[e] o mesmo que
taboquinha ou caniço.
Das duas primeiras espécies fazem duas diferenças em cada uma, a saber:
tabocarete e tabocarana, para distinguirem a
verdadeira da falsa. No tocoari e na
tabocaí, a ser essa terceira
diferença, se é "membeca" ou "santã" isto
é, mole ou
dura.
Para servir de isqueiro, fura-se o fragma do
fundo
do gomo, pelo
[fu]ro se empurra com um pa[u] pont[i]agudo
ou com
outro instrumento
a isca para cima, à proporção
que o fogo
consome a que fica
imediata
ao bocal. Raspam o vid[ro] exterior do gomo, antes de
esfregarem com a
entrecasca
da árvore "xixi"
(espécie de
mimosa).
Passam a barr[e]á-lo com o tijuco, a caparrosa de que
ele abunda lhe
cai sobre a
adstringente
da entrecasca. Por conseguinte,
comunica ao gomo o
fundo
preto em
que acentam as outras cores. São a ocra de ferro,
a argila
encarnada
e as féculas do
urucu
e do carajuru. Escolhem-se os gomos da grossura que têm
os dois da amostra,
ela deve ser tanta quanta se
abarque com a mão.
Gomos há de 7
polegadas
de diâmetro, de
palmo
e de mais de
palmo, donde procede que
os seus usos são muitos e mui diversos.
As
canas mais
grossas, rachadas ao cumprido e endireitadas ao fogo,
servem de tábuas para
os assoalhos das
palhoças
térreas e para os tendões
que em
algumas povoações
são
os sobrados das
casas. Delas, sem
outro
benefício, lançam
mão
os habitantes para
os cercados dos
quintais,
para escadas
de mão, para
os andaimes dos
carpinteiros
e, geralmente, a
cana
madura e assada
a um fogo
moderado, toma a
consistência
das madeiras mais
fortes e mais
duráveis. Delas são
feitos
os pentes para
os teares do
algodão. Dos gomos,
conforme
eles são
mais e menos
grossos ou
cumpridos, assim se aproveitam os curiosos e preenchem as vistas
da economia. Curtidos ao fumo, para se lhes extinguir a umidade,
servem de frascos para
o azeite, de
latas
para o tabaco,
de vasos para
os medicamentos, de barrilotes para a pólvora e para o sabão; e o certo é que
nele se conserve bem e, às
vezes,
melhor do que
nos vidros,
tudo que
se deve preservar da umidade.
Até
servem de canudos para
conservar e remeter
papéis, mapas etc.,
como
se vê nos
que deu para amostras deste uso
o Ilustríssimo e
Excelentíssimo
Senhor João Pereira
Caldas, e vão
remetidos no caixão
número
6. A vantagem que
têm estes sobre
os outros canudos
de folha de
flandres
é a de se não enferrujarem por ocasião dos
lon[gos] transportes nem umedecerem pela
irregularidade da
atmosfera
[ ], os mais
curiosos raspam-lhes o vidro, torram-nos e envernizam-nos por fora;
remetem-se outras duas amostras
que representam duas cucharras para can[hõ]es.
Aplicam-se os gomos
menos
grossos para
os fogos de
artifícios,
marciais e
festivos. O tenente
coronel
Teodósio Constantino de Chermont, prefere os caniços
da chamada "tabocaí" ao cobre e a folha
de flandres, para
uso das ditas
espoletas, os bassinetes das [ ] os [ ] [ ] de [ ] [ ] [ ]
[ ].
Todo o
mundo sabe o
quanto
estes metais
se deixam atacar pelas
substâncias
salinas que
entram na composição do seu ingesto inflamável.
Tenho observado
que as espoletas
de folha de
flandres
o mais que
chegam a durar neste país,
não passa
de 1 mês. Para
durarem tanto, tem lhe
sido preciso secá-las ao forno imediatamente
que as conclui e conservá-las em vidros
ordinariamente sucede que passa[n]do-se até
15 dias, estão corroídas dos sais as que não são feitas e conservadas com
as precauções indicadas.
Sem tantos riscos e
sem tanto
custo se tem aproveitado dos
caniços. As espoletas,
feitas
deles sem serem envernizados, há 19 anos que se
conservam capazes de
servir
e por todo
este tempo
nenhuma ruína têm experimentado.
Quando
a razão e a
experiência
alegada, se por
si
não bastasse para
a preferência dos caniços em semelhante uso e para o seu apreço, entre nós,
bastaria considerar-se por outra parte com um teto verdadeiramente patriótico
a outra razão
da economia. O
cobre
e a folha de
flandres
são metais
que se compram aos
estrangeiros.
Só de feitios
das espoletas pagou
Sua
Majestade nesta
capitania
a razão de 60 por
cada uma. Ambos estes desembolsos
dispensam os caniços, o da
matéria
e o da forma; a primeira
é produção do país,
a segunda é obra
da natureza. Os
gomos
maiúsculos e de proporcionada grossura
dispensam o papel de cartucho
de que fazem os botafogos. Custam menos, são mais fáceis de se fazerem e não
necessitam de formas como os outros.
São gêneros da primeira
necessidade para
os fogos de
iluminação;
para morteiros
dela aplica o citado tenente-coronel os gomos
mais grossos
do ba[mbu] depois de trincafiados como se costuma. O que
a respeito
da taboca tenho até
agora
visto de mais
custos e de muito
bem lembrado é o realejo
(os) dos seus
gomos
organiza[do pelo] capitão
tesoureiro da Fazenda
Real da
demarcação
Francisco Xavier de Andrade. Eu não o ouvi porque
já o achei
desconcertado,
mas dizem-me os
que
o ouviram, e o mesmo autor me
assevera, que nenhuma diferença tem as suas
das vozes dos
outros
e as que há é para
melhor em
razão da matéria.
Quanto à isca
de que está provido o isqueiro, é uma matéria
tirada dos ninhos
da formiga "taracuá".
Ela
tem o trabalho de recolher
esta substância que
não é outra
coisa mais do
que o cotão da
página
exterior da folha
da árvore "paranari". Os índios têm cuidado
de [o] aproveitarem para a
isca,
depois de recolhido e ajuntado pelas formigas. Usam dele em
ambas as capitanias
e para ferirem lume,
não se afligem
pela
falta de fuzil.
Esfregam entre
si dois paus que sempre escolhem de madeira
mole, como
o cacau, o molongo, o curumi-ihua, os talos dos cachos
das palmeiras
patauá, macaba, obossu e o movimento
excitado pelo atrito, excita o
fogo.
Da
pele do pescoço
da tartaruga yuraxá-reté, é feito o tampo
do gomo. Serve para
preservar a isca
da umidade e para lhe
apagar o fogo,
privando-a do ar
que
o entretem enquanto é preciso.
Barcelos, 2 de fevereiro de 1786
Códice
21,1,12 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, proveniente do espólio
trazido pelo Barão
de Drummond, como se vê na anotação incluída logo
após este título: “B.N. original
da mão do
autor, Alexandre Rodrigues
Ferreira. Lisboa, 2 janeiro 1849. Drummond.”
O manuscrito
encontra-se danificado dificultando a leitura
em alguns
fragmentos.
No manuscrito
está escrito “can[..]ens”.
Encontra-se escrito no rodapé
da página no
manuscrito: "Em
ofício
sou [ ] de [ ] de 1786 se encomendaram ao
Ilustríssimo e Excelentíssimo
Senhor Martinho de Souza de Albuquerque, o qual passou a encomendar ao
Ilustríssimo e
Excelentíssimo
Senhor João Pereira
Caldas as [ ] em
[ ]. Remeto, Sua
Excelência, um
abundante
fornecimento
delas em 24 de
fevereiro
de 1787 para as [ ]
não
[ ]charem é [ ] [ ], quando
estão maduras [ ] [ ] [ ] quanto
de dentro dos
gomos
não sai água
e se estão [ ] pelos
meses de dezembro a
janeiro.
Depois de
cortadas
conservam-se ao fundo [ ] [ ]
de todo.