MEMÓRIA SOBRE OS INSTRUMENTOS,
DE QUE USA
O GENTIO
PARA TOMAR O TABACO "PARICÁ"
OS QUAIS FORAM REMETIDOS NO CAIXÃO Nº 7
DA PRIMEIRA REMESSA DO
RIO
NEGRO
Todo este aparelho é preciso
ao gentio mangué, para
tomar a seu
modo o tabaco
"paricá".
Consta de um
almofariz
"induá", com a sua madeira
"induá-mona". Uma escovilha "tapixana", um caracol
"iapuruxitá", uma plancheta de madeira
e dous [ossos] das
asas
de uma ave,
juntos
um ao outro.
Veja-se a explicação seguinte.
Serve de almotariz uma das ametades em que dividem a cápsula
das castanhas
chamadas
"do Maranhão". Pisam dentro
nele e reduzem a pó
sutil
os frutos da
árvore
"paricá" depois de torrados. Nele
consiste o seu
mais
estimado tabaco.
A
que parece
novilha
é um feche de
sedas
da cauda do tamanduá.
O seu uso
é o de alimpar o almofariz e o de estender o
tabaco pelo
vazado da plancheta.
O
caracol (helix terrestris), pela serventia que tem, toma o
nome de "paricá-reru", que quer dizer caixa de paricá. Com algum outro pedaço de concha da mesma espécie [tapam] a boca
do caracol: grudam-no com a resina do
"anani" e, sem mais custo, fica
feita a caixa de tabaco. Para o introduz[ir]em nela e para o vazarem na plancheta, abrem o
vértice
da espira e, na
abertura
o bocal, que é o
gargalo
de um cabaço.
A plancheta costuma ter a
figura
de algum animal:
a que tem a da
amostra, dizia o índio (o)
seu
dono, que
[t]em a de um
jacaré: a figura
e os lavores são
feitos com
os dentes das
cutias
e de outros
animais;
estes são
as suas goivas,
formões, plainas,
etc. Da madrepérola da
concha
"itã" tingem os olhos embutidos nas cavidades
que os devem
representar. A extremidade da
peça
representa uma já vazada do meio para baixo: chama-se "paricá-rendana": val[e] o mesmo que lugar em que se vaza o
"paricá".
Os
dois ossos
dos braços das
asas, escolhem-se daquelas aves que os têm mais
compridos; tais
são os tujujus, maguari, aiaiás, etc.;
tiram o tutano a
ambos, ajuntam um ao
outro,
mediante o tecido
de um fio
fino de algodão
e, com a interposição das duas como costas que tem, e são
da palmeira "paxiúba",
impedem que do
meio
para cima se
ajuntem tanto que
não fique medi[a]do e separado o intervalo das ventas.
Para se aproximarem a elas,
grudam nas suas
extremidades
superiores os 2 coquilhos da palmeira "iúne", tirado de dentro o miolo,
descascada a casca
exterior
e abertos os
buracos.
Veja-se o modo de
tornar
o paricá:
Despejada no vazado da plancheta a porção que se há de tomar, nele
se espalha por
igual
com o cabo
da escovilha, que representa uma
[catrabucha]. O que a há de tomar pega com a chave da mão esquerda no
enfranque da plancheta, que parece o pescoço do jacaré,
e, tendo voltado para si
o vazado dela, com a direita aproxima às ventas
as extremidades
superiores
dos dois ossos,
e ao vazado da plancheta, as inferiores.
Assim serve pelos
dois sifões a
porção que
despejou para a tomar.
Dele usa o gentio
nas grandes
bacanais
chamadas do "paricá", e elas têm uma casa
grande, feita
de propósito, sem
repartição alguma, e por isso
denominada "casa do paricá".
Principia a cerimônia das
bacanais
por uma
crudelíssima
flagelação: açoitam-se reciprocamente uns aos outros
com um
azorrague dos couros
do peixe-boi,
anta
ou veado.
Na falta disto supre uma corda de pita bem torcida, do comprimento de uma braça:
tem na extremidade uma pedra ou outro qualquer apenso que seja
sólido e que
fira. Açoitam-se de dois a dois:
o paciente recebe os açoites de pé e
com os braços
abertos, em
que o flagelante o sustiga à sua vontade. Pouco depois passa o flagelante para
flagelado e, assim,
cada
parelha segue o
seu
turno: nisto consomem 8 dias eles na cerimônia da flagelação e as velhas na preparação do paricá e na dos
vinhos
das frutas e do beiju.
Segue-se a função de participarem dela,
os que participaram dos açoutes. A virtude narcótica
do paricá, o modo de [pr]escrever
e a demasia dos vinhos
obram com tanta
violência que
os que não
morrem algumas vezes sufocados do tabaco, caem semimortos;
caídos ficam até
lhes passar a
borracheira.
Passada
a primeira, principia a segunda: é do estatisto
da
festa durar a
borracheira tanto
quanto duraram os açoutes.
Barcelos, 13 de fevereiro de 1786.
Códice
21,1,16,1 da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Aqui
se fez a seguinte anotação, completamente fora
do contexto:
“Pará
O
anil
do Pará e do
rio
Negro é de excelente
qualidade. Por
aviso de 29 de abril de 1790
mandou Martinho de Melo e Castro, que
[ ] comprar e vendar livremente,
embarcar-se para
Portugal sem
pagar
direitos alguns”.