MEMÓRIAS
SOBRE AS SALVAS DE PALHINHAS
PINTADAS PELAS ÍNDIAS DA VILA DE
SANTARÉM,
AS QUAIS FORAM REMETIDAS NO CAIXÃO Nº 3º
DA PRIMEIRA REMESSA DO
RIO
NEGRO
Das folhas
novas das
palmeiras
tucumã é que são
feitas estas e outras curiosidades. Tiradas as prendes, abre-se
cada
folha de per
si, tira-se lhe
o ponteiro que
ajunta as duas páginas e seca-o ao sol. Resulta deste preparo
não
só secarem as
folhas,
mas também
o ficarem mais brancas.
Então
é que tratam de as
tingir, dando-lhes as cores
que
querem. O método
de as tingir consiste em
as infundir no cozimento
das cascas das
árvores
ou das féculas
que lhes
subministram as cores, arejando-as à sombra para que o sol as
não
altere. Da fécula
do carajuru tiram a cor encarnada e, neste gênero,
é vivíssima a que dá a casca da árvore
haru-na-ihu, enquanto, porém, se não
altera com o
tempo. Para tingirem de amarelo, usam do gengibre
e do pau de guariúba; o cozimento do fruto
verde do jenipapo,
misturado com o
tijuco
ou argila
saturada de vitríolo, lhes subministra a cor
preta. Como
as índias ignoram o uso dos sais
fixantes na tinturaria, nenhuma coisa tingem que
conserve a viveza da cor.
Segue-se
depois de tintas
as folhas e enrolá-las do mesmo modo que na Europa se faz às peças
de fitas, posto
em ordem
a se não encasquilharem ou tomarem alguma tortura.
Racham-nas ao comprido, em fitas, mais e menos
largas, segundo a
obra
que se propõe.
As
que hão de servir
para o baús
de palhinha, chamados "pacarás" e
para os tabuleiros,
são mais
largas; pelo contrário
as que servem para
os chapéus. Deste
trabalho se veste a maior parte das índias, não
só da vila
da Santarém, mas
também
as da vila Franca
e Alter do Chão.
Um
pacará ordinário
não
custa menos
de l600, comprado as índias nas povoações;
na cidade, sobe o
seu
preço de 3 até
4.000 réis; um
tabuleiro vale
1.200 na povoação e
chega
a 2.000 réis na
cidade. Pelo preço de 160 se compra
cada chapéu
que na cidade
custa 400 réis.
Mas
esta indústria
não
é tão proveitosa
às índias como parece.
Os
diretores e os
comandantes,
dentro em
3 ou 4 anos,
não só
pertendem desempenhar-se, mas segurar o bolo
para
o resto da sua
vida. A título
de empregarem as índias em algum trabalho lucrativo
para
elas e evitarem a
ociosidade, distribuem por
elas, e principalmente
pelas mestras, diversas
encomendas de pacarás, tabuleiros, chapéus
etc., não para
as pagarem a razão dos 1.600 e 1.200, que valem, e cujo
valor hão de cobrar
na cidade, mas
para lhes
pagarem por dia
à razão de 40
réis, e isto,
não
em dinheiro, nem logo que acabam a obra,
mas em
pano de algodão,
em alguma bretanha avariada, e avaliada a
seu arbítrio, e
quando lhes
chega da cidade.
Se a índia
que bem
perceba a desigualdade do partido, se demora mais tempo do que o
consignado pelo diretor
para concluir a obra, é notada de preguiçosa
e castigada com palmatoadas.
Conjeture-se, pelo
que digo, qual
é o estímulo que
deve ter esta gente
para aumentar a sua indústria,
vendo ela, que
todo o seu
trabalho cede em
proveito dos
brancos
e, se não cede, é punido como injúria própria.
Barcelos, 05 de fevereiro de l786.