Sumário
I – Repetições
Expressões da mentalidade "id est"

 

1. Repetição de substantivos: locus, mons, uallis.

O texto começa com a descrição do vale de Rahah ao sul do deserto de Faran, na extremidade do qual se divisa o Sinai, “mons sanctus Dei”. Até 2,4, a descrição do vale; daí a 2,7, o monte. O 1º e 2º capítulos apenas situam geograficamente o local do vale e do monte. Mas esse local, esse vale e esse monte evocam passagens bíblicas muito familiares a Etéria: as “memoriae concupiscentiae” (Números, 11,34), a subida de Moisés ao Sinai (Êxodo, 24,18), o bezerro de outro (Êxodo, 32, 1-6), a sarça em fogo (Êxodo, 3,1 e seg.), o Sinai “in cuius summitate... descendit maiestas Dei” (Êxodo, 19, 18ss., 24, 16). Então, o local, o vale e o monte têm para ela um outro significado; não são apenas paisagem. Estão presentes na sua vida; ela já os conhecia de leituras bíblicas ou das referências dos irmãos de fé, de tal forma, que às vezes ela apenas constata que realmente tudo é como lera ou ouvira:

Hoc autem, antequam perueniremus ad montem Dei, iam referentibus fratribus cognoueram, et postquam ibi perueni, ita esse manifeste cognoui. (2,7)

A freqüência dos substantivos locus, mons, vallis nesses textos é um exemplo bem expressivo das repetições a que nos referimos, aqui ainda explicável pela forte carga emotiva da peregrina:

1º capítulo:     locus: 6 vezes

                     mons: 5 vezes

                     uallis: 3 vezes

2º capítulo:     locus: 6 vezes

                     mons: 11 vezes

                     uallis: 9 vezes

Os três substantivos estão entre os vinte de maior freqüência na obra: locus 251 vezes, das quais 211 vezes com o sentido de “situação geográfica”; mons 90; uallis 38. A estatística pura e simples seria inexpressiva; apenas uma estatística. Mas leiam-se os capítulos e repare-se nas repetições muito próximas, sublinhadas às vezes por um adjunto adverbial de lugar representado por um advérbio ubi, hic; por um pronome relativo, ou por um pronome demonstrativo:

1,1: ...peruenimus ad quendam locum, ubi se tamen montes illi inter quos ibamus aperiebant et faciebant uallem infinitam, ingens planissima et ualde pulchram, et trans uallem apparebat mons sanctus Dei Syna. Hic autem locus, ubi se montes aperiebant, iunctus est cum eo loco, quo sunt memoriae concupiscentiae.

1,2: In ergo loco cum uenitur... “Consuetudo est, ut fiat hic oratio ab his qui ueniunt, quando de eo loco primitus uidetur mons Dei”....Habebat autem de eo loco ad montem Dei forsitan quattuor milia totum per ualle illa, quam dixi ingens

No 2º capítulo, de 1 a 4, Etéria fala especialmente do vale. Pois bem, repare-se nesses começos de períodos:

2.1: Vallis autem ipsa ingens est ualde...

Ipsam ergo Vallem nos trauersare habebamus...

2.2: Haec est autem Vallis ingens et planissima, ...

Haec est autem Vallis ingens et planissima, in qua...

Haec est autem uallis, in qua…

Haec ergo uallis ipsa est in cuius capite…

Do 5º parágrafo em diante mais e mais sobressai o monte, “ubi descendit maiestas Dei”. É natural que ele comece com esse substantivo: “Mons autem ipse per giro quidem unus esse uidetur...”

Note-se que em comparação com o “Mons Dei”, os outros, embora sejam também altíssimos (“tam excelsi sint quam nunquam me puto uidisse”; “...quos excelsos uideramus” 2,6), não passam de colliculi.

 

2. Repetição de adjetivos: grandis, ingens, infinitus

A adjetivação na Peregrinatio, eminentemente denotativa, leva Etéria a explorar uma sinonímia pobre quando aplica o mesmo adjetivo a substantivos que exprimem idéias muito diferentes. Um exemplo expressivo é o de grandis, ingens, infinitus, cujo emprego Etéria parece não distinguir. Magnus ocorre apenas 4 vezes, em 3 das quais está intensificado por tam: “tam magnum”, “tam magna”, como o português “tamanho”, “tamanha”. Na outra ocorrência modifica flumen.

Uma cuidadosa análise estilística poderia descobrir aqui ou ali matizes semânticos que justificam a escolha do adjetivo. Contudo, num grande número de exemplos, os adjetivos parecem intermutáveis. É o seguinte o emprego daqueles adjetivos na Peregrinatio:

grandis (21): lapis, labor, ecclesia, locus, gratiam (beleza), uallis, come, vicus, monticulus (!), tumbae, fundamenta (pl.), vita, aqua, reverentia, campus, mora, atrium.

ingens (18): uallis, petra, lapis, statua, aqua, mons, flumen, ecclesia, fluuius, uicus, murus, candela.

infinitus (15): labor, ruina, campus, torrens (Iordanem), gratiae (=graça de Deus), lumen, uox, turba, uallis, fines, lapis, luminaria (pl), mons.

magnus (4): flumen, labor, turba, mons.

A esse propósito, o confronto dos 10 nomes de maior freqüência é interessante e nos revela sem muito esforço a causa dessas ocorrências dos adjetivos. São eles:

a) substantivos: locus, dies, episcopus, ecclesia, Deus, mons, oratio, hora, ciuitas, ymnus (hymnus);


 

b) adjetivos: sanctus, maior, dominicus, aptus, grandis, medius, ingens, infinitus, pulcher, paschalis.

Nota-se desde logo, que maior (41), grandis (21), ingens (18) e infinitus (15) pertencem à mesma área semântica. Sanctus (167) aplica-se a locus (14 vezes), a episcopus (27 vezes), a ecclesia (7 vezes) e a mons (4 vezes), maior (41) se aplica 27 vezes a ecclesia; dominica (37) é privativo de dies, aptus (25) refere-se a oratio (3 vezes) e a hymnus (4 vezes); medius (20) com sentido local modifica ecclesia (1vez), locus (1 vez) e ciuitas; com sentido temporal se aplica a hora (1 vez); pulcher (13) 4 vezes adjetiva ecclesia e 1 vez ciuitas; paschalis (11), termo técnico, modifica 6 vezes dies (nos restantes empregos refere-se a uigiliae e septimana). Deus na Peregrinatio não é adjetivado.

A repetição de certos adjetivos como grandis, ingens, pulcher na Peregrinatio nos lembra, “mutatis mutandis”, a “patrii sermonis egestas” focalizada com a habitual agudeza por Marouzeau nos primitivos prosadores latinos, como Catão:

...la lecture d’un ouvrage comme celui de Caton révéle l’indigence de la langue quand il s’agit d’énoncer des jugements ou même seulement d’exprimer des manières d’être: tout ce qui est remarquable par le grandeur est qualifié de magnus; par la qualité, de bonus; on compte jusqu’à une vingtaine d’exemples de bonus et bone dans les seuls chapitres 1 à 4 De agricultura (Marouzeau, 1949, p. 109-110).

Mas isso nos levará a uma outra consideração a propósito de riqueza e pobreza em língua (Cf. ibidem, p. 108 e 93-96).

Com efeito, riqueza e pobreza aplicadas à língua, e aqui especialmente ao léxico, são considerações muito relativas e discutíveis e dependem do domínio de noções considerado. O próprio Marouzeau, lembrando Jespersen, mostra que uma língua de primitivos pode ser até mais rica do que uma língua de civilizados na designação de aspectos do real, do concreto. É o caso do latim pré-literário, riquíssimo em termos que exprimem coisas concretas, especialmente do campo (não tivesse sido o latim primitivamente uma língua de pastores): aqua, unda, lumpa, umor, ros, latex (latices) para “água”; flumen, fluuius, fluentum, fons, amnis, torrens, riuus para “água corrente” (“cours d’eau”); domus, aedes, casa, porta, ianua, ostium, postes, valvae, fores para “habitação” etc.

Acrescentemos que em relação à Peregrinatio esse critério de riqueza/pobreza ainda deverá levar em conta o estilo dos “itinera hierosolimitana”.

Um confronto com outros diários de viagem, como fez Vermeer, revelará até “un riche vocabulaire”, e uma narrativa que a faz muito diferente de um mero roteiro.

No caso eteriano – e aqui um dos inconvenientes de uma simples contagem de palavras – essa repetição de adjetivos dá azo às vezes a uma elaboração estilística. Vejamos a repetição de grandis em 3,3:

In eo ergo loco est nunc ecclesia non grandis, quoniam et ipse locus, id est summitas montis, non satis grandis est, quae tamen ecclesia habet de se gratiam grandem.

Inicialmente chocante, assume nova dimensão quando a consideramos mais de perto. Poderíamos pensar num processo eufêmico de respeitosa referência a tudo que se relaciona com o “mons sanctus Dei Sina”, se confrontarmos com a “ecclesia pisinna” de um monte perto do Nebo (10,9).

Confrontando, porém, com outra ocorrência de “ecclesia non grandis” em 12,1 (é verdade que aplicada à igreja no alto do monte Nebo, onde se descobriu a sepultura de Moisés) e a de “monticulus non satis grandis” em 13,3 preferimos pensar num processo estilístico em que se ressalta a grande beleza (“gratiam grandem”) da igrejinha, em contraste com o seu tamanho e o pequeno espaço em que está construída.

 

3. Repetição de pronomes demonstrativos e do pronome relativo.

Os pronomes demonstrativos assim se apresentam por ordem decrescente de ocorrência: is (319), ipse (241), ille (162), hic (127), idem (32), iste (18).

No seu cuidado extremo em situar, em localizar os fatos no tempo e no espaço, Etéria aponta-os mais que os qualifica. Na repetição do pronome ipse, por exemplo, Spitzer vê marcas concretas dos lugares por onde andou e dos monumentos que viu a nossa peregrina. Fica bem um elemento identificador, localizador num texto cujo principal objetivo é informar através de um registro fiel. Daí um certo tom didático desse diário de viagem, se assim entendermos um texto mais expositivo que emocional.

O relativo qui, quae, quod ocorre 549 vezes. Nessa freqüência há um tipo de construção que vale a pena comentar. Trata-se da repetição do antecedente do pronome relativo.

Lê-se em 2,2:

Haec est autem uallis ingens et planissima in qua filii Israhel commorati sunt his diebus...”. E logo adiante: Haec est autem uallis in qua factus est uitulus, qui locus usque in hodie ostenditur”. Mais sutil é aquela construção em que se retira um antecedente substantivo do mesmo radical do verbo.

25,1: ... de omnibus prebyteris, qui se dent, quanti uolunt, praedicent, et post illos omnes episcopus praedicat, quae praedicationes propterea semper dominicis diebus sunt, ut semper erudiantur populus in scripturis et in Deis dilectione: quae praedicationes dum dicuntur, grandis mora fit...

No primeiro exemplo o emprego do relativo não oferece nada de especial. No segundo, porém, o relativo se refere não a uallis, mas a um termo generalizante locus, da mesma área semântica, tão presente no espírito da autora, que se repete a seguir.

Mas é freqüentíssima na Peregrinatio Aetheriae uma terceira construção em que se repete o antecedente do pronome relativo, como no conhecido exemplo do Bellum Gallicum: “Erant omnino itinera duo, quibus itineribus domo exire possent”.

Dos 549 exemplos de orações com pronome relativo ocorrentes na Peregrinatio Aetheriae, 39 repetem o antecedente.


 

5,5: abitationes... de quibus abitationibus usque in hodie adhuc fundamenta parent”.

Outros exemplos em: 3,3 – 4,6 – 4,7 – 5,5 – 6,2 – 6,2 – 7,1 – 7,1 – 7,8 – 7,9 – 8,1 – 12,2 – 12,4 – 12,5 – 12,6 – 13,2 – 13,4 – 14,2 – 14,3 – 16,2 – 16,6 – 17,1 – 19,1 – 20,5 – 21,1 – 21,4 – 21,4 – 23,4 – 25,1 – 33,2 – 37,6 – 38,2 – 42 – 43,1 – 46,3 – 49.

Àquele processo sintático da língua se associa, às vezes, um recurso estilístico: as intercalações tornam o relativo muito distante de seu antecedente; daí a necessidade de repeti-lo.

A repetição do antecedente do relativo está mencionada por Hofmann entre as redundâncias que o eminente latinista estuda como um dos tipos de “Exageraciones y redundancias afectivas” dentro do título geral “Los elementos afectivos de la frase intelectual”. Tratando especificamente de Plauto diz Hofmann:

Podemos separar primeramente los casos de redundancia perseverativa, en que se subraya casi anaforicamente con el paralelismo de las frases el concepto que concentra el interés psicológico.

E aqui entram

todos los casos de correspondencia paralela de un mismo sustantivo en la oración principal y en la de relativo, entre los cuales el tipo senex quo sene, además de la lengua familiar posterior... lo conservó el lenguaje oficial y jurídico en interés de la claridad (Hoffmann, 1958, p. 138 e 139).

Confronte-se com o famoso exemplo de Alencar: “Além muito além daquela serra... nasceu Iracema, Iracema que...” E, sobretudo, com o uso indevido de cujo em frases como esta da língua oral, não, porém, rigorosamente popular, já que o povo não emprega esse relativo: “Aí, tomamos o carro, cujo carro é aquele que eu te falei”. Nas pessoas cultas este emprego de cujo é intencional para exprimir gracejo, ironia etc.

Jean Cousin também observou a freqüência dessa repetição do antecedente do pronome relativo nas linguagens especiais, sobretudo “dans la langue de la Curie et des tribunaux”, de onde passou à língua literária “par souci de clarté et d’insistance” (Cousin, 1943, p. 51).

 

4. Repetição de verbos.

Repare-se no emprego dos verbos ostendere e monstrare no 5º capítulo, quando no vale de Rahah os “santos homens de Deus” começaram a mostrar aos peregrinos outros lugares referidos no Velho Testamento. A freqüência dos verbos ostendere e monstrare é de 55 e 4 ocorrências, respectivamente.

A partir de 5,3, quando os orientadores da peregrinação começaram a mostrar outros lugares, diz o texto:

5,3: Ac sic ergo cetera loca quemadmodum profecti monstrauerunt locum, ubi fuerunt castra filiorum Israhel his diebus, quibus Moyses fuit in montem. Monstrauerunt etiam locum, ubi factus est uitulus ille...

5,5: Ostenderunt etiam petram ingentem... Ostenderunt etiam... ostenderunt etiam locum, ubi...

5,6: Item ostenderunt nobis locum, ubi...

5,7: Item ostenderunt torrentem illum... ostenderunt etiam nobis locum, ubi... Item ostenderunt locum, ubi... Nam ostenderunt nobis etiam et illum locum...

5,8: ostenderunt etiam et illum locum nobis, ubi... Ac sic ergo singula... ostensa sunt nobis.

5,9: Nam ostensus est nobis et ille locus, in quo.

Só depois que mostraram quase tudo é que Etéria emprega outro verbo, naturalmente esperado, quase uma conseqüência do ato de mostrar, a exprimir a atitude ativa dos peregrinos que agora são os que vêem e não aqueles a quem mostravam ou é mostrado algo:

5,10: uidimus etiam in extrema iam ualle ipsa memorias concupiscentiae.

5,11: Ac sic ergo uisa loca sancta omnia...” “ ...uisis etiam et sanctis uiris...

Note-se a repetição do verbo e da construção. Note-se ainda a freqüência muitíssimo mais alta de ostendere num texto considerado “vulgar”, em contraste com o tratamento românico, francamente a favor de monstrare.

 

5. Outros tipos de repetição.

5.1 Repetição do tipo reduplicação (geminatio)

Um modo de falar muito comum na língua oral é a repetição do vocábulo, espécie de insistência, cujo sentido sempre se depreende com facilidade. Às vezes, porém, um claro valor intensivo ou superlativo. Ouve-se a todo momento um diálogo como este: “Como vai? –Assim, assim”. Em latim esse tipo de repetição é freqüente nos escritos de tom popular, o que justifica a sua continuação nas línguas românicas (cf. italiano “cosi, cosi”; “piano, piano”; francês “oui, oui”; “doucement, doucement”; espanhol “asi, asi”).

Na Cena Trimalchionis ocorre por exemplo, “modo, modo” (37,3; 42;3; 46,8) entre muitos outros exemplos de repetição com variados matizes semânticos (Cf. Perrochat, 1952, p. 143).

Na Peregrinatio Aetheriae apontaremos:

a) lente et lente

3,1: ... non eos subis lente et lente per girum.

31,4: sic deducunt episcopum respondentes et sic lente et lente, ...porro iam sera peruenitur ad Anastase.

36,2: lente et lente cum ymnis uenitur in Gessemani.

43,6: sic uenitur lente et lente usque ad Martyrium.

43,7: ...lente et lente itur totum pro populo, ne fatigentur pedibus.

b) locis et locis

7,2: Faranitae... signa sibi locis et locis ponent.

c) unus et unus

24,2: ille eos uno et uno benedicet.

37,2: consuetudo est, ut unus et unus omnis populus veniens...

37,3: Ac sic ergo omnis populus transit unus et unus toti acclinantes se.

45,2: et sic adducuntur unus et unus conpetens.

46,5: et ibi unus et unus vadet, vir cum patre suo aut mulier cum matre sua.

No caso de unus et unus ressalta o sentido distributivo. Em 24,2 o sentido explicativo faz pensar num aposto de eos, o que não oferecerá dificuldade se se considerar uno et uno um acusativo unu(m) et unu(m).

 

5.2 rugitus et mugitus

Nas três ocorrências esses substantivos vêm assim associados. Nota-se logo o recurso rímico, muito do gosto popular.

7.4,3: tantus rugitus et mugitus fit omnium hominum...

85,10: tantus rugitus et mugitus est totius populi.

87,4: tantus rugitus et mugitus totius populi est cum fletu...

 

5.3 iubente Deo

A submissão à vontade de Deus, o reconhecimento de que nós pomos mas Ele dispõe está muito presente no nosso “se Deus quiser”. Etéria ao tentar uma empresa mais arrojada não se esquece de ressalvar iubente Deo (3,2 – 3,4 – 10,1 – 10,7 – 17,1 – 17,3 – 19,13); Deo iubente (17,3 – 20,6); iubente Christo Deo nostro (3,2).

 

5.4 aptus diei et loco

O espírito de peregrinação religiosa e não de simples viagem está presente em toda a obra. Em cada lugar mais especialmente relacionado a fatos da Bíblia, ou na liturgia da Semana Santa em Jerusalém fazem-se orações, lêem-se os Evangelhos e entoam-se cânticos, tudo, porém, como convenha ao lugar e ao dia:

29,2: “dicuntur autem totis uigiliis apti psalmi semper uel antiphonae tam loco quam diei”. Essa adequação das orações e dos cânticos Etéria exprime sempre pelo adjetivo aptus, -a, -um; uma vez apenas emprega conueniens, -entis em 47,5:

4,4: unus psalmus aptus loco; 25,10: omnia... apta ipsi diei; 29,2: apti psalmi... uel antiphonae tam loco quam diei; 29,5: ymni... et antiphonae apti ipsi diei et loco; 29,5: lectiones apte diei; 31,1: ymni et antiphonae apte diei ipsi uel loco; 31,1: ymni uel antiphonae aptae loco aut diei; 32,1: lectiones... aptae diei et loco; 35,3: Ymni aut antiphonae apte diei et loco; 35,4: antiphonae aptae diei; 35,4: orationes... semper et diei et loco aptas; 36,1: oratio apta loco et diei; 37,6: orationes... apte diei; 39,5: ymni apti diei et loco; 40,1:  antiphonae aptae diei et loco; 40,1:  orationes… aptae diei et loco; 40,2: ymni apti loco et diei; 43,5: antiphonae aptae diei ipsi et loco; 43,6:ymnos... uel antiphonas aptas diei ipsi; 47,5: ... ut pronuntiationes et diei, qui celebratur, et loco, in quo agitur, aptae et conuenientes sint semper. Apti (sem diei ou loco); 25,5: psalmi uel antiphonae... semper ita apti et ita rationabiles, ut ad ipsam rem pertineant, quae agitur.

 

5.5 Ac (hac) sic ergo

Fórmula de continuação muito freqüente na Peregrinatio (31 ocorrências). Ênio Fonda já a estudou em Síntese Orgânica, p. 106-108. É preciso, porém, corrigir alguns erros tipográficos e acrescentar um exemplo. Uma possível razão de ordem rítmica que vê nesse sintagma um recurso expressivo, como quer Ênio Fonda, nos parece muito discutível.

Ocorrências: 3,2 – 3,7 – 4,7 – 4,8 - 5,3 – 5,8 – 5,11 – 6,1 – 6,3 – 7,9 – 9,1 – 9,5 – 10,8 – 12,11 – 16,1 – 16,2 – 16,4 – (duas vezes) – 16,7 – 19,4 – 20,1 – 21,3 – 21,5 – 23,6 – 23,8 – 25,11 – 27,1 – 29,3 – 36,1 – 37,3 – 43,9. Notem-se as cinco repetições do capítulo 16.

 

5.6 Itaque ergo

Também já relacionado por Ênio Fonda (Síntese Orgânica, 10,4), ocorre 16 vezes: 2,3 – 5,1 – 10,2 – 11,4 – 12,3 – 13,2 – 16,4 – 18,1 – 18,2 – 18,3 – 19,2 – 19,5 – 19,6 – 20,6 – 35,1 – 47,3. Observe-se o acúmulo de repetições nos capítulos 18 e 19.

 

5.7 At ubi autem

Sete ocorrências (e não seis, como registrou Ênio Fonda) todas na segunda parte da obra: 25,2 – 25,8 – 29,3 – 33,2 – 37,3 – 37,4 – 37,8.

 

5.8 In eo ergo loco

Ocorre seis vezes: 1,2 – 3,3 – 4,4 – 4,8 – 6,3 – 10,9. Os quatro outros exemplos citados por Ênio Fonda, a nosso ver devem ser tratados à parte. Ei-los:

7,2: In eo ergo itinere sancti, qui nobiscum erant, ... ostendebant nobis singula loca.

13,3: In eo ergo uico, ... est monticulus non satis grandis.

19,2: In ea ergo die et in ea hora…

36,1: In eo enim loco ecclesia est elegans.

 

5.9 michi (mihi) indignae et non merenti

A consciência da infinita misericórdia de Deus, que sempre nos concede muito mais do que merecemos, leva a peregrina a repetir três vezes o chavão michi indignae et non merenti em: 5,12 – 23,5 – 23,8.

 

5,10 Nominativo denominativo

Uma construção que se repete 8 vezes na Peregrinatio é a de um nominativo em lugar de um acusativo predicativo, sempre dentro do esquema seguinte: pronome relativo em acusativo + verbo “dicendi” + nominativo livre da construção gramatical que, a rigor, exigiria um acusativo predicativo do objeto. São os seguintes exemplos:

1.2: per ualle illa, quam dixi ingens.

7,7: Heroum... nunc est come(s), sed grandis, quod nos diximus uicus.

8,4: dendros alethiae, quod nos dicimus arbor ueritatis.

15,3: cepos tu agiu Iohanni, id est quod uos dicitis latine hortus sancti Iohannis.

27,1: remanent dies quadraginta et unus qui ieiunantur, quod hic appellant eortae, id est quadragesimas.

30,1: septimana paschale, quam hic appellant septimana maior.

46,5: superat illa una septimana paschalis, quam hic appelant septimana maior.

16,1: Vidimus ciuitatem sancti prophetae Heliae, id est Thesbe, unde ille habuit nomen Helias Thesbites.

Só neste último exemplo, deixado de propósito para o fim, ocorre um desvio dos outros aqui examinados. Note-se, porém, que “habere nomen”, (cf. “haver nome”) pertence à mesma área semântica de dicere e appellare.

Observe-se que o nominativo predicativo é quase sempre um substantivo, o que levou Ernout a considerar uma “extensão abusiva” o emprego de ingens em 1,2.

Bechara, estudando esse emprego, observou-lhe o uso na língua familiar e “seu curso vitorioso no latim tardio” (Bechara, 1963, p. 8-9). Trata-se de construção antiga no latim, como observou Ernout:

Dans cet emploi, le nominatif était la construction ancienne; mais il fut habituellement remplacé para l’accusatif ou le datif d’attraction qui paraissaient plus réguliers (Ernout-Thomas, 1953, p. 13).

 

6. Há ocasiões em que as repetições como que independem da autora. São uma decorrência da própria narrativa. Na segunda parte da Peregrinatio (24-29), por exemplo, algumas repetições reproduzem a seqüência dos atos religiosos, do mesmo modo (“similiter”), programados de acordo com o dia, hora e local, seqüência monótona acompanhando os movimentos das celebrações.

A liturgia da Semana Santa em Jerusalém é narrada com pormenores, dia a dia (singulis diebus): 59,11 – 59,12 – 71,10 – 71,12 – 71,19 – 75,12 – 81,19; singulis diebus cotidie (!): 24,1; per singulis dies: 101,3); ofício por ofício. Aqui nada pode ser mudado e uma narração fiel deixa impregnar-se da exaustiva monotonia das celebrações.

Os ofícios se iniciam ao amanhecer  (“iam autem ubi coeperit lucescere”, 24,2) com “o primeiro canto do galo” (“a pullo primo”, 34; “a pullorum cantu”) ou mesmo antes (“ante pullorum cantum”, 24,1), e se prolongam sem pressa ao longo do dia. E tudo rigorosamente segundo a tradição (“iuxta consuetudinem”, 24,5; “sicut solet esse consuetudo”, 24,5; “consuetudo anim talis est, ut”..., 24,8).

Acrescente-se que Etéria registra todas as celebrações certa da alegria de suas irmãs ao ler essa fiel narrativa:

Ut autem sciret affectio uestra, quae operatio singulis diebus cotidie in locis sanctis habeatur, certas uos facere debui, sciens, quia libenter haberetis haec cognoscere. Nam singulis diebus ante pullorum cantum aperiuntur omnia hostia Anastasis...” (24,1).

Especialmente nesta segunda parte Etéria descreve mais do que narra, porque não interfere nos acontecimentos; apenas registra-os. Não é, portanto, de estranhar o grande número de repetições que designam os atos religiosos (operatio) que se realizam diariamente (singulis diebus), em hora certa, em locais precisos (intrat intra cancellos intra Anastasim, id est speluncam, ubi..., 24,3).

Vamos registrar algumas dessas repetições.

 


 

6.1 Os dias da semana

Por tudo que temos dito, é natural que na 2ª parte da obra os dias da semana venham muito repetidos. Registramos abaixo todas as ocorrências do capítulo 24 ao 49 e o fazemos “ipsis uerbis” pelo interesse que a nomenclatura dos dias da semana tem despertado nos romanistas.

24,8: dominica die

25,1: dominica dies, die dominica, dominicis diebus; 6: dominica die, die dominica;

27,1: dominicis diebus, sabbato, die sabbati, sabbato; diebus dominicis, sabbatis, sabbati; 2: die dominica, dominicis diebus, dominicis diebus; 3: dominica die, dominicis diebus, dominicis diebus, dominica die; 4: secunda feria; 5: tertia feria, secunda feria, quarta feria, quarta feria, sexta feria, quarta et sexta feria, quarta feria aut sexta feria; 6: quarta feria; 7: quinta feria, secunda feria et tertia feria, sexta feria, quarta feria, sexta feria, sabbato; 8: sabbato; 9: sabbato, dominica die, dominica die, sabbato, sabbato;

28,1: dominica die, sabbato; 2: sabbato, dominica, “sabbato; 3: quinta feria;

29,1: sexta feria, sabbato; 2: sexta feria; 3: sabbato, sabbato; 6: sabbato, quinta feria;

30,1: dominica, die dominica;

32,1: secunda feria;

33,1: tertia feria, secunda feria, tertia feria;

34,1: quarta feria, secunda feria, tertia feria;

35,1: quinta feria;

37,3: quinta feria;

38,1: sabbato, sabbato;

39,2: die dominica, secunda feria, tertia feria, quarta feria, quinta feria, sexta feria, sabbato, dominica die; 4: dominica die;

40,1: die dominica; 2: die dominica;

41: dominicis diebus, quarta feria, sexta feria;

42: quinta feria, sexta, quarta feria, quinta feria;

43,1: dominica, dominica die; 2: dominica die;

44,1: die sabbati et dominica; 2: dominica dies, dominica die; dominica dies; 3: dominica die, quarta... et sexta feria.

Quando a intenção é apenas ordenar os dias da quaresma, sem especificação do dia especial, Etéria emprega, como em 25, 10 e 11: “prima die”, “alia die”, “tertia die”, “quarta die”, “quinta die”, “sexta die”, septima die”, “octava die” etc.

 

6.2 As horas e a duração dos ofícios

As horas e a duração dos ofícos são registrados com igual cuidado. Às vezes começam “ante pullorum cantum” (24,1 e 8), quase sempre, porém, têm início “de pullo primo” (27,2; 35,1; 41,1 etc.), “a pullo primo (34), “de pullorum cantu” (30,1), “mox primus pullus cantauerit” (24,9), “cum ceperit esse pullorum cantus” (36,1). Como recurso estilístico Etéria emprega “iam autem ubi coeperit lucescere” (24,2), “cum luce” (25,1) e “albescente” (44,3). Às vezes usa expressões mais vagas: “ea hora, qua incipit quasi homo hominem cognoscere” (36,3); “ea hora, qua incipit homo hominem posse cognoscere” (25,6).

Prosseguem os ofícios, prolongando-se até à noite: “ex ea hora usque in luce” (24,1), “luce” (24,2), “hora sexta” (24,3), “hora nona... ad sexta” (24,3), “hora decima” (24,4), “ex illa hora... usque ad lucem” (24,12), “ante quartam horam aut forte quintam” (25,1), “ad quintam aut sextam horam” (25,4), “usque ad licernare” (25,4), “sexta aut nona ad lucernare” (25,5), “hora tertia” (25,6), “finiuntur ergo haec omnia cum tenebris” (24,7).

Freqüentemente se omite o substantivo hora: “ad tertia”, “ad sextam”, “ad tertiam”, ad sextam et nonam” (27,4).

 

6.3 Término dos ofícios.

Durante os ofícios lê-se um trecho dos Evangelhos, entoam-se hinos, salmos e antífonas (às vezes com orações intercaladas), o celebrante abençoa primeiro os catecúmenos, depois os fiéis, faz-se uma oração e, por fim, despede-se o povo.

Repetem-se com muita freqüência as expressões designativas desses atos religiosos.

Aqui vamos limitar-nos ao registro de orações coordenadas que designam o final das cerimônias:

32,2: dicitur unus ymnus, fit oratio, benedicuntur cathecumini, item fideles, et fit missa;

39,5: Hoc lecto fit denuo oratio, benedicuntur cathecumini, item fidelis…

33,2: fit oratio, benedicuntur cathecumini, item et fideles, fit missa…

25,7: fit oratio, benedicuntur ab episcopo primum cathecumini, item fideles;

35,2: fit oratio, benedicuntur… cathecumini est sic fideles et fit missa;

43,6: benedicuntur cathecumini, sic fideles;

43,6: fit oratio, benedicuntur cathecumini et sic fideles;

43,7: fit oratio, benedicuntur cathecumini et sic fideles;

43,8: fit oratio, benedicuntur cathecumini, sic fideles;