A Estilística do Som

Andréa Cristina Portella Loss (UERJ)

Orientadora Maria Antônia da Costa Lobo (UERJ/UCB)

 

CONCEITUAÇÃO DE ESTILÍSTICA

O que é Estilística?Eis uma pergunta a que não se responde fácil e prontamente. Pode-se dizer, comoprincípio de explicação, que Estilística é uma das disciplinas voltadas para os fenômenos da linguagem, tendo por objeto e estilo, o que remete a outra embaraçosa pergunta: e o que é estilo?

A seguir serão mencionadas algumas tentativas de definir estilo e os principais estudos que, no decorrer deste século, se têm realizado sob a denominação de Estilística.

 

A variedade de conceito de estilo.

A palavra estilo, que hoje se aplica a tudo que possa apresentar características particulares, tem uma origem modesta.Designava em latim - stillus - um instrumento pontiagudo usado pelos antigos para escrever sobre tabuinhas enceradas e daí passou a designar a própria a própria escrita e o modo de escrever.

No domínio da linguagem têm sido tão numerosas as definições de estilo que vários lingüistas têm procurado classificr de acordo com vários critérios em que elas se fundamentam.Assim, Georges Mounin (Introdução à Lingüística) reúne as definições de estilo em três grupos:1) como desvio de norma;2) como elaboração;3) como conotação.Nils Erik Enkvist (Lingüística e Estilo) as distribui em seis grupos:1) como adição; 2) comoescolha; 3) como conjunto de caracterísiticas individuais; 4) como desvio de norma; 5) comoconjunto de características coletivas; 6) como resultado de relações entre entidades lingüísticas.

Dentre as inúmeras definições e explicações do fenômeno de estilo, mencionaremos algumas que se encontram na bibliografia indicada no presente ensaio.

“O estilo é o homem.”(Buffon)

“O estilo é o pensamento.”(Rémy de Gourmont)

“O estilo é a obra.”(R.A. Sayce)

“Estilo é o aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos meios de expressão, determinada pela natureza e pelas intenções do indivíduo que fala ou escreve.”(Guiraud)

“Estilo é a linguagem que transcende do plano intelectivo para carrear a emoção e a vontade.”(Mattoso Câmara).

 

O aparecimento da estilística

Embora a palavra estilística já fosse usada no século XIX, é no século XX que ela passa a designar uma nova disciplina ligada à Lingüística.Tomando o lugar deixado pela Retórica, a Estilística surge nas primeiras décadas do século XX, graças sebretudo a dois mestres que lideraram duas correntes de grande importância:Charles Bally (1865-1947),doutrinador da Estilística da língua, e Leo Spitzer (1887-1960), figura exponencial da Estilística literária.

 

Considerações finais

Pela incursão feita através das obras mais significativas da Estilística e da Retórica, pode-se ver que noções fundamentais da primeira já se encontravam na segunda, como a de desvio e escolha, das variedades de linguagem, conforme a situação ou estado emotivo do falante, da expressividade, e do efeito suscitado no leitor ou ouvinte.

A Estilística tem um campo de estudo mais amplo que o da Retórica:não se limitando ao uso da linguagem com fins exclusivamente literários, interessa-se pelos usos lingüísticos correspondentes às diversas funções da linguagem, seja na investigação da poesia, seja na apreensão da estrutura textual, seja na determinação das peculiaridades da linguagem devidas a fatores psicológicos e sociais.

O conhecimento da língua do ângulo da expressividade constitui o passo inicial para a compreensão e valoração dos textos literários.Como bem diz Guiraud: “sem ser o objeto nem o fim único da análise estilística, o estudo dos valores expressivos e de seus efeitos é a tarefa maior do estilólogo e o ponto de partida indispensável para qualquer crítica de estilo”. (Essais de Stylistique, p.75).

 

ESTILÍSTICA DO SOM

Também chamada Fonoestilística, trata dos valores expressivos de natureza sonora observáveis nas palavras e nos enunciados.Fonemas e prosodemas (acento, entonação, altura e ritmo) constituem um complexo sonoro de extraordinária importância na função emotiva e poética.

Além de permitir a oposição de duas palavras - função distintiva - a matéria fônica desempenha uma função expressiva que se deve a particularidades da articulação dos fonemas, às suas qualidades de timbre, altura, duração, intensidade.Os sons da língua - como outros sons dos seres - podem provocar-nos uma sensação de agrado ou desagrado e ainda sugerir idéias, impressões.O modo como o locutor profere as palavras da língua podem também denunciar essas impressões, estados de espírito ou traços de sua personalidade.Evidentemente, essas sugestões e impressões oferecidas pela matéria fônica são recebidas de maneira diversa conforme as pessoas. São os artistas que trabalham com a palavra, poetas e atores, os que melhor apreendem o potencial de expressividade dos sons e que deles extraem um uso mais refinado.

Reconhecendo que a fonologia expressiva ainda estava por ser iniciada, quando já tinha os materiais básicos prontos, em vista do avanço da fonologia lingüística, Bally faz essa ponderação:

Não há dúvida de que na matéria fônica se escondem possibilidades expressivas.Deve-se entender como tal tudo que produza sensações musculares e acústicas:sons articulados e suas combinações, jogos de timbres vocálicos, melodia, intensidade, duração dos sons, repetição, assonância e aliterações, silêncios, etc.Na linguagem, estas impressões fônicas permanecem em estado latente enquanto o significado e o matiz afetivos das palavras em que figuram sejam indiferentes ou apostos a esses valores, mas brotam quando há concordância.Assim, junto à fonologia propriamente dita há lugar para uma fonologia expressiva, que pode trazer muita luz à primeira analisando o que nos diz o instinto:que há uma correspondência entre os sentimentos e os efeitos sensoriais produzidos pela linguagem. (Bally, Charles.Estilística y lingüística general, p.101)

 

A insistência de sons de valor expressivo

A expressividade dos fonemas poderia passar despercebida, se os poetas não os repetissem, a fim de chamar a atenção para a sua correspondência com o que exprimem.Muitas vezes, a repetição deles pode não ser de natureza simbólica ou onomatopéica, mas ter outras funções como realçar determinadas palavras, reforçar o liame entre dois ou mais termos, ou ainda contribuir para a unidade de um texto ou parte dele.Pode ser ainda um processo lúdico que crie harmonia e seja agradável ao ouvido.

As repetições fônicas podem apresentar diferentes tipos, sendo um pouco variável a sua classificação.Trataremos da aliteração, assonância e da anonimação em especial, destacando trechos dos textos que escolhemos como referência.

 

Aliteração e Assonância

Aliteração é a repetição insistente dos mesmos sons consonantais, podendo ser eles iniciais, ou integrantes da sílaba tônica, ou distribuídos mais irregularmente em vocábulos próximos.Há quem inclua na aliteração a repetição de vogais na sílaba inicial de duas ou mais palavras.A repetição vocálica em sílabas tônicas é a assonância; mas a mesma vogal pode aparecer não acentuada, prolongando a insistência.

“Nem soneto nem sonata vou curtir um som dissonante dos sonidos som ressonante de sibildos...” (trecho extraído de Som. Poesia e prosa. 5a ed.ANDRADE, Carlos Drummond de.)

Nota-se, ainda, no trecho acima a existência e um outro recurso estilístico, a rima.A rima é a coincidência de sons, geralmente finais de palavras (alguns falam também em rima aliterante, inicial), que se dá na poesia, em conformidade a um esquema mais ou menos regular.É o homeoleuto empregado com recurso poético, desempenhando várias funções:

função hedonística de agradar o ouvido pela repetição de sons em determinados intervalos;

função decorativa, sendo um luxo de expressão, um requinte de elaboração;

função expressiva de realçar idéias contidas nas palavras em que ocorre;

função estrutural de relacionar as palavras que apresentam, bem como de contribuir para a unidade do texto e para a facilidade de sua memorização.

 

Anonimação

A Anonimação consiste no emprego de palavras derivadas do mesmo radical - em uma mesma frase ou em frases mais ou menos próximas.Muitas vezes a anonimação é um tipo de pleonasmo, como em:

“Pois aqui vai uma evidente evidência...”

(FERNANDES, Millôr.Apotegmas do vil metal)

Demais exemplos:

“...seria maravilhoso que nós tivéssemos uma língua capaz de expressar nossas idéias tão maravilhosamente quanto o inglês...”

(RIBEIRO, João Ubaldo. Escrevendo muderno)

“Acho também maravilhoso achar...”

(RIBEIRO, João Ubaldo.Escrevendo muderno)

 

BIBLIOGRAFIA

Bally, Charles.El lenguaje y la vida. Trad. De Amado Alonso. Buenos Aires : Losada, 1941, 2 v.

Câmara Jr., Joaquim Mattoso.Contribuição à Estilística Portuguesa.3ª ed.. Rio de Janeiro : Ao Livro Técnico, 1977.

------. Princípios de lingüística geral, 4ª ed. Rio de Janeiro : Acadêmica, 1967.

------. Dicionário de filologia e gramática. 6ª ed. Rio de Janeiro, J. Ozon, 1974.

Dantas, José Maria de Souza.Novo Manual de Literatura.Rio de Janeiro : DIFEL, 1979.

Enkvist, Nils Erik et alii. Lingüística e Estilo. Trad. de José Paulo Paes e de Jamir Martins.São Paulo : Cultrix, 1970.

Guirard, Pierre.A estilística. Trad. de Miguel Mailler.São Paulo : Mestre Jou, 1970.

Martins, Nilce de Sant’anna. Introdução à estilística. 2ª ed. revista e aumentada. São Paulo, 1977.

Mounin, Georges.Introdução à lingüística.Trad. de José Meirelles. Lisboa : Iniciativas Editoriais, 1970.

Rey-Debove, Josette. “Lexique et dictionaire”, in Le langage, sob a direção de Bernard Pottier. Paris : Retz, 1973.

Said Ali, Manuel. Meios de expressão e alterações semânticas. 3a ed. revista.Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 1971.

Spitzer, Leo. Lingüística e história literária. 2a ed. Trad. de José Perez Riesgo.Madri : Gredos, 1968.

Ullmann, Stephen. Semântica - uma introdução à ciência do significado. Trad. de J.A. Osório Mateus. 2a ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.