PROVÉRBIOS FALADOS NO NORDESTE
UM OLHAR LINGÜÍSTICO E HISTÓRICO

Tadeu Luciano Siqueira Andrade (CODEFAS/UNEB)

 

INTRODUÇÃO

Inicio este artigo com as palavras de Cristofono Pasqualigo (apud.FROSI 1998:61) “Provérbio é o tesouro da humana experiência.”. Provérbio é a memória audível e coletiva.

É uma expressão lingüística que retrata o fazer e o viver da humanidade. Está inserido na tradição de um povo e pertence - lhe como algo universal, aceito como verdade e como evidência incontestável.

Para Cervantes, (apud. TEIXEIRA 2000:11), “um provérbio é uma frase curta, baseada em uma longa experiência.”

Segundo Leo Rosteu (op. cit) “o provérbio é uma sabedoria condensada que dá cor e vida à fala do homem comum.”

Parafraseando Robert Teixeira, podemos considerar o provérbio como pais ou professores que oferecem conselhos, ensinam regras e transmitem um conhecimento.

Numa estrutura frasal concisa, o provérbio traz uma filosofia de vida e carrega em si uma fonte de sabedoria. (grifo meu)

O que define o provérbio não é a sua forma interna, ou seja, os mecanismos morfossintáticos que o compõem, mas a sua função externa, isto é, o significado que está por trás dele.

Conceituar provérbio, na visão de vários autores, seria estender demais.

Embora seja fácil reconhecermos o provérbio, difícil é definirmo-lo, uma vez que encontramos dicionários: provérbios, anexins, sentenças, aforismos, máximas, apotegma entre outros.

No entanto, entre eles há um consenso: Ditos populares tradicionais que oferecem sabedoria e conselhos de maneira rápida e incisiva.

A sabedoria encontrada nos provérbios não é apenas inerente ao povo humilde, é uma verdade que se estende a todo ser humano. É uma verdade pré - existente na mente humana.

Certa vez, assisti a uma discussão entre uma senhora (não - escolarizada, agricultora, aparentando 50 anos) e um motorista de ônibus. No decorrer da discussão, a mulher, argumentando sobre o problema, disse: “Eu não sou lida, mas sou currida” (sic)

Com esta expressão lida e corrida, gramaticalmente, a mulher nada sabia a respeito desses dois particípios, mas no conhecimento adquirido na sociedade e na luta diária, aprendeu que não sabia ler como a escola considerava: a decodificação, mas era corrida, ou seja, conhecia seus direitos e por eles lutava.

Neste trabalho, analisaremos alguns provérbios nordestinos. Considerando o termo nordestino não no tocante à origem, mas levando em conta o uso.(c.f. Amadeu Amaral 1974)

Emitidos por pessoas das diversas camadas sociais, de alguma forma, os provérbios são retomados e usados pelo povo em geral, cristalizando - se na memória, passando a fazer parte do repertório lingüístico da humanidade.

Três dimensões fundamentaram a análise dos provérbios:

1. A dimensão lingüística: analisando o provérbio como um texto dotado de uma estrutura e de significado.

Considerar - se - ão as transformações e adaptações fonológicas, sintáticas, morfológicas, semânticas e lexicais por que tal estrutura passa no que se refere ao uso e à evolução.

2. A dimensão histórica: apontando o contexto da enunciação do provérbio, considerando as condições de produção (quem, onde, quando) para um outro contexto ativo e responsivo, para analisar o que está no âmago do provérbio, ouvindo a voz que está por trás do texto.

3. A dimensão social: o provérbio é uma manifestação social, seu uso é difundido nas várias camadas sociais e nas diferentes regiões geográficas.

 

OS PROVÉRBIOS E A LINGÜÍSTICA

“O provérbio explicita verdades na forma lingüística de cada povo” (FROSI 1998: 63)

Lingüisticamente, podemos afirmar que os provérbios dizem muito com poucas palavras, apresentando concisão e elegância.

Não devemos ver nos provérbios apenas a concisão e a elegância, mas não estamos tirando o valor delas para a construção da proposição.

Consideramos que, por trás de cada sentença, dotada de ritmo, metáfora, assonância e cadência, temos uma voz. É esta voz oculta quem dá vida aos provérbios.

Os provérbios possuem uma dimensão espaço - temporal. Eles se desenvolvem de uma região para outra, atravessam distâncias geográficas e séculos.

Tomam vida na forma oral, ou na escrita, mas a sua perpetuação dá - se, por excelência, na oralidade.

Na oralidade, estão a sua vida e a sua energia.

No aspecto da função sociocomunicativa da linguagem, os provérbios são os mais ricos de significados.

Com um significado condensado e estruturas bem formadas e conceituadas, os provérbios estão gravados com facilidade na mente do falante e são repetidos com força nova em cada circunstância da vida em comunidade.

Quando alguém cita um provérbio “as palavras não são suas, mas da comunidade ou do senso que falam por intermédio dele. De fato, a autoridade dos provérbios está arraigada na própria língua.” (OBELKEVICH 1998: 45)

Os provérbios, pelos usuários, são transportados de uma região para outra, adaptando - se às variações lingüísticas de cada região.

Essas variações dão - se tanto no plano da fonologia, da morfologia, da sintaxe, da semântica ou do léxico. Como por exemplo: “Quem tem rabo de palha não senta perto do fogo.”

Para Amadeu Amaral (1976: 249), este provérbio. “aplica - se a pessoas que, tendo muito por onde se lhes pegue, procuram discussões e lutas, expondo - se a acusações e censuras.”

O mesmo provérbio é falado por italianos, apresentando duas variações:

“Quem tem cabeça de cera não anda ao sol.”

“Não se deve por a palha junto do fogo.”

SOUZA (1999: 248) cita o mesmo provérbio, falado em sete idiomas: espanhol, francês, inglês, italiano, português e alemão, considerando também o latim, a língua de origem.

O provérbio tem como significado: “Além de recomendar cautela no agir, deixa implícito que somente as pessoas moralmente intocáveis podem criticar os feitos alheios.”

Para o autor já citado tal provérbio, tem correlação no latim: “Quem acusa outro de ignomínia convém que seja sem mácula.” (Plauto)

Temos dois provérbios com a mesma estrutura, palavras diferentes, mas apresentam o mesmo conteúdo semântico:

“Quem tem telhados de vidro não joga pedra no do outro”

“Quem tem rabo de palha não toca fogo nos outros.”

Assim, percebemos o mesmo provérbio falado em vários línguas e adaptado à estrutura lingüística de cada uma, mas o sentido é o mesmo. Podendo haver deslocamento dos constituintes da oração, troca ou redução de palavras, sem alterações no significado.

Os provérbios são difundidos graças a dois fatores:

Os contratos, nestes, podemos citar os contatos com as outras pessoas, as relações sociais e as migrações, e ainda a propagação literária.

Podemos considerar nos contratos as adaptações e transformações que os provérbios sofrem em contato com as línguas das diversas regiões, adquirindo a cor local.

Para ilustrar, citemos:

O nordestino fala:

“Urubu quando tá mole o debaixo caga o de cima.“. ( sic)

“Quando se tá mole até o.... balança” (popular)

“Quando se tá mole pisa - se no calçamento e se afunda.” (popular)

Em contato com paulistas ou mineiros, o nordestino dirá:

Urubu quando está caipora até o debaixo......... no de cima.” (São Paulo)

Urubu quando está caipora nem galho de peroba o encosta.” (Minas Gerais)

Por São Paulo e Minas, geograficamente, estarem próximos, nota - se que, quase, as mesmas palavras constituem as sentenças.

No que se refere ao conteúdo expresso, o provérbio é igual no Nordeste (Bahia, Pernambuco e Ceará) e no Sudeste (São Paulo e Minas Gerais).

Preservando a mesma estrutura sintática, ou, às vezes, modificando - se totalmente, conforme o exemplo do Nordeste, o provérbio em questão preservou o mesmo conteúdo semântico.

Dessa forma, fica difícil determinar se tal provérbio é genuíno o não de um de um determinado lugar.

A propagação literária ocorre quando o provérbio passa da literatura para o uso efetivo, sofrendo adaptações mais ou menos profundas para se adequar ao novo ambiente social e aos padrões da nova língua.

Acreditamos que os contratos sócio - geográficos, conforme já falamos, estão atrelados à propagação, um complementa o outro.

O provérbio “tantas vezes vai o cântaro à fonte que deixa a asa ou a sua fronte” é uma forma francesa que se encontra no Raman du Renart.

Numa compilação portuguesa, encontraremos:

“Tanto vai o vaso à fonte que um dia se quebra.”

“Cântaro que muitas vezes vai à fonte deixa lá a asa ou a fonte.” (Tradução literal do espanhol)

“Desgraça do pote é o caminho do riacho.”

Devido à opulência do uso, o provérbio perdeu a sua estrutura original e naturalizou - se.

Nos provérbios, podemos encontrar três características importantes: impessoalidade, atemporalidade e universalidade.

Impessoalidade: anônimos e tradicionais, os provérbios apresentam um caráter generalizado, têm uma existência própria independente de autores, falantes e ouvintes.

PEREIRA (2000: 20) considera como marca da impessoalidade, nos provérbios, as expressões “mais vale...que, antes....que e expressões formadas pelos pronomes que, tudo e a partícula se.”

Ex “Mais vale a prática do que a gramática.”

“Antes que o mal cresça, corta - lhe a cabeça.”

“Quem não pode com o pote não exibe a rodilha.”

“Tudo demais é sobra.”

“De pequenino, se torce o pepino.”

Considerando as marcas já citadas, o professor Pereira (op. cit.) enumera mais casos de impessoalidade, agora marcada pelo substantivo.

a. Substantivo genérico para pessoas (homem, mulher, menino etc)

“O homem é fogo, a mulher, estopa: vem o diabo é sopra.”

b. Nomes de animais:

“Gato escaldado tem medo de água fria.”

c. Nomes de coisas substitutos de pessoas ou de pronomes:

“Pimenta ns olhos dos outros não arde.”

d. Termos abstratos:

“A falta de um grito, perde - se uma boiada.”

Atemporalidade: os provérbios apresentam a verdade imutável. Se a sociedade letrada (c.f. OBELKEVICH op. cit) os considera como retrógrados, arcaicos e contraditórios, todavia seus ensinamentos podem ser refletidos a qualquer momento.

Ex. “Por ele não meto a mão no fogo.”

Conforme MAGALHÃES (1984:245) a expressão “Meter a mão no fogo” tem sua origem na prova de fogo, usada na França durante a Idade Média para saber se o acusado dizia ou não a verdade. Ele segurava uma barra de ferro em brasas. Existindo a crença de que, sendo a pessoa inocente, Deus curava as queimaduras em três dias.

Embora tenha origem num período remoto, até hoje tal expressão é usada.

Universalidade: não podemos demarcar a validade dos conteúdos dos provérbios para um determinado espaço geográfico. A sua sabedoria é universal. Aos poucos, vai conquistado a memória dos povos, atravessando as mais distantes regiões. Como afirmam François Suard e Claude Buridant (apud. BRANGANÇA Jr. 1999:50) “Provérbio seria um enunciado autônomo, metafórico, exprimindo uma observação popular de valor geral”.

Bragança Júnior (op. cit) retoma BURTON, citado por Maria Helena T. Albuquerque, enumerando outras propriedades distintas dos provérbios:

 

A. Propriedades semânticas:

1. Operam com aspectos básicos da vida - amor, saúde, idade, pobreza, riqueza, trabalho etc. - que não podem ser banais.

2. Diz respeito mais a expressões de opinião geral, mais que da pessoal e implicam em que a sociedade em geral endosse os sentimentos através deles propostos.

3. Podem ser tomados metaforicamente ou literalmente.

4. Advogam conselhos e dão estratégias.

5. Estabelecem uma verdade geral em contraste com a especificidade do contexto no qual aparecem referindo - se muitas vezes à categoria de experiência mais ampla e geral a de seu contexto de uso.

 

B. Propriedades sintáticas:

1. Tempo no presente, sugerindo atemporalidade ou inferência a qualquer tempo.

2. Simetria evidente; paralelismo, repetições, lemas, estruturas bipartidas.

3. Uso freqüente da cópula.

4. Uso freqüente dos pronomes pessoais e substantivos.

5. Uso de formas imperativas.

 

C. Propriedades Fonológicas:

1. Freqüente uso da aliteração, assonância e rima.

 

D. Propriedades Lexicais:

1. Uso de arcaísmos, mas em caso algum, os enunciados proverbiais deixam de ser coloquiais.

 

OS PROVÉRBIOS E A HISTÓRIA SOCIAL DA LINGUAGEM

A língua é uma atividade, e não um produto. Por ser uma atividade, está inserida na história da humanidade.

Não concebemos a história fora da língua e vice - versa.

 

Qual a relação dos provérbios com a história da língua?

Considerando a língua como um acervo histórico e uma instituição social (c.f. Saussure), eis o porquê da inserção dos provérbios no contexto social da língua.

Como já foi dito, os provérbios são dizeres coletivos em todas as partes, expandem - se para além das divisões geográficas, saltam de um ponto para outro, transformam - se, sofrem contaminação e sobrevivem no próprio conteúdo.

Mudam de região para região, de país para país, passam de um povo para outro, do povo para a classe “culta” ou das classes “cultas” para as populares.

São amostras de um saber e de experiência da alma humana, das relações sociais e fenômenos naturais.

Vico (apud. AMARAL op. cit) já dizia que “o provérbio é a sabedoria da nação.”

O homem humilde do campo, ou operário, o homem que trabalha com as mãos, enfim o trabalhador braçal, não tendo condições para ler criticamente, analisar e refletir o que os homens, no percurso da história social, escreveram, precisa de idéias fundamentais para nortear - se no seu cotidiano, de normas, para conduzir - se em sintonia com as regras da sociedade e do mundo em que está inserido.

Nos primórdios da civilização humana, os provérbios já representavam ensinamentos e ditames para a vida social.

Entre os hebreus e aramaicos, o provérbio significava a palavra de um sábio.

No século IV aC, surgem os provérbios de Salomão.

No século VI aC, aparecem as Palavras de Ahigar.

Na China e entre os sumérios, os provérbios já eram citados como sabedoria universal.

Na Roma Antiga, os autores Cato, Sêneca, Cícero e outros já usavam, constantemente, sentenças de sua autoria ou não com finalidade instrutiva.

Na França, no século XII, devido à influência dos provérbios gregos e latinos, especificamente, os provérbios de Salomão eram lidos e traduzidos nas escolas universitárias.

Na Inglaterra do século XVI, as classes educadoras faziam uso dos provérbios na fala e na escrita.

Nesse período, os provérbios não representavam, para os usuários, sabedoria folclórica, e sim uma parte de sue capital cultural.

Além dos provérbios ingleses, analisava - se também a grande Coletânea, de Erasmo de Rotherdam - A Adágia.

Os alunos faziam uso deles (dos provérbios) para a aquisição de uma boa retórica, treinando para ser um bom orador ou escritor. Os provérbios serviam para argumentar, persuadir e dar ao discurso eloqüência e fluência.

Em Portugal, as compilações mais antigas de provérbios datam do século XVII, com os padres Antonio Vieira e Bento Pereira.

As palavras têm sua história, elas não dependem só do que é dito, mas também, da situação na qual elas são proferidas.

Para exemplificar tal argumento, citemos o exemplo da expressão “cabeça chata” em relação ao cearense.

Leonardo Mota (apud.MAGALHÃES op.cit) aponta duas versões para a expressão já citada:

“(...) uns malditos bonés achatados que os soldados usavam nas lutas em prol da Independência”.

(...) os paulistas inventaram a gracinha desde pequenos, nossos pais dão pancadinhas na cabeça dizendo:

- Cresça meu filho, cresça, cresça que é para quando crescer você vai ganhar dinheiro em São Paulo.”“.

Podemos relacionar tal passagem para explicarmos também a história dos provérbios. As fontes nos dizem muito pouco sobre as condições de produção.

Assim, os provérbios e seus significados possuem uma história, embora seja vaga e de andamento lento.

Temos os textos, porém não temos o contexto, sem esse, uma parte do significado fica perdida.

Considerando o valor atribuído aos provérbios nos grandes centros de difusão cultural, acreditamos que, na segunda metade do século XVI e no início do século XVII, os provérbios alcançaram o seu apogeu. Eram usados como figuras básicas da retórica, serviam para ampliar um argumento ou de ornamento estilístico.

James Obelkevich ( op. cit.) afirma que na, segunda metade do século XVII e no limiar do século XVIII, os provérbios começaram a desaparecer. O autor considera dois determinantes para esse declínio:

A mudança na cultura letrada: com o surgimento de novos modelos estilísticos e a substituição da retórica pela gramática.

Infelizmente, o provérbio na sociedade letrada é visto como algo ultrapassado, e não como uma amostra de um saber universal.

Encontramos provérbios nos livros didáticos apenas no estudo do folclore, como sabedoria popular, e não como um discurso no qual o sujeito é universal, e a voz que está por trás desse discurso é um passado presente.

Vale fazermos uma amostra do provérbio “Deus ajuda a que cedo madruga” citado em uma agenda gramatical - 2001 - de autoria de Paulo Flávio Ledur - editora AGE - Porto Alegre:

“É importante que Deus continue ajudando, mesmo aos mais redundantes. Cedo nada acrescenta a madruga. Não é possível madrugar tarde. Portanto, mesmo tarde ainda é tempo para corrigir esta conhecida e valiosa redundância: Deus ajuda a quem cedo madruga.” (sic)

Nesse sentido, o provérbio foi usado apenas para mostrar a redundância dos termos madruga e cedo.

Tal exemplo mostra o provérbio com uma estrutura sintática redundante e passiva de uma correção para adequá - la aos princípios da gramática tradicional.

Por que não fazer uma leitura interpretativa do provérbio?

Qual o objetivo da redundância?

Que leitura ou leituras poderão ser feitas a partir desse provérbio?

Seria melhor analisar a dimensão contextual do enunciado, levando em conta a influência do meio, da situação geográfica, histórico - cultural, vendo o que não foi dito, mas tomando consciência de que o contexto envia a outras leituras, porque todo texto tem suas reservas de sentido.

 

ANALISANDO OS PROVÉRBIOS

O corpus deste trabalho é constituído por dez provérbios, que serão comparados e analisados à luz dos estudos de Raimundo Magalhães Junior, Josué Rodrigues de Souza, Vasco Botelho Amaral e Luiz da Câmara Cascudo.

Esses provérbios são citados por SOUZA (op. cit) em sete idiomas, MAGALHÃES (op. cit.) faz uma análise da história desses provérbios.

 

1. “Águas passadas não movem moinho.”

Esse provérbio tem relação com o latino: “nem a água que passou voltará outra vez.”. ele nos adverte que devemos esquecer o passado, porque não pode ser mais remediado.

Vasco Amaral (1950: 250) analisa o mesmo provérbio, considerando que é aplicado com referência a qualquer coisa que já perdeu a sua eficácia. Arrolando ainda as variantes:

“Com água passada não mói moinho”

“Com águas passadas não moi o moinho.” (sic)

“Com águas passadas não moem moinho.”

Considera o autor que é possível movem, com a síncope do fonema /V/, resultou moem, na fonética, e na semântica, mover e moer ambos indicam movimentos de um moinho.

 

2. “Cão que ladra não morde.”

Para MAGALHÃES (op. cit) esse provérbio “se aplica a indivíduos que enraivecidos soltam torrentes de injúrias e ameaças, mas depois se acalmam.”

Tal provérbio é falado do Inglês, cuja tradução é “Cães que ladram raramente mordem.”

Sendo corrente também na Inglaterra: “Cães que ladram são perigosos.”

SOUZA (op. cit.) “os falastrões não cumprem as ameaças que fazem.”

Esse provérbio tem duas vertentes no latim:

“Cães que muito ladram não mordem.” (latim medieval)

“O cão medroso mais late do que morde.”

FROSI (op. cit), em relação a tal provérbio, diz que “em geral quem muito ameaça não vai às vias de fato.”

 

3. “Gato escaldado tem medo de água fria.”

Quer dizer: “a lembrança de más experiências nos torna a um tempo medrosos e prudentes.”

No latim, existiram as seguintes sentenças:

“O gato uma vez queimado por uma chama para sempre tem medo do fogo.”

“Quem escapou uma vez ser um náufrago, tem horror às águas.” (Latim medieval)

 

Maurice Maloux (apud. MAGALHÀES op. cit) cita as seguintes variantes;

“Quem foi mordido por uma serpente tem medo até de uma corda.”

“Que foi queimado por um tição tem medo até de um vagalume.” (Hindu)

“Cão que queimou a língua lambendo cinza desconfia até da farinha.”

Ovídio, porta latino, dizia: “Quem uma vez naufragou teme até mesmo águas tranqüilas.”

 

4. “Cavalo dado não olha a boca.”

Para SOUZA (op. cit.) presentes recebidos devem ser acolhidos sem muito detalhamento.

No latim, tal provérbio tinha duas formas:

“Não examines os dentes de um cavalo que te foi presenteado.”

“De cavalo dado não se olham os dentes.”

Raimundo Magalhães, em seus estudos, argumenta que semanticamente, o cavalo seja velho e desdentado. Ocorrendo detalhismo, poderá causar tristeza ao ganhador.

Encontramos ainda as variações acerca desse provérbio:

“A cavalo dado não se olham os dentes.”

“A cavalo dado não se abre a boca.”

 

5. “Macaco velho não mete a mão na cumbuca.”

O provérbio adverte que quem tem experiência de vida não comete imprudência.

No latim já se dizia “Raposa velha não cai no laço.”.

Câmara Cascudo (1984: 68) analisa esse provérbio, fazendo as seguintes considerações:

a. Pega - se macaco inesperto, colocando milho numa cabaça ou num coco vazio. O macaco, ao tentar pegar o milho, ficará preso na cumbuca.

b. Na cumbuca podem aninhar - se víboras e cobras, o macaco, sabendo disso, evita meter a mão.

Outras versões existem, segundo o autor, acerca desse provérbio, associadas a fatos ocorridos em diferentes países.

Na Bélgica, segundo George Laporte, havia uma gruta com um vaso cheio de ouros e pedras preciosas. Um judeu entrou na gruta, tentando encontrar o vaso. Ao encontrá - lo, meteu a mão para pegar as pedras. O vaso começou a descer e o judeu também.

Na Arábia, segundo René Basset, o filho de um beduíno meteu a mão no vaso chinês para apanhar nozes e amêndoas, não podendo retirar a mão de dentro do vaso, demorou horas o suplício.

Para os chineses, um camelo colocou a cabeça dentro de um vaso cheio de ceriais. Não conseguindo tirar a cabeça, deceparam - na.

Nuno Marques, Compêndio Narrativo do peregrino Português, considera a versão que os macacos metiam a mão nos buracos feitos em cabaços, assim falado em Portugal, ficariam presos ou sairiam correndo com os cabaços presos às mãos. Os negros corriam atrás deles para matá - los.

Os macacos representavam os avarentos, os ambiciosos.

Em Portugal, Luiz Romam confirma que, na Ilha de São Tiago, os macacos causavam prejuízo à plantação.

Os negros colocavam amendoins nas carapaças de coco. Os macacos, ao colocar a mão, não conseguiam tirá - la. Corriam atrapalhados com as carapaças na mão. Eram apanhados e mortos a pau.

 

6. “Tal pai tal filho.”

SOUZA (op. cit) considera que as qualidades assim como os defeitos dos filhos são uma herança paterna.

Temos as variações:

“Quem sai aos seus não degenera.”

“De mau grão nunca bom pão.”

 

No latim medieval, tínhamos:

“Qual pai tal filho”

“Como for o pai será o filho, como for a mãe será a filha.”

MAGALHÃES (op. cit.) faz a mesma análise do conteúdo semântico desse provérbio, afirmando que Camões já o tinha usado na epopéia Os Lusíadas quando fez referência a D.Afonso Henrique.

Temos ainda desse provérbio as seguintes variações:

“Filho de peixe sabe nadar.”

“Filho de gato rato mata.”

“Filho de tigre é pintado.”

“Filho de gato é gatinho.” (Popular por analogia em PE)

 

7. “Santo de casa não obra milagre.”

Esse provérbio quer dizer que as pessoas mais próximas de nós são as que mais se opõem em reconhecer os nossos merecimentos.

Tal provérbio é falado na França com a seguinte versão “Ninguém é grande homem para o seu criado de quarto.”

Os Ingleses dizem: “A familiaridade gera desprezo.”

Para SOUZA (op. cit) : “A notoriedade que alguém adquire fora de sua terra natal não costuma ser reconhecida em seu meio”

O referido autor ainda registra, em seu livro à página 254: “Ninguém é profeta em sua terra.”

No latim, já se dizia:

“Ninguém é aceito como profeta em sua terra”.

“Um profeta não é honrado na sua terra.”

“Não há profeta sem honra a não ser em sua terra.”

Essa última citação refere - se a Cristo, pela boca dos evangelistas, falava da desconfiança que os habitantes de Nazaré nutriam a seu respeito.

 

8. “Até lá morre o burro.”

Esse provérbio é muito falado quando se refere a promessas ou compromissos em longo prazo.

Temos as seguintes variações:

“Até lá, morre o burro e quem o ensina.”

“Até lá, morre o burro e quem o tange.”

MAGALHÃES (1976: 16) diz que tal provérbio tem sua origem na Fábula O Charlatão, de La Fontaine, porque um homem comprometeu - se de ensinar a um burro a arte da retórica.

O burro tornou - se um grande orador. O “professor” recebeu dinheiro em grande valor, não se importando com a ameaça da forca em que seria pendurado, se ao término do prazo, não comprovasse ao rei o que lhe fora dito.

A fonte original desse provérbio é: “Até lá, morre o rei, burro, ou eu”.

 

9. “Cesteiro que faz um cesto, faz um cento”

Quem praticou uma má ação uma vez, será capaz de repeti - la constantemente.

SOUZA (1999: 123) registra a seguinte estrutura:

“Cesteiro que faz um cesto faz um cento. (... tendo cipó e tempo)”.

Elenca as seguintes variações:

“Bebeu, jogou, furtou; beberá, furtará, jogará”.

“Ladrão de tostão, ladrão de milhão”.

“Quem foi infiel uma vez, sê - lo - á duas ou três”.

Tal provérbio apresenta - se também no latim:

“Que roubou uma vez, será sempre tido como ladrão”.

“Acautela - te para sempre de quem te iludiu uma vez”.

Encontramos no nordeste as seguintes estruturas:

“Ladrão um dia, ladrão para sempre”.

“Tira - se uma pessoa da lama, e a lama vem junto”.

 

10. “Uma mão lava a outra.”

Muitas ações, sem ajuda mútua, não serão realizadas. Ao passo que se um indivíduo juntar seus esforços aos de outros, ambos serão beneficiados.

MORAIS (apud. MAGALHÃES) registra a seguinte semelhança nesse provérbio:

“Faz - me a barba, far - te - ei o cabelo”.

Temos as seguintes expressões aproximadas:

Francês: “Um barbeiro escanhoa outro.”

Inglês: “Coça as minhas costas que eu coçarei as tuas”.

Esse provérbio possui no latim a seguinte versão cf. SOUZA (op. cit):

“U’ ma mão lava a outra.” (Sêneca)

“A mão direita lava a outra e ambas lavam o rosto”.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo dos provérbios é um dos mais importantes campos da língua que ainda está para ser desbravado, pois uma das riquezas que impressionam a língua é a riqueza dos provérbios.

Dois aspectos são importantes no estudo do provérbio: o conteúdo, ou seja, aquilo que quer dizer e a forma, isto é, o como dizer.

Tendo uma forma compacta e concisa com propriedades semânticas, fonológicas, sintáticas, e lexicais bem definidas, graças ao latim, o provérbio é, de fato, “uma cultura em conserva”, porque é sempre repetido, com sabedoria, em todas as situações da vida.

Analisados à primeira vista, os provérbios apresentam recursos de estilo, tais como metáfora, aliteração, ritmo, e estrutura binária que lhes dão elegância e fluência.

Quando analisados numa visão mais profunda, transformam - se em variáveis históricas e sociais.

Os provérbios são importantes porque retratam o imaginário, associado ao real, do “homem - plural”, uma vez que são coletivos e representam a experiência de muitos.

A língua é um acervo histórico - cultural, e o homem armazena, em seu âmago, toda a sabedoria adquirida na esteira do tempo.

Essa sabedoria propicia ao homem o pensar, o agir e o refletir dentro da sociedade em que vive.

Os provérbios têm endereços bem definidos: acusando, definindo, defendendo, restringindo, edificando, estimulando, consolando, dando esperança e tranqüilizando, propiciam ao ouvinte ou ao usuário, um caráter sábio, analítico, condimentando, gravado pela experiência e, acima de tudo, são conclusivos.

É importante considerarmos que os provérbios, isoladamente e quando mal interpretados, podem ser perigosos, induzir ao erro, distorcer situações, justificar vícios ou encorajar maus costumes

Toda língua é convencional (cf. a concepção de língua como realidade sistemática e funcional, de Saussure). Essa convenção, às vezes, limita - se a questões gramaticais e lexicais.

Atreladas às estruturas lingüísticas, temos as estruturas sociais. Essas estruturas precisam ser analisadas juntas para melhor contextualizarmos o conhecimento.

Quando usamos a língua, dizemos o que somos, de onde somos e o que pensamos.

Considerando que a vida social pode ser interpretada, os provérbios são uma riqueza fundamental e nos oferecem pistas para essa interpretação.

Podemos partir da dimensão lingüística para chegarmos à dimensão histórico - social.

Assim, resgataremos o valor das palavras proferidas nas ruas, nas feiras livres, nas conversas informais, nas diversões, nos trabalhos e nas diversas situações sociais.

Essas palavras constituem os provérbios, que não estão apenas nos livros, e sim, por excelência, na boca do povo.

Devemos, portanto, lembrar que os provérbios já existiam antes dos livros.

E não são os livros que norteiam a vida humana, e sim os velhos dizeres.

 

BIBLIOGRAFIA

AMARAL, Amadeu. Tradições Populares. São Paulo : Hucitec, 1976.

AMARAL, Vasco Botelho. Maravilhas da Língua Portuguesa. Portugal, 1950.

BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro. “Considerações acerca da Fraseologia, sua Conceituação e Aplicabilidade na Idade Média”. In. Revista Filológica- ano 5, nº 13 janeiro/abril de 1999. p. 41/51. Rio de Janeiro : Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos.

CASCUDO, Luiz da Câmara. Coisas que o Povo Diz. Belo Horizonte : Itatiaia, 1984.

------. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo : Melhoramentos, 1979.

FROSI, Vitalina Maria. “Provérbios Dialetais Italianos.” In. BERTUSSI, Lisana. (org.) Mestre em Letras. 1ª ed. 1998. p.61/81. Caxias do Sul : Universidade de Caxias do Sul.

MAGALHÃES JÚNIOR, R. Dicionário de Provérbios e Curiosidades. São Paulo : Cultix, 1974.

------. Dicionário de Provérbios e Curiosidades. Rio de Janeiro : Ediouro, 1974.

MIRADOR, Internacional.Enciclopédia. São Paulo : Enciclopédia Britânica do Brasil, 1994.

OBELKEVICH, James. “Provérbio e História Social.” In. BURKER, Peter & PORTER, Roy. (org.) História Social da Linguagem. São Paulo, Ed.Unesp. CAMBRIDGE : University Press. Tradutor Álvaro Hattnher, 1998.

PINTO, Ciça Alves. Livro dos Provérbios, Ditados, Ditos populares e Anexins. São Paulo : Senac, 2000.

SILVA, José Pereira. “Os Provérbios no Dicionário Brasileiro de Fraseologia.” In. Artes do Léxico - Caderno do CNLF. Série IV nº 03/2000. Rio de Janeiro : Círculo Fluminense de Estudos Filológicos. 2000.

SOUZA, Josué Rodrigues de. Provérbios & Máximas em 7 idiomas. Rio de Janeiro, Lucerna, 1999.

TEIXEIRA, Nílson Carlos. O Grande Livro dos Provérbios. Belo Horizonte : Leitura, 2000.