A PLURALIDADE SÍGNICA NA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA
Raquel Oliveira de Castro
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é parte da monografia apresentada ao final do curso de Letras (Português-Literatura) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e tem por objetivo mostrar como a linguagem publicitária dialoga com inúmeros signos, que se articulam, ajudando a construir a unidade da mensagem de forma criativa.
Escolhemos o tema por sua riqueza, uma vez que dialoga com vários aspectos da construção do indivíduo: do histórico-cultural ao psíquico, articulando, assim, inúmeras formas de linguagem. Como corpus desta pesquisa levantamos algumas propagandas feitas em revistas no período de agosto de 1999 a junho de 2001. As revistas usadas foram NOVA, que atende basicamente ao público feminino, ÉPOCA e VEJA, ambos de cunho jornalístico, cujo público é muito mais variado e uma propaganda de VIAGEM E TURISMO. Neste trabalho selecionamos duas que servirão de ilustração da pesquisa, propriamente dita.
Antes de mais nada, daremos uma breve definição do que chamamos aqui de linguagem publicitária. Segundo Sandmann (p.9), que pesquisou o termo em dicionários Wahrig e Webster, alemão e inglês respectivamente, “ (...) propaganda foi extraído do nome Congregatio de propaganda fide, congregação criada em 1622, em Roma, e que tinha como tarefa cuidar da propagação da fé.” Esse também foi o significado encontrado no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes.
Em inglês a palavra propaganda seria usada apenas para a propagação de idéias, principalmente políticas, preservando desta forma seu significado original. Para a propaganda comercial teríamos o termo advertising. Em alemão acontece a mesma coisa, conservando-se propaganda para idéias e reklame, empréstimo do francês, para uso comercial e existe ainda um terceiro termo que engloba os dois sentidos Werbung ou Webesprache. Em português adotou-se propaganda para uso geral e publicidade, uma modalidade desta, usada para a venda de produtos ou serviços, como podemos constatar no Aurélio (p.533; 537):
Propaganda S.f. Propagação de princípios, idéias, conhecimentos ou teorias. 2. Sociedade vulgarizada de certas doutrinas 3. Publicidade (3)
Publicidade S.f. 1. Qualidade do que é público. 2. Caracter do que é feito em público. 3. A arte de exercer uma ação psicológica sobre o público, com fins comerciais ou políticos; propaganda. 4. Cartaz, texto, etc., com caracter publicitário.
Em nosso trabalho não vamos fazer uma distinção muito categórica, até porque os termos, com muita freqüência, são tomados como sinônimos.
2. A QUEM SE DESTINA?
(...) Confesso que um dos meus prazeres é saborear os bons anúncios jornalísticos de coisas que não pretendo, não preciso ou não posso comprar, mas que atraem pela novidade de concepção, utilizando macetes psicológicos sutis e muito refinamento de arte. É admirável a criatividade presente nestas obras de consumo rápido, logo substituídas por outras. São anúncios que muitas vezes nos prestam serviços, pela imaginação ou pelo bom humor que contêm. E se nos vendem pelo menos um sorriso, ajudam a construir um dia saudável de trabalho. (CDA “Anúncios” JB 16/10/1971)
Drummond não poderia ter sido mais feliz em seu comentário sobre o prazer que se sente ao “saborear um bom anúncio”, mesmo que não se tenha a intenção de comprar, porque, antes de mais nada, a propaganda deve prender a atenção do leitor, pois todos são consumidores em potencial. Não é dizer com isso que não se deva ter em mente um público-alvo, mas a linguagem da propaganda deve transcender essa redutibilidade, deve ser, antes de mais nada, um “refinamento de arte”, pois tem todos os recursos para tanto.
Quantas vezes, ao folhearmos um jornal ou uma revista procurando uma determinada matéria, retemos a atenção em outros assuntos? O mesmo acontece com as propagandas, ao folhearmos uma revista ou jornal procurando um determinado produto, nos retemos em outro, porque de alguma forma este, ou melhor dizer, sua propaganda nos chamou a atenção. O objetivo primordial da propaganda é pois chamar a atenção, seduzir, conquistar um público, que, a priori, pode ser alvo ou não.
Existem inúmeros outros fatores que envolvem a publicidade, como a própria campanha publicitária, o mercado consumidor, a qualidade e evidência do produto, o preço, a pesquisa de aceitação pública, a distribuição, o veículo, a ideologia... mas como anteriormente citado o objetivo deste trabalho é abordar a linguagem publicitária, seus recursos, sua pluralidade sígnica, sua representação artística, talvez, nos detendo apenas em aspectos cujo signo seja explorado como recursos estilístico e ideológico.
Para decodificarmos esse aspecto plurissignificativo da linguagem publicitária, faz-se necessário rever alguns conceitos, que serão abordados ao longo do trabalho.
3 A RESPEITO DOS SIGNOS
O que perturba os homens não são as coisas mas o seu julgamento sobre elas...
Epíteto
Esse capítulo não tem como propósito fazer um estudo amplo e profundo dos estudos de Semiótica, visto que não é o tema de nosso trabalho, mas fornecer subsídios teóricos para interpretações dos aspectos plurissignificativos da linguagem da propaganda que serão abordados no cap. 7. Trabalharemos, pois, com a semiótica peirceana, no que diz respeito a definição e classificação do signo. Segundo Peirce (apud Epstein in O signo, p.18):
Um signo ou representâmen é algo que sob certo aspecto, ou de algum modo representa alguma coisa para alguém, isto é, cria na mente de uma pessoa um signo equivalente ou talvez melhor desenvolvido. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Coloca-se no lugar desse objeto, não sob certos aspectos, mas sem referência a um tipo de idéia que tenho, por vezes denominado o fundamento do representâmen (...)
Deduzimos daí que basicamente signo é algo (idéia, conceito...) que representa ou traduz para alguém alguma coisa, logo, significa. O significado é a interpretação desse signo que, por sua vez, aponta para um objeto, ou seja, para fora de si. A semiótica peirceana leva em conta o objeto quando este estiver representando uma idéia ou um conceito, isto é, expressando. Daí teríamos a primeira classificação triádica do signo, que pode ser melhor compreendida através do triângulo semiótico de Ogden e Richards:
Quanto a natureza do signo, Peirce irá dividi-lo em naturais e artificiais, onde no primeiro caso, a função sígnica é inferida pelo homem, enquanto no segundo ela é instituída.
3.1 Signos naturais
Já Santo Agostinho (apud Epstein in O signo, p. 30) abordava:
...alguns signos são naturais, outros convencionais. Os signos naturais são aqueles que à parte qualquer intenção ou desejo de usá-los como signos, no entanto ainda assim conduzem ao conhecimento de alguma coisa diferente, quando por exemplo a fumaça quando indica o fogo. Pois não é devido a qualquer intenção de torná-lo signo que isso ocorre, mas, pela atenção à experiência chegamos a saber que o fogo está por baixo da fumaça mesmo quando nada, a não ser o fogo pode ser visto. A pegada do animal pertence a essa classe de signos. Também a fisionomia de um homem cansado ou triste indica o sentimento em sua mente, independentemente de sua vontade; da mesma forma, qualquer emoção da mente traída pela expressão do rosto, quando não temos a intenção de torná-la conhecida.
Os signos naturais estariam, dessa forma, mais relacionados aos fenômenos da natureza, ficando condicionados à observação do homem que interpreta esses fenômenos e estabelece relações que são facilmente constatadas pela experiência, portanto “um fenômeno natural torna signo natural ou índice apenas quando, à base de hábitos adquiridos, em razão de inferências feitas anteriormente ele é tomado como signo ou evidência de outro fenômeno natural. (Epstein in O signo, p.31)
Assim sendo, mesmo o signo natural estaria inserido numa interpretação que não deixa de ter uma implicação cultural. É costume no sertão nordestino, por exemplo, colocar no batente da janela três pedrinhas de sal, quando elas se dissolvem, o povo diz que é a chuva que está chegando. Ou seja, a dissolução das pedrinhas é interpretado pelo povo como sinal (índice) de chuva. A constatação do fenômeno pode ser explicado pelo fato de o sal se dissolver com a umidade presente no ar, sendo assim, quanto maior a “umidade relativa do ar”, maior será a probabilidade de chuva. Logo, de certa forma, a comunidade sertaneja criou uma “convenção” para constatar um fenômeno da natureza. Já para a comunidade de alpinista, a constatação pode ser feita molhando-se o dedo e levantando-o a fim de saber a direção do vento. Se for sudoeste é prenúncio de chuva. Obviamente que esta “constatação” exige uma outra convenção que são os pontos cardeais, cujo alpinista já deva estar familiarizado. Os exemplos mostram que, mesmo os signos naturais seguem às leis (ditas da natureza) que são interpretadas segundo um conhecimento já organizado pelo homem, embora seu aparecimento e uso não sejam intencional tampouco artificial.
Entre os signos naturais encontramos o ícone e o índice. O ícone é aquele cuja relação signo-objeto indica uma qualidade ou propriedade de um objeto por possuir traço (s) de semelhança com ele. Por serem facilmente percebidos, diz-se que a relação é direta. Entre os ícones mais comuns estão os quadros, estátuas, objetos, estruturas, modelos, esquemas, predicados, metáforas e comparações, figuras lógicas e poéticas etc. O índice é aquele signo cuja relação signo-objeto é estabelecida de forma também direta, real e causal com seu objeto. Sua relação é de contigüidade (pertence a, a partir de, causa/efeito). Assim sendo, podemos tomar como índices, um ponteiro de relógio, um indicador de uma placa, uma flecha, um sintoma, a fumaça, o pronome demonstrativo “esse” e os oblíquos, os nomes próprios etc.
3.2 Signos artificiais
Os signos artificiais são construídos pela própria sociedade, portanto seguem a uma convenção e, em muito casos, como o signo lingüístico, propriamente dito, são sistematizados. Daí estes serem, quase sempre, excetuando-se os atos falhos emitidos consciente e intencionalmente. Da mesma forma, pode-se entender porque “ o sino não é, pois, um objeto com determinadas propriedades, mas uma relação ou uma função” (Epstein in O signo, p. 48).
Os signos artificiais são chamados de símbolos Um símbolo é aquele signo cuja relação signo/objeto não é imediata, pois não há necessariamente similaridade ou contigüidade com o objeto, sendo quase sempre tomado de forma arbitrária, só significando dentro de uma convenção estabelecida pela sociedade. Entre os símbolos mais comuns estão o lingüístico, o matemático e inúmeros outros adotados na sociedade.
O símbolo é uma categoria interessante de signo, pois, por ser convencional, é muito mais dependente da sociedade que os demais. Além disso, representa idéias abstratas, transcendendo o cognitivo, uma vez que perpassa o imaginário cultural, atingindo camadas do psicológico. O símbolo se serve de alegoria, metáfora, parábola, hipérbole etc.
A divisão dos signos em índice, ícone (naturais) e símbolo (artificiais) decorre justamente da classificação da função sígnica, ou seja, “da dependência da relação do signo para com seu objeto” (Idem, p. 49) De modo que, de acordo com a segunda classificação triádica do signo, este obedece ao seguinte esquema:
Naturais: mantém relação intrínseca com o objeto representado (seu referente)
Índice
Estabelece relação de contigüidade
Base metonímica (pertence a, a partir de, causa/efeito)
Ex.: Pegada, impressão digital, fumaça (fogo), galho quebrado, nuvem escura (chuva), chão molhado (choveu), etc.
Ícone
Estabelece relação de similaridade (semelhança)
Base metafórica
Ex.: Fotografias, estátuas, imagens, quadros
Artificiais (convencionais)
c) Símbolo: Não tem nenhuma relação intrínseca com o objeto, por isso, arbitrários
Resultam da convenção
Ex.: Sinais de trânsito, placas indicativas, aliança em certo dedo (= compromisso), veste negra (= luto) e, principalmente, o signo verbal.
3.3 As configurações sígnicas na publicidade
As mensagens publicitárias usam as relações sígnicas na construção de sua unidade, que se alicerça justamente na pluralidade significativa. A propaganda explora justamente a composição sígnica, que perpassa o histórico-cultural chegando ao psíquico. Dessa forma, uma mulher loira, por exemplo, é ícone quando tomada como imagem, mas é símbolo quando representa “glamour”, “beleza”... Produtos como carro ou cartão de crédito podem ser tomados como ícones quando imagens, mas símbolos quando representam idéias abstratas como “status”, “sofisticação”, potência” (carro) - no sentido semântico e no conotativo, quando apela para a virilidade. O logotipo pode ser tomado por símbolo quando representa uma empresa (marca), por ícone, quando imagem, e até mesmo por índice quando oferece uma relação de contigüidade com a empresa, quando este, em seu formato, nos apresenta aspectos que nos remete imediatamente à empresa. Um exemplo é a grafia, imitando @, usada por algumas empresas da Internet, estabelecendo uma relação de contigüidade com a esta. Daí a impossibilidade de classificação estanque da tríade sígnica, pois se o signo depende da interpretação do observador, ícone, índice e símbolo só se distinguem a partir de um contexto onde possa estabelecer relações, seja de similaridade, contigüidade ou por convenção.
4 UMA QUESTÃO DE IDEOLOGIA
Os historiadores e arqueólogos descobrirão um dia que os anúncios de nossa época constituem o mais rico e mais fiel reflexo cotidiano que uma sociedade jamais forneceu de toda uma gama de atividades. (Marshall Mc Luhan)
Como a propaganda poderia representar uma época como um artefato arqueológico ou uma obra de arte? O que há na propaganda que a constitui como símbolo ou espelho de uma cultura em determinada época?
O que haveria em comum entre a Ilíada, o teto da Capela Sistina, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói e um filme de Spielberg? Todos refletem uma ideologia, portanto conseguem retratar aspectos de uma época, de uma sociedade. Com a propaganda acontece a mesma coisa. Suas mensagens são articuladas a fim de expressar um discurso pautado em uma ideologia. Mas que ideologia seria esta? Ou melhor dizer, que aspectos ideológicos estariam inseridos nessa ideologia? Para responder a estas perguntas é preciso entender primeiramente o que é ideologia. Segundo Fiorin (p.29), ideologia é:
(...) uma visão de mundo, ou seja, o ponto de vista de uma classe social a respeito da realidade, a maneira como uma classe ordena, justifica a ordem social. Daí podemos concluir que há tantas visões de mundo numa dada formação social quantas forem as classes sociais.
Dentro dessa ótica, teríamos muitas ideologias que moldariam uma cultura num determinado tempo. Então, se tomássemos a propaganda como artefato ideológico de uma determinada cultura, teríamos condições de mapear as inúmeras classes existentes dentro dessa cultura e identificar nelas seus discursos? Evidentemente que não. Há presença do discurso feminino em Ilíada ou do discurso pagão no teto da Capela Sistina? Poderíamos encontrar a predominância do discurso anti-semita nos filmes de Spielberg ou Barroco no Museu de Arte Contemporânea de Niterói? Na verdade o que encontramos é um discurso predominante, logo, se uma coisa predomina, outras ficam à margem. E o que determina a predominância de um discurso em detrimento de outros? Para melhor responder a esta pergunta, tomaremos novamente as palavras do próprio Fiorin (p. 31):
Embora haja numa formação social, tantas visões de mundo quantas forem as classes sociais, a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante. No mundo de produção capitalista, a ideologia dominante é a ideologia burguesa.
Mas, se o discurso da propaganda, que objetiva uma comunicação de massa, se veste da ideologia da classe dominante, como as outras classes poderão absorvê-lo sem se sentirem marginalizadas nesse discurso? Como ele poderia representar essa massa? Sustentando-se na linguagem da sedução, da ilusão, assim, o discurso da propaganda “simula ser meu para dissimular que é do outro” (Fiorin, p.42). O outro aqui é tomado como emissor da mensagem, o propagandista ou, em primeira instância, o próprio empresário, que deverão fazer de tudo para que o receptor, consumidor, assimile o discurso como algo que lhe é favorável, como uma escolha feita por ele, não pelo outro, desta forma o receptor se deixa seduzir diante do produto, pois a mensagem se tornou empática o suficiente para que isso ocorresse. Para isso apropria-se de inúmeros recursos, como a linguagem apelativa, assim como a linguagem poética, a fim de reforçar o poder empático do discurso. Esses são apenas alguns aspectos lingüísticos do discurso da propaganda. Mas há outros, embutidos em imagens simbólicas, incorporados numa cultura consumista que valoriza beleza, juventude, sofisticação, poder, modernidade, etc e no caso da cultura brasileira, há super valorização do estrangeiro, principalmente no que alude aos EUA e à Europa, além do erotismo.
Como dito anteriormente a propaganda articula signos verbais e não-verbais, complementando-os na construção da mensagem, donde surge a criatividade ou talvez o “estilo” do criador da mensagem.
5 ASPECTOS PLURISIGNIFICATIVOS DA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA
Selecionamos para este trabalho duas propagandas, cujas análises, que privilegiou um determinado aspecto no vasto universo da lingüística e publicidade, apresentamos a seguir. Contudo não esperamos reduzir as propagandas a um aspecto somente, pois assim como ocorre com as funções da linguagem, encontramos inúmeros desses aspectos em quase todas, entretanto, como visto anteriormente, se há um discurso que predomina, também há uma mensagem sendo construída e para sua melhor compreensão é preciso identificar claramente quais são seus instrumentos de composição, ou seja, quais os fatores predominantes nessas mensagens, o que não descarta necessariamente a presença de outros. As propagandas que vamos analisar agora privilegia dois desses fatores, o ideológico e o sensorial.
7.1 Ênfase no ideológico
Temas como requinte, status, sofisticação e glamour podem ser discursados sem que no entanto estejam explícitos no texto, todavia implícito em imagens que os sugerem. Nesta propaganda do Cartão UNIBANCO (Nova, dez/00) encontramos o sino lingüístico articulado à imagem de uma mulher jovem, branca, loira, com lábios grossos, ombros desnudos (arquétipo de sensualidade).
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Primeiramente vamos pensar no produto: cartão de crédito, um dos chamados “dinheiro virtual” e intensamente valorizado atualmente, pois como só uma determinada camada da sociedade pode adquiri-lo, ele serve de referencial da situação socioeconômica dessas pessoas, atuando como um índice de status (embora ícone quando tomado por si só). A escolha da mulher não foi por acaso. Em culturas consumistas como a nossa, a mulher é o alvo principal das propagandas, pois estatísticas mostram que a mulher, além de comprar os produtos ditos femininos, também são responsáveis por produtos como carro, casa, roupas masculinas e infantis, brinquedos, produtos de limpeza, móveis, eletrodomésticos... Segundo entrevista de Jairo Lima, (diretor da Agência Ítalo Bianchi, Recife, em livro de Carvalho, p. 28)
A mensagem publicitária não faz parte da vanguarda como a arte cênica, plástica ou qualquer outra (...) Não propõe a ruptura, a introdução de novos hábitos é feita com base no já definido. A partir daí o perfil da mulher será um perfil já aceito pela sociedade. A dona-de-casa embora com nuanças atuais e mente evoluída como usuária do microondas, dos congelados e da máquina de secar será o tipo básico de receptora das mensagens, com algumas variações.
Ou seja, a receptividade feminina e o tempo em que a mulher se insere vai determinar o tipo de propaganda que visa a mulher ou mesmo àquelas que não a tem como público-alvo, propriamente dito, mas que a usam como ícone para influenciar o público masculino. Não precisamos comentar aqui o porquê da “loira” no imaginário do brasileiro, pois entraríamos nos campos da Sociologia e da Psicanálise, mas fato é que a imagem desta modelo funciona como símbolo de glamour que o produto tende a adotar e representar para seus consumidores (clientes).
Vejamos agora como essa imagem dialoga com os signos lingüísticos a fim de reforçar a mensagem de status e glamour que o produto pretende passar.
Master Card, Premium, privilégios, celebridade, autografa são palavras que corporificam em nível textual a imagem que a mensagem quer passar. A escolha dos dois primeiros vocábulos nos remete àquela questão muito enraizada em nossa cultura que é a tendência a valorização do estrangeiro, portanto as palavras em inglês ajudam a qualificar o produto como um diferencial, algo não comum (assim como a loira “autêntica”), fazendo a polarização entre nacional X estrangeiro. Os três vocábulos finais atuam no contexto a fim de reforçar a idéia de status, pois celebridade também é alguém que se destaca das pessoas comuns. Celebridade é alguém de certo status socioeconômico, o que determina seus privilégios. Veja bem, a propaganda, como inúmeras outras de cartão de crédito, poderia ter usado vantagens, mas optou por privilégios, cuja carga semântica dialoga harmoniosamente com celebridade e autografa. Aliás esse último, que faz oposição com assina, determina a imagem de pessoa especial, pois o ato de autografar não só reflete a posição de destaque dessa pessoa (celebridade) mas também a legitima pela sociedade. Autografar é receber o reconhecimento e a legitimação do outro. Portanto o texto é fundamental para a construção da imagem de glamour e status do produto, por outro lado, faz isso de forma empática pois posiciona o receptor na mensagem como podemos ver no uso da 2ª pes. E na metáfora direta que faz em “você é tratado como uma celebridade”.
7.2 Ênfase no sensorial
Propagandas com apelo para o sensorial transbordam em nossa língua. Em casos como estes é comum o uso do signo lingüístico de forma concreta. Vejamos essas uma que seduz pela plasticidade.
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Esta propaganda, KENZO (NOVA dez./00), traz o brilho e a suavidade da estética oriental. Nela, a suavidade da expressão da modelo dialoga com a curva também suave do vidro de perfume e o plano de intensa luminosidade. Curva é presença marcante na arquitetura oriental representada inclusive no rosto da modelo que nos lembra o de uma “gueixa” e em suas roupas, um quimono, de samurai talvez. Não há dúvida da busca de uma estética oriental para representar o produto, aliás uma tendência atual não só nas artes como na moda, pois o diálogo de oriente com ocidente gera outro, o da tradição com a modernidade.
A disposição geométrica dos signos não é um trabalho a parte. O produto ocupa todo o lado esquerdo, local valorizado pelo olho humano, mas a modelo ocupa todo o centro e o lado direito, tornando-se ícones que se equivalem pela disposição nas páginas e suas dimensões. O texto, que ocupa o centro inferior e o lado direito, forma junto com o produto a moldura de um quadro que tem a mulher como referente, dessa forma, o texto é usado de maneira concreta, quase icônica.
Como diálogo lingüístico temos “flower” escrito em vermelho, a flor vermelha na mesma altura da boca também vermelha, assim, por disposição geométrica, a mulher estaria sendo tomada metaforicamente como flor? A cor sendo usada também como signo que contrasta com a paisagem que se constrói na gradação do preto e branco é escolhida e usada com muita propriedade na desconstrução de uma atmosfera fria (presente também na vegetação), conferindo o calor e uma certa sensualidade sutil.
Ao que parece, ambas as propagandas não se preocuparam muito com a compreensão ou não do texto pelo receptor da mensagem, mas buscaram, com sua plasticidade, as sensações e impressões que emanam, entretanto não deixam de transmitir a imagem de sofisticação e bom gosto ( seguindo os padrões da ideologia dominante) que o produto busca passar. Desse modo a força da imagem se torna mais eficaz que as próprias palavras.
CONCLUSÃO
O estudo da linguagem publicitária é, sem dúvida, tão sedutor quanto sua produção e não esperamos com essa pesquisa esgotar as discussões em torno desse tema que apresenta infinitos aspectos, cujo presente trabalho se encarregou de abordar alguns dentro da proposta e dos limites do mesmo. Esperamos, contudo, ter mostrado um pouco da criatividade e beleza das propagandas por nós coletadas.
Além dos aspectos abordados nas propagandas, outros nos chamaram a atenção. Constatamos que, embora a maioria apele para o discurso politicamente correto ainda é possível ver inúmeras propagandas preconceituosas, embora muito bem embaladas de uma linguagem sedutora. A presença de modelos negros nas propagandas ainda hoje é quase ínfima e mesmo os pardos, maioria de nossa população, são raros nas publicidades. Os estereótipos, entre outros, da loira fatal, do negro viril, do homem branco inteligente ainda predominam. Os esportes aliados ao cigarro e as bebidas aliadas ao status também fazem parte de nossa cultura. O padrão predomina não só nas roupas e costumes como também nas idéias, onde embora procure projetar a imagem de estilo através da diferença, dificilmente essa diferença será aceita se não houver um padrão para legitimá-la. A questão cultural também está implícita na presença cada vez maior de estrangeirismos e propagandas cuja ênfase é o apelo para o sensorial (usando o signo de maneira concreta), pois, segundo pesquisas, nos países em desenvolvimento as propagandas cuja ênfase é no signo lingüístico é de apenas 30% . Esta estatística se inverte quando se trata de países desenvolvidos.
Uma vez que as propagandas revelam o histórico-cultural de um povo, um olhar mais crítico sobre estas nos remete a questões lingüísticas e culturais. O uso excessivo de estrangeirismos revela não só uma dependência como uma total subserviência de um povo (neste caso, o brasileiro). Também a presença excessiva de erotismo ajuda a reforçar a imagem de exotismo sensual brasileiro, muito propalada no exterior. Além disso, os estereótipos mencionados anteriormente reforçam os preconceitos. Outro fator que merece uma atenção cuidadosa é o privilégio da imagem sobre o texto, que muitas vezes fica resumido apenas a marca ou/e ao slogan.
Esses aspectos deveriam ser observados com mais atenção pelos amantes da língua e/ou futuros educadores, pois resultam de discussões pertinentes não só da língua como instrumento de comunicação, mas principalmente como objeto de expressão cultural e histórica de um povo.
BIBLIOGRAFIA
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CHALUB, Samira. Funções da linguagem. 7. ed. São Paulo : Ática, 1995, 63 p.
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