AS REFORMAS POMBALINAS E SEUS EFEITOS NO BILINGÜISMO

Ruy Magalhães de Araujo (UERJ)

Assistimos, no limiar do século XVII, ao crescimento vertiginoso de um grande número de línguas indígenas e africanas, que, juntamente com o português, formavam um claro bilingüismo.

O colonizador português trazia uma pronúncia deturpada, em face da sua baixa condição social, isto é, a grande maioria era formada por indivíduos de pouca escolaridade, por via de regra, degredados. Havia, contudo, muitas exceções, haja vista as próprias autoridades da metrópole, encarregadas da administração pública, da administração da justiça, os padres e prelados.

Para ilustrar, vejamos:

adevinha (adivinha, s.f.) aéreo (perplexo)

aguçoso (diligente) alicece (alicerce)

alifante (elefante) amaro (amargo)

amenhã (amanhã) anrique

aquirir (adquirir) ‘ astrolomia e estronomia (astronomia)

avangelho averso (adverso)

bautismo; bautizado baxo

bertolameu e bertolomeu burla

cambra (cãibra) carafate (calafate)

catalina (catarina) ciloira (celoura)

correição cramar (clamar)

craro (claro) dereito

despois (depois) devação (devoção)

doma (senhora) eigreja

embigo entonces

enveja enzemplo, enzempro e também inzemplo

ermão escuitar

esprital esprito

estâmego (estômago) fermoso

folguedo fruita

função (baile) incréu (incrédulo)

ingrês (inglês) inorar (ignorar)

lûa (lua) magiar (imaginar)

maleio mano e mana (termos afetinos)

manteúdo mea (meia, adj.)

menhã (manhã) modinha (cançoneta)

ninhŨa (nenhuma) parecer (aparecer)

pexe piadade

piadoso pola (ant. forma da prep. pela)

polo (ant. forma da prep. pelo) praça (povoado)

pranta (planta) preguntar

premero púbrico

reinar (fazer travessuras) reposta

rezão saldar (fazer saudação)

saluço salvage

samear somana

sino-saimão e também sino-salmão (signo-de- salomão)

sojeitar sojigar e sujigar (subjugar)

sumiço súpito

teúdo tirar (atirar)

trosquia (tosquia) ussa (ursa)

ventureiro (aventureiro)

O elemento indígena, usuário de uma língua aglutinante, como sói ser o tupi-guarani, possuía também dificuldade de pronunciar os fonemas /f/, -/l/,- /r/, e também deturpava certas palavras, como nos exemplos abaixo:

arapineta, alfinete açukiri, açúcar

jantara, jantar marika, barriga

kapina, campina kandyba, canavial

siara, cear xaví, xabí, chave

funira, funil bixana, bichano, gato

maía, mãe berancia, melancia

paia, pai pana, pano

paratu, prato saberu, sabaru, sábado

toroto, torto cabaçu, cabaça

cepetu, espeto curuçá, cruz

kendara, quintal makaka, macaco

muratu, mulato papera, papel

pita, fita pixan, bichano, gato

oiji, hoje sorara, soldado

taipaba, parede xeringa, seringa

aramoçara, almoçar camixá, camisa

martera,martelo navaia, navalha

tambora, tambor tomaramo, tomara,

aratara, altar catanha, castanha

conhara, cunhado janera, janela

manteca, manteiga merendara, merendar

panera, panela pucuru, púcaro

reía, rei rimão, limão

varaía, balaio

Ladeando, estava contribuição africana, representada pelos falares dos escravos negros, que, originalmente, falavam diversas línguas, dentre as quais se salienta o quimbundo. por não conseguirem aprender corretamente a língua do colonizador, incorporavam vocábulos aos seus próprios falares, pronunciando-os de maneira deturpada.

Esse almálgama tomou corpo durante o século XVII, projetando-se até o século XVII, quando a mestiçagem étnica, cultural e lingüística se tinha desenvolvido com a tentativa de lusitanatização do índio e a indianização do português e, ainda, a africanização de índios e brancos, uns assimilando-se aos outros.

Isto se deveu à incúria da metrópole em criar e desenvolver no brasil uma sadia e eficaz política lingüística. Aliás, não se desenvolveu outra qualquer política cultural, pelo menos até o século xviii, quando d. joão v fez com que Portugal despertasse com relação ao sério problema de defesa da língua, pois se difundiam notícias desairosas sobre o Brasil no que dizia respeito à maneira errada e viciosa de usar-se o idioma, quando ainda em 1655 aparecia pela primeira vez o conceito de mau português para rotular a língua que aqui se usava. imputava-se aos padres jesuítas a responsabilidade por aquele descalabro, pois eram eles, em verdade, os educadores que Portugal enviara à sua colônia na América. Isso era reforçado por influência do grande número de proprietários rurais, latifundiários e colonos abastados que pretendiam escravizar o índio e encontravam nos jesuítas o grande obstáculo. Como os jesuítas eram os professores e defensores dos índios, opondo-se com tenacidade a essa idéia de subsmissão, era natural que lhes fosse atribuída a culpa por esse mau uso da língua.

D. João V adotou, em 1722, várias medidas esparsas, como a que chegou às mãos do governador do maranhão, João da maia gama (1722-1728), ordenando os prelados das religiões de porem o maior cuidado em que os indique são da admi­nis­tração de suas religiões, sejam instruídos na língua portuguesa, pelo grande benefício que disso pode resultar.

Assim, em 1727, D. João V formalizou, através de uma carta régia, a primeira manifestação oficial de uma política lingüística de Portugal em todas as suas colônias, e, obviamente, no Brasil. aqui a obrigatoriedade se estendia não apenas aos jesuítas, mas também a todos os colonos, indistintamente. Tal medida significava a afirmação oficial de uma política administrativa do estado, tendo a língua como instrumento nivelador.

Essas reformas iriam consolidar-se com D. José I, através de seu primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal.

Tomando medidas radicais, com o objetivo precípuo de preservar a integridade da língua portuguesa, o Marquês de Pombal tornou o seu uso obrigatório (o grifo é nosso) em todo o território brasileiro, em substituição à chamada língua geral. A imposição dessa medida implicou dizer a expulsão de todos os jesuítas do Brasil, -- pois eram os responsáveis diretos pela educação colonial e pregação do Evangelho, -- conseqüência que foi de sua expulsão de Portugal e dos domínios ultramarinos, isto a 3 de setembro de 1759.

Para finalizar, podemos deduzir, com segurança, que a política do idioma executada pelo Marquês de Pombal resultou na consolidação da língua portuguesa na América. Essa consolidação firmou-ser através dos tempos e propiciou ao idioma florescer e crescer de forma notável, haja vista a literatura brasileira dentre as mais prestigiadas no contexto mundial.

Além disso, em nosso país a língua portuguesa é dotada de verdadeiro milagre de comunicação: compreendemo-nos mutuamente, quer estejamos no extremo norte, no extremo sul, no centro, no nordeste, no leste.

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