RECURSOS AUXILIARES DO DISCURSO
NA LINGUAGEM DE PROPAGANDA

Letícia Queiroz de Moraes (FEUDUC/UERJ)

 

1 - Esclarecendo os parâmetros

Encontrei uma das formas literárias mais ricas, curiosas e cheias de possibilidades. Estou falando da publicidade”, confessou o escritor Aldous Huxley. Isso revela a publicidade “consumidora” da criação artística na atualidade, no que se refere tanto à linguagem verbal quanto à icônica e à musical. (CARVALHO, 2000, p. 93)

A função da mensagem publicitária é criar um mundo ideologicamente favorável e perfeito com a contribuição do produto a ser vendido. Por causa disto esta mensagem trata a base informativa de forma manipulada objetivando transformar a consciência do possível comprador.

Em todos os casos o possível comprador é o receptor virtual da mensagem e o responsável pelo produto o emissor.

Para convencer o consumidor a realizar uma ação pré-determinada (a ação de consumir o produto) o out-door (segundo Carvalho, 2000, p. 16) utiliza de formas simples, com elementos justapostos (mensagem escrita, foto do produto, slogan e/ou marca) para possibilitar a fácil compreensão da massa de consumidores. Esta seria, em tese, a forma como se apresenta o discurso de publicidade em out-door.

Entretanto a busca cada vez mais acirrada pelo mercado consumidor e o fato deste mercado estar se tornando cada vez mais crítico e exigente fazem com que estas mensagens utilizem cada vez mais de recursos lingüísticos e visuais como recursos auxiliares ao discurso publicitário. Se antes bastava apenas chamar atenção através da imagem e convencer através da mensagem escrita, hoje é necessário cifrar mensagens embutidas em discursos aparentemente ingênuos (em publicidade nenhum discurso é ingênuo).

Não se contesta aqui a utilização da forma imagem + mensagem + slogan/marca, que, via de regra, também é utilizada nos out-doors selecionados para nossa análise. O que demonstraremos é que o discurso de publicidade em out-door tem mostrado uma sofisticação lingüística na sua busca por captar a confiança e a credibilidade do mercado consumidor.

 

2 - O que consideramos recursos auxiliares

Consideramos recursos auxiliares aqueles recursos que, ainda que componentes da seqüência imagem + mensagem + slogan / marca, emprestam à mensagem curta do discurso de publicidade em out-door uma maior densidade através da ambigüidade intencional.

Os exemplos que trouxemos das ruas trabalham com os seguintes recursos auxiliares: a imagem (esclarecedora de um discurso ambíguo como veremos no out-door da SINAF), o uso da polissemia e homonímia (como no caso dos produtos SEDA e do Jornal Extra), o contexto seqüencial (caso dos celulares Ericson) e o local escolhido como veículo da informação.

Repare que nem sempre o recurso utilizado se detém ao campo lingüístico. A imagem, o contexto seqüencial e o local de exposição embora não sejam elementos do universo lingüístico são recursos auxiliares que transformarão a mensagem final, conforme veremos nos exemplos. Embora Carvalho (Carvalho, 2000, p. 94) afirme que um dos princípios básicos da linguagem de propaganda seja “promover a legibilidade ou processamento fácil” os recursos auxiliares utilizados nas mensagens de publicidade selecionadas requerem do receptor um conhecimento social e cultural que torna difícil o processamento da mensagem.

 

3 - Recursos Auxiliares

- Recurso Auxiliar = Imagem

Figura I - sinaf

O out-door da Assistência Funeral SINAF “Como arrumar uma coroa” utiliza da ambigüidade cedida pelo uso polissêmico do verbo arrumar e do substantivo coroa. Tanto o verbo como o substantivo, neste caso, são freqüentemente utilizados no seu sentido conotativo (arrumar = conseguir, coroa = senhora idosa) e é a provocação que o texto faz ao colocar a imagem de um senhor idoso e jovial (um coroa esperto) ao lado da mensagem escrita.

Porém, com o auxílio da imagem (este senhor idoso) atrelada ao nome do produto (Assistência Funeral) se desfaz a ambigüidade. O verbo arrumar e o substantivo coroa passam a ter seu sentido original, denotativo (conseguir e enfeite de flores utilizados em funerais).

É preciso que o destinatário tenha um conhecimento lingüístico e cultural para perceber a brincadeira irônica feita na mensagem publicitária como um recurso suavizador do assunto (morte) delicado para nós ocidentais. A ambigüidade suaviza e dissimula a mensagem, mas os dados precisam estar armazenados na memória do público alvo para que ele reconheça o jogo da mensagem.

 

3.2 - Recurso Auxiliar = contexto

Figura II - Seda

O caso dos produtos para cabelos da Seda é também um caso de utilização de homonímia e polissemia que provoca ambigüidade. Porém, neste caso exige-se do receptor um conhecimento de vida peculiar a mulheres que têm seus cabelos alterados quimicamente. As palavras química e recuperação lembra-nos também que o público alvo é, principalmente feminino adolescente.

A mensagem: “Se você foi reprovada em química , aqui está a recuperação.” afastada da imagem (da mulher mulata de cabelos alisados artificialmente) e do produto (SEDA) lembra-nos o significado literal (reprovação escolar, disciplina escolar, recuperação escolar).

A ambigüidade começa a ser desfeita ao observarmos a imagem da mulher mulata com cabelos alisados artificialmente. É preciso saber que, em discurso de salão de cabeleireiro utiliza-se a expressão “este cabelo tem química” para cabelos alisados e coloridos artificialmente. É preciso também saber que os cabelos, após serem tratados com produtos químicos, precisam ser recuperados. Este conhecimento é peculiar principalmente às mulheres cujos cabelos são secos, ondulados ou crespos (e, obviamente, aos profissionais da área). Estas são, justamente, o público alvo da mensagem. Sem o conhecimento deste contexto a mensagem perde o seu objetivo.

Os recursos auxiliares (como o conhecimento do contexto) contribuem para o adensamento da mensagem publicitária, transformando uma disciplina escolar em produtos químicos e a recuperação escolar em recuperação da textura capilar.

Figura III - Revista Veja

 

As chamadas da Revista Veja também fazem este jogo de duplo sentido esclarecido pelo contexto. Neste caso o conhecimento de contexto são, especificamente as matérias de capa da revista semanal.

Observe no caso de “Descobrimos uns zeros à esquerda no governo: os 007” a correlação entre a expressão “zero à esquerda”, publicamente utilizada para determinar aqueles que não servem para nada (utilização do discurso da matemática que afirma que o zero a esquerda não tem valor) e o 007, personagem da ficção, espião mundialmente famoso. Para ser compreendida corretamente esta mensagem precisa ser contextualizada à matéria de capa “Na mira dos espiões do governo” informando que o governador Itamar Franco, o procurador Luiz Francisco e os funcionários do Ministério da Saúde estão sendo vigiados pelos agentes da Agência Brasileira de Inteligência. Sem este contexto a mensagem não é compreendida e ainda nos faz pensar que a revista descobriu alguns funcionários inúteis no governo (o que não seria surpresa).

Figura IV - Revista Veja

 

Contrária a esta chamada vemos a “Política é mesmo uma experiência enriquecedora” que joga com o duplo sentido da palavra enriquecedora (ficar rico financeiramente ou ser gratificado moral ou intelectualmente). No caso anterior o que parecia ser a mensagem real não o era. Neste caso aquilo que parece realmente é. O artigo fala da experiência de um político que enriqueceu através de favoritismos políticos. Mas, também neste caso, é o conhecimento do contexto político e do artigo da revista que possibilitará desfazer a ambigüidade.

 

3.3 - Recurso auxiliar = contexto seqüencial

 

Há um outro recurso que tem sido utilizado na publicidade em out-door e que chamaremos aqui de contexto seqüencial.

Utilizaremos aqui, como exemplo a publicidade dos celulares Ericson. Estes out-doors foram colocados em épocas diferentes um após o outro e nos mesmos pontos da cidade. O primeiro trazia somente a informação “Resolução da Internet Móvel. Faz parte do dia-a-dia.” Compondo o contexto observamos a imagem de uma criança diante de uma escada e próximo a bolas de encher. Podemos entender que diariamente encontramos obstáculos em nossos caminhos (como a escada) ou que encontramos coisas que desejamos (como as bolas de encher). Semanas depois, nos mesmos lugares onde observávamos o primeiro out-door encontramos outro com a mesma imagem, mas com mensagem diferente. Agora líamos: “QUERO: Ericson. Informação e diversão móveis. O que você quer. Onde você quiser” repetindo abaixo e com letras menores a mensagem do out-door anterior.

Figura V - Celulares Ericson

Figura VI - Celulares Ericson

É preciso ler a seqüência, como uma história em quadrinhos para compreender a mensagem como um todo. Embora tenhamos desejos, obrigações e dificuldades para superar no nosso dia-a-dia a Ericson nos oferece um mundo perfeito onde podemos ter o que precisamos e o que queremos onde nós quisermos.

Observe como o out-door valorizou a necessidade de leitura do contexto completo para a complementação da mensagem.

 

3.4 - Recurso auxiliar = Sentido

Figura VII - Jornal Extra

Embora já tenhamos apresentado outros contextos onde a multiplicidade de sentidos tenha sido utilizada queríamos apresentar este out-door do jornal Extra, tipicamente destinado a classes menos favorecidas.

Argumentamos que, se nos outros out-doors requisitava-se do leitor um conhecimento específico anterior para a compreensão da mensagem, neste, embora isto também aconteça, a ambigüidade se dá na utilização em sentido figurado do verbo falar e o seu sentido denotativo (ambos de domínio coletivo).

 

Temos ainda outra peculiaridade com relação a este out-door: a ambigüidade não deve ser desfeita pois seu objetivo é manter ambos sentidos. (“Quem lê o Extra fala bem (dele) e fala bem porque ganha um superdicionário).

 

3.5 - Recurso auxiliar = lugar

Figura VIII - sinaf - Lotação: um deitado

Este nosso exemplo não é um out-door e é justamente por isso que ele foi escolhido visto que é justamente o local onde ele foi veiculado o elemento auxiliar para a transformação desta mensagem.

Nesta unidade estaremos analisando a publicidade utilizada pela Assistência Funeral SINAF observada na linha de ônibus 953 (não somente, mas também) onde observamos que é a coesão entre o contexto físico onde se fixa a publicidade e a própria mensagem escrita que credita coerência ao texto.

A interligação entre o termo lotação que é comum ao contexto de transporte urbano (referindo-se a capacidade de lotação do ônibus) e o espaço ideológico vazio representado por um deitado precisa ser feita pelo leitor. Ele precisa completar o espaço vazio reconhecendo que o local onde a lotação máxima permitida é um deitado é em um esquife. Obviamente ele recebe o auxílio do nome próprio do emissor da mensagem que se identifica como Assistência Funerária e da imagem de um homem idoso (como se a morte só fosse prerrogativa dos idosos)

Ao contrário do que afirma Carvalho (Op. cit., p. 106):

O léxico a ser escolhido para a mensagem deverá desencadear esses mecanismos e evitar rejeição. ... Entre os ocidentais, a morte não é bem aceita, o que acarreta dificuldades de abordagem quando se trata de mensagem de seguro de vida,

a publicidade do SINAF trata com naturalidade e, se me permitem, um certo desrespeito o tema delicado (para nós, ocidentais, volto a dizer) da morte. A mensagem publicitária dissimula a mensagem real tratando a morte como parte natural da vida fazendo com que o destinatário possa aceitar naturalmente a ironia.

Em uma segunda leitura, que chamaremos de leitura profunda a mensagem do SINAF quer sinalizar ao receptor que ele pode ter uma morte tranqüila embora tenha passado a vida aprisionado em ônibus cheios. Lembrando João Cabral de

Mello Neto “estarás mais ancho do que estavas no mundo”.

 

4 - Considerando o padrão

Figuras ix, x e xi - Guanabara, Tupimassas, Colégio Ateneu

Apresentaremos agora três out-doors que atendem ao padrão observado em mais de 90 % dos out-doors das cidades do Rio de Janeiro e Niterói.

Dois deles (Supermercados Guanabara e Tupimassa) utilizam imagem+mensagem+logomarca. O outro, do Colégio Ateneu do Rio de Janeiro valoriza o nome do produto (colégio) e os benefícios (financeiros) que oferece. Todos, porém, apresentam mensagens rápidas e facilmente captáveis pelo público consumidor sem a necessidade de aderir a um contexto ou de buscar o sentido real da mensagem.

 

5 - Unindo as considerações

Como marca de unidade discursiva do discurso de publicidade em out-door apresentamos a utilização do texto unido a imagem e a marca do produto a ser comercializado. Estas marcas estavam presentes em todos os exemplos apresentados. Também a intencionalidade de influenciar ideologicamente o consumidor a obter o produto anunciado é característica de todos os modelos observados.

Esperamos, porém, ter mostrado em nossa análise que há uma nova tendência a utilização de outros recursos neste veículo de comunicação que provocam o destinatário a uma viagem mais densa no mundo da linguagem e no mundo da intertextualização.

Essas mensagens publicitárias não são melhores por causa de seus produtos (embora possa haver uma relação estreita entre produto/público alvo - todos fazem compras - supermercados Guanabara -, nem todos lêem a Revista Veja) mas são diferentes pois além de usar os recursos peculiares ao seu universo discursivo (texto/imagem/nome) levam a leitura deste texto a outros contextos ou universos discursivos (discurso do cabeleireiro - Seda - , discurso político - Veja -).

Talvez estas mensagens de publicidade que desafiam o saber cultural do público alvo sejam apenas uma moda passageira ou, talvez apontem para uma nova característica discursiva do discurso de publicidade em out-door.

Só o tempo nos dirá.

 

6 - Bibliografia

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1992, 6ª ed.

AUTHIER - REVUZ, Jaqueline. Palavras incertas: As não coincidências do dizer. Campinas, Unicamp, 1998.

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à Análise do Discurso. Campinas, Unicamp, 1991.

CARNEIRO, Agostinho Dias (org.). O discurso da Mídia. Rio de Janeiro, Oficina do Autor, 1996.

CARVALHO, Nelly. Publicidade. A Linguagem da sedução. São Paulo, Ática, 2000.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Campinas, Pontes, 1997.

MARQUES, Maria Helena. Iniciação à Semântica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1999.

VALENTE, André Crim. A linguagem nossa de cada dia. Petrópolis, Vozes, 1998.

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