TOPONÍMIA PARANAENSE DE ORIGEM TUPI

Ricardo Tupiniquim Ramos (UFBA/UNEB)

 

INTRODUÇÃO

Em nossa Dissertação de Mestrado, Nomes próprios de origem Tupi no Brasil do século XIX, procedemos a coleta de tupinismos empregados como nomes próprios em textos literários nacionais e jornalísticos brasileiros posteriores à década de 40 do século antepassado. Além de um glossário de 500 lexias, apresentarmos um estudo da natureza léxico-semântica e da questão relativa ao ingresso dessas formas no português do Brasil.

Uma das conclusões a que chegamos é o fato de a maioria - o percentual de 80% das lexias estudadas, isto é, 400 -, dos tupinismos empregados como nomes próprios no português brasileiro oitocentista constituir-se de topônimos..

Segundo Câmara Jr. (1986:232), topônimos são os “nomes próprios de lugares ou acidentes geográficos”. O seu uso, tão antigo quanto a humanidade, advém do fato de termos necessidade de denominar o espaço circundante. Além disso, têm para os estudos históricos e lingüísticos a relevante função de testemunhar a sucessão de línguas vigorantes numa dada região.

Ainda conforme Câmara Jr. (1986), no Brasil, o sentido primitivo de um topônimo geralmente indica:

nomes comuns ou locuções substantivas de caráter descritivo (Bahia, Belo Horizonte, etc.);

nomes de santos padroeiros (Salvador, São Félix, São Paulo, etc.);

reprodução de topônimos estrangeiros aqui fixados por imigrantes (Viseu, Friburgo, etc.);

antropônimos de autoridades governamentais e homens públicos (João Pessoa, Petrópolis, etc.);

africanismos (Bangu, Caxambu, etc.); e

tupinismos (Curitiba, Paraná, Pará, Botucatu, Sergipe, entre tantos).

Dos 2021 municípios listados no guia de roteiros turísticos do Brasil, editado pela Folha de São Paulo (1995), 830 (41,06%) têm origem tupínica, o que representa a segunda maior fonte da toponímia brasileira. A primeira é a língua portuguesa. Há topônimos Tupi, inclusive, em áreas onde as populações primitivas utilizavam línguas alogênicas. Ribeiro (1995:97) atribui aos bandeirantes paulistas, falantes da koiné costeira, a tarefa de nomeação da maioria desses locais, por onde passavam em suas jornadas exploradoras.

Em geral, os topônimos de origem Tupi têm caráter descritivo. Sobre eles, diz Sampaio (1957): “são frases acabadas, traduzindo uma idéia, um episódio, uma feição típica dos lugares a que se aplicam; são, a bem dizer, verdadeiras definições do meio local”.

A partir do presente trabalho, pretendemos observar, nos tempos atuais, a presença Tupi na toponímia municipal brasileira e verificar se as conclusões expostas na nossa Dissertação de Mestrado são ainda válidas. Ei-las:

1) a maioria dos topônimos investigados era em geral formada por composições simples (justaposição e aglutinação), isoladas ou em associação a outros processos, como o hibridismo e a mudança fonética;

2) os topônimos possuíam conteúdo descritivo normalmente associado à fauna e à flora nativas;

3) observou-se uma dominância de topônimos entre as palavras pertencentes às áreas semânticas dos fenômenos naturais e dos acidentes geográficos.

Esta pesquisa inicia-se pela coleta de dados. Utilizamos como fonte de consulta para a coleta dos topônimos municipais o guia postal da Empresa de Correios e Telégrafos editado no ano 2000. Embora não seja o Paraná o Estado brasileiro mais dotado de topônimos municipais de origem Tupi, posto ocupado por São Paulo, ele é o único cujo próprio nome e o da Capital têm origem Tupi. Fora este motivo, a escolha foi até certo ponto aleatória.

No Estado do Paraná, verificamos a existência de 25 municípios com nomes de origem Tupi total ou parcialmente: Almirante Tamandaré, Andirá, Arapongas, Assaí, Cambará, Curitiba, Foz do Iguaçu, Guaíra, Guaraniaçu, Guarapuava, Ibati, Ibiporã, Irati, Ivaiporã, Jacarezinho, Jaguapita, Jandaia do Sul, Mandaguari, Maringá, Paranaguá, Paranavaí, Piraí do Sul, Porecatu, São Miguel do Iguaçu e Ubiratá. Partamos para o seu estudo.

 

Glossário dos topônimos municipais paranaenses de origem Tupi

ANDIRÁ: nome Tupi no morcego, o que o liga à área semântica da fauna.

ARAPONGA: Como nome comum, a palavra designa um pássaro das família dos cotingídeos (Procnias nudicolis). Desse sentido primitivo, foi transferido semanticamente para o homem, como alcunha. Daí, passou a designar famílias e, no plural, o tópico municipal paranaense. Formada pela justaposição de ará, ‘ave’ - ponga, gerúndio supino do verbo pong, ‘fazer ruído’; donde: ‘ave de canto sonante’”.

ASSAÍ: Forma simples que nomeia a fruta ácida da palmeira Euterpe oleracea, de que se faz suco, o que a liga semanticamente à flora. A ortografia vigente determina que seja escrita de outra forma: açaí.

CAMBARÁ: Forma simples, variação lingüística de camará, designação comum a várias plantas das famílias das verbenáceas e das solanáceas, especialmente a Moquina polymorpha, o que a liga semanticamente à flora.

CURITIBA: O nome da capital paranaense é uma lexia formada pela justaposição dos seguintes lexemas Tupi: kuri, ‘pinheiro’, + tyba, ‘muito, lugar onde há muito’; donde: ‘sítio onde há muitos pinheiros, pinhal’; o que o liga semanticamente à flora.

GUAÍRA: Sampaio (1957) lhe aponta por étimo a expressão kûá-y-rã, “passar não há de”, e informa que, conforme Batista Caetano, guaíra era o nome Tupi para o salto das sete quedas. Correta essa interpretação, a lexia tem originalmente uma formação lexical complexa e está ligada semanticamente aos acidentes geográficos.

GUARANIAÇU: Nome composto da justaposição de guarani, etnônimo indígena, e de açu, grande; donde: ‘o grande guarani’, o que o liga semanticamente à cultura.

GUARAPUAVA: Sampaio (1957) aponta duas justaposições como possíveis étimos para este nome: guará-poaba, ‘rumor dos guarás’; ou guirá-poaba, ‘rumor dos pássaros’, ambos os quais ligam-no semanticamente à fauna. Ferreira (1997:331) informa um sentido curioso desta lexia na área dialetal do Estado de São Paulo: “cavalo árdego, espantadiço e pouco resistente”.

IBATI: Forma simples designativa do milho, em Tupi, o que a liga semanticamente à flora. Há registros entre cronistas e jesuítas dos séculos XVI e XVII da variante ibatim.

IBIPORÃ: Nome composto da justaposição de ybi, ‘terra’ + porã, ‘habitante’; donde: ‘o habitante da terra’, o que o liga semanticamente à cultura.

IGUAÇU: Em português, já como topônimo, esta palavra nomeia um rio da região de fronteira do Brasil com o Paraguai. Desta designação, ele passa a constar em pelo menos dois topônimos municipais paranaenses. Sua origem é a justaposição dos seguintes lexemas Tupi: y, ‘água, rio’, + uaçu, ‘grande’; donde: ‘rio grande, caudal, queda d’água’, o que o liga semanticamente aos acidentes geográficos.

IRATI: Na língua comum, em que também assume a forma iraxim (cf. Ferreira 1997:370), designa uma espécie de abelha brasileira nativa (Trigona limão Smith), o que a liga à fauna. Deriva de alterações fonéticas da forma Tupi eîratim.

IVAIPORÃ: Nome composto da justaposição de ybá, ‘fruta’ + y, ‘rio’ + porã, ‘habitante’; donde: ‘o habitante do rio das frutas’, o que o liga semanticamente à cultura.

JACARÉ: Na língua comum é o nome genérico de várias espécies de répteis crocodilianos, do gênero Caiman. Seu étimo iá-karé, que Silveira Bueno (1978) traduz por ‘aquele que olha de lado, aquele que é torto’, sem dar maiores explicações, sugere uma formação justapositiva. A palavra compõe o topônimo municipal paranaense Jacarezinho, pela justaposição do sufixo diminutivo português -(z)inho.

JAGUAPITA: alteração fonética de jaguapitanga, nome que, na língua comum, designa uma raposa de pelo avermelhado, o que a liga semanticamente à fauna.

JANDAIA (do Sul): Na língua comum, a palavra jandaia nomeia um pequeno papagaio de cabeça, peito e encontros amarelos, o Psittacus surdus. Entra na composição do topônimo paranaense pela justaposição do sintagma “do Sul”. Pelo sentido original de jandaia, pode-se relacionar o topônimo à área semântica da fauna.

MANDAGUARI: Na língua comum, a palavra nomeia uma espécie de abelha brasileira nativa - Nannotrigona (Scciptotrigona) postica Latricelle -, o que a liga semanticamente à fauna. Sampaio (1957) esclarece o étimo desta palavra: mandá-guaí, ‘ninho delicado, bonito’.

MARINGÁ: A que é conhecida por ‘cidade canção’ tem por étimo mais provável algo muito menos doce que o seu epíteto sugere. Parece proceder de alterações fonéticas da forma Tupi marigûã, ‘peneira para pescar’, o que liga o tópico à área semântica da cultura. Ferreira (1997:418) registra-lhe um sentido próprio da fala dos criadores brasileiros: o de qualificativo a bovídeos ou caprinos de pelo claro salpicado de negro.

PARÁNÁ: O único dos três estados sulistas a ter nome de origem Tupi é o Paraná, que vem da justaposição de pará, “caudal”, com anã, “parente, semelhante”; donde: “semelhante ao caudal, mar”, o que o liga semanticamente aos acidentes geográficos. Ferreira (1997:482) registra dois sentidos desta forma na variedade amazônica de português do Brasil, como nome comum: “braço de rio caudaloso, separado deste por uma ilha; caudal que liga dois rios.

PARANAGUÁ: Nome formado pela justaposição de paraná, Paraná (v.), + guá, ‘enseada, baía’; donde: ‘enseada ou baía do mar’, o que a liga semanticamente aos acidentes geográficos.

PARANAVAÍ: Nome formado pela justaposição de paranaguá (v.) + y, ‘rio’; donde: ‘rio da enseada do mar’, o que a liga semanticamente aos acidentes geográficos.

PIRAÍ: Resultado da justaposição de pirá, “peixe”, + y, “rio”; donde: “rio dos peixes”, compõe o topônimo municipal paranaense Piraí do Sul, ligando-o semanticamente aos acidentes geográficos. Ferreira (1997:507) registra-lhe um outro sentido, também correto: “peixe pequeno”, de pirá, “peixe”, + im, “pequeno”.

PORECATU: Não é totalmente certa a procedência Tupi deste topônimo. Pode ser guarani. Sendo uma voz Tupi, seu provável étimo é boré, ‘instrumento de sopro indígena, semelhante a uma flauta ou apito, + katu, ‘bom’; donde: ‘a boa flauta’, o que o ligaria semanticamente à cultura.

TAMANDARÉ: resultado da aglutinação de taman-duá, ‘tamanduá’, + , ‘verdadeiro’; donde: ‘o tamanduá verdadeiro’, o que a liga semanticamente à fauna.

UBIRATÁ: Sampaio lhe aponta o étimo a seguinte justaposição: ybirá, ‘pau, árvore’ + itá, ‘pedra, ferro’; donde: ‘pau-ferro’, o que a liga semanticamente à flora.

 

3) Estudo léxico-semântico dos topônimos paranaenses de origem Tupi

As 25 formas glossariadas no item anterior estão assim distribuídas quanto à área semântica:

Tabela 1: semântica da toponímia municipal paranaense de origem Tupi

ÁREA SEMÂNTICA

QUANTIDADE

PERCENTUAL

acidentes geográficos

6

24%

cultura

5

20%

fauna

9

36%

flora

5

20%

Sozinhos, estes dados já confirmam duas das conclusões esboçadas na nossa Dissertação de Mestrado: a de que a maioria dos topônimos brasileiros de origem Tupi fazem referência semântica à fauna e à flora nativa e estão ligados a acidentes geográficos.

Em relação aos processos de constituição lexical, a situação dos 25 topônimos municipais paranaenses de origem Tupi é a seguinte:

 

Tabela 2: Formação lexical da toponímia municipal paranaense de origem Tupi

 

QUANTIDADE

PERCENTUAL

 

formas simples

5

20%

 

formas complexas

2

8%

PROCESSOS

aglutinação

1

4%

 

alteração fonética

3

12%

 

justaposição

14

56%

Também esses dados confirmam as conclusões aventadas na nossa Dissertação de Mestrado, quais sejam: a de que os topônimos brasileiros de origem Tupi, em sua maioria, se compõem por justaposição ou aglutinação, isoladas ou em associação a outros processos, como o hibridismo (v. Jacaré(zinho)) e a mudança fonética (v. Tamandaré).

Cruzando os dados da formação lexical com os de área semântica, chegamos à tabela 3.

 

Considerações finais

A julgar o exposto nesta breve comunicação, pudemos perceber que as conclusões de nossa Dissertação de Mestrado acerca da toponímia brasileira de origem Tupi do século XIX são ainda válidas na atual sincronia, pelo menos no que diz respeito ao Estado do Paraná.

 

 

 

Tabela 3: toponímia municipal paranaense de origem Tupi:

semântica X formação lexical

 

ÁREAS SEMÂNTICAS

 

Acidentes geográficos

cultura

fauna

flora

 

Formas simples

QTDE.

-

-

2

3

   

%

-

-

40

60

 

formas complexas

QTDE.

1

-

1

-

   

%

50

-

50

-

PROCESSO

aglutinação

QTDE.

-

-

-

1

   

%

-

-

-

100

 

alteração fonética

QTDE.

-

1

2

-

   

%

-

33,33

66,66

-

 

justaposição

QTDE.

5

4

3

2

   

%

35,73

28,57

21,42

14,28

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de lingüística e gramática. Petrópolis : Vozes, 1986.

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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário básico da língua portuguesa. 27ª ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1997.

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GARCIA, Rodolpho. “Glossário das palavras e phrases da língua Tupi, contidas na ‘Histoire de la mission des peres capucins en l’isle de Maragnan et circonvoisines’, do padre Claude d’Abeville”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 94 (148):5-109. Rio de Janeiro : Imprensa Nacional, 1927.

NAVARRO, Eduardo de Almeida. Método moderno de Tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros séculos. 2ª ed. Petrópolis : Vozes, 1999.

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SAMPAIO, Theodoro. O Tupi na geografia nacional. 4ª ed. salvador: Câmara Municipal de Salvador, 1957.

SILVEIRA BUENO, Francisco da. Vocabulário Tupi-guarani- português. São Paulo : Melhoramentos, 1978.

TIBIRIÇÁ, Luís Carlos. Dicionário Tupi-português: com esboço de gramática de Tupi antigo. 2ª ed. São Paulo : Traço, 1984