O PROCESSO DE QUALIFICAÇÃO
COMO FORMA DE EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE
DO SUJEITO ENUNCIADOR
Lívia Lemos Duarte
(UERJ)
Marísia Teixeira Carneiro (UERJ)
Introdução
Neste trabalho apresentamos o quadro teórico, o método e os resultados das análises das expressões qualificativas usadas por alunos do ensino fundamental em redações escolares (narrativas), tendo como orientação básica a seguinte questão: De que modo as formas de qualificação sinalizam a identidade do sujeito enunciador em seus aspectos lingüísticos e ideológicos?
Ao falar ou escrever, o sujeito comunicante (ou locutor) é o ser do Fazer, do mundo. Organiza seu discurso em função de sua própria identidade (psicossocial), da imagem que se tem de seu interlocutor e do que já foi dito. A situação de comunicação revela a identidade social e psicológica dos parceiros que se comunicam. Ao estabelecer esta situação, os parceiros constroem uma identidade linguageira (uso dos signos verbais e/ou não-verbais) que não é da mesma natureza da identidade psicossocial, apesar de contribuir para a identificação desta e para a discursividade.
Em textos escolares as expressões lingüísticas empregadas podem ser entendidas como manifestações da subjetividade do eu enunciador, que dessa forma constrói uma imagem de si próprio para seu parceiro do intercâmbio comunicativo (interlocutor, o sujeito destinatário). Sendo assim, podemos dizer que é possível conhecer parte da identidade psicossocial do sujeito enunciador através do uso que este faz das expressões da língua, atuando na interface do lingüístico e ideológico. O sujeito enunciador é o ser do Dizer, da palavra.
Logo, a hipótese desta pesquisa é que as formas de qualificação, como categorias da língua, podem nos permitir fazer um delineamento parcial da identidade psicossocial dos alunos, considerando-se que a identidade lingüística é parte desta última.
Fundamentação teórica
Os conceitos utilizados como base teórica para este trabalho fazem parte da teoria semiolingüística de Patrick Charaudeau (Grammaire du sens et de l’expression, 1992), de onde destacamos a noção de qualificação, sua classificação e seus efeitos semânticos produzidos por estas classificações dentro do discurso.
Segundo Charaudeau (1992), qualificação se define como um processo que consiste em atribuir uma propriedade a um SER, sendo que propriedade é uma qualidade particular que identifica o SER através de uma maneira de ser ou uma maneira de agir. Como estas propriedades são o resultado da maneira pela qual o homem percebe e constrói a significação do mundo, elas revelam, através de procedimentos formais da linguagem, o modo como o homem-sujeito falante/autor vê as qualidades dos seres e, portanto, revelam a sua identidade. Podemos, assim, destacar três tipos modos de visão (visão objetiva, subjetiva e objetiva relativa).
A visão objetiva corresponde ou a uma percepção física dos objetos, ou a um conhecimento antropológico dos seres, ou a um conhecimento institucional, por exemplo: casal de idosos, roupa vermelha. A um julgamento feito por um sujeito ou pela coletividade sobre o que é percebido relaciona-se a visão subjetiva, que se manifesta através de uma apreciação positiva ou negativa sobre alguma coisa, por exemplo: livro interessante, filme engraçado. Já a visão objetiva relativa corresponde a uma percepção física dos objetos do mundo, mas que inclui uma avaliação que depende de um sistema graduado, cujo critério dependerá das normas referentes ao sujeito ou a determinada sociedade, como podemos ver no exemplo: a menina estava atrasada, roupa pequena.
Segundo Patrick Charaudeau, existem dois tipos de processos qualificação: o processo de qualificação dos seres onde as propriedades identificam o ser através de seus estados qualitativos, e o processo de qualificação das ações onde as propriedades identificam o ser através de seu comportamento. Estes dois tipos podem ser configurados a partir de um processo de colocação em dependência de palavras denominadas qualificantes em relação a outras denominadas qualificados. Para realizar a colocação em dependência, é necessário levar em conta a categoria gramatical a que pertence o qualificante e o lugar ocupado pelo qualificante, antes ou após o termo qualificado, dois tipos de classificação do processo de qualificação, que são enfocados neste trabalho.
Em relação à classe gramatical do qualificante, entendemos que, para qualificar, a palavra que não for dependente por natureza (como o verbo e o substantivo) deve perder sua autonomia semântica e se submeter a um tipo de construção particular feita a partir de uma preposição ou de um relativo: (casa de boneca).
Através desse embasamento teórico, reunimos dados que, quantativa e qualitativamente, nos serviram para revelar parte da identidade linguageira do sujeito enunciador como um aspecto revelador da sua identidade psicossocial. Assim conhecemos um dos elos entre gramática e discurso, na medida em que a linguagem é um elemento organizador da experiência humana e, como tal, serve de instrumento fundamental na análise da ideologia.
Metodologia
Primeiramente para analisar as redações ( 126 no total ) produzidas por duas turmas (601 e 602) de uma escola do ensino fundamental foi empregado o método quantitativo em duas fases de produção textual. Diante destes resultados quantitativos, escolhemos as redações produzidas pelos alunos da turma 602 para prosseguirmos com a etapa seguinte que consiste na interpretação dos dados relativos às qualificações dos seres, por ter sido este o tipo de qualificação mais empregado pelos alunos em seus textos, conforme foi verificado nas análises quantitativas. As escolhas feitas pelo aluno/autor, em cada redação, foram interpretadas tendo em vista as formações ideológicas dominantes e o sentido do texto em sua totalidade. Nesta etapa das análises, buscamos determinar o modo de visão do sujeito enunciador, que se encontra expresso em cada qualificação. Como processo próprio da descrição, a qualificação atua, na narração, como espelho do sujeito enunciador enquanto ser no mundo.
Resultados
Apresentamos os índices gerais das análises das expressões qualificativas quanto ao tipo de qualificação (dos seres e das ações); a posição do qualificante em relação ao qualificado; a categoria formal da língua a que pertence o qualificante e os modos de visão de mundo (objetiva, subjetiva, objetiva relativa).
4.1- Quanto ao tipo de qualificação
Nas análises realizadas verificamos alta freqüência de qualificações dos seres ( 97% na turma 601 e 92% na turma 602) e baixa freqüência de qualificações das ações ( 3% na turma 601 e 8% na turma 602). Tais ocorrências podem estar relacionadas à tendência dos sujeitos enunciadores a focalizar os seres através de atributos ou condições das coisas ou das pessoas capazes de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza (fator correspondente às qualificações dos seres). Ao contrário, a baixa freqüência de qualificações das ações, nos mostram que os sujeitos enunciadores não atribuem, de modo significativo, propriedades que identifiquem os seres através da maneira pela qual estes realizam alguma ação ( fator correspondente às qualificações das ações).
4.2 - Quanto ao tipo de posição do qualificado em relação ao qualificante
Observamos baixo índice de expressões onde ocorre anteposição do qualificado ( 9,6 % na turma 601 e 12 % na turma 602) e alto índice de expressões que apresentam posposição do qualificado ( 90 % na turma 601 e 88 % na turma 602).
Assumimos que nas análises da tipo de posição do qualificado, a anteposição dá ao discurso um sentido qualitativo e subjetivo, enquanto a posposição sugere um sentido explicativo, analítico e objetivo. Admitindo que as freqüências obtidas da anteposição foram baixas, percebemos que, pelo recurso da posição do qualificante, a identidade do sujeito enunciador não se manifesta segundo uma percepção de mundo mais qualitativa. Em contrapartida, quanto ao recurso da posposição, constatamos que nas redações analisadas, a identidade do sujeito enunciador se manifesta em uma relação objetiva com o real.
4.3 - Quanto à categoria formal de língua a que pertence o qualificante
Destacamos o adjetivo ( 64 % na turma 601 e 54 % na turma 602) por ter sido esta a categoria de língua predominante nas expressões qualificativas. Considerando que o adjetivo destaca uma parte fixa do qualificado, podemos afirmar que o uso de adjetivos no processo de qualificação pode refletir uma visão de mundo fotográfica (estática e atemporal) por parte do enunciador. À proporção que os adjetivos vão se referindo ao interior do ser, às suas características psicológicas, podemos dizer que mais estática será a visão de mundo do sujeito enunciador, já que este tenta através dessas qualificações, captar o objeto, tirando dele as relações que pode ter com o tempo. Em havia mesas e em havia mesas redondas, o adjetivo da segunda frase, ao especificar a idéia de mesa, evidencia também que pode particularizar o mundo, pois é capaz de dividir este mundo em diversos conjuntos e subconjuntos.
4.4 - Quanto aos modos de visão de mundo (relativo à turma 602)
Visão Objetiva 41% |
Visão Subjetiva 52% |
Visão Objetiva Relativa 7% |
A proposta de redação feita em sala de aula consistiu na produção de um texto narrativo, cujo elemento principal (o enredo) gera, por natureza, a necessidade de se utilizar uma série de atributos, que serão capazes de traçar o perfil de algum elemento da narrativa e de construir uma imagem, uma realidade imaginária, que por sua vez irá envolver o leitor de modo que este se identifique com a referida realidade.
O gênero narrativo, portanto, provoca uma necessidade de o sujeito enunciador manifestar-se subjetivamente no texto, uma vez que na emissão de atributos expressará julgamentos individuais a respeito dos objetos da realidade, a qual se transforma na medida em que o sujeito enunciador empresta a ela suas impressões pessoais. Logo, o fato de a visão subjetiva ter sido mais freqüente nesta etapa da análise, além de poder ser atribuído ao modo de discurso narrativo, pode ser relacionado a uma maior identificação por parte do sujeito enunciador com o propósito da redação nesta fase.
Conclusões
As análises efetuadas revelam que o código linguageiro do sujeito enunciador segue uma tendência sustentada pela tradição gramatical : o processo semântico pelo qual se realiza o fenômeno da qualificação geralmente não é definido, sendo que as categorias formais da língua usadas para qualificar são tratadas em casos distintos.
O adjetivo é a classe de palavras a que mais se habitua associar o processo de qualificação. Como este também configura a qualificação dos seres, a conseqüência disso invariavelmente é a maior porcentagem das qualificações dos seres em relação a das ações, no quadro de freqüência de qualificações.
No que diz respeito à posição do qualificante em relação ao qualificado é importante determinar qual é o efeito semântico produzido pelos dois tipos e, na hora de produção do discurso, o sujeito falante poder formular seu enunciado de acordo com a sua intenção discursiva. No entanto, nas análises da posição não percebemos que os sujeitos enunciadores possuem a consciência destas diferenças de sentido e, por isso, seguem a uma tendência da língua sem atentar para um propósito discursivo. A acentuada diferença entre os índices de freqüência de cada posição nos faz confirmar baixo grau de consciência lingüística.
Ao produzir um texto, o aluno, além de projetar mentalmente uma imagem institucional constituída pela escola, freqüentemente escreve para um único leitor para seu texto (o professor), o que deve fazê-lo sentir-se em processo de avaliação. Isto se reflete em suas redações onde geralmente não podemos perceber um maior envolvimento entre o sujeito enunciador e o propósito textual, pois, dentro desses textos, é baixa a percentagem das marcas lingüísticas que evidenciem traços subjetivos da identidade do sujeito enunciador. Esta revela um conhecimento incipiente do código linguageiro, necessário ao desenvolvimento da escrita. Parece-nos que o desenvolvimento da consciência lingüística do aluno associado à liberdade de escrever, sem a opressão de um avaliador sempre presente, pode ter efeitos positivos na discursividade dos textos produzidos em sala de aula.
Referências Bibliográficas
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral I. 3ª ed. - Campinas : UniCamp, 1991.
CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris : Hachette,1992.
-------. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, Agostinho Dias (org.). O discurso da mídia. Rio de janeiro : Oficina do autor, 1996.
MARCONDES, Danilo. Filosofia da linguagem e comunicação. 2ª ed. São Paulo : Cortez, 1992.
O PROCESSO DE QUALIFICAÇÃO
COMO FORMA DE EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE
DO SUJEITO ENUNCIADOR
Lívia Lemos Duarte (UERJ)
Marísia Teixeira Carneiro (UERJ)
Introdução
Neste trabalho apresentamos o quadro teórico, o método e os resultados das análises das expressões qualificativas usadas por alunos do ensino fundamental em redações escolares (narrativas), tendo como orientação básica a seguinte questão: De que modo as formas de qualificação sinalizam a identidade do sujeito enunciador em seus aspectos lingüísticos e ideológicos?
Ao falar ou escrever, o sujeito comunicante (ou locutor) é o ser do Fazer, do mundo. Organiza seu discurso em função de sua própria identidade (psicossocial), da imagem que se tem de seu interlocutor e do que já foi dito. A situação de comunicação revela a identidade social e psicológica dos parceiros que se comunicam. Ao estabelecer esta situação, os parceiros constroem uma identidade linguageira (uso dos signos verbais e/ou não-verbais) que não é da mesma natureza da identidade psicossocial, apesar de contribuir para a identificação desta e para a discursividade.
Em textos escolares as expressões lingüísticas empregadas podem ser entendidas como manifestações da subjetividade do eu enunciador, que dessa forma constrói uma imagem de si próprio para seu parceiro do intercâmbio comunicativo (interlocutor, o sujeito destinatário). Sendo assim, podemos dizer que é possível conhecer parte da identidade psicossocial do sujeito enunciador através do uso que este faz das expressões da língua, atuando na interface do lingüístico e ideológico. O sujeito enunciador é o ser do Dizer, da palavra.
Logo, a hipótese desta pesquisa é que as formas de qualificação, como categorias da língua, podem nos permitir fazer um delineamento parcial da identidade psicossocial dos alunos, considerando-se que a identidade lingüística é parte desta última.
Fundamentação teórica
Os conceitos utilizados como base teórica para este trabalho fazem parte da teoria semiolingüística de Patrick Charaudeau (Grammaire du sens et de l’expression, 1992), de onde destacamos a noção de qualificação, sua classificação e seus efeitos semânticos produzidos por estas classificações dentro do discurso.
Segundo Charaudeau (1992), qualificação se define como um processo que consiste em atribuir uma propriedade a um SER, sendo que propriedade é uma qualidade particular que identifica o SER através de uma maneira de ser ou uma maneira de agir. Como estas propriedades são o resultado da maneira pela qual o homem percebe e constrói a significação do mundo, elas revelam, através de procedimentos formais da linguagem, o modo como o homem-sujeito falante/autor vê as qualidades dos seres e, portanto, revelam a sua identidade. Podemos, assim, destacar três tipos modos de visão (visão objetiva, subjetiva e objetiva relativa).
A visão objetiva corresponde ou a uma percepção física dos objetos, ou a um conhecimento antropológico dos seres, ou a um conhecimento institucional, por exemplo: casal de idosos, roupa vermelha. A um julgamento feito por um sujeito ou pela coletividade sobre o que é percebido relaciona-se a visão subjetiva, que se manifesta através de uma apreciação positiva ou negativa sobre alguma coisa, por exemplo: livro interessante, filme engraçado. Já a visão objetiva relativa corresponde a uma percepção física dos objetos do mundo, mas que inclui uma avaliação que depende de um sistema graduado, cujo critério dependerá das normas referentes ao sujeito ou a determinada sociedade, como podemos ver no exemplo: a menina estava atrasada, roupa pequena.
Segundo Patrick Charaudeau, existem dois tipos de processos qualificação: o processo de qualificação dos seres onde as propriedades identificam o ser através de seus estados qualitativos, e o processo de qualificação das ações onde as propriedades identificam o ser através de seu comportamento. Estes dois tipos podem ser configurados a partir de um processo de colocação em dependência de palavras denominadas qualificantes em relação a outras denominadas qualificados. Para realizar a colocação em dependência, é necessário levar em conta a categoria gramatical a que pertence o qualificante e o lugar ocupado pelo qualificante, antes ou após o termo qualificado, dois tipos de classificação do processo de qualificação, que são enfocados neste trabalho.
Em relação à classe gramatical do qualificante, entendemos que, para qualificar, a palavra que não for dependente por natureza (como o verbo e o substantivo) deve perder sua autonomia semântica e se submeter a um tipo de construção particular feita a partir de uma preposição ou de um relativo: (casa de boneca).
Através desse embasamento teórico, reunimos dados que, quantativa e qualitativamente, nos serviram para revelar parte da identidade linguageira do sujeito enunciador como um aspecto revelador da sua identidade psicossocial. Assim conhecemos um dos elos entre gramática e discurso, na medida em que a linguagem é um elemento organizador da experiência humana e, como tal, serve de instrumento fundamental na análise da ideologia.
Metodologia
Primeiramente para analisar as redações ( 126 no total ) produzidas por duas turmas (601 e 602) de uma escola do ensino fundamental foi empregado o método quantitativo em duas fases de produção textual. Diante destes resultados quantitativos, escolhemos as redações produzidas pelos alunos da turma 602 para prosseguirmos com a etapa seguinte que consiste na interpretação dos dados relativos às qualificações dos seres, por ter sido este o tipo de qualificação mais empregado pelos alunos em seus textos, conforme foi verificado nas análises quantitativas. As escolhas feitas pelo aluno/autor, em cada redação, foram interpretadas tendo em vista as formações ideológicas dominantes e o sentido do texto em sua totalidade. Nesta etapa das análises, buscamos determinar o modo de visão do sujeito enunciador, que se encontra expresso em cada qualificação. Como processo próprio da descrição, a qualificação atua, na narração, como espelho do sujeito enunciador enquanto ser no mundo.
Resultados
Apresentamos os índices gerais das análises das expressões qualificativas quanto ao tipo de qualificação (dos seres e das ações); a posição do qualificante em relação ao qualificado; a categoria formal da língua a que pertence o qualificante e os modos de visão de mundo (objetiva, subjetiva, objetiva relativa).
4.1- Quanto ao tipo de qualificação
Nas análises realizadas verificamos alta freqüência de qualificações dos seres ( 97% na turma 601 e 92% na turma 602) e baixa freqüência de qualificações das ações ( 3% na turma 601 e 8% na turma 602). Tais ocorrências podem estar relacionadas à tendência dos sujeitos enunciadores a focalizar os seres através de atributos ou condições das coisas ou das pessoas capazes de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza (fator correspondente às qualificações dos seres). Ao contrário, a baixa freqüência de qualificações das ações, nos mostram que os sujeitos enunciadores não atribuem, de modo significativo, propriedades que identifiquem os seres através da maneira pela qual estes realizam alguma ação ( fator correspondente às qualificações das ações).
4.2 - Quanto ao tipo de posição do qualificado em relação ao qualificante
Observamos baixo índice de expressões onde ocorre anteposição do qualificado ( 9,6 % na turma 601 e 12 % na turma 602) e alto índice de expressões que apresentam posposição do qualificado ( 90 % na turma 601 e 88 % na turma 602).
Assumimos que nas análises da tipo de posição do qualificado, a anteposição dá ao discurso um sentido qualitativo e subjetivo, enquanto a posposição sugere um sentido explicativo, analítico e objetivo. Admitindo que as freqüências obtidas da anteposição foram baixas, percebemos que, pelo recurso da posição do qualificante, a identidade do sujeito enunciador não se manifesta segundo uma percepção de mundo mais qualitativa. Em contrapartida, quanto ao recurso da posposição, constatamos que nas redações analisadas, a identidade do sujeito enunciador se manifesta em uma relação objetiva com o real.
4.3 - Quanto à categoria formal de língua a que pertence o qualificante
Destacamos o adjetivo ( 64 % na turma 601 e 54 % na turma 602) por ter sido esta a categoria de língua predominante nas expressões qualificativas. Considerando que o adjetivo destaca uma parte fixa do qualificado, podemos afirmar que o uso de adjetivos no processo de qualificação pode refletir uma visão de mundo fotográfica (estática e atemporal) por parte do enunciador. À proporção que os adjetivos vão se referindo ao interior do ser, às suas características psicológicas, podemos dizer que mais estática será a visão de mundo do sujeito enunciador, já que este tenta através dessas qualificações, captar o objeto, tirando dele as relações que pode ter com o tempo. Em havia mesas e em havia mesas redondas, o adjetivo da segunda frase, ao especificar a idéia de mesa, evidencia também que pode particularizar o mundo, pois é capaz de dividir este mundo em diversos conjuntos e subconjuntos.
4.4 - Quanto aos modos de visão de mundo (relativo à turma 602)
Visão Objetiva 41% |
Visão Subjetiva 52% |
Visão Objetiva Relativa 7% |
A proposta de redação feita em sala de aula consistiu na produção de um texto narrativo, cujo elemento principal (o enredo) gera, por natureza, a necessidade de se utilizar uma série de atributos, que serão capazes de traçar o perfil de algum elemento da narrativa e de construir uma imagem, uma realidade imaginária, que por sua vez irá envolver o leitor de modo que este se identifique com a referida realidade.
O gênero narrativo, portanto, provoca uma necessidade de o sujeito enunciador manifestar-se subjetivamente no texto, uma vez que na emissão de atributos expressará julgamentos individuais a respeito dos objetos da realidade, a qual se transforma na medida em que o sujeito enunciador empresta a ela suas impressões pessoais. Logo, o fato de a visão subjetiva ter sido mais freqüente nesta etapa da análise, além de poder ser atribuído ao modo de discurso narrativo, pode ser relacionado a uma maior identificação por parte do sujeito enunciador com o propósito da redação nesta fase.
Conclusões
As análises efetuadas revelam que o código linguageiro do sujeito enunciador segue uma tendência sustentada pela tradição gramatical : o processo semântico pelo qual se realiza o fenômeno da qualificação geralmente não é definido, sendo que as categorias formais da língua usadas para qualificar são tratadas em casos distintos.
O adjetivo é a classe de palavras a que mais se habitua associar o processo de qualificação. Como este também configura a qualificação dos seres, a conseqüência disso invariavelmente é a maior porcentagem das qualificações dos seres em relação a das ações, no quadro de freqüência de qualificações.
No que diz respeito à posição do qualificante em relação ao qualificado é importante determinar qual é o efeito semântico produzido pelos dois tipos e, na hora de produção do discurso, o sujeito falante poder formular seu enunciado de acordo com a sua intenção discursiva. No entanto, nas análises da posição não percebemos que os sujeitos enunciadores possuem a consciência destas diferenças de sentido e, por isso, seguem a uma tendência da língua sem atentar para um propósito discursivo. A acentuada diferença entre os índices de freqüência de cada posição nos faz confirmar baixo grau de consciência lingüística.
Ao produzir um texto, o aluno, além de projetar mentalmente uma imagem institucional constituída pela escola, freqüentemente escreve para um único leitor para seu texto (o professor), o que deve fazê-lo sentir-se em processo de avaliação. Isto se reflete em suas redações onde geralmente não podemos perceber um maior envolvimento entre o sujeito enunciador e o propósito textual, pois, dentro desses textos, é baixa a percentagem das marcas lingüísticas que evidenciem traços subjetivos da identidade do sujeito enunciador. Esta revela um conhecimento incipiente do código linguageiro, necessário ao desenvolvimento da escrita. Parece-nos que o desenvolvimento da consciência lingüística do aluno associado à liberdade de escrever, sem a opressão de um avaliador sempre presente, pode ter efeitos positivos na discursividade dos textos produzidos em sala de aula.
Referências Bibliográficas
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral I. 3ª ed. - Campinas : UniCamp, 1991.
CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris : Hachette,1992.
-------. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, Agostinho Dias (org.). O discurso da mídia. Rio de janeiro : Oficina do autor, 1996.
MARCONDES, Danilo. Filosofia da linguagem e comunicação. 2ª ed. São Paulo : Cortez, 1992.