LEONARDO SCIASCIA
LINGUAGEM, TRADIÇÃO E PODER

Anamaria Vieira Magalhães (UFRJ)
Amarílis Gallo Coelho (UFRJ)

 

Escrever sobre os anseios do homem, sobretudo a partir da Segunda metade do século XX, tem sido um desafio para a grande maioria dos escritores que empreendem uma reflexão sobre este final de século. Entre esses está Leonardo Sciascia (1921-1989), nascido na Sicília, no sul da Itália, em um pequeno lugarejo chamado Racalmuto, que segundo a etimologia árabe significa “lugar morto”. Faz parte desse mundo de intelectuais que indaga a realidade, trazendo à luz os sinais dos conflitos típicos do Novecento italiano.

Sciascia (Xaxa), designação de origem árabe que significa “aba do chapéu” era o filho mais velho de Pasquale Sciascia e Genoveffa Matorelli. Foi através de uma das tias, que o jovem Leonardo teve o seu primeiro contato com o fascismo, ouvindo-a externar todo o ódio nutrido contra Mussolini. Mais tarde, este sentimento de aversão foi incorporado pelo menino, ao concluir que o fascismo não dava oportunidade de pensar, de valorizar e de escolher.

Dentre as inquietudes que o afligiam, já como escritor, à luz de conflitos típicos do Novecento italiano, a que mais de destaca é a morte através da sentença, da escritura, como vemos na obra prima Il giorno della civetta

(...)mas os irmãos Colasberna e os seus sócios mostravam mortal inquietação em sua presença; o terror da impiedosa inquisição, da negra semente da escritura: “Branco campo, negra semente: o homem que a planta, nunca a esquece” - diz o enigma da escritura. (SCIASCIA, 1961: 161).

Colasberna, um dos personagens dessa obra, foi morto porque não quis recorrer à proteção que a máfia prestava. Os homens que não queriam submeter-se àquela lei eram punidos com a morte:

Sabe-se que se nove em dez aceitam proteção, formam uma espécie de consórcio. O décimo, que recusa, é a ovelha negra, (...)um mau exemplo. Portanto, é necessário obrigá-lo a entrar no jogo, ou matá-lo. (Ibidem, p. 19)

O fascismo mostrou a Sciascia tudo que era contra a dignidade, contra a liberdade humana. Desde o início de sua carreira, ele se posicionou contra todas as idéias fascistas, que o afetavam tanto no plano afetivo, quanto nos planos morais e intelectuais. Sua profunda aversão influenciou o seu relacionamento com o pai que fora obrigado a se inscrever no partido para conseguir emprego.

O discurso arrogante, inerente a tudo que se relacionava com a máfia, estava presente nos pequenos grupos de comerciantes, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nos esportes, nas informações e, principalmente, nas relações familiares. Portanto, o tema da máfia, recorrente em sua obra, reflete aquele contato traumático estabelecido por ele, desde o início, com essa forma de poder, e que ele representa com índices de significação, que incluem constatação e revolta, assim como o humor e a ironia, através da voz de seus personagens:

“Mas a máfia, ao menos quanto a certas manifestações que eu pude constatar, existe.”(Ibidem, p. 69) ; “Este aqui, caro amigo, vê máfia por toda parte: um daqueles setentrionais com a cabeça cheia de preconceitos, que tão logo descem do navio, começam a ver máfia em tudo” (Ibidem, p. 32) “A voz pública... Mas o que é a voz pública? Uma voz no ar, uma voz do ar: e traz a calúnia, a difamação, a vingança covarde... E depois, o que é a máfia?... Uma voz, também a máfia (...) (Ibidem, p. 60);

Sciascia constata que poder e máfia são inseparáveis, que eles se perpetuam no tempo histórico, podendo ser expulsos aqui, enfraquecidos ali, mas sempre reaparecem. A razão dessa resistência, segundo Roland Barthes, é que o Poder é:

O parasita de um organismo trans-social ligado à história inteira do homem, não somente à sua história, política, histórica. Esse objeto em que se inscreve o poder, desde toda eternidade humana, é: a linguagem - ou, para ser mais preciso, sua expressão obrigatória: a língua. (BARTHES, R. p. 12)

A palavra máfia, no dialeto siciliano, confunde-se com a sua própria origem, sendo difícil apontar em que época ela começou a ser usada pelo povo da ilha. Máfia, no dialeto siciliano, significa audácia, bazófia, insolência e, provavelmente, vem do árabe mahyah, que por sua vez quer dizer ufanismo.

As causas históricas da sua origem encontram-se imediatamente depois da unificação da Itália, por volta de 1860. Constituía uma organização secreta que tinha a função de fazer justiça entre a população da ilha, contra os grandes proprietários, os baroni, impondo a própria lei numa terra em que grande parte dos sicilianos desconfiava das autoridades e não tinha fé no novo Estado: “A família é o Estado do siciliano. O Estado(...) fica fora: entidade de fato representada pela força; e impõe as taxas, o serviço militar, a guerra, o carabineiro”. (SCIASCIA, L. 1961: 93)

Segundo outros, a máfia surgiu por volta de 1700, época em que o banditismo encontrou na Europa o seu melhor campo de ação. Naquela época, o delinqüente siciliano já se distinguia dos bandidos do Norte da Itália. Entre os infratores meridionais, havia um respeito absoluto por determinados aspectos, que não eram levados em consideração pelos outros bandidos, como por exemplo, honrar: mulheres, mães, estrangeiros, religião e principalmente a palavra dada.

O que se define ainda hoje como o espírito da máfia tem suas raízes numa concepção tipicamente feudal. Esse particular fenômeno de delinqüência, modernamente teve desdobramentos funestos, transformando-se nas temíveis e famosas três irmãs mafiosas da Itália - camorra napolitana, ‘ndrangheta calabresa e cosa nostra siciliana, que nos dias atuais apresentam novas e poderosas ramificações.

A força política exercida pela máfia é um tema obrigatório quando se discorre sobre a Sicília. Os seus vários momentos são naturalmente diferenciados, tanto no período pré-fascista, distanciados pela falta de compromisso com um ideal de democracia, quanto nas páginas literárias mais modernas e artisticamente empenhadas.

O povo siciliano não deve ser culpado pelo crescimento de tal fenômeno, contudo consideramos válido interrogar nessa questão o porquê dessa fermentação. Leonardo Sciascia, como siciliano e morador que foi da ilha, teve importância no debate sobre este fenômeno, não só através de seu profundo envolvimento com a população como também pela agudeza das reflexões sobre a questão mafiosa: “É inútil tentar enquadra em penalidade um homem come este: não haverá nunca provas suficientes; o silêncio dos honestos e dos desonestos o protegerá sempre.” (Ibidem, p. 99)

O crítico italiano Walter Mauro localiza, assim, a questão da máfia na obra sciasciana:

Sciascia distingue duas máfias na análise que faz, ao vivo, de seu país, uma de comportamentos e outra de matanças: ambas perigosas, e indicativas de um hábito mental que a história da Sicília encarregou-se de localizar através do tempo. (MAURO, W. 1979: 18)

O jogo do mafioso é o da ostentação, fazer-se ver com pessoas influentes é o quanto basta para impor respeito e obediência.. O “comportamento mafioso” incide decisivamente sobre comportamentos e escolhas dos sicilianos, que aprenderam a desconfiar do próximo, inclusive da autoridade constituída: “É curioso como por estes lados nos afogamos em cartas anônimas: ninguém, fala, mas, para nossa sorte, digo, nós carabineiros, todos escrevem. Esquecem de assinar, mas escrevem.” (SCIASCIA, L. 1961: 16-17)

O código da máfia demonstra que silêncio e honra fazem parte de um mito sagrado, representado pela omertà, que se origina da palavra omo. Assim, entre os sicilianos, silêncio e honra são qualidades que incluem o sentido do Poder e do respeito. A palavra ominità que pode ser traduzida por machismo ou, segundo Vittorini, mais homem é a origem da omertà. A justiça é, constantemente, obstruída por uma série de pactos de honra e a força do poder institucionalizado é ineficaz: “ - Quem atirou? - Atiraram?”( Ibidem, p. 13) “- Não me lembro(...) pela alma de minha mãe, não me lembro; neste momento de nada me lembro, parece-me que estou sonhando” (Ibidem, p. 12)

A crítica italiana Giovanna Jackson aponta a mesma categoria moral da máfia, ressaltada por Walter Mauro, quando afirma:

Sciascia definitivamente vai contra a Máfia, a saber, na sua original forma siciliana, e ataca a máfia que opera num nível mais abstrato - a Máfia dos valores morais, a Máfia das atitudes psicológicas e sociais. Num certo sentido, esse é agora um tipo abstrato de Máfia, desde que o comportamento mafioso não possa ser descrito como um comportamento específico regional ou contido numa área social ou geográfica. Isto aponta para a percepção última, de que, em qualquer tempo, sendo o homem agressivo e violento contra outro homem, ele é, para Sciascia, um mafioso. (JACKSON, G. 1981: 87)

Líderes da sociedade, representantes da política, da economia e da religião, segundo as denúncias de Sciascia e seus personagens, na realidade, consolidam pactos e negociam secretas alianças, embora pareçam todos homens completamente respeitáveis. Entre esses pilares da sociedade haverá sempre alguém cometendo um delito que permanecerá completamente obscuro:

Não compreendo, não compreendo mesmo: um homem como don Mariano Arena, um cavalheiro: todo casa e igreja; e a idade, pobrezinho, com tantos maus anos sobre as costas, tantas cruzes... E o prendem como um delinqüente(...) (SCIASCIA, L. 1961: 58)

A original máfia siciliana passa a ser uma metáfora de um fenômeno universal conectado com o Poder, a corrupção e a violência. O escritor aponta-nos a evolução desse fenômeno a partir daquela máfia siciliana e folclorística, transformando-se em estado abstrato de corrupção que transcende as dimensões de tempo e espaço:

Mas o capitão sabia(...)que o homem, entre as duas “cosche” de máfia da região (“cosca”, lhe haviam explicado, é a espessa coroa de folhas da alcachofra) estava próximo, senão dentro, daquela que tinha ligações certas (...)com os serviços públicos: enquanto a outra “cosca”, mais jovem e imprudente, tinha a ver(...)com o contrabando de cigarros americanos. (Ibidem, p. 27)

Este existir ab aeterno da máfia na história siciliana apresenta caracteres meta-históricos, na medida em que ela não é traduzível em termos lógicos. A máfia tem uma lógica que Sciascia apresenta, através de seus personagens, como um fato fechado e fatalista..

Dessa forma, a máfia é entendida como centro propulsor da história siciliana, encontrando-se bem radicada na consciência de seu povo, sendo um elemento regulador das variações internas que ocorrem em seus personagens, como podemos constatar em Gli zii di Sicilia. A ação se desenvolve na Sicília de 1948 e conta a história de dois personagens que voltam ao seu paese natal, a Sicilia, para uma visita, depois de muito tempo na América. Através da linguagem dos personagens ítalo-americanos, que misturam italiano e inglês, Sciascia desenvolve o tema do “sonho americano” enquanto, uma vez mais, apresenta sua crítica à máfia:

Minha tia parecia divertir-se, a cada um que vinha visitá-los oferecia como que um instantâneo do parente na América (...)o tal tinha uma “scioppa” (shopping = loja), um outro uma boa “giobba” (job = emprego); um tinha o “storo” (store = depósito), outro trabalhava em uma “farma” (farm = fazenda); todos tinham filhos “all’aiscule” (school = escola) (...)Com estas palavras das quais poucos conheciam o significado, mas certamente deviam indicar coisas boas, minha tia cantava a América (SCIASCIA, L. 1973: 20)

meu tio contou que uma vez se apresentaram dois tipos, pedindo vinte dólares - e toda sexta-feira queremos vinte dólares - disseram. E lhe veio a idéia de falar com Cardella e na sexta seguinte Cardella foi ao “storo” e disse aos dois tipos: (...) aqui ninguém deve vir se fazendo de “smarto” (smart = sabido). Minha tia saltou como se lhe houvesse picado uma vespa: “Sciaràp” ! (shout up = calado) Mas o que? É um mafioso esse Cardella? Perguntou meu tio. Mas que mafioso - disse minha tia - é um cavalheiro: rico, elegante, protege os “paesani” (...) E tu falas e assim ganhas também uma bala na testa (Ibidem, p. 21)

Não existe personagem sciasciano que não tenha como eixo do próprio comportamento essa categoria da máfia e nem cuja psicologia não esteja inicialmente por ela determinada. Logo, quando o autor aborda, por exemplo, o tema da honra, traz à cena uma série de implicações de ordem histórica, moral e social :

(...) - O povo cornudo era e cornudo continua: a diferença é que o fascismo pendurava uma bandeira só nos chifres do povo e a democracia deixa que cada um pendure sua própria bandeira, da cor que lhe agrade, nos próprios chifres (...) (SCIASCIA, L. 1961: 49)

O escritor siciliano serve-se da história como fonte não só de informação, mas também de ensino. Quando envereda por este caminho recusa a fantasia como fonte de sedimentação de uma cultura. Apoia-se na história, imbuído das responsabilidades civis e sociais, além da política. Il Giorno della Civetta (O dia da coruja) faz com que o leitor acompanhe os passos e artimanhas do honesto capitão Bellodi, que investiga uma série de assassinatos numa pequena cidade italiana da Sicília. Republicano e anti fascista, Bellodi é um “mão limpa”ao pé da letra. Esbarra, porém, em redes invisíveis, arrumadas para que a verdade não apareça, dissolvida entre as malhas do Poder:

O capitão sentiu a angústia na qual a lei o constrangia a mover-se(...)Uma excepcional suspensão das garantias constitucionais, na Sicília, por alguns meses, e o mal teria sido extirpado. Mas lhe vieram à memória as repressões de Mori, o fascismo: e reencontrou a medida das próprias idéias, dos próprios sentimentos. (Ibidem, p. 55)

Personagens verídicos criam condições para o diálogo da história - romance tal como ocorre com o livro L’affaire Moro (1978) baseado na morte do político italiano Aldo Moro. Ao interesse por este tipo de literatura, aliado à crônica com fatos históricos, deve-se a recusa de Sciascia pela dita bela literatura, pois era urgente oferecer ao público-leitor uma contínua e tenaz narrativa, baseada na linguagem de crônica, a fim de acompanhar e premência dos novos tempos.

Sciascia é um novelista que não deixa dúvidas em torno de suas reais intenções, isto é, fornecer o coeficiente de persuasão a personagens que devem representar uma situação concreta, em cuja construção, a margem de fantasia do escritor operou com o máximo de segurança.

A história para Sciascia é compreendida como força motriz dos eventos e das idéias. Ela atua como se fosse um livro não acabado, não terminado, levando o próprio autor à tentação de reescrevê-lo. Ao empreender esta tarefa, espera descobrir ainda alguma coisa, um novo fato, uma nova revelação, que escape aos documentos que já conhece, ou seja, um indício qualquer que traga alguma contribuição.

A indagação empreendida pelo escritor, através da história siciliana, mostra a amarga condição do povo insulano de séculos atrás. Ali, vemos refletidos os grandes mitos e todos os componentes que fazem parte desta cultura, olhando não só para a ideologia siciliana, mas também européia. Dessa forma, ele coloca em evidência o conflito entre racional e irracional que em toda sua obra assume diversos matizes, agora com maior eficácia na estrutura do romance histórico, com nuances decisivamente satírico-políticas.

Na configuração dessas nuances e de muitas outras, as escolhas lexicais traçam aspectos de cor local, que não são apenas detalhes do ambiente, mas do próprio homem, em suas características físico-psicológicas. Neste processo de caracterização incluem-se fatos da tradição e do folclore local, assim como outros índices de representação ambiental, como a presença das formas dialetais, que em geral ocorre em narrativas de cunho regional, e que no decorrer da literatura italiana, vem assumindo diversos papéis, como descrve Beccaria:

O dialeto vem sendo encarregado de inúmeras funções, como instrumento se serviço do mundo popular(...); documento e denúncia; sugestão e nostalgia de um mundo e de uma ordem antiga; transcrição direta da realidade, instrumento de objetividade e de informação; representação de um ambiente, de afetos e de valores(...)mas também de deformação, do cômico, da caricatura, da ironia e da degradação; mas também evocação do mítico e do remoto, léxico tribal de um mundo patriarcal, ou vencido, humilhado e doloroso, de extraordinária dignidade. (BECCARIA, G.L. 1983: 19)

É importante ressaltar que entre os inúmeros índices de caracterização local, além das expressões típicas do lugar, os provérbios e ditos populares ocorrem freqüentemente e funcionam como índices de tradição popular, além de marcarem aspectos históricos e políticos da Sicília como um todo. Podemos constatr essa afirmativa, com facilidade em Il Giorno della Civetta (O Dia da Coruja), cujo título representa uma crença do lugar, ou seja, o mau agouro, assim como “Occhio di Capra” (Olho de cabra ), coletânea que documenta a linguagem do povo siciliano, cujo título define já um dos ditos populares mencionados pela obra., como veremos a seguir:

Uocchiu di capra. Occhio di Capra. Diz-se do sol, quando, ao anoitecer, fica cortado obliquamente por listas de nuvens, lembrando uma pupila que olha estrabicamente. Costuma ser indício de chuva para o dia seguinte, na mesma hora. (SCIASCIA, L. 1984: 111-112)

Era muito bonita a viúva(...)Falava um dialeto compreensível(...)à própria senhora perguntava o significado de certas palavras, e ela algumas vezes conseguia encontrar a palavra correspondente em italiano, ou com uma frase em dialeto explicava o termo dialetal (SCIASCIA, L. 1961: 37)

Ela disse “ingiuria”, e pela primeira vez o capitão precisou da interpretação do marechal. - Sobrenome - disse o marechal - aqui quase todos têm sobrenome: e algunstão ofensivos que são realmente “ingiurie” ; “...as “ingiurie”: que freqüentemente, agudamente, exprimiam um caráter. (Ibidem, p. 39-40)

‘ngiuria. Ingiuria. É o sobrenome em geral injurioso(...); mas aqui a ‘ giuria é unicamente o sobrenome, e o “ingiuriare” se define como renovar os sobrenomes, adequando-os aos caracteres físicos ou morais, de um ou mais membros da família. (SCIASCIA, L. 1984: 86)

Há “ingiurie”que colhem as características ou os defeitos físicos de um indivíduo - dizia o capitão - e outras que colhem as características morais; outras ainda que se referem a um particular acontecimento ou episódio. E há ainda as “ingiurie” herdadas, estendidas a toda uma família(...) Conheci um indivíduo de sobrenome “lu chiuppu”, isto é, o “pioppo” ( álamo = espécie de árvore), pela estatura e por uma espécie de tremos que o move: assim me explicaram... (SCIASCIA, L. 1961: 41)

E como tratou minha esposa, quando foi ao quartel para saber notícias: um cão raivoso... “Cu si mitti cu li sbirri” - diz assim o provérbio - “ci appizza lu vinu e li sicarri” (Quem se mete com a polícia, fica sem vinho e sem sigarros) (26 (Ibidem, p. 49)

...tremenda revelação de um dúplice homicídio, com essas precisas palavras - “partivu pi astutàrinni unu e mi tuccà astutàrini du” (Parti para ajustar um e devo agora ajustar dois) (Ibidem, p. 70)

Após um longo silêncio disse que, colocando-se assim as coisas, lhe restava fazer o que fez Sansão - “mori Sansuni” - “cu tuttu lu cumpagnuni” ( Morre Sansão com todos os companheiros) (Ibidem, p. 72)

Um pouco brincand, e porque sabia que o capitão era curioso de certas expressões populares, o brigadeiro disse: “ - E lu cuccu ci dissi a li cuccuotti: a lu chiarchiaru nni vidiemmu tutti” - e logo curioso o capitão lhe perguntou o significado. O brigadeiro traduziu : “E o cuco disse aos próprios filhos: no “chiarchiaro, nos encontraremos todos” - e acrescentou que talvez queira dizer que nos encontraremos todos na morte, a imagem do “chiarchiaro” ( lugar pedregoso e cheio de buracos), quem sabe por que, significava assim a idéia da morte (Ibidem, p. 84)

Como podemos constatar, os temas recorrentes em Sciascia, que se incluem predominantemente no conflito Poderes constituídos x Povo, têm nas escolhas lexicais um caminho válido de significação, com ênfase naquilo que é mais peculiar ao ambiente representado, ou seja, a linguagem, que reflete, ao mesmo tempo, a espontaneidade, o medo e o constrangimento do povo siciliano em geral.

O processo narrativo torna-se, assim, natural e simples, na medida em que a fantasia procura sempre abrir espaço para os fatos nus:

Nada de fantasia, lhe havia recomendado o superior. Está bem, nada de fantasia. A Sicília é toda uma fantástica dimensão: e como se pode estar dentro dela sem fantasia? Está bem: somente os fatos. Os fatos eram estes: um certo Colasberna tinha sido assassinado(...) (Ibidem, p. 34)

Sciascia documenta, como personagem e observador, uma sociedade repleta de contrastes, onde a realidade verdadeira é narrada e contraposta à realidade romanesca, que está sempre presente, nas aspirações da imaginação popular. A experiência do histórico em tal dimensão se dá, na proporção em que, todo acontecimento é um fenômeno da humanização do homem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARTHES, R. Aula. São Paulo : Cultrix. Trad. Leyla Perrone Moysés.

BECCARIA, G.L. Letteratura e Dialetto. Bologna : Zanichelli, 1983

JACKSON, G. Leonardo Sciascia. Ravenna : Longo, 1981.

MAURO, W. Leonardo Sciascia. Firenze : La Nuova Itália, 1979.

SCIASCIA, L. Gli zii di Sicília. Limano : Bompiani, 1973.

SCIASCIA, L. Il Giorno della Civetta. Torino : Einaudi, 1961.

SCIASCIA, L. Occhio di Capra. Torino : Einaudi