FILOLOGIA E LINGÜÍSTICA EM AÇÃO COMO RESSUSCITAR UMA LÍNGUA O CASO DO HEBRAICO

Carvalho Oliveira  

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende dar uma visão geral de como procedimentos filológicos e lingüísticos , servindo à vontade política dos judeus de viverem como um povo livre e soberano na pátria de seus ancestrais , a Palestina , conseguiram restaurar como língua falada e moderna um idioma que há quase dois mil anos havia desaparecido da comunicação diária do povo a cuja cultura e sentimento de nacionalidade servia de veículo : o hebraico.

A partir dos textos sagrados em hebraico e aramaico e do estudo da estrutura dessas línguas , em si mesmas e no contexto mais amplo das línguas semíticas, mortas ou vivas , é que se logrou a base para a restauração da velha língua de Hever enquanto o vernáculo do moderno Estado de Israel. Para tal , um grupo de homens de estudo e eruditos , sob a liderança e o pioneirismo do filólogo, lexicógrafo e lexicólogo Eliezer Ben Yehuda, reuniu-se para a monumental tarefa de extrair do passado os elementos lingüísticos e vocabulares que fossem capazes de dar corpo à cultura de uma nação secular e moderna .

Explicitar os recursos que esse grupo de visionários utilizou para tornar o hebraico uma língua funcional e contemporânea , para  divulgar e legalizar as inovações em seu léxico e estrutura e, sobretudo , para que o povo efetivamente adotasse a antiga / nova língua como instrumento de comunicação para todas as facetas da vida diária da nação torna-se o objetivo principal desta comunicação .

 

UM POUCO DE HISTÓRIA

Em 1948, juntamente com o Estado de Israel, fundava-se a Academia de Língua Hebraica. Sucessora do Comitê de Língua Hebraica,  fundado em 1890, as atribuições da Academia referem-se a todas as questões de normatização da língua hebraica enquanto veículo de comunicação diária em todas as esferas da vida social do país .

[1].

Haskalá ( iluminismo judaico ). Segundo essa corrente de pensamento , havia a necessidade de uma renovação e modernização da vida judaica , que só seria alcançada plenamente por um retorno vivificante ás fontes clássicas da cultura e do idioma hebreus , balizados pela moderna e laica cultura européia ocidental . Nesse período , obras científicas e de posa literária moderna foram escritas e traduzidas para o hebraico, o que demandava uma adaptação do antigo idioma aos novos conceitos veiculados por esses escritos .

aliot (migrações)[2].

Yehudi, daber ivrit ( judeu , fale o hebraico), Ben Yehuda punha em prática tudo o que pregava, tanto que , quando nasceu seu filho , Itamar, Yehuda proibiu que alguém se dirigisse a ele em qualquer língua que não fosse o hebraico, incluindo aí a mãe da criança . Itamar, então , foi a primeira criança que , em 1. 700 anos , teve o hebraico como língua materna .

}wtu (}wuc (}wlm (Thesaurus Hebraitatis, contendo palavras de todos os períodos do idioma , bem como palavras modernas, muitas das quais criadas por ele e ainda em uso em Israel.

Com a criação da Academia de Língua Hebraica, todo o processo de criação e divulgação de novos vocábulos foi centralizado e sistematizado, estando entre suas atribuições as seguintes tarefas : criar palavras e  tomar decisões em matéria de terminologia , gramática , grafia e transliteração. As palavras novas e as decisões da ALH tornam-se elementos obrigatórios nos programas escolares , nos livros de textos , dicionários e imprensa falada e escrita (a Academia é responsável pelo hebraico falado nas transmissões da Rádio Nacional de Israel) Durante os anos de pioneirismo e de imigração em maça para o recém-criado Estado , listas de palavras novas , seus significados e usos eram divulgadas também por jornais populares , destinados aos imigrantes e a seus professores nos cursos de hebraico intensivo a eles oferecidos ([3].

       Arcaico : aparece em partes dos livros mais antigos da Bíblia ;

       Período do Primeiro Templo ( cerca de 1055 a. C. até 586 a. C): língua do Pentateuco e do livro dos Primeiros Profetas .

       Posterior : língua dos livros do Segundo templo , como Crônicas , Esdras e Neemias, Eclesistes e Daniel.

Mishná. Nesse período , o hebraico e o aramaico convivem lado a lado nos textos , influenciando-se mutuamente. O hebraico talmúdico contém grande número de vocábulos que denotam objetos e atividades do dia-a-dia e da agricultura , provavelmente palavras já utilizadas no período bíblico, mas que aí não aparecem divido à natureza dos assuntos de que se ocupam as Sagradas Escrituras .

® raiz : Pakid ( funcionário , dyqp) ® raiz P-K-D (dyqp). As vogais i, intercalas na raiz , fazem parte de um padrão nominal de formação de substantivos [4] ( apesar de existirem sinais diacríticos para  representar as vogais , que não fazem parte do alfabeto hebraico, as mesmas comumente são omitidas da escrita , estando presente apenas no texto bíblico, em poesias ou em textos para iniciantes).

       procura-se nas fontes escritas o significado desejado;

       caso o mesmo não seja encontrado, a pesquisa ainda se atém às fontes escritas , na busca de um significado apropriado . Nesse processo pode haver ampliação ou redução do sentido de uma palavra . Como exemplo , temos a palavra        quando o método anteriormente citado falha , é necessária a criação de uma nova forma gramatical , através de uma raiz hebraica existente nas fontes escritas que mantenha alguma relação ou proximidade de significado com o conceito procurado. Tais formas são criadas pelo uso dos padrões clássicos de criação de palavras do hebraico ( alguns padrões são aramaicos ). Por esse método , foram criadas, por exemplo : - bcjm (bcj ( calcular ) - hyrfm (rfm ( chuva );

       quando não são encontradas raízes hebraicas, o processo anterior é aplicado a raízes semíticas, preferindo-se, nessa ordem , o aramaico e o árabe . Exemplo de palavra formada por esse processo : - trks (rkws (       se o processo de cunhar palavras utilizando radicais hebraicos e semíticos falha, recorre a raízes de outras famílias de línguas (indo-européias, principalmente). Exemplo de palavra cunhada segundo esse processo (raramente utilizado pelos filólogos e lingüistas da Academia): - tcrbm (crb, extraída do alemão BüRSte, correspondente ao iídiche BeRSHtale e ao inglês BruSH.

        Aproveitamento de palavras hebraicas foneticamente semelhantes a palavras estrangeiras, emprestando-se o seu significado. Esse processo não se usa mais hoje em dia, e muitas das palavras assim cunhadas foram substituídas por palavras “mais hebraicas”: - urylwj (lwk-yfrp (       Hebraização de expressões estrangeiras, por decalque. Geralmente, resultam em palavras compostas, o que não é uma das principais características morfológicas do hebraico; daí, sua relativa escassez: - \ydly-}g (kindergarten.(jardim de infância) - lsrwdk (kadursal, basquete, literalmente “bola de cesta”), decalque do inglês basketball (basquete);

       Finalmente, há os empréstimos de palavras consideradas como internacionais, escritas em alfabeto hebraico e adaptadas á fonética do idioma: telefon, psichologuiabikoret/kriktika (crítica literária),        familiaridade dos judeus com o idioma, por sua utilização nos estudos dos textos religiosos e serviços sinagogais;

       nacionalismo dos restauradores da língua e das sucessivas gerações de israelenses;

       trabalho metódico e organizado da ALH;

       credibilidade e autoridade dos sábios e estudiosos da ALH;

       política lingüística do Estado de Israel, adotando, apoiando e divulgando as inovações da ALH.

As origens do léxico do hebraico moderno. São Paulo: FFLCH/USP, 1980.

Dicionário Hebraico Português. São Paulo: Edusp, 1995.

Gramática Hebraica. Rio de Janeiro: CEPAD, 2002.

GLINERT, Lewis. : Cambridge University Press, 1989.

------. : Rutledge, 1996.



[1] Não se sugere aqui a existência concreta do patriarca, mas que sua figura mítica aponte para uma realidade histórica maior, como um símbolo das diversas tribos seminômades que chegaram ao crescente fértil, vindas do Oriente, aproximadamente 1. 900 anos de cristo (final da Idade do Bronze).

[2] Já nas primeiras décadas do século XX, os imigrantes judeus, antes mesmo de saírem da Europa, passavam por um rigoroso treinamento agrícola e lingüístico, de modo que já chegassem à palestina falando o hebraico.

[3] Nos primeiros anos da Nova Colonização Judaica na Palestina, os imigrantes eram, em sua maioria, poliglotas, falando o iídiche, o russo, o alemão, o polonês, principalmente. Os imigrantes que chegaram ao país depois de 1948 vinham dos países árabes, tendo como línguas principais o árabe, o persa e o turco, além de dialetos judaicos locais dos países de origem.

[4] Esses padrões de construção de palavras são chamados de Mishkalim, e também incluem prefixos e sufixos consonantais (vocalizados ou não).