As
Teorias
de Lessing e Hölderlin e
sua
Aplicabilidade na
Tradução
Intersemiótica da
Poesia
Concreta
Cristina Monteiro de Castro
Pereira (UERJ)
Vídeo
poesia:
imagem,
som,
música,
animação,
montagem. Uma
poesia representante do Zeitgeist do
terceiro
milênio, formada
por
um
jogo de
fragmentos sobrepostos
que agem simultaneamente
sobre o
receptor, provocando
sensações,
instantes de
percepção. A plurinomeada
vídeo
poesia (ou clipoema,
poesia intersemiótica, ciberpoesia) é montada no
computador.
Linguagens e
meios trabalham ao
mesmo
tempo, interagindo e "intersignificando" sincrônica
e dinamicamente,
como no
cinema. O
poema torna-se cinético.
Os
poetas do
grupo
concretista, tradicionalmente
inovadores, perceberam as possibilidades
que as
novas
tecnologias abriam às
suas experimentações
poéticas. A
montagem intersemiótica
através do
computador, o
choque das múltiplas
linguagens, a mise en scène do
aspecto
verbal,
vocal e
visual da
palavra é o
resultado multimidiático da
poesia do
grupo Noigandres.
A
interação
entre
campos semióticos
diversos na
vídeo
poesia pressupõe
um
trabalho de
tradução
entre os
meios.
Não se
trata
apenas de uma
sonorização e
movimentação
lúdica e
aleatória da
poesia. A "idéia" de
cada
poema está contida
em
seus
fragmentos, na
imagem, no
som, na
animação.
A
poesia verbivocovisual
dos
concretistas, trafegando
por
diferentes
tipos de medium, evoca a anánke
levantada
por Lessing, a
necessidade de
adaptação ao se
traduzir uma
intenção de
efeito de
um
meio
para o
outro,
quando se
quer
exprimir,
em
mais de
um
campo semiótico, a
mesma
idéia. Pensando no
resgate dessa
mesma "idéia"
latente do
original, Hölderlin inova
em
sua
época: traduz a "forma" e
não
apenas o "conteúdo" do
texto.
Trabalha a
estrutura, a
materialidade da
escrita de
modo a "trazer
para a
superfície" a "alma"
do
texto traduzido. Valendo-me de
dois
poemas de
Augusto de
Campos, pretendo
demonstrar a aplicabilidade das
teorias de
tradução de Lessing e de Hölderlin na
montagem da
vídeo
poesia.
No
século XVIII, G. E. Lessing, elaborou uma
obra, Laocoonte
ou
sobre as
Fronteiras da
Pintura e da
Poesia,
onde rompeu
com a
antiga
máxima do ut pictura poesis, apontando
para as
fronteiras
entre
pintura e
poesia, a
partir do
levantamento das
diferenças
em
relação aos
meios
que
cada uma dispõe
para
realizar o
efeito desejado no
receptor. Contrariando a
tradição
que nasceu na Antigüidade e se reforçou a
partir do paragone de Leonardo da Vinci, Lessing separa
as duas "irmãs", designando a
cada uma delas uma
identidade
própria.
Pensando
em
termos de
diferença e
não
mais de
semelhanças, Lessing se preocupa
em
definir o
objeto
em
relação ao
meio
específico de
cada
arte e a
seu
modo de
recepção. O
meio da
poesia, no
entender de Lessing, é
linear,
progressivo no
tempo, e
seus
instrumentos
são
signos
arbitrários, o
que a tornaria
ideal
para
representar uma
ação. A
pintura,
por
sua
vez, utilizando
signos
naturais, conseguiria
um
melhor
efeito ao
escolher
um
único
momento no
tempo e ocupando-se de
sua
representação no
espaço. Ao
perceber a
relação
pertinente
entre a
expressão
final do
objeto
artístico e
seu
meio de
veiculação, Lessing notou a
necessidade,
ou a anánke, de
adaptar a
arte a
seus
meios e
instrumentos, considerando
também a
própria
escolha do
objeto,
para
alcançar o
efeito desejado
sobre o
receptor.
Segundo Lessing, na
poesia a
narração seria
melhor
instrumento do
que a
descrição
para
que o
efeito da
ilusão se criasse e a
fruição fosse
completa.
Isso
porque, se a
imaginação
era a
responsável
pelo
efeito da
ilusão,
logo a
velocidade da
leitura na
narração daria a
ela "asas"
para soltar-se da
materialidade do
texto, induzindo o
leitor a "esquecer-se" dos
signos
arbitrários
que a compõe:
Antes,
ele (o
poeta)
quer
tornar
tão
vivazes as
idéias
que
ele desperta
em
nós, de
modo
que, na
velocidade,
nós
acreditemos
sentir as
impressões
sensíveis dos
seus
objetos e
deixemos de
ter
consciência,
nesse
momento de
ilusão, do
meio
que
ele utilizou
para
isso,
ou seja, de
suas
palavras. (Lessing,
1998: 203)
No
mesmo
século XVIII,
um
outro
pensador
alemão retomou a
questão
formal da
literatura. Contrariando a
idéia de Lessing de
que a
ilusão na
poesia, seria alcançada
através de
um "apagamento" dos
significantes
que daria
entrada à
imaginação, Hölderlin ativava a
materialidade dos
signos, criava "barreiras"
intencionais à
fruição
linear. Querendo
ir
além do
texto
positivo na
tradução,
tornar
acessíveis
suas diversas
camadas, trabalhava
seu
aspecto
formal de
modo
não a "apagar" os
significantes,
mas a "marcá-los", a
eles e a
própria
estrutura da
obra, a
fim de
criar
pequenas
explosões de
significados
subliminares
durante a
leitura.
As
traduções de Hölderlin de
tragédias
gregas destoaram
em
sua
época, levantando
críticas ferinas
por
parte de
seus
contemporâneos.
Em
vez de ater-se,
como
era o
costume, à
tradução
literal do "conteúdo"
do
texto, Hölderlin concentrava-se na "forma".
Através de
processos filológicos e morfossintáticos,
aproximava o
alemão das possibilidades de
expressão da
língua
grega,
em
prol de uma
recuperação do
imaginário
grego pré-hespérico.
Com
um
trabalho de estruturação e "atomização" da
linguagem, Hölderlin potencializa
seu
texto. Introduz a
idéia de
intuição
intelectual, uma
espécie de insight a
que
ele conduz o
leitor
com
seus "truques",
sua
linguagem "marcada".
Sua
intenção
era
incitar a
percepção do
leitor,
que
poderia, a
partir de
certos
estímulos
formais,
entender
ou
intuir de uma
só
vez uma
rede de
conexões infinitas de
elementos
que a lentidão de
um
raciocínio
linear e discursivo
só captariam
através de
um
longo
caminho de
associações.
Através de uma
montagem "ideogrâmica", Hölderlin consegue
recuperar
não
apenas a "mensagem" do
texto,
mas o
sistema de
signos do
original,
sua "informação
estética". A
materialidade do
signo é revalorizada
por Hölderlin, apontando
para o
ideograma chinês e
para a
poesia
concreta.
A
poesia
moderna
não pode
ser compreendida da
mesma
forma
que a
poesia
épica
tratada
por Lessing no
século XVIII.
Já no
Romantismo a
linearidade
não é
mais uma
característica
essencial da
poesia e a
representação mimética perdeu
seu
poder normativo. A
música,
por
sua expressividade
harmônica
com o
ideal romântico, afirmou-se
desde
então
como
instrumento
para
poesia. A
poesia passou a valer-se
cada
vez
mais de
seus
componentes fônicos e rítmicos, alargando
suas possibilidades de
expressão musical. Intensificado e ampliado
esse
processo, a
partir das
vanguardas do
fim do
século XIX e do
século XX, o hibridismo na
poesia
chega a
um
nível
inimaginável na
época de Lessing.
O
caráter verbivocovisual da
poesia
concreta,
sua
materialidade e
síntese, rompe
definitivamente
com a
idéia, defendida
por Lessing, de
poesia
como representante da "ação". Essa
poesia
não se baseia
mais na narratividade. A
característica
pela
qual a
arte
poética,
segundo o filósofo, alcançava
seus
objetivos e conseguia
produzir o
efeito desejado no
leitor,
não é
um
instrumento
para a
poesia
concreta.
A
Poesia
concreta
não é
linear; ao
contrário
visa a
romper
com a
sintaxe. É uma
poesia de sobreposição de
meios, de
significados e de
efeitos. Pretende
dizer o
máximo
possível no
menor
espaço e
tempo,
explorar à
exaustão o
significado do
significante.
O "espaço"
passa a
ser
um
conceito
operacional na
poesia. O
aspecto
visual do
significante, da
folha de
papel e dos
caracteres
tipográficos contribuem
para a
formação do
significado, inovando e estendendo o
alcance do
que
era
entendido
por "imagem" na
poesia. A
imagem
agora é
tão
concreta
quanto
abstrata. A
escrita retoma, de
certa
forma e
em
parte,
seu
caráter
pictórico
inicial,
já
que
sua
apresentação
visual
passa a
ser
intencional e a
ter
força
semântica. A
palavra pode
funcionar
tanto
como
signo
arbitrário
como
natural, expressa-se
através da
imagem e do
texto. É
importante
notar o
sentido de
deslocamento existente na
poesia
concreta.
Não é uma
volta ao ut pictura poesis,
não é o
fim das
fronteiras,
mas uma
nova
relação
entre
texto e
imagem.
Um "estranhamento" estrutural e uma
intenção de
colaboração
que ganham
força a
partir das delimitações das
fronteiras
feitas
por Lessing. Ao
perceber a
importância da
adaptação da "idéia" a
ser traduzida
em
relação aos
meios de
veiculação
para
um
amplo
aproveitamento do
efeito desejado, Lessing possibilitou o
surgimento
posterior de uma
mobilidade
extremamente
funcional
entre as
artes.
Tomo
como
exemplo
um
poema de
Augusto de
Campos, "Poema
Bomba",
onde /b/, /o/, /m/, /b/ e /a/ estão
disposto de
maneira
tal na
folha de
papel
que,
juntamente
com /p/, /o/, /e/, /m/ e /a/ , formam o
desenho de uma
explosão,
com as
letras se expandindo a
partir de
um
centro. A
idéia de "bomba" está
sendo
passada ao
mesmo
tempo
por
signos
arbitrários e
naturais. O
significado da
palavra "bomba" é
expandido e intensificado
por
seus
significantes,
que explodem do
centro
para
fora do
papel. Produz-se uma "impressão"
de
bomba explodindo
em
estilhaços.
A
poesia
concreta,
assim
como
toda uma
vertente da
literatura do
final do
século XIX e do
século XX,
não
visa ao "apagamento do
meio" apregoado
por Lessing. Ao
contrário,
ela
lida
com a
materialidade da
escrita, reforçando
para o
receptor os
aspectos
sonoros e
visuais dos
significantes no
poema. Ao
intensificar as potencialidades de significação do
poema, ativando
suas possibilidades de
expressão
verbal,
vocal e
visual, os
poetas estão fazendo uma
montagem. Valendo-se de
códigos
diferentes
que agem simultaneamente, a
poesia
concreta constrói
seu
ideograma.
Haroldo de
Campos,
teórico e
poeta
concretista, faz uma
oposição
entre uma
organização "analítico-discursiva" do
poema e
outra "sintético-ideogrâmica".
Este
último
termo,
criado
por Apollinaire, seria a
base da
poesia
concreta.
Através do
jogo proposto
entre
elementos estruturais e morfológicos do
texto e de
um
rompimento
com a
sintaxe tradicional, a
poesia
concreta expressa-se
em
poemas "condensados",
sintéticos,
que funcionam
como
um
ideograma,
cujos
fragmentos agem
em
conjunto
para
intensificar o
efeito
total do
poema.
Uma verdadeira atomização da
linguagem,
onde
cada
unidade
verbivoco
visual (sic) é
ao
mesmo
tempo
continente-conteúdo da
obra interia
(Apud
Araújo,
1999: 40, nota 5)
Hölderlin
já utilizava
esse
processo "sintético-ideogrâmico"
para
potencializar o
texto
através de
sua
forma e
aumentar
seu
alcance. Aproxima
sua
poética da
visão
concretista
que
também
busca,
através de uma
expressão
sintética,
provocar no fruidor
percepções
inteligentes, insights de (re)conhecimentos.
Hölderlin,
como os
concretistas, criava
núcleos de
significados,
que funcionam
como
fragmentos a serem "montados"
pela
percepção do
receptor, agindo
sobre
este
não de uma
forma
linear, argumentativa,
mas de
modo sincrônico e
imediato.
A
poesia
concreta aventurou-se
em
sua
trajetória
por
diversos
tipos de medium.
Augusto e Haroldo de
Campos e Décio Pignatari vêm fazendo
experimentações,
desde a
criação do
grupo Noigandres, a
partir das possibilidades
que as
novas
formas de
tecnologia proporcionam à
expressão de
sua
poesia.
O
Pulsar (1975)
Onde
quer
que
você esteja
Em
Marte
ou
Eldorado
Abra a
janela e veja
O
pulsar
quase
mudo
Abraço de
anos
luz
Que
nenhum
sol aquece
E o
eco(oco)
escuro
esquece.
A
passagem desse
poema
para
outros
campos semióticos deu-se de
forma
absolutamente
pertinente
com
suas possibilidades de
expressão. Lembrando Lessing
mais uma
vez, nota-se uma
perfeita transformação do
poema
em
música,
artes
plásticas e
videoclipe.
"O
Pulsar" foi trabalhado de
modo a
transmitir a
mesma "idéia", contida
no
poema e
expressa
através de
signos
arbitrários,
para uma
imagem. As
palavras estão dispostas num
fundo
preto de
forma a lembrarem
um
céu
estrelado. Duas
vogais, /o/ e /e/ agem
como
indicadores. O /e/
figura
como uma
estrela e o /o/ é apresentado
como uma
circunferência. A
circunferência remete
para
si, ao
passo
que a
estrela pulveriza-se
através de
suas
pontas, "ecoando"
para
fora. Destaca-se desta
maneira, o
próprio
poema
dentro da
relação
entre as duas
vogais, num
eterno
jogo
que remete ao "pulsar", ao
movimento do
poema. Essa
impressão de
movimento
centrípeto e
centrífugo,
que se aproxima e se afasta, aponta
para
si e
para o
outro perpassa o
poema
como o
próprio
movimento de pulsação. O
poema
visual
pulsa
entre o "eco"
e o "oco". O
diálogo representado pelas
vogais atua
como
um dos
núcleos de significação
concentrados do
poema,
como
um "ideograma-fragmento". A
estrela
começa
grande no
poema e termina
pequena;
em
contraponto, a
circunferência percorre o
caminho
contrário. O
choque
entre o "eco" e "oco"
aponta
para o "pulsar" do
próprio
poema. No
final, o
eco/oco fundem-se
em uma
só
palavra.
Com a sobreposição da
estrela na
circunferência, o oxímoro dissolve-se
em
potência, apontando
para
um pharmakon cósmico: o
pulsar.
O
paradoxo é,
para Hölderlin, uma
forma de,
através das
possíveis nuanças de
tom contidas nas
relações
entre
seus
sentidos
opostos,
revelar de
forma
subliminar uma
verdade
que ultrapassa o
discurso
positivo do
texto. O
paradoxo de Hölderlin funcionaria
como o
choque de
contrastes da
poesia
concreta.
Nos
dois
casos, o
jogo, o
deslocamento de
elementos "estranhos",
a
suspensão de
um
raciocínio automatizado rompem a
toda
hora
com a
leitura
fácil e impõem
uma
espécie de "Verfremdung",
uma
barreira
deliberada ao
entendimento,
que
nos impede de
pensar nas
trilhas de
noções
ou
conceitos
habituais, a
fim de
dirigir
nossa
inteligência
sensível
em
direção a
um
modo de "pensar"
concreto
ou "selvagem"
que se situa
abaixo do
nível das
explicações
discursivas. (Rosenfield,
2000: 180)
A
passagem do
poema
verbal
para uma
linguagem
visual acarreta
um
ato de
criação.
Como nas
traduções de Hölderlin, o
artista
precisa
pensar na
forma, modificá-la, reconstruí-la de
maneira a
melhor
expressar a "idéia" do
texto
original. Essa "idéia",
funciona
como
um "ícone",
que contém
latente as "qualidades
materiais"
do
signo.
A
poesia
passa
por uma
tradução intersemiótica
que
precisa
considerar as possibilidades de
expressão do
poema
em
outros
campos e
meios de
veiculação.
Esse
processo foge à
tradução
literal, à
idéia de "fidelidade",
e
precisa
ser
baseada na re-criação do
objeto
artístico a
partir do
resgate de
suas possibilidades
latentes
sob a
forma de "ícone".
Assim, a
tradução
como
signo
enraizado no icônico tem no
princípio de
similaridade a
única
responsabilidade
de
conexão
com
seu
original. A
cadeia
signo-de-signo,
mesmo a
nível icônico,
comporta
tempo,
mudança e
transformação,
onde a
identidade
está excluída de
antemão,
comportando incompletude e
diferença,
intervalos
que
são
preenchidos
pelo
signo
tradutor,
pois o
signo sugere,
elide, aponta, delimita, indica,
mas
sempre
dentro do
sistema de
relações
analógicas de
sua semiose. (Plaza,
2001:.32)
Os
poetas
concretos utilizam o
termo
transcriação
para
melhor
identificar
esse
processo de
tradução (que pode
ser
tanto de uma
língua
para
outra
como
entre
campos semióticos
diferentes)
em
que a
forma é recriada
em
prol do
resgate da
potencialidade da
obra
original.
Na
tradução
Intersemiótica
como
transcriação de
formas o
que se
visa é
penetrar pelas
entranhas dos
diferentes
signos,
buscando
iluminar
suas
relações
estruturais,
pois
são essas
relações
que
mais
interessam
quando se
trata de
focalizar os
procedimentos
que regem a
tradução.
Traduzir
criativamente
é,
sobretudo, inteligir
estruturas
que visam à
transformação de
formas.
(PLAZA, 2001: 71)
A
mídia
eletrônica permitiu
carregar a
poesia
com -
além de uma
infinita possibilidade de
aspectos
visuais
como
cores,
tipos de
letras
diversos,
fundo de
tela trabalhado -
som,
música e
movimento.
Novamente o
grupo Noigandres vai
além das
fronteiras
tão
bem definidas
por Lessing e entra
agora no
campo da
tecnologia.
Através dos
novos
meios
tecnológicos, o
próprio
significante
ganha
som e
movimento. A
ação se dá
em frames animadas
como no
cinema,
como num
videoclipe - é a mise en scène da
palavra.
A
versão
em
vídeo
não é uma
mera
animação e
sonorização do
poema. A "idéia" do
poema é resgatada e expressa-se
também na
movimentação das
palavras na
tela e na
música/leitura do
poema. Na
versão
em
vídeo, alia-se a
música ao
poema
visual e introduz-se o
movimento. As
palavras aparecem e somem na
tela
como pulsações,
enquanto
vão sendo
cantadas
por Caetano Veloso.
Por
último forma-se o
quadro
inteiro,
com todas as
palavras
em
cena, de
acordo
com a
versão
pictórica do
poema. A
imagem é congelada, a
não
ser
por uma
pequena
estrela (a
letra "e")
que pisca/pulsa
ainda uma
última
vez.
Também a "forma" da
animação do
poema é trabalhada de
modo a
traduzir a "idéia"
latente do
poema, a
transcriá-lo
em
movimento.
A
música de Caetano Veloso age
como
mais uma "repetição
em
diferença". É
possível
notar uma transcriação intersemiótica do
poema
para a
música. Ao
utilizar a
música
modal,
em
que as
combinações
entre as
notas e
seus
resultados
sonoros
são
particularmente
relevantes, Caetano
reforça
em
som o "pulsar"
verbal e
visual do
poema.
Extremamente
ligada à
poesia
por realçá-la, a
música
modal "pulsa" de
sílaba
em
sílaba, ativando a latência musical
intrínseca do
poema. O
jogo
entre as
vogais /o/ e /e/
encontra
seu
eco na
música: o
diálogo concretiza-se
entre o
dó (grave)
que incide
sobre a
vogal /o/, e o
ré (agudo),
que recai
sobre a
vogal /e/.
Mais uma
vez pode-se
notar a
pertinência dessas
escolhas. O
som
agudo é condizente
com o
aspecto
visual da
estrela,
que "ecoa", "aponta"
para
fora,
enquanto o
som
grave lembra
introspecção, remete ao
centro da
circunferência. Reinterando o
próprio
poema, a
música "pulsante" de Caetano Veloso aponta ao
mesmo
tempo
para o
texto,
para a
imagem e
para o
movimento.
A
interação
entre
arte e
tecnologia foi,
segundo
entrevista dos
próprios
poetas
que participaram do
projeto de
Vídeo
Poesia
desenvolvido no LSI,
Laboratório de
Sistemas Integráveis (Escola
Politécnica da USP)
em 1992 , uma
experiência de
adaptação
entre
suas
intenções e as possibilidades
reais do
novo medium. Algumas das
idéias dos
poetas tiveram
que
ser modificadas
em
favor de
um
melhor
efeito, considerando o
alcance dos
meios
tecnológicos. Retomando Lessing, nota-se nesse
processo de
tradução intersemiótica da
poesia
concreta
em
vídeo
poesia a
presença
marcante da
necessidade,
ou anánke, de
adaptação da
obra
em
relação aos
meios de
cada
arte (e/ou
tecnologia)
para se
obter o
melhor
efeito.
Considerar a
diferença de possibilidades de
expressão dos
diversos
meios é o pressuposto
para uma
maior
eficiência ao
trabalhar
suas
estruturas.
Mesmo subvertida
em
diversos
pontos,
em
razão das mudanças
radicais pelas
quais
seu
objeto de
estudo passou a
partir da modernidade, a
teoria de Lessing se
mostra
extremamente
atual e
eficaz.
Volto
agora
com o
mesmo "Poema
Bomba", de
Augusto de
Campos,
que foi analisado
acima.
Este foi
um dos
poemas da
experiência
desenvolvida no LSI,
Laboratório de
Sistemas Integráveis (Escola
Politécnica da USP),
em 1992. Na
versão
em
videoclipe,
o
poema
ganha uma
cor de
fundo
vermelha,
que explode
em
instantes
amarelos. O
poema
parte de
um
ponto
central da
tela e
também explode
em
direção ao
espectador. A
animação
por
computador permite o
aumento
progressivo das
letras num
movimento de
expansão
que provoca o
efeito de uma
bomba sendo detonada. Ao
mesmo
tempo, trabalhando
em
conjunto
com a
parte
visual e
cinética, o
poeta
lê as
palavras "poema" e "bomba",
enfatizando o
efeito
sonoro dos
significantes. O
engenheiro e o
poeta (lembrando João Cabral) concretizam, num
ambiente
virtual, o
que havia de
latente no
poema.
A
articulação
dos procedimentos de
alta
definição
cinética dos
supercomputadores
gráficos
com os
recursos
sonoros de
um
estúdio
também
computadorizado (...) permite
que se chegue
de
modo
mais
cabal à materialização das
estruturas
verbivocovisuais prenunciada
pela
Poesia
Concreta (Apud
Araújo,
1999: 28)
O
texto e a
imagem -
agora acrescidos de
cor,
som e
animação -
são
fragmentos, explorados
individualmente e montados, combinados de
maneira a
provocar
um
determinado
efeito na
recepção: a
intuição
intelectual de Hölderlin.
Texto,
imagem,
som e
movimento funcionam ao
mesmo
tempo
como
totalidade e
fragmento da
obra, contribuindo
para a
formação de
um
efeito
concentrado,
sensível e
potencialmente
ativo.
Uma
poesia de
colagem de
signos sobrepostos
não produz a
ilusão
tal
qual Lessing a entendia, produz o
efeito da
ilusão: a "sensação"
do
objeto. A
superposição de
signos, de
fragmentos de significação gera
um
reconhecimento
instantâneo e
profundo,
como
um insight: uma
percepção da
idéia
latente do
objeto
como aquela perseguida
por Hölderlin. A
imaginação
trabalha de
outra
maneira nessa
nova
proposta de
poesia:
juntamente
com a
memória, promove uma "montagem
intelectual", uma
síntese
posterior ao/do
que foi
visto/ouvido/percebido.
Cada
fração
sincrônica -
que pode
ser isolada do
contexto
narrativo
diacrônico,
particularmente
da
mídia
mais
agressiva e
contemporânea,
como a
publicidade e
os
videoclipes -
contém
em
si
um numero de
códigos
muito
superior a
qualquer
meio de
comunicação
até
aqui
conhecido. E o
espectador se
acostuma,
aliás,
desenvolve
suas
capacidades
perceptivas e decodificadoras, o
que o colocam
numa
situação
altamente
ambivalente
em
relação à
mensagem
(CANEVACCI, 2001: 92)
A multiplicidade e
simultaneidade de
estímulos provocada
por essa
poesia
multimídia induzem o
leitor/espectador a
uma "leitura sinestésica",
onde
sensações de
natureza
diversa, provocadas
por
meios
distintos trabalhando
em
conjunto, sugerem
entre
si
um
sentido
global. A sinestesia, do
grego sun (com)
e aisthésis (sensação), atua na
relação das
conexões múltiplas
que a
vídeo
poesia propõe e incide
sobre o
leitor/espectador
provocando uma
percepção
ou
sensação do
objeto.
A
recepção é
imediata, age simultaneamente
em
todos os
canais do fruidor
com a
rapidez de
um
raio. O
movimento inserido na
poesia
não permite (num
primeiro
momento)
nem o
pensamento analítico-discursivo,
nem uma
fruição
lenta. A
recepção é
imediata,
sensorial. A
reflexão
só
encontra
espaço
após a
fruição. A
intensificação exacerbada da
obra
através de
aspectos
visuais,
sonoros e do
movimento transmite uma
mensagem condensada, hiper-significacional
que provoca no
receptor uma compreenção
instantânea,
como aquela perseguida
por Hölderlin, numa
dimensão alargada pelas possibilidades
tecnológicas.
Fica
claro, nas transcriações da
poesia
concreta
aqui apresentadas, a aplicabilidade das
teorias de Lessing e Hölderlin. A
recuperação da "idéia",
das potencialidades
latentes do
texto, é alcançada na
vídeo
poesia
devido a uma "tradução
criativa"
baseada na "re-criação"
formal da
obra
em
outros
meios. Na
vídeo
poesia, o
poema atua
sobre o
receptor de
modo sincrônico,
sob a
forma de
música,
imagem,
som e
movimento.
Diferentes
tipos de
meios
são sobrepostos
como uma
montagem,
um
ideograma multimidiático.
Ora,
apesar de deslocadas as
noções de
tempo e
espaço de Lessing e estendido
para o
campo intersemiótico o
processo
formal e estrutural de Hölderlin,
são dessas
concepções de
tradução
que se utilizam os
poetas e
técnicos ao transcriar
em
videoclipe a
poesia
concreta. É pensando na
forma desejada de
expressão,
nos
meios e
instrumentos utilizados e no
alcance de
suas possibilidades
para se
intensificar o
efeito
geral da
obra,
que a
poesia é colocada
em
cena.
As
formas de
expressão
são
plurais na pós-modernidade. A
interação
entre as
artes é uma
tendência
atual. A
vídeo
poesia atravessa o
campo da
literatura, das
artes
plásticas, do
cinema, da
tecnologia. O
grupo Noigandres transcria
sua
poesia, numa
constante
exploração de
suas potencialidades.
Mas
não é uma
volta a ut pictura poesis. Os papéis estão
mais
claros do
que
nunca,
assim
como
sua relatividade.
Consciente da anánke levantada
por Lessing, a
poesia
concreta transita
por
outros
campos semióticos
com a
segurança de
quem conhece
suas
fronteiras.
Bibliografia
AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de.
Teoria da
Literatura. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 1986.
ARAÚJO, Ricardo.
Poesia
Visual –
Vídeo
Poesia.
São Paulo:
Perspectiva, 1999.
CAMARA, Rogério. Grafo-sintaxe
concreta: o
projeto Noigandres.
Rio de
Janeiro:
Rios
Ambiciosos, 2000.
CAMPOS,
Augusto. Despoesia.
São Paulo:
Perspectiva, 1994.
CAMPOS, Haroldo de (org).
Ideograma:
Lógica,
Poesia,
Linguagem, trad. Heloysa de
Lima Dantas. 4ª ed.
São Paulo: Edusp, 2000.
CAMPOS, Haroldo de. A
arte no
horizonte do
provável. 4ª ed.
São Paulo:
Perspectiva, 1977.
CAMPOS, Haroldo de.
Poesia e modernidade: da
morte da
arte à
constelação. O
poema pós-utópico, in O
arco-íris
branco.
Rio de
Janeiro: Imago, 1997.
CANEVACCI, Massimo.
Antropologia da
comunicação
visual.
Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
GONÇALVES, Aguinaldo José. Laokoon Revisitado.
São Paulo: Edusp, 1994.
HÖLDERLIN, Friedrich.
Reflexões.
Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 1994.
JEAN, Georges. A
escrita –
memória dos
homens.
Rio de
Janeiro:
Objetiva, 2002.
KLEE,
Paul.
Sobre a
arte
moderna e
outros
ensaios.
Rio de
Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2001.
LESSING, G. E. Laocoonte
ou
sobre as
fronteiras da
pintura e da
poesia.
São Paulo:
Iluminuras, 1998.
PLAZA, Julio.
Tradução intersemiótica.
São Paulo:
Perspectiva, 2001.
Poetas
de
Campos e
Espaços.
Documentário.
São Paulo: TV
Cultura, 1992 [Vídeo].
ROSENFELD, Anatol.
Letras Germânicas.
São Paulo:
Perspectivas, 1993.
ROSENFIELD, Kathrin. H. Antígona – de Sófocles
a Hölderlin.
Porto
Alegre: LPAM, 2000.
RUBINSTEIN, Raphael. In
Concrete Language, in Art in America,
edição
de
Maio
de 2002, p. 119-123.
USA:
Brand Art Publications.
www.imediata.com/BVP/
www.pucsp.br/~cos-puc/galeria/pulsar/
www.uol.com.br/augustodecampos/