SEMIOSE E
DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO ESTUDO
SOBRE
AS
ESTRATÉGIAS
DE
CONSTRUÇÃO DOS
PROCESSOS
SÍGNICOS
EM
SEQÜÊNCIAS
LÓGICAS
Claudio Manoel de
Carvalho
Correia
(UERJ)
1-
INTRODUÇÃO
O
ser
humano possui,
como uma de
suas
características
primordiais, a
capacidade de
abstração, a
condição de
simbolização
através da
manipulação e
operação
com
signos,
entidades
representativas,
que tem
como
objetivo, a
capacidade de
gerar
significados a
partir da
representação
da
experiência
existente no
mundo
que o
circunda. Esta
característica de
manipulação de
signos tem
sido
associada a
uma das
capacidades
humanas
fundamentais
que
diferenciam o
ser
humano dos
animais, na
medida
em
que a
condição
para o
uso de
símbolos é uma
atividade
dependente de
uma
capacidade de
abstração
que rompe
com os
elos da
experiência
direta,
introduzindo, na
geração dos
signos,
representações
da
experiência
prévia.
O
desenvolvimento
do
homem está
profundamente
relacionado
com essa
capacidade de
simbolização, diferenciando-o de
outros
organismos e
demonstrando, no
curso
evolutivo da
espécie, a
condição de
adaptar-se ao
meio,
através da
aquisição desse
sistema
simbólico.
Culturas foram
constituídas
por
signos e
seus
ensinamentos
ancestrais
passados
através de
outro
sistema de
signos, a
linguagem. Os
signos
permeiam,
portanto,
toda a
existência
humana e
são
condição
para a
manutenção
dessa
existência, na
medida
em
que vivemos no
seio de
culturas e
sociedades
estabelecidas
por
signos.
Este
trabalho tem
como
objetivo o
estudo do
desenvolvimento
dos
processos de
significação e
interpretação
de
crianças
em
faixas etárias
distintas, visando à
análise das
estratégias de
construção dos
signos e a
observação da
evolução
gradativa
desses
signos no
curso do
desenvolvimento
cognitivo desses informantes. Buscamos,
através do
estudo
que compõe o
arcabouço
teórico
emergente das
teorias de
Charles
Sanders Peirce (1972, 1980, 1995), filósofo-lógico-matemático
norte-americano,
um
parâmetro de
como os
informantes geram
significados
nas diversas e distintas
etapas
cognitivas na
qual se
encontram. Serviram de
apoio,
também,
alguns
aspectos do
conceito de
signo
apresentados
por Vygotsky
(1989, 1989a) e as
teorias das
semioses criativas e orientadas de Nöth (1995).
Com a
finalidade de
delimitar o
objeto de
análise dessa
pesquisa,
seguimos
com o
conceito
retomado
por Peirce ao
longo de
seus
trabalhos
para
singularizar o
objeto de
estudo de
sua
Semiótica: a
semiose.
A semiose
enquanto
processo é,
portanto, o
objeto de
investigação
dessa
pesquisa, na
medida
em
que é o
termo
que define a
ação, a
atividade dos
signos. Na
geração dos
significados
na
mente do
intérprete, a
semiose é o
processo
transformador
dos
fenômenos
existentes no
universo
real da
experiência,
que,
através da
relação
dialética
entre
mente
interpretadora e
signo,
transforma o fenômeno-experiência
em
veículo
portador de
significação: o
signo.
O
avanço
analítico do
uso do
conceito
peirceano de
signo e de
semiose nesta
pesquisa,
conjugando
discussões do
âmbito da
Psicolingüística
com as da
Semiótica de Peirce, está
na
ênfase
dada ao
sujeito cognitivo no
processo de
geração das
semioses,
que passaram a
ser analisadas e
observadas a
partir das
situações
reais de
significação
em diversas
faixas
etárias. O
desenvolvimento
cognitivo, espelhado na
linguagem
verbal, e o
fenômeno da significação,
foram estudados
através da
inclusão do
sujeito no
processo de
análise. A
interação
entre os
níveis
cognitivo e
lingüístico, e
seu
desenvolvimento
foi
observado no
estudo das
semioses,
sobretudo,
através da
observação das
semioses geradas
em
faixas etárias
diferentes.
As
possíveis
relações
entre a
semiótica e as
ciências
cognitivas foram
atentamente
estudadas na
dissertação de
Correia
(2001)
e,
assim,
concluímos
que os
princípios
que emergem da
ciência dos
signos de
Peirce apresentam-se
como
fundamentação
teórica
para a
análise dos
dados dessa
pesquisa
que
pertence à
área
específica da
Lingüística
que
estuda os
processos de
aquisição e
desenvolvimento
da
linguagem
humana,
ou seja, a
Psicolingüística. O
arcabouço
teórico
emergente da
semiótica peirceana, as
relações
entre os
signos, a
experiência e
a
mente
interpretadora, permitem a
observação dos
processos de
aquisição do
conhecimento a
partir das
relações
entre a
mente
interpretadora e o
signo. A
semiose é, nesses
termos,
um
processo
intrínseco ao
próprio
processo
gradativo do
desenvolvimento
cognitivo
humano, na
medida
em
que articula
as
experiências e
as significações.
O
objetivo
central dessa
pesquisa é a
comprovação da
tese da
existência de
um
desenvolvimento
gradativo dos
signos,
acompanhado
pelo
desenvolvimento
cognitivo dos
indivíduos,
ou seja,
afirmamos
que o
processo de significação,
de
interpretação,
evolui de
acordo
com o
desenvolvimento
cognitivo dos
indivíduos,
tornando o
signo mutável,
sob o
ponto de
vista
subjetivo.
Acrescentamos,
além do
enfoque
psicológico de
Vygotsky e da
perspectiva
semiótica de Peirce,
estudos do
conceito de
signo
baseados nas
investigações
de Nöth (1995)
que fornecem,
à
análise dos
dados,
subsídios da
Semiótica de
Extração
Peirceana, pressupostos
que envolvem o
conceito de
signo no
seu
sentido
mais
amplo e
abrangente e
que
são, na
verdade, a
base
essencial
para
um
estudo
aprofundado
sobre o
desenvolvimento
cognitivo.
A
teoria das
semioses orientadas e das semioses criativas constitui o
suporte
teórico
adequado
para uma
análise de
entrevistas de
seqüências
lógicas,
objeto de
estudo deste
trabalho.
Esses
conceitos
fortalecem a
perspectiva
teórica
desde o
início
proposta
como
objetivo
primordial
dessa
pesquisa:
a
constatação
de
que
o
signo
evolui de
acordo
com
o
desenvolvimento
cognitivo do
indivíduo.
2- A
TEORIA DAS
SEMIOSES ORIENTADAS E CRIATIVAS
Devemos
observar
que o
processo de
interpretação
sígnica pressupõe a
procura
constante de
signos
capazes de
auxiliar os
complexos
caminhos da
representação.
Nöth (1995: 107) postula o
conceito de
signo
orientador,
enquanto
um
signo
interpretado
com
sucesso
com
base
em
um
código
válido,
e o
resultado
dessa semiose está de
acordo
com
as
expectativas
do
intérprete.
Os informantes
selecionados
não encontram
apenas
signos de
orientação, no
que concerne a
uma
leitura da
bateria de
testes a
eles aplicada.
Ao
contrário,
encontram,
constantemente,
signos de
desorientação no
decorrer de
suas
leituras.
Nöth (1995: 108) caracteriza
esses
eventos
semióticos
sob o
nome de
semiose
incompleta
e transformada de
forma
que o
intérprete
desorienta-se
porque
um
dos correlatos do
signo
não
pode
ser
identificado. Nöth (1995: 108) denomina as
transformações sígnicas
como enganosas
ou criativas.
Dentro dessa
perspectiva,
seguiremos nessa
análise
com o
conceito de
semiose
criativa,
na
medida
em
que entendemos
que os
informantes analisados,
dentro do
grau de
desenvolvimento
cognitivo
específico de
suas
faixas
etárias, e desconhecendo, muitas
vezes o
código
específico
necessário à
leitura da
seqüência da
bateria de
testes
aplicada,
cria
possibilidades e potencialidades de
interpretação
de
acordo
com
sua
maturidade
cognitiva. Exploramos,
portanto,
como propõe
Nöth (1995: 108): potencialidades inesperadas de
um
código
já
existente,
com
base
em
um
novo
código.
A
leitura de
seqüências
dentro de uma
ordem
lógica,
que é o
que
caracteriza a
bateria de
testes
utilizada
para o
levantamento de
dados, na
dissertação de
Correia (2001:
125), é uma
convenção
cultural. Os
signos
são,
portanto,
símbolos
arbitrários
que necessitam
do
aprendizado
por
parte do
intérprete
para a decodificação de
seu
sistema. Os
informantes,
em
suas
faixas etárias
específicas, utilizam os
desenhos
que possuem
uma
relação de
semelhança
com os
objetos
que
representam.
Em
outros
termos,
ícones,
que constituem
a
seqüência de
quadros no
processo de decodificação
do signo-seqüência de
quadros.
Nesses
termos,
podemos
concluir
que os
informantes desenvolveram
estratégias de
construção do
que entendemos
como semioses
criativas,
ou seja,
processos de
produção de
interpretações
que,
devido ao
desconhecimento
do
código
para a decodificação
plena dos
significantes
apresentados na
bateria de
testes,
direcionam os
intérpretes
para a
geração dos
significados.
A
produção das semioses
orientadas pressupõe a
existência de
signos
orientadores
devidamente
interpretados.
Como a
leitura das
seqüências de
quadros
pressupõe o
conhecimento
de uma
ordem
lógica, a
interpretação
considerada
correta desse
sistema
significante
específico
será
chamada de
semiose orientada. Nesse
caso, o
indivíduo
apresenta uma
interpretação
válida, uma
semiose
qualitativamente
superior às
semioses criativas e,
principalmente,
uma
leitura
linear na
ordem
lógica das
seqüências de
quadros.
Aplicamos,
portanto, na
dissertação de
Correia
(2001), as
teorias da
semiose
criativa e da
semiose orientada, na
medida
em
que seguimos
com uma
perspectiva
que dialoga
com os
conceitos de
desenvolvimento
cognitivo propostos
por Vygotsky.
Acreditamos, dessa
forma,
que a semiose
criativa
constitui o
processo
que descreve
as
formas de
interpretação
das
crianças
em
estágios
cognitivos e
lingüísticos
iniciais.
A semiose
criativa,
enquanto
modelo de
descrição do
uso
por
parte dos
intérpretes de
suas
potencialidades na decodificação de
um
sistema
significante,
exemplifica
bem o
processo
através do
qual
crianças
procuram
interpretar as
seqüências de
quadros
sem o
conhecimento
da
ordem
necessária
para essa decodificação.
Através das
semioses criativas, podemos
perceber
como as
crianças
exploram as potencialidades cognitivas
inerentes às
faixas etárias
a
que pertencem,
de
forma
criativa,
buscando os
signos
orientadores
em
meio à
desorientação simbólica na
qual se
encontram.
Assim, na
perspectiva do
desenvolvimento
cognitivo
seguida na
dissertação de
Correia
(2001), cremos
que a semiose
orientada é
um
estágio
cognitivo constituído da
evolução de
outro
estágio
cognitivo
anterior,
ou seja, a
semiose
criativa.
3-
METODOLOGIA DA
PESQUISA
A
pesquisa se
baseou na
análise e
observação do
material
lingüístico
coletado
através de
levantamento de
dados
em
pesquisa de
campo
realizada
com
informantes dos
sexos
masculino e
feminino, na
faixa
etária de 2 e
10
anos de
idade,
oriundos de
classes
sociais
média e
baixa. Os
informantes foram submetidos, de 6
em 6 meses, a
uma
bateria de
testes
composta
por
recursos
motivadores
específicos:
quadros (gravuras),
seqüências (pequenas
histórias) e
dramatizações
(filmagens
em
videocassete).
Todos
esses
instrumentos
de
teste foram idealizados
por Fernandes
(CNPq, 1985). O
corpus
aqui analisado
é
oriundo deste
levantamento.
Na
dissertação (Correia,
2001) foi utilizada
apenas uma
parte da
bateria de
testes,
ou seja, a
que se refere
ao
estudo de
seqüências
lógicas
apresentadas aos informantes.
Para o
estudo das
estratégias de
construção dos
conceitos,
utilizamos as
seqüências de
número
um e de
número
três da
bateria de
testes,
que apresentam
as
disposições
dos
quadros
em
ordens
não
semelhantes.
O
corpus de
dados, dessa
forma, foi analisado
possibilitando as necessárias
observações
acerca de
como o
informante desenvolveu os
conceitos e os
representou
mediante as
seqüências de
gravuras a
ele
apresentadas.
Este
procedimento possibilitou a
realização do
estudo das
estratégias de
construção e
evolução dos
signos, de
acordo
com as
análises
sobre a
lógica
utilizada
pelo informante na
descrição
oral dessas
seqüências.
Visando a uma
observação
detalhada dos
processos de
construção dos
conceitos
em diversas
faixas
etárias, foram selecionadas
entrevistas
com
crianças das
seguintes
idades: 2,0;
4,0; 6,0; 8,0 e 10,0
anos. O
espaço de
dois
anos
entre as
idades visou à
manutenção de
um
padrão no
estudo do
corpus.
Através do
corpus
selecionado,
estudamos os
níveis de
desenvolvimento
do
signo das
diversas
faixas etárias
e observamos o
processo
gradativo do
desenvolvimento
cognitivo
em
relação ao
signo.
Para
exemplificar o
processo de
geração e
evolução dos
significados
ao
longo do
desenvolvimento
cognitivo das
crianças,
destacamos
um
exemplo
referente à
primeira
seqüência de
quadros.
Constitui-se de uma
tabela na
qual estão
descritos, na
primeira
coluna, os
significados
gerados
pelos
informantes
para a
interpretação
das
seqüências de
quadros.
Selecionamos,
entre todas as
entrevistas
analisadas,
aqueles
exemplos
que
consideramos
mais
representativos das
manifestações
interpretativas das
crianças nas
idades
observadas. Os
exemplos de
evolução dos
signos foram
selecionados
em
entrevistas
por
idade, e
não
pela
continuidade de
exemplos do
mesmo
informante
em
idades
diferentes, na
medida
em
que buscamos
observar a
evolução dos
signos
em
faixas etárias
e
não no
mesmo
indivíduo.
Interpretações
/
Descrições |
Idade |
Observações |
(P.01.F.2,0)
3- I. É
bicicleta. (aponta a
bicicleta) |
2,0 |
O informante reconhece
apenas
um
elemento
da
seqüência
de
quadros, a
“bicicleta”. |
(P.08.m.4,0)
86- I. O
menino
caiu da
bicicleta nessa
rampa.
88- I.
Olha
ele vai su...
ele su...
ele vai
subir na
rampa e
vai
cair.
Só se
tiver
outra
aqui. (I.
aponta
para a
figura).
90- I. O meni... A
bicicleta quebrou. |
4,0 |
O informante inicia a
interpretação
de
forma invertida.
Interpreta a
seqüência
de
quadros a
partir do
último
quadro, o
quadro de
número
três (cf.
linha 86)
e continua
sua
interpretação
voltando a
descrever o
primeiro
quadro da
seqüência
(cf.
linha 88). |
(P.24.M.6,0)
284- I.
Ele vai
subir na
rampa.
286- I. E
ele tirou
o
pé da
bicicleta.
288- I.
Aí caiu no
chão
todo
quebrado.
290- I.
Aí a
bicicleta
também
quebrou e
ele
começou a
chorar.
292- I.
Eu
não sei
mais
nada,
não...
ele... a
roupa dele
rasgou e
ele começ...
aí
ele...
aí
todo
mundo riu
dele. |
6,0 |
O informante apresenta
descrição
linear e na
ordem
lógica
para a
interpretação
da
seqüência
de
quadros da
bateria de
testes.
Apresenta,
assim,
um
processo de
significação a
nível de semiose
orientada,
como
podemos
observar
através da
linhas
284, 286, 288, 290 e 292. |
(P.38.M.8,0)
387- I. Uma
corrida de
motoca, o
menino foi
subir a
rampa,
todos os
garotos e
as garotas estão vendo, o
menino
tava
andando rapidinho,
aí subiu,
quando foi
cair... puh!
Ele...
saiu da
bicicleta, segurou
com a
mão o
volante,
aí caiu no
chão
quebrou o
nariz.
389- I.
Todo
mundo riu. |
8,0 |
Exemplo de
semiose orientada.
Além da
semiose orientada formulada na
ordem
lógica
necessária
(cf.
linhas 387
e 389), o informante apresenta
um
exemplo de
desorientação simbólica na
medida
em
que
interpreta a “bicicleta”
da
seqüência
de
quadros
como “motoca”
(cf.
linha
387). |
(P.46.M.10,0)
503- I.
Aqui né,
um
garoto né,
que deve
ser
ambicioso
pra
caramba...
dizendo
que
ele
era
bom,
assim, é o
bom... né?
Disse
que podia
pular daquela ta...
tábua
ali, de
uma
certa
altura.
Daí tá,
ele foi
correndo, daí
tinha
um
bocado de
gente,
criança,
olhando, né?
505- I. Daí
ele foi,
subiu...
ele s...
daí foi, a
bicicleta
tava
voando,
ele saiu
da
bicicleta e
ele qu...
ele se
espatifou
todo e a
bicicleta amassou
toda, caiu
em
cima dele,
e
todo o
mundo
começou a
rir dele.
507- I.
Aí
ele
começou a
chorar.
Todo o
mundo
ficou na... na
cara dele,
aí: “Ah!
Ambicioso,
né?” Começou a
gozar dele. |
10,0 |
Exemplo de
semiose orientada. O informante apresenta
leitura na
ordem
lógica
necessária
para a
interpretação
da
seqüência
de
número
um (cf.
linhas
503, 505 e 507). O informante introduz
juízos de
valor (cf.
linha 503
e 507). |
TABELA 1–
OBSERVAÇÕES
GERAIS
SOBRE AS
INTERPRETAÇÕES
DA
SEQÜÊNCIA DE
QUADROS 1 –
SQ1
A
partir de nossas
investigações,
constatamos a
existência de
perfis cognitivos
para a
interpretação
das
seqüências
lógicas.
Apresentaremos a
seguir, uma das
quatro
tabelas
apresentadas na
dissertação de
Correia (2001:
185)
com o
objetivo de
mostrar algumas
considerações
quantitativas
mais
gerais
sobre as
análises do
corpus
selecionado e
demonstrar
melhor os
perfis cognitivos
que
observamos:
Faixa
etária |
No de
entrevistas
de informantes |
No de
entrevistas
com
descrições
das
seqüências |
Semiose
criativa |
Semiose orientada |
2,0 |
16 |
10 |
10 |
0 |
4,0 |
16 |
16 |
11 |
5 |
6,0 |
16 |
16 |
0 |
16 |
8,0 |
16 |
16 |
0 |
16 |
10,0 |
16 |
16 |
0 |
16 |
TABELA
2 –
TABELA
GERAL
DAS
ENTREVISTAS
DOS INFORMANTES,
DESCRIÇÕES
E SEMIOSES
4-
CONCLUSÃO
A
partir dos
estudos
realizados, concluímos
que as
primeiras
manifestações
de semiose nas
crianças
são as
semioses criativas,
como as
primeiras
manifestações
da
capacidade de
manipulação
com
signos.
Nossas
análises
demonstraram
dois
fatos
importantes:
(1) as semioses geradas
são
sempre uma
evolução; (2)
em
um
corte
diacrônico,
ou seja,
histórico do
processo de
desenvolvimento
dessas semioses, ao
longo do
desenvolvimento
lingüístico e
cognitivo dos informantes analisados, há uma
evolução
qualitativa
das semioses, acompanhada de uma
evolução
quantitativa (reconhecimento
de
figuras e
cenários) e
qualitativa do
reconhecimento
do
objeto. O
signo evolui,
portanto,
porque o
reconhecimento
do
objeto
também evolui,
e na
medida
em
que a
semiótica peirceana inclui
o
objeto
como
um dos
correlatos do
signo, fazendo
parte da
função e
atividade
semiótica, é a
evolução desse
objeto,
dentro do
signo,
funcionando na “função
semiótica” do
signo,
que faz
com
que as
interpretações
geradas sejam
formas
mais
sofisticadas e evoluídas de
significados,
quando
comparadas
com as
faixas etárias
anteriores.
Os
signos evoluem
com a
maturidade
cognitiva dos
indivíduos
porque a
percepção do
objeto
também evolui
e
isso se dá
porque há
um
aumento
qualitativo
das
experiências
no
decorrer de
sua
maturidade
cognitiva.
Em
outros
termos, os
signos evoluem
porque a
capacidade de
apreensão da
experiência e
sua
conseqüente
simbolização (não
podemos
esquecer
que na
fenomenologia de Peirce,
quando
apreendemos
um
fenômeno,
nós
já o
apreendemos
com o
caráter de
signo)
também evolui,
influindo na
capacidade
qualitativamente
superior de
gerar
inferências
sociais e
psicológicas
que o
Interpretante
recebe da
mente
interpretadora. É nesse
ponto
que a
cognição
produzida na
mente do
intérprete
evolui.
Em
meio a
toda
dificuldade de
organizar a
seqüência de
quadros
para
gerar os
significados,
as
crianças
conseguem
realizar, no
processo de
percepção, e
na
posterior
interpretação,
a
construção dos
significados.
É nesse
ponto
que
acreditamos
que “todas” as
crianças se
utilizam
em
estágios
iniciais de
idade, no
que concerne à
leitura da
seqüência de
quadros, de
semioses criativas. Essa
estrutura
interpretativa
não se
assemelha às semioses geradas
por
crianças
em
idades
superiores,
pois essas
já conseguem
interpretar a
seqüência
em uma
ordem
lógica
que chamamos
de semiose orientada.
Interpretar as
seqüências de
quadros na
ordem
lógica,
necessária,
convencional e
similar, no
que concerne à
ordem da
escrita da
língua
materna dos
intérpretes,
constitui uma
forma elaborada,
organizada,
altamente
qualificada de
interpretação
que está
muito
além das
interpretações
diretas e
qualitativamente
inferiores,
que
encontramos nas
interpretações
das
faixas etárias
iniciais.
Se passarmos a
incluir o
estudo das
semioses
como
fundamental
para o
estudo do
desenvolvimento
cognitivo
humano,
constataremos a
importância do
conceito de
semiose
postulado
por Peirce,
que constitui
um
processo de
natureza
triádica,
incluindo o
objeto, o
signo e a
cognição
produzida na
mente, podemos
encontrar
um
novo
arcabouço
teórico
para o
estudo do
desenvolvimento
cognitivo.
Assim,
distinguimos, no
desenvolvimento
cognitivo da
criança,
dois
processos
que
qualitativamente
se caracterizam
diferentes no
curso do
desenvolvimento:
as semioses criativas e semioses orientadas.
Encontramos, nesse
ponto de
análise, a
importância de
uma
união
entre as
teorias de
Vygotsky e de Peirce, na
medida
em
que, num
prisma
vygotskyano, as
leis
que regem os
processos
são
psicológicas e
dependentes de
fatores
sócio-culturais,
enquanto
que na
perspectiva de
Peirce, entenderíamos essas
leis
como
lógicas do
processo de
geração dos
signos-interpretantes.
Assim, a
evolução
cognitiva
proposta pelas
teorias de
Vygostsky justificam a
geração
lógica dos
interpretantes,
se pensarmos
sobre a
ótica da
Teoria
da Incompletude do
Signo
de Santaella (1992, 1995), na
qual, no
processo de
representação
do
objeto, o
signo
não tem a
capacidade de
abarcar a
totalidade do
objeto,
direcionando o
facho da
representação
para a
mente do
intérprete.
Assim, o
estágio
cognitivo
específico, no
qual a
criança se
encontra,
justifica a
forma
como
ela representa
esse recorte
do
objeto
feito
pelo Representamen
enquanto
correlato
determinado
pelo
Objeto.
A
teoria das
semioses criativas e orientadas demonstra a
evolução dos
signos: há a
evolução
lógica do
signo e há o
desenvolvimento
do
signo no
curso do
desenvolvimento
cognitivo. O
que
constatamos, na
dissertação, é
que
os
dois
cursos
de
evolução,
lógico
e cognitivo, crescem
paralelamente,
ao
longo
da maturação cognitiva das
crianças
analisadas (Correia,
2001: 193).
O
grande
avanço
analítico
dessa
teoria
para as
ciências da
cognição está
no
fato de
que reúne,
em
um
único
princípio,
isto é, no
conceito de
“semiose”,
questões
complexas
que,
até
então,
sempre foram
tratadas
por outras
disciplinas de
forma separada.
Referimo-nos à “percepção”
e à “significação”. A
teoria
da semiose engloba
estes
dois
pólos
intrínsecos
à
cognição
humana,
demonstrando
que
a
percepção
constitui-se
como
uma
atividade
subjacente
à
própria
atividade
de significação (Correia,
2001: 7-24).
Assim, os
significados
são
dependentes
das
percepções e,
dessa
forma, essa
definição
resolve os
problemas
analíticos
que esta
separação
causa nas outras
ciências.
A
Teoria
da Incompletude do
Signo
de Santaella (1992, 1995)
também se
constitui
como uma
teoria
essencial
para os
estudos
cognitivos. Na
medida
em
que o
Representamen, no
processo de
representação,
abarca
alguns dos
aspectos do
Objeto e,
através desse
processo direciona o
facho da
representação
para a
mente do
intérprete, o
intérprete
preenche o
Interpretante
com
suas
experiências
prévias,
adicionado aos
aspectos
abarcados do
Objeto
pela
representação
do Representamen. Dessa
forma, acrescenta à
interpretação
suas
experiências
de
mundo.
Todo
esse
processo é,
em
si
mesmo, uma
descrição
lógica da
produção da
cognição na
mente dos
intérpretes.
A
importância
dessa
teoria
para os
estudos
realizados está no
fato de
que o
processo de
introdução das
inferências
oriundas das
experiências
de
mundo do
intérprete, no
processo de
interpretação,
depende,
sobretudo, do
estágio
cognitivo no
qual se
encontra.
Em
resumo, o
signo cresce
em
seu
aspecto
lógico,
como
nos descreveu
Santaella (1992, 1995) e,
também, evolui
com a
maturação cognitiva das
crianças.
Vale
ressaltar
que
acreditamos
que o
aprendizado
por
parte da
criança dá
ordem
necessária
para a decodificação das
seqüências na
ordem
lógica,
que constitui
a semiose orientada. Emerge do
contato
cultural
com a
organização da
leitura,
que é
um
aprendizado
cultural,
que se inicia
em
casa,
ou
através do
contato
com
adultos,
ou na
entrada do
ambiente
escolar. A
ordem
necessária
para a
leitura das
seqüências é
dependente da
ordem da
escrita de uma
determinada
cultura, e,
portanto,
apresenta diversas variações, dependendo da
sociedade e da
organização do
código
gráfico das
línguas.
As
teorias das
semioses criativas e orientadas de Nöth (1995) demonstram
que os
processos de
interpretação
e de
geração dos
signos
acompanham o
desenvolvimento
cognitivo dos
indivíduos,
servindo-se de uma
teoria
que contribui
com a
dissertação de
Correia (2001)
na
expansão
do
limiar
semiótico,
como observou
Santaella (2001: 4):
Cunhada
por
Umberto
Eco
na
década
de 1970, a
metáfora
do
limiar
semiótico tem sido usada
para
designar
as
fronteiras
do
campo
de
pesquisa
semiótico.
Isto
é:
quais
são
os
limites
de abrangência do
campo
que
a
semiótica
pode
abraçar?
Para
aqueles
que
têm
acompanhado
o
desenvolvimento
histórico
dos
estudos
de
semiótica
explícita,
desde
os
anos
1950
até
o
presente,
é
evidente
que
esses
estudos
vêm passando
por
uma
expansão
contínua
e
gradual
do
limiar
semiótico.
Assim,
buscamos
contribuir
para a
expansão da
fronteira dos
campos de
investigação
da
semiótica, na
medida
em
que defendemos
a
inclusão da
teoria da
semiose
como
objeto de
estudo da
Psicolingüística. A
partir dos
estudos
analisados, concluímos
que os
signos evoluem
com o
desenvolvimento
dos
processos
cognitivos dos
indivíduos, e
que o
processo de semiose está
profundamente
relacionado aos
processos
cognitivos.
5-
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CORREIA,
Claudio Manoel de
Carvalho.
Semiose e
desenvolvimento
cognitivo:
Estudo
Sobre as
Estratégias de
Construção dos
Processos
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Seqüências
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200 f.
Dissertação (Mestrado
em
Lingüística).
Rio de
Janeiro: UERJ.
2001.
FERNANDES, Eulália.
Estudo
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linguagem
do
deficiente
auditivo.
Rio de
Janeiro: CNPq,
1985.
Relatório de
Pesquisa.
NÖTH, Winfried.
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semiótica: de
Platão a Peirce.
São Paulo:
Annablume, 1995.
––––––.
Escritos
coligidos.
2ª ed.
São
Paulo:
Abril
Cultural, 1980. (Os
pensadores).
––––––.
Semiótica.
2ª ed..
São Paulo:
Perspectiva,
1995.
SANTAELLA, Lucia.
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Mouton de Gruyter, 1992.
––––––.
A
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dos
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São Paulo:
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––––––.
A
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JORNADA DO
CEPE, 4, 2001,
São Paulo.
Cadernos:
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VYGOTSKY, L.S.
Pensamento
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2ª ed.
São Paulo:
Martins
Fontes, 1989.
––––––.
A
formação
social
da
mente:
o
desenvolvimento
dos
processos
psicológicos
superiores. 3ª
ed.
São Paulo:
Martins
Fontes, 1989.
A
dissertação
“Semiose e
Desenvolvimento
Cognitivo:
Estudo
Sobre
as
Estratégias
de
Construção
dos
Processos
Sígnicos
em
Seqüências
Lógicas”
(Correia,
2001) foi organizada
em duas
partes
para
melhor
conduzir o
leitor
pelas
discussões
que
emergem das
teorias
estudadas. Na
primeira
parte,
intitulada “Signo,
Semiose e
Cognição”,
os
estudos
teóricos
foram apresentados
em
quatro
capítulos
que visam
à
apresentação do
arcabouço
teórico,
que
constitui a
base das
discussões
sobre a
semiose e o
desenvolvimento
cognitivo. Essa
parte tem
como
objetivo
direcionar as
discussões
teóricas
para a
segunda
parte da
dissertação,
intitulada “Signos
em
Evolução”,
que
constitui o
campo de
aplicação
através da
análise de
dados
resultantes
da
pesquisa
de
campo. Foi
discutido, nessa
primeira
parte, no
primeiro
capítulo,
o
conceito
de semiose
enquanto
atividade
dos
signos, as
interações
e causalidades
subjacentes
a essa
atividade
e os
níveis de
percepção
constituintes
da semiose. No
segundo
capítulo,
foram apresentados
estudos
teóricos
sobre o
conceito
de
signo
em Peirce,
estudos
sobre a
fenomenologia de Peirce
que se
constitui
como
essencial
para o
entendimento
de
seu
conceito
triádico
de
signo, as
relações
de
determinação
entre os
correlatos do
signo e, a
Teoria
da Incompletude do
Signo
de Santaella (1992, 1995). No
terceiro
capítulo
foram observadas as
relações
entre a
Semiótica e as
Ciências
Cognitivas, as
possíveis
relações
entre a
Semiótica e a
Psicolingüística,
através
das
discussões
sobre uma
perspectiva
que
entende a
linguagem
enquanto
fenômeno
mental e a semiose
enquanto
objeto das
ciências
cognitivas. O
capítulo
quatro,
último
capítulo
dessa
primeira
parte,
apresenta
discussões
sobre o
signo,
contextualizando-o às
discussões
sobre o
desenvolvimento
cognitivo,
através de
um
diálogo
entre os
conceitos
de
signo de
Peirce e Vygotsky e a
relevância
desse
diálogo
para os
estudos
cognitivos. A
partir desse
ponto, foram
apresentadas no
último subitem do
capítulo
quatro as
teorias
das semioses criativas e orientadas de Winfried Nöth (1995)
que
são o
arcabouço
teórico-metodológico aplicado na
análise do
corpus
selecionado
na
segunda
parte da
dissertação.