Pasolini - reflexões sobre uma tradução intersemiótica (TI)

Carlos da Silva Sobral

 

A discursividade problemática e a perspicácia do delito, inscritas no Decameron, através de um elenco do universo medieval, são reescritas por Pasolini, jogando com algo provocador na esteira semiológica.

Observando o conjunto de signos freqüentes na narrativa de Giovanni Boccaccio, rearticulados na tradução fílmica pasoliniana, examinamos, pelo corte semiológico, algumas ocorrências textuais e fílmicas e especulamos sobre a inter-relação entre as duas formas narrativas.

A análise contrastiva entre texto literário e o texto filmico mostra que a velha oposição que caracterizava as disputas tradicionais no estudo das duas formas narrativas – tende a transformar-se cada vez mais numa relação de reversibilidade e de homologia.

Arnold Hauser notou como a literatura passa a sofrer uma profunda influência da arte cinematográfica em emergência no início do século XX (HAUSER, 1996). As argumentações apresentadas a partir do surgimento do cinema tendem a considerar o fato de este ser uma forma de expressão artística mais realista e mais naturalista, pois, ao invés de ter que descrever ambientes, paisagens e sua dinâmica, poderia apenas mostrá-las.

Complementando estas afirmações Adorno (ADORNO, 1980: 269) nos diz que:

Do mesmo modo que a fotografia tirou da pintura muitas de suas tarefas tradicionais, reportagem e os meios da indústria cultural – sobretudo o cinema – subtraíram muito do romance. O romance precisou concentrar-se naquilo que o relato não conta. que, em contraste com a pintura, a linguagem lhe põe limites na emancipação do objeto, pois esta ainda o constrange à ficção do relato: Joyce foi conseqüente quando vinculou a rebelião do romance contra o realismo a uma rebelião contra a linguagem discursiva.

O cinema certamente contribuiu para que a literatura contasse com mais um aspecto narrativo, sobretudo quando se pensam os roteiros, mas primeiramente tendeu-se a refugiar no que constituía a própria essência da literatura, isto é, a linguagem, pois aquela, pelo menos até certo ponto, poderia manter-se protegida contra as influências, ditas “nefastas”, do cinema. Tal aspecto podia ser observado em Joyce, Proust e outros autores que possivelmente tiveram um contato apenas superficial com a arte cinematográfica, dado que viveram apenas o seu período inicial.

É presumível que tal como ocorrera anteriormente com a literatura, o cinema também devesse encontrar sua própria linguagem, sem se preocupar em ser mais literário ou menos literário para adquirir o estatuto de uma obra de arte. Teria sido esse, inclusive, um dos caminhos trilhados pelos cineastas (por exemplo, Godard). E exatamente o hábito de alguns cineastas realizarem “adaptações” de obras literárias constituiu o fato que levantou reações críticas ao cinema, que o classificavam como algo menos artístico, em comparação com a literatura, sem levar em conta as possibilidades inter e intra-relacionais de signos de diferentes campos semióticos.

Hoje, seria inadequado encarar o problema da relação cinema-literatura unicamente com a atenção voltada para a prática das transposições. Será necessário tentar ler o cinema e ver a literatura, partindo do jogo dialético de estruturas contrastantes capaz de superar as diferenças tradicionais entre essas duas formas específicas, favorecendo o surgimento de mecanismos efetivadores do material fabulístico disponível no arsenal sígnico, tanto para o filme quanto para a literatura.

 Quando se fala de "adaptação" (aqui vista sob a possibilidade de inserção prismática de uma tradução intersemiótica) de um romance para o cinema, não se procede somente de uma mera substituição da linguagem verbal para uma linguagem absolutamente não-verbal, mas de uma interpretação/inferência dos signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais. Nesse viés reivindicamos uma ampliação das possibilidades e procedimentos, fazendo referência à tradução intersemiótica mencionada por Roman Jakobson, isto é, a tradução que consiste na "transmutação" "de um sistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura" (PLAZA, 2001: 11).

Observe-se ainda que o espectro do procedimento da operação poético-tradutória não contempla necessariamente a plena fidelidade ao evento e à sincronicidade:

A operação tradutora como trânsito criativo de linguagens nada tem a ver com a fidelidade, pois ela cria sua própria verdade e uma relação fortemente tramada entre seus diversos momentos, ou seja, entre passado-presente-futuro, lugar-tempo onde se processa o movimento de transformação de estruturas e eventos.(2001:13)

É importante considerar a peculiaridade do cinema, que oferece um arsenal de instrumentos articuladores sígnicos, contemplado por imagens (fotografia em movimento/ imagem em movimento), verbo, música, som, cor, bem como uma série de outrossuportes que viabilizam projetos criativos ao operador de incontestável requinte e infinitas possibilidades.

O processo decodificante na tradução interlingual realiza-se no mesmo meio, porém em uma língua diferenciada, tendendo a despertar sentidos latentes na língua de partida. Na Tradução Intersemiótica, como tradução entre diferentes sistemas de signos, tornam-se relevantes as relações entre os sentidos, meios e códigos. Quando pensamos na TI como transcrição de formas, visamos penetrar pelas entranhas dos diferentes signos, buscando iluminar suas relações estruturais, pois, segundo Plaza (op. cit, p. 71), são essas as relações que mais interessam quando se trata de focalizar os procedimentos que regem a tradução:

A Tradução Intersemiótica se pauta, então, pelo uso material dos suportes, cujas qualidades e estruturas são os interpretantes dos signos que absorvem, servindo como interfaces. Sendo assim, o operador tradutor, para nós, é mais do que a “interpretação dos signos lingüísticos por outros não-lingüístiscos”. Nossa visão diz mais respeito às transmutações intersígnicas do que exclusivamente à passagem de signos lingüísticos para não-lingüísticos. (2001:67)

Ao pensarmos no caráter literário, na inter-relação sígnica e nas possibilidades tradutórias do texto, notamos que desde os primórdios o texto literário mantém uma intensa relação com a imagem. Se nos reportamos às inscrições rupestres, encontradas nas cavernas, podemos verificar que os desenhos se encontravam organizados numa estrutura narrativa linear, constituindo um sistema de linguagem, que objetivava contar uma história. O advento da escrita e, por conseguinte, a utilização de signos exige um novo esforço organizacional para a composição de uma história ou unidade de sentido; justificado pelo fato de a imagem ter possibilidades de construção narrativa de caráter sintético, enquanto a escrita, analítico.

É patente, contudo, que a validade do texto depende do seu potencial de traduzibilidade, isto é, de decodificação e reorganização em outros sistemas com realização em significados relacionados válidos.

 Quando movemos o foco de nossa atenção e fazemos uma reflexão sobre a característica da tradução poética, vemos que é pertinente observar que

o ponto de partida do tradutor não é a linguagem em movimento, matéria prima do poeta, mas a linguagem fixa do poema. (...) Sua operação é inversa a do poeta: não se trata de construir com signos móveis um texto inamovível, mas de desmontar os elementos desse texto, pôr os signos de novo em circulação e devolvê-los à linguagem

(OCTAVIO PAZ, apud PLAZA, op. cit., 97)

Na medida em que a criação encara a história como linguagem, no que diz respeito à tradução, podemos estabelecer um paralelo entre o passado como índice, como tensão criativo-tradutora, como momento operacional e o futuro como símbolo, isto é, a criação à procura de um leitor.

Então é possível ver a tradução (forma privilegiada de recuperação da história) como uma trama entre presente-pasado-futuro. Dependendo da direção do nosso olhar, a relação se modifica pela proeminência de um dos pólos. Então, na primeira relação (passado como ícone), o vetor é do passado para o presente (a tradução). Na segunda relação (o presente como índice), a tradução como presente determina seu original, seu passado. Na terceira relação (o futuro como símbolo), do presente para o futuro, a tradução determina seu leitor.

Neste ponto é pertinente trazer o exemplo da TI do Decameron de Giovanni Boccaccio realizada por Pasolini, uma operação tradutória poética, de caráter sincrônico, que referencia o passado e nos propõe uma visão que aponta para um palimpsesto espectral, com ecos na referência praziana (PRAZ, 1972.) ao libro libresco.

·         Decameron boccacciano

Escrito entre 1349 e 1351, o Decameron de Giovani Boccaccio configura-se como um painel capaz de simbolizar as fantasias que orquestraram o imaginário cotidiano daquela época. A obra – precursora da narrativa realista no cenário das letras italianas – constrói um verdadeiro mosaico cultural do ‘300, reforçando o significado de rapsódia, por entendermos que no Decameron sob a estratégia de diferentes pólos narradores – homem e contexto cultural estão tematizados em todos os seus vícios, paixões, astúcia, inteligência e gentileza.

Segundo Salvatore Battaglia, nenhum outro texto soube transmitir com tamanha precisão a representação da existência como o Decameron:

Boccaccio concede ai suoi protagonisti un’essenzialità e insieme un’agiatezza d’espresione che sono nuove nella letteratura europea. Soprattutto per l’equilibrio tra natura e società, tra educazione e istinto (BATTAGLIA, 1968: 63-5)

Ainda na opinião de Battaglia, o realismo articulado por Boccaccio consegue atingir a verdade objetiva de seus personagens, efetivada numa dialética que conjuga natureza e civilização, impulso e reflexão. Dessa forma, Boccaccio será o responsável pela inserção do realismo no cenário literário do Ocidente.

No Decameron, como tentativa de afastamento de um quadro social fúnebre e caótico, um grupo de dez jovens procura refúgio no campo. Esse mesmo grupo será reportado mais tarde em demais produções boccaccianas, através das presenças de Pampinea, Elissa, Emilia, Neifile, Fiammetta, Filomena, Lauretta, Filostrato, Panfilo e Dioneo. Na composição cotidiana desses personagens o talento humano busca em exata medida a expressão sígnica da ironia, da trapaça, da persuasão, da tolice, da vaidade etc.

O tempo da epopéia mercantilista cronometra um desdobramento narrativo enovelado ao longo de duas semanas. A partir de uma eleição diária umrei ou uma “rainha” assumiam a voz do narrador. Apesar de compreender o espaço de duas semanas, a narrativa dispõe de um total de dez dias, que na sexta-feira e no sábado não havia relatos (por respeito à morte de Cristo e por se tratar de um dia dedicado aos cuidados pessoais). Caberia ao “rei ou à “rainha” a determinação do tema das histórias a serem contadas. Nesse contexto, o único que tinha o privilégio artístico de fugir ao tema estabelecido era Dioneo. Cada jornada é aberta com a descrição dos alegres e ingênuos passatempos do grupo. A primeira jornada que estabelecerá o modelo discursivo – não tem um tema específico. Comportamento que se repetirá na nona jornada.

Alguns estudiosos da obra boccacciana, como Vittore Branca, esclarecem que grande parte da história social da Itália e da Europa (no período que vai do século XI ao XIV) é posta em cena pelo “Decameron”, através do resgate do cenário feudal nos seus aspectos rudes e guerreiros, como também, nos seus ambientes aristocrático e galante. Branca considera que o texto de Boccaccio mostra a luta das regiões contra o Império, além de enfocar as rixas municipais, os feitos dos pontífices e dos imperadores, constituindo um verdadeiro mosaico, onde, naturalmente, as sociedades napolitana e florentina são aquelas que melhor estão retratadas, que constituíam lugares familiares ao próprio escritor.

A TI realizada por Pier Paolo Pasolini, contemplada na chamadaTrilogia della vita”, concentra os filmes Decameron (1971), Racconti di Canterbury (1972) e Il fiore delle Mille e una notte (1974) e usa o texto literário como um referente para a realização do seu projeto estético.

Pasolini, especialmente no Decameron, consegue inserir em um quadro vivo todos os elementos que davam vida à sociedade medieval através da profusão de corpos, territórios, lendas, fatos da memória, geografia da imaginação, arquivos da narrativa, músicas, espaços fabulatórios, sensações, texturas e cromatismos de afrescos diversos, conduzido pelos estímulos do texto de partida, garimpando intra e intersigno, relacionando novas combinações e ampliando sob foco dirigido relações sígnicas, declaradamente impregnadas de intenções políticas.

 O conceito pasoliniano de escritura cinematográfica não concebe a realização do cinema sem a presença concreta dos constituintes da realidade. Os suportes para a constituição de uma nova realidade que represente o real simbolizado, segundo Pasolini, devem ser incluídos e incorporados pela língua, ou seja, o código representativo. A não inclusão desses elementos, para o cineasta, seria tão absurda quanto querer expressar-se lingüisticamente sem usar as consoantes e as vogais, isto é, os fonemas (matéria específica da segunda articulação).

Movendo um esforço de revisão dos princípios semiológicos, Pasolini quer designar todos os objetos, formas ou atos da realidade permanentes no imaginário cinematográfico pelo nome de cinèmi por analogia a fonemi. Os cinemi teriam ainda, para o cineasta, várias subclassificações, de acordo com as funções que desempenham num conjunto impregnado de significação.

A cinematografia defendida por Pasolini se constrói através da experiência viva. Em última instância, o que vai parar nas telas é a própria vida, na complexidade de suas ações. Dessa compreensão nasce um cinema natural e vivo, reproduzindo, assim, o mecanismo lingüístico da língua oral, em seu momento natural ou biológico.

Viver é representar e também ver-se representar, ou seja, vivendo, nós nos representamos, ao mesmo tempo em que assistimos à representação dos outros. Segundo Pasolini, a realidade do mundo não é nada mais do que essa dupla representação, na qual somos simultaneamente atores e espectadores, teatralizando um happening gigantesco.

O cineasta italiano explica que o processo de representação por imagens segue o mesmo procedimento utilizado pela oralidade, ou pela língua escrita. Ainda sob essa ótica, pensar lingüisticamente implica um processo silencioso que acontece no nosso próprio interior, utilizando palavras estenográficas, em seu estado bruto, num ritmo extremamente rápido e acima de tudo altamente expressivas, embora não articuladas. Da mesma forma que concebemos a construção do discurso silencioso, podemos admitir também a possibilidade de construir no nosso interior um monólogo cinematográfico, constituído pelos mecanismos do sonho e da memória, que podem acontecer de modo involuntário ou, até mesmo, por desejo próprio.

Trata-se, portanto, dos esquemas primordiais de um código cinematográfico, entendido como reprodução convencional da realidade. Quando colocamos em prática o aparato imagístico da recordação, projetamos no interior de nosso cérebro seqüências fílmicas pequenas ou grandes, contínuas ou entrecortadas, sinuosas ou lineares, que objetivam representar imagisticamente a realidade. Dessa forma, pode-se dizer que tais arquétipos de reprodução da linguagem da ação, ou melhor, da realidade (que em última instância é sempre a ação) estariam amalgamados num meio mecânico e comum: o cinema. Através dessa ótica, pode-se afirmar que o cinema representa não apenas um momento scritto de uma língua natural e total, mas a ação da realidade. O cinema é a linguagem da ação, o signo dinâmico, um código comunicativo que segue a mesma mecânica de representação utilizada pela língua escrita em contraponto à língua oral.

Apesar de o vetor (texto original) exercer impulso expressivo sobre o operar tradutório, várias circunstâncias interagem impedindo a reprodução de cunho meramente imitativo. O operador está sujeito a diversas interferências no momento de concepção do texto. Pondera e avalia as perdas e ganhos impostos pelas circunstâncias vigentes durante a realização do trabalho. As dúvidas e constantes consultas de Pasolini a Roberto Rossellini dão uma prova disso. Tanto é verdade que a Associazione Fondo Pasolini conserva vários documentos, muitos deles não publicados, relativos a perplexidades e dúvidas peculiares às fases de criação. O fragmento de uma dessas cartas a Rossellini, aqui transcrito, pode ilustrar um dos pontos de hesitação:

Caro Rosellini, portando a termine la lettura del Decameron e maturandolo, la prima idea del film si è modificata. Non si tratta più di scegliere tre, quatto o cinque novelle di ambiente napoletano, ossia di una riduzione di tutta l’opera a una parte “scelta da me”: si tratta piuttosto di scegliere il maggior numero possibile di racconti (in questa stessura sono quindici) per dare quindi un’ immagine completa e oggetttiva del Decameron. Va previsto dunque un film di almeno tre ore (PASOLINI, 1991: 247).

As relações entre o filme e o texto literário exigem, na nossa contemporaneidade, um exercício de revisão à luz de uma revigorada noção da ciência narrativa, que impõe esse reexame dos diferentes estatutos semânticos exibidos pelas duas artes, no sentido de verificar a permanência da vocação fabulatória comum a ambas.

O filme com tantas histórias se torna um coral, mas nem por isso pretende ser um filme em episódios. O seu real protagonista é o mundo napolitano com personagens que mudam, se alternam, se substituem, desaparecem, mas o mundo napolitano permanece sempre o mesmo. Pasolini declara ter feito "um filme sobre o povo, de povo, mas também para o povo" (PASOLINI, 1991: 248)

A obra de Boccaccio que baliza o produto cinematográfico de Pasolini se inscreve como fonte, longe de se tornar roteiro, dada a característica de cada obra. No texto boccacciano além da urdidura artesanal da narrativa, é evidente a escolha rítmica dos signos verbais em tensão e distensão. No texto-fílmico pasoliniano muitos dos aspectos singulares que caracterizam o texto boccacciano, como a função dos narradores, a antecipação temática demarcadora, mencionados anteriormente, ora foram abandonados, ora referidos através da fragmentação de uma das novelas e da eventual inserção de um trovador popular. Porém o ambiente e os personagens estão vinculados a um realismo intrínseco que é apreendido, rearticulado, tensionado sob a égide de eros e expandido sob o foco político.

Contudo, as possibilidades combinatórias são infinitas. Elas continuam pulsando, instigando-nos a novas operações tradutórias.

Pasolini hesitou, consultou amigos, arrependeu-se, ousou e propôs o seu Decameron, álibi para dizer o que nele não pode calar. Uma projeção de leitura singular.

O jornal Corriere della Sera publicou, poucos dias antes da morte de Pier Paolo, o seguinte ato de renúncia, movido pelos ataques feitos à Trilogia della vita:

Io abiuro dalla Trilogia della vita, benché non mi penta di averla fatta. Non posso infatti negare la sincerità e la necessità che mi hanno spinto alla rappresentazione dei corpi e del loro simbolo culminante, il sesso.

Tale sincerità e necessità hanno diverse giustificazioni storiche e ideologiche. Prima di tutto esse si inseriscono in quella lotta per la democratizzazione del “diritto a esprimersi” e per la liberazione sessuale, che erano due momenti fondamentali della tensione progressista degli anni Cinquanta e Sessanta. In secondo luogo, nella prima fase della crisi culturale e antropologica cominciava verso la fine degli anni Sessanta – in cui cominciava a trionfare l’irrealtà della sottocultura dei “mass media” e quindi della comunicazione di massa – l’ultimo baluardo della realtà parevano essere gli “innocenti” corpi con l’arcaica, fosca, vitale violenza dei loro organi sessuali(...)

Ora tutto si è rovesciato (PASOLINI, 1976b: 71-2)

Pasolini, nesta abjuração, indica alguns procedimentos justificantes para as escolhas representativas que põem em foco a realidade e a potência conotativa da corporeidade erótica, desvinculadas das máculas de caráter consumista que passaram a dominar nossa época.

É também curioso observar como os fatos periféricos oriundos do operar criativo em jogo no processo dessa TI interagem simetricamente no eu civil pasoliniano, pois o cineasta referenciando o texto de Giovanni Boccaccio como estímulo criativo, ou por algum tipo interferência incitante ou por coincidência, repete a mesma ação de renúncia a própria obra, como fez o poeta trecentista nos últimos anos de vida.

A tradução poética tem por característica o infinito combinatório e, como bem diz Plaza, apresenta questões que podem ser reveladas ao nível da arte, pois esta é produto da gangorra entre interpretantes, dada a impossibilidade de delimitar um interpretante final.

O texto original ou referente é matéria de tradução no momento em que o poeta o e reprocessa, relacionando, combinando e associando signos ligados a campos semióticos múltiplos, numa teia interminável de possibilidades. Contudo, o resultado da tradução proposta, a segunda narração, constitui um novo produto, obra de arte que adquire plasticidade característica e status independente.


 

Bibliografia

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BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Época de sua Técnicas de Reprodução. In “Os Pensadores”. São Paulo: Abril, 1980, p. 5-28.

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PASOLINI P. P. Le regole di un’illusione- il cinema, il film, Associazione Fondo Pier Paolo Pasolini, Roma: 1991.

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