A IMPORTÂNCIA DA ESCOLARIZAÇÃO E DO CONTATO COM A MÍDIA NA VARIAÇÃO DE NÚMEROS NO PORTUGÊS FALADO NO RIO DE JANEIRO

Cátia Azevedo de Souza (UFRJ)
Greice da Silva Castela (UFRJ)
Michel Baptista Vieira Pires (UFRJ)
Orientador:
Anthony Julius Naro (UFRJ)

I - Introdução

 

O presente trabalho é fruto de nossa experiência como bolsistas de iniciação científica (Pibiq-Cnpq) em Sociolingüística, sob a orientação do professor doutor Anthony Julius Naro.

Mas o que se entende por Sociolingüística? De forma geral, o seu objeto de estudo é a comunidade lingüística, apóia-se quase sempre em registros de amostra da fala espontânea em situação de discurso contínuo, dedica-se, portanto, a caracterizar as produções orais da comunidade lingüística do meio urbano.

Segundo Willian Labov, a Sociolingüística visa descrever a sistematicidade das variações observadas no uso lingüistico de um falante ou de diversos falantes.

Na perspectiva laboviana, se uma mudança encontra-se em curso em uma comunidade lingüística, tem-se de observar o comportamento da comunidade através do tempo e comparar a distribuição das variantes concorrentes para se tentar seguir a evolução da mudança.

Seguindo essa metodologia, observamos a comunidade lingüística da cidade do Rio de Janeiro, com relação às variantes contato com a mídia e graus de escolarização a fim de verificarmos suas possíveis influências na concordância verbal da terceira pessoa do plural no Português falado pelos cariocas.

Para tanto, realizamos levantamento, codificação e análise das marcas de número verbais, utilizando as amostras de fala: Censo (16 entrevistas realizadas na década de 80), Recontato (16 entrevistas realizadas entre 1999 e 2000) e Tendência (31 entrevistas realizadas na mesma época da amostra Recontato), todas do PEUL - Programa de Estudos sobre o Uso da Língua, sediado na Faculdade de Letras da UFRJ.

A utilização das amostras Censo e Recontato possibilita um estudo do tipo painel, que capta as mudanças que possam ter ocorrido no sistema lingüístico dos indivíduos. Por outro lado, a amostra Tendências, por ser de um outro grupo de informantes aleatoriamente escolhidos da mesma comunidade da amostra da década de 80 e gravados também entre 1999 e 2000, possibilita apresentar o rumo das variações na comunidade.

II - Mídia

 

A variável independente denominada em nosso trabalho como ‘mídia’ é uma variável social, ou seja, extralingüística na sua essência.

Consideramos como ‘mídia’ qualquer veículo de comunicação em massa: televisão, jornais, revistas, cinema, teatro, etc. Os falantes entrevistados nas amostras foram classificados de acordo com os níveis:

 

0 - falantes que não apresentaram nenhum contato com as formas de mídia (falada ou escrita).

1 - falantes que afirmam ter contato com algum tipo de mídia, mas não conseguem narrar qualquer fato que tenham lido, visto ou ouvido.

2 - falantes que afirmam ter contato com algum tipo de mídia e conseguem narrar algum fato que tenham lido, visto ou ouvido.

3 - falantes que afirmam ter contato com algum tipo de mídia, conseguem narrar algum fato que tenham lido, visto ou ouvido e além disso criticam o meio de comunicação e/ou a forma como o fato foi veiculado por este.

 

A mídia foi a grande responsável pela transmissão da norma culta padrão na década de 80. Cremos que este fato ocorreu porque o número de pessoas que freqüentavam as instituições de ensino era menor do que o atual, devido à menor exigência do mercado de trabalho em termos de escolarização e ao menor número de vagas nas escolas.

A partir desta década, as instituições de ensino começaram a assumir o lugar da mídia como transmissoras da norma culta padrão.

Essas afirmativas podem ser comprovadas através da comparação das amostras Recontato e Tendências (só para mostrar e confirmar essa ocorrência na comunidade de fala carioca) ambas organizadas pelo PEUL na mesma época em que as mudanças no sistema de ensino começaram a ser vistas.

 

Vejamos os dados mostrados nos gráficos 1 da amostra Censo e 2 da amostra Recontato abaixo, relativos à freqüência de falantes por nível de contato com a mídia:

Gráfico 1: Censo: Percentual de falantes por nível de contato com a mídia.


Gráfico 2: Recontato: Percentual de falantes por nível de contato com a mídia.

Comparando os dados das duas primeiras amostras podemos verificar que a maior porcentagem no gráfico da amostra Censo se refere aos falantes classificados como nível 2 na variável mídia, por outro lado no gráfico da amostra Recontato constata-se que a maioria se enquadra no nível 3 desta mesma variável. Ao mesmo tempo não mais encontramos falantes sem contato com a mídia (nível 0).

Com relação à amostra Censo verificamos que, no período da década de 80, o contato com a mídia exercia grande influência na concordância de número verbal, já que quanto nível de contato com a mídia maior o percentual de marca de número. Conforme veremos abaixo:

Gráfico 3: Censo: Relação Mídia X Concordância

No entanto na Amostra Recontato o contato com a mídia não se mostra mais relevante para indicar a variação na freqüência de uso das marcas de plural na concordância verbal. Por isso, as taxas de concordância não sofrem grandes variações nos diferentes níveis de mídia, conforme se verifica no gráfico 4:

Gráfico 4: Recontato: Relação Mídia X Concordância

 

Já na Amostra Tendências, que mostra o rumo da variação na comunidade lingüística do Rio de Janeiro, os resultados se aproximam dos encontrados na Amostra Recontato, uma vez que a diferença de percentual de concordância não é mais tão expressiva quanto na amostra Censo (gráfico 3), como é mostrado na seqüência:

Gráfico 5: Tendências: Relação Mídia X Concordância

 

 

III - Escolarização

 

A partir dos resultados obtidos podemos concluir que atualmente o fator anos de escolarização influencia fortemente na freqüência de uso da concordância de número da terceira pessoa do plural na língua falada na cidade do Rio de Janeiro. Através do gráfico 6, visualizamos uma diferença de mais de 20 pontos percentuais entre os falantes com formação primária e colegial.

 

Gráfico 6: Recontato: Relação Escolarização X Concordância

 

O gráfico 7 relativo à Amostra Tendências, expressa praticamente o mesmo resultado da Amostra Recontato (gráfico 6). As gravações dessas duas amostras ocorreram praticamente no mesmo período, mas a amostra Tendências pertence a outro grupo de falantes, representando a comunidade como um todo.

Gráfico 7: Tendências: Relação Escolarização X Concordância

Contudo, há aproximadamente duas décadas, a diferença percentual de concordância, em relação ao grau de escolarização, era praticamente inexistente, conforme mostra o gráfico 8.

 

Gráfico 8: Censo: Relação Escolarização X Concordância

 

Podemos afirmar que o que ocorreu no intervalo que separa as amostras Censo e Recontato é, de forma geral, um aumento no uso da concordância. Portanto, todos os falantes apresentaram algum aumento na freqüência de concordância, no total de 65% de realização de marca de plural na Amostra Censo houve um crescimento de 17%, passando a 82% na Amostra Recontato.

IV - Conclusão

 

Inversamente ao que ocorreu com a escolarização, a variável contato com a mídia vem tendo uma correlação menos estreita com a concordância, já que uma diferença de aproximadamente 30 pontos percentuais no gráfico 3, passou a 15% no gráfico 5.

Na década de 80, o contato com a mídia influenciava mais o uso da concordância do que acontece hoje em dia, em outras palavras, houve um deslocamento da influência na concordância de número verbal do contato com a mídia, para os anos de escolarização. Por isso o gráfico 4 praticamente não apresenta diferença de percentual. Da mesma forma no gráfico 8 visualizamos que a escolarização não exercia tanta influência na concordância.

A escolarização, nos dois períodos apresentados pelas amostras, influencia na marca de número, porém atualmente desempenha papel ainda mais determinante nesta, cremos que isso se deve a relação entre os anos de permanência nas instituições de ensino e a obtenção de melhores postos de trabalho, bem como sua relevância para ascensão social.

Assim, a escola tende a ocupar a posição que a mídia exercia há vinte anos, aproximadamente, como veículo propagador da norma culta padrão carioca. Conforme indicam os gráficos relação mídia x concordância 4 e 5, a mídia já não tem a mesma influência na concordância de número como ocorria no passado e a escolarização aumenta consideravelmente a porcentagem de concordância como comprovam os gráficos 6 e 7.

 

V - Bibliografia

DUAS DIMENSÕES DIO PARALELISMO FORMAL NA CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS POPULAR DO BRASIL, Maria Marta Pereira SCHERRE (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Anthony Julius NARO (Universidade federal do Rio de Janeiro).

INFLUÊNCIA DE VARIANTES ESCALARES NA CONCORDÂNCIA VERBAL, Maria Marta Pereira SCHERRE (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Anthony Julius NARO (Universidade federal do Rio de Janeiro).

LABOV, W. (1966) The social stratification of english in New York City. Washington D.C, Center for Apllied Linguistics.

SOCIOLINGÜÍSTICA, Pierrette Thibault (Universite de Montreal), a ser publicado em Ditionare enciclopedique et critique de la communication, Paris, Presses Universitaires de France. (traduzido por Conceição Paiva).