A
FORMAÇÃO
LEXICAL
EM “PALAVREADO”
DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
Alexandre José P. C. de A. Jácome
(UNAM)
Nataniel dos
Santos
Gomes (UNAM)
INTRODUÇÃO
Ao estudarmos o
léxico de
um
determinado
idioma, somos
obrigados a
escolher o
tipo de
abordagem
que faremos.
Afinal,
longe de
ser
um
sistema
fechado, a
linguagem,
enquanto
instrumento
social,
encontra-se
amplamente
diversificada.
Antes,
quando
não havia
rádio e
somente
livros e
jornais eram
os
meios
comunicativos
que superavam
os
limites de
tempo e
espaço na
língua,
atualmente
contamos
com
estes,
incluindo a tv, o
computador, o
telefone e
outros
instrumentos,
que geraram
outras
linguagens.
Sendo
assim, a
leitura passou
a
concorrer
com
esses
outros
elementos,
caracterizados
pela
oralidade, e
a
Cultura tratou
de
escolher o
mais
eficaz.
Isto significa
que o
estudo dos
vocábulos
hoje está
longe de
ser o
mesmo
realizado
anos
atrás,
pois as
necessidades
modificaram-se e o
público
dividiu-se
quanto a
sua
atenção. Os
escritores
foram
obrigados a
acompanhar essas
transformações,
principalmente
a
partir de 1922. A
linguagem
oral desenvolveu-se
amplamente,
mas
ainda
encontra
resistência no
plano
escrito.
Com
isto, os
autores se
perguntam:
onde fica a
gramática?
Mais uma
vez
são
obrigados a
optar
entre o
prazer de
ler e a
norma
culta.
Neste
contexto,
Veríssimo, reconhecido
escritor
contemporâneo, optou
pelo
prazer de
ler, e
nós,
estudantes da
Língua
Portuguesa,
não podemos
abandoná-lo.
Neste
trabalho,
então, se
seguem algumas
análises do
léxico
utilizado
por Veríssimo
no
texto “Palavreado”,
segundo o
estudo de
Margarida
Basílio
em “Teoria
Lexical”
COLOCAÇÃO
DO
PROBLEMA
Existem
três
critérios
para se
identificar as
classes de
palavras nas
línguas
naturais: o
morfológico, o
sintático e o
semântico.
Segundo
Basílio (1998:52):
Entendemos
por
critério
morfológico a
atribuição de
palavras a
diferentes
classes, a
partir das
categorias
gramaticais
que
apresentem,
assim
como das
características
de variação de
forma
que se mostrem
em
conjunção
com
tais
categorias.
Na
definição de
critério, a
autora acrescenta (53) “atribuímos
palavras às
classes a
partir de
propriedades
distribucionais (em
que as
posições
estruturais as
palavras podem
ocorrer) e/ou
funcionais (que
funções podem
exercer na
estrutura
sintática).”
Basílio,
além de
propor os
critérios
morfológico e
sintático
para a
identificação
das
classes de
palavras, é a
favor do
uso do
critério
semântico. De
acordo
com a autora,
há uma
ligação
direta
entre
propriedades
semânticas,
morfológicas e sintáticas,
como
por
exemplo:
só as
palavras
que designam
seres
apresentam
flexão de
número e
gênero.
Radford (1997: 57), (apud
Gomes 2002)
todavia,
só faz
usos dos
critérios
morfológico e
sintático
para o
agrupamento
das
palavras
em
classes, uma
vez
que,
segundo
ele, o
critério
semântico,
mais usado
pela
gramática tradicional,
apresenta
problemas. De
acordo
com
este
critério,
verbos denotam
ação,
nomes denotam
entidades e
adjetivos
denotam
estado.
Porém,
com aponta
Radford,
palavras
como “assassinato”,
que denotam
ação,
são
nomes e
não
verbos; “doença”
é
um
nome
que denota
um
estado e
não uma
entidade.
Para
o
autor
(1990: 57) (Apud
Gomes 2002): “Far more reliable
are
morphological and syntatic criteria: and in fact, the bulk of the evidence in
support of postulating that words belong to categories is either morphological
or syntatic in nature.”
A
evidência
morfológica
para a
identificação
da
categoria
lexical de
palavras está
relacionado à
morfologia
derivacional e flexional.
Em
geral, os
morfemas
derivacionais se agregam a
palavras de
uma
determinada
categoria.
Em
português, o
sufixo –(d)or,
(agenitivo
ou
instrumental)
como
em “cantor”
e “ventilador”
só se agrega a
verbos. A
mesma
restrição ocorre
com
morfemas
flexionais
que se agregam
a
palavras de
categorias
específicas.
Por
exemplo, o
“-s” do
plural
só ocorre
com
palavras
que pertencem
a
categorias dos
nomes
em
português.
Consideraremos
então estas
abordagens na
análise
lexical deste referido
trabalho ao citarmos as
passagens do
texto de Veríssimo.
Durante o
processo de
formação de
palavras e de
enunciados,
inúmeras
são as
diferenças
entre a
linguagem
escrita e a
falada. Uma
das
mais
significativas é a relacionada ao
fator
emocional.
A
língua
escrita
formal bane
qualquer
tipo de
expressão
emocional,
devido a
sua
objetividade.
Isto
não significa
que
não existem
ou
não podemos
utilizar
meios
para
expressar
emoção de
modo
escrito.
Mesmo
considerada
coloquial
algumas
vezes, a
expressão
morfológica de
fator
subjetivo pode
ser observada
em: “Se
você
lê
que uma
mulher é “bem
fornida”, sabe
exatamente
como
ela é”
(VERÍSSIMO, 2001: 73)
O
vocábulo
bem é utilizado
como
advérbio de
intensidade (muito,
bastante,
etc.). Na
linguagem
oral,
são
comuns
construções
como “bem
bonita”, “bem
inteligente”,
etc. No
mesmo
parágrafo, temos
em
seguida: “Não
gorda,
mas
cheia,
roliça,
carnuda” (VERÍSIMO,
2001: 73)
No
termo“carnuda”,
podemos
observar,
através do
sufixo –uda,
uma
tentativa de
expressar o
fato de a
personagem
possuir
mais “carne”
do
que o
normal.
Vale
lembrar
que “expressões
de
caráter
positivo
ou
pejorativo
são
expressões de
atitude
subjetiva.”
(BASÍLIO, 2001: 87),
ou seja,
nem
sempre
comum na
linguagem
formal
escrita,
em
geral de
caráter
neutro.
Num
texto
onde o
objetivo do
autor é “brincar”
com as
palavras,
dando-as
novos
significados,
podemos
observar algumas
interessantes
construções: “Ela
sobe (...) e desaparece
por uma
porciúncula” (VERÍSSIMO, 2001: 73)
Temos,
em
porciúncula, a
construção de uma
base +
sufixo
para
definir o
diminutivo de
porção (parte,
parcela). O
autor utiliza
a
aparente
semelhança
entre a
raiz de
porciúncula e o
vocábulo
porta
para
aquele
designar o
diminutivo
deste.
Através destas
observações
podemos
confirmar a
existência da
Mecânica da
Linguagem,
afirmada
por Basílio.
Esta
Mecânica
consiste
em
dois
objetivos: a
Formação de
Palavras e a
Formação de
Enunciados,
que se
constituem numa
relação de
interdependência.
Vamos
focalizar
agora a
questão da
Formação de
Enunciados,
algo
pouco
comentado nas
gramáticas
atuais.
Observemos o
exemplo:
– As
falácias
nunca estão
onde parecem
estar. Se
elas parecem
estar no
meu
campo é
porque estão
em
outro
lugar.
E
chora:
–
Todos os
dias, de
manhã ,
eu e
minha
mulher,
Bazófia, saímos
pelos
campos a
contar
falácias. E
cada
dia há
mais
falácias no
meu
campo.
Quer
dizer,
cada
dia
eu
acordo
mais
pobre,
pois
são
mais
falácias
que
eu
não tenho.
–
Lhe faço uma
proposta – disse
Pseudônimo – Compro todas as
falácias do
seu
campo e
pago
um
pinote
por
cada uma. (VERÍSSIMO, 2001:75)
Por se
tratar de
um
diálogo, fica
óbvio a
construção
com
enunciados de
estruturas
verbais sendo
comum
em
narrativas a
quase
ausência de
nominalizações,
pois o
que importa
são os
eventos
ocorridos
ou
que estão
ocorrendo. Nestes
casos, a
construção
verbal
inclusive agiliza os
diálogos,
“dando a
impressão de
saírem de
fitas
gravadas”,
como afirma
Ana Maria
Machado no
prefácio do
mesmo
livro.
Porém,
como foi
citado,
isto é
somente uma
impressão. Na
linguagem
oral, a
comunicação é
realizada
mediante a
interação
falante –
ouvinte,
através de
frases
marcadas
pela
entoação e a
mímica,
dentro de uma
situação
concreta.
Na
linguagem
escrita
não adotamos
nem a
entoação
nem a
mímica, sendo
assim os
enunciados
são
construídos de
modo
que
por
si
só possam
realizar a
comunicação.
Para
isso é
necessário
que os
vocábulos se
adeqüem sintaticamente
para
que tenhamos
um
bom
entendimento
do
texto. E
conseqüentemente,
para
que essa
adequação
ocorra, é de
extrema
relevância o
repertório
léxico
que temos
para dispormos das
frases.
Ex.: “Falácia
é
um
animal
multiforme
que
nunca está
onde parece
estar.” (Idem,
p. 74)
Contando
com a
nossa
capacidade
intuitiva de
parafrasear, vamos, ao
nível de
análise,
dividir o
enunciado:
1 –
Falácia é
um
animal.
2 –
Este
animal é
multiforme.
3 – (Falácia)
nunca está no
lugar.
4 – O
lugar é
onde parece
estar.
Somente num
enunciado,
Veríssimo
nos transmite
quatro
informações.
Oralmente
não seria
complicado transmiti-las desta
maneira,
mas
textualmente
torna a
leitura
ineficiente.
Para
isso, há os
mecanismos
sintáticos
para a
formação do
enunciado.
Nos
três
primeiros
itens, o
sujeito é o
mesmo, podendo
ser
escrito
somente uma
vez, o
adjetivo
multiforme
é posicionado
como
adjunto
adnominal,
no
lugar
é substituído
por
onde e
pela
locução
verbal
parece
estar.
Mas
somente as
substituições
não foram
suficientes
para
estabelecer a
relação
entre o
animal e o
lugar: foi
necessária a
conjunção
que
para
que se
constituísse o
enunciado.
Assim,
alguns
vocábulos
modificaram
suas
funções nas
orações,
sem
perder
seu
valor
semântico.
Podemos
deduzir,
então,
que a
mudança de
função
sintática
não
necessariamente modifica o
valor
semântico.
Em
todos os
exemplo,
animal
sempre é
substantivo.
Este
ponto é
importante ao
analisar os
vocábulos e
suas
possíveis
construções.
Neste
caso do
exemplo,
animal
não se
apresenta
como
adjetivo. Se a
oração fosse
somente “Falácia
é
um
animal”,
poderia
haver
um
acréscimo de
sufixo
para a
construção “Falácia
é
animalesco”, e
aí teríamos a
classe de
adjetivo.
Porém, se
acrescentarmos –mente
ao
adjetivo
animalesco,
precisaremos de
outro
item
para
que a
oração tenha
um
sentido
mais
nítido: “Falácia
é
animalescamente
multiforme”.
Deste
modo,
sim,
animalesco de
adjetivo modificou-se
para
animalescamente,
advérbio.
Observações
como essas
são raras
devido o
fato de
animal
ser utilizado
como
adjetivo
ou
advérbio
mais
restritamente na
linguagem
coloquial
falada.
Além disso,
citando Basílio, temos
que “a
forma adverbial
em
–mente
é uma
necessidade
sintática”
(BASÍLIO, 2001:72).
NOSSAS
CONCLUSÕES
A
escolha do
texto do
Veríssimo
para
análise foi
realizada
segundo
um
critério de
aceitabilidade nas
escolas.
Nestas
instituições
onde somos
introduzidos ao
estudo do
léxico,
em
geral
através de
regras fixas e
imutáveis e
cobradas nas avaliações, estudamos ao
mesmo
tempo
textos
com
linguagens
tão
diversificadas
que pode
chegar a
confundir os
alunos
quando
estes
vão
produzir os
seus
textos,
caso
não tenham
um
bom
esclarecimento
com
relação
não
somente ao
léxico do
seu
idioma,
como
também a
sua
formação e
adequação aos
seus
objetivos.
Neste
caso,
não é
nosso
objetivo
afirmar se Veríssimo
construiu
seu
texto
normativamente
correto
ou
não, ao
validá-lo
segundo a
norma
culta,
ele
simplesmente
transmite de
maneira
escrita o
que
poderia
nos
estar transmitindo
oralmente, e
nem
por
isso
deixa de
formar
palavras
para
formar
enunciados,
através de
diferentes
posições.
Podemos
citar,
entre várias,
a
questão
semântica.
Mesmo
não possuindo
uma
linguagem,
digamos,
rebuscada,
seu
texto pode
ser facilmente
entendido,
não
nos levando a
dúvidas,
afinal, há
todo
um
contexto
em
seu
trabalho,
observado
principalmente
se optarmos
por uma
análise
semiótica.
Talvez
este
ponto seja de
relevância nas
escolas
onde o
aluno tem
seu
primeiro
contato
com
um
texto
literariamente
satírico.
Sendo
assim,
salientamos a
importância de
um adequado
conhecimento e
entendimento
do
léxico da
língua
portuguesa,
ou seja, o
conjunto de
vocábulos
que dispomos e
sua
distribuição
por
campos
semânticos e
famílias
léxicas,
que
em
muito
contribuem
para o
ato
enunciativo e a
realização da
comunicação
escrita.
BIBLIOGRAFIA
BASÍLIO,
Margarida.
Teoria
Lexical.
São Paulo:
Ática, 2001.
CAMARA JR., Mattoso.
Dicionário de
Lingüística e
Gramática.
Petrópolis:
Vozes, 2001.
GOMES, Nataniel dos
Santos.
Observações
sobre
o Kaiabi: a variação de
ordem e
clíticos de 2ª
posição.
Dissertação de
mestrado.
Rio de
Janeiro: UFRJ
/ FL, 2002.
VERÍSSIMO, Luís Fernando.
Comédias
para se
Ler na
Escola.
Rio de
Janeiro:
Objetiva,
2001.