O
EQUÍVOCO E A
PALAVRA
Giselle de C. de
Carvalho (UFF)
INTRODUÇÃO
Em se falando
em
evolução de uma
palavra, podemos
fazer
um
estudo
diacrônico e
observar
que algumas
palavras mudaram
seu
sentido
original
parcial
ou
completamente. Ferdinand de Saussure, no
livro “Curso de
Lingüística
Geral” (1975),
fala
sobre o
princípio da mutabilidade,
isto é,
fatores de alteração de
um
signo
lingüístico
que “levam
sempre a
um
deslocamento da
relação
entre
significado e
significante”. Saussure observa mudanças históricas
na significação
original de
um
signo seja na
passagem do
latim
para as
línguas românicas (francês,
italiano,
português e
espanhol), seja
dentro de uma destas
línguas.
Assim, podemos
ver,
por
exemplo no
Português,
que o
significante ‘vilão’
(do
latim ville =
aldeia)
tinha o
significado
original de ‘camponês’
mas,
atualmente,
através de
processos
históricos, passou a
designar ‘homem
grosseiro’, ‘perverso’.
De
maneira
diversa, a
palavra ‘esquizofrenia’
vem sofrendo
um
deslocamento
semântico
sem
contudo
perder
seu
significado
médico.
A
PALAVRA ‘ESQUIZOFRENIA’
O
psiquiatra suíço Eugene Bleuler (1857-1939) criou o
termo ‘esquizofrenia’
em 1911 substituindo o
termo ‘demência
precoce’ na
literatura – a
palavra vem do
grego skizo (separação)
e phrenos (espírito). Bleuler quis, dessa
maneira,
indicar a
presença de
um
cisma
entre
pensamento,
emoção e
comportamento
nos
pacientes
afetados.
Entretanto, o
termo é
amplamente
mal
compreendido,
especialmente
pelo
público
leigo,
como
significando uma
personalidade
dividida. (Kaplan, 1997, p.439)
Podemos
observar
que,
além da má
compreensão, existe
um
deslocamento
semântico; muitas
vezes o
termo é usado
como
sinônimo de
loucura,
maluquices, deslizando
para quaisquer
comportamentos
estranhos
ou
fora do
padrão.
Talvez
por
isso tenha sido usado nesta
frase: “É uma
esquizofrenia. A
pessoa financia a
arma e
protesta
contra
ela.”,
dita
por Fernando Meirelles,
diretor do
filme “Cidade de
Deus”, observando
que muitas
pessoas
que clamam
pela
paz
são consumidoras de
drogas
sem se darem
conta de
que
tal
comportamento
alimenta o
crime organizado. (ISTO
É, SP, 03/07/2002,
Frases, p.22)
Que
sentido
ele quis
dar
para a
palavra nesse
momento? O
sentido de
paradoxo,
já
que existem
idéias contraditórias no
fato de as
pessoas protestarem e financiarem as
armas?
Ou seria o
sentido de
ser
mesmo uma
loucura
tal
paradoxo?
O
que
dizer
então destes
título e
subtítulo publicados na
Revista
Rio
Show (O
GLOBO, RJ, 04/05/2001,
Rio
Fanzine): “EM
TOTAL
ESTADO DE
ESQUIZOFRENIA. A
banda galesa Catatonia seduz
pela
sua
estranheza e pelas
letras da cantora Cerrys Matthews.”
De
fato, a catatonia,
ou
estupor catatônico, é
um dos
tipos de
esquizofrenia: “a
característica
essencial desse
tipo de
esquizofrenia é uma acentuada perturbação
psicomotora, pode
envolver
estupor,
negativismo,
rigidez,
excitação
ou
posturas.”(ibidem,
p.454)
Não parece
que
esses seriam
motivos
para
que uma
banda de rock se autodenominasse ‘catatonia’.
Talvez
seus
integrantes quisessem
criar
um
efeito
irônico ao utilizarem
tal
deslocamento
semântico.
Tais deslocamentos de significação,
geralmente, refletem o
contexto histórico-social e cultural ao
qual uma
palavra está inserida.
A
revista
Domingo, do
Jornal do Brasil,
em 03/03/2002, motivada
pelo
lançamento do
filme “Uma
mente
brilhante”,
sobre a
vida do matemático esquizofrênico John Nash,
publicou
um
artigo
sobre
pacientes esquizofrênicos. A reportagem
fala
sobre o ‘universo
delirante’
em
que vivem
aqueles
que sofrem
com essa
patologia e
como
muitos deles superam
sua
doença
com o
trabalho,
principalmente
artístico. Explica o
que é
esquizofrenia,
como se subclassifica,
como se comportam
alguns
doentes,
como
são os
tratamentos etc. Acompanhando
atentamente a reportagem, observamos
que essa mantém o
conceito ‘esquizofrenia’
em
seu
significado
médico
conforme consulta
feita ao
Compêndio de
Psiquiatria.
Como vimos, o
significado de uma
palavra pode
evoluir, se
expandir,
sem necessariamente
suprimir
seu
sentido ‘original’. No
caso da
palavra ‘esquizofrenia’,
essa mantém
seu
significado de
patologia,
mas
também está
sujeita a deslocamentos e/ou
à “má
compreensão”.
O
EQUÍVOCO
O
equívoco,
muitas
vezes,
refere-se à
troca de
palavras
que, no
discurso
falado, pode
causar
algum
transtorno
entre os
interlocutores.
São as
situações de
lapso,
ato
falho e
chiste
que
são estudadas
pela
Psicanálise.
Mas
não é
só
isso. Veremos
no
item III
que o
conceito de
equívoco é
muito
mais
amplo.
Para falarmos
sobre o
equívoco
enquanto
troca de
palavras
baseamo-nos no
livro “A
ferramenta
imperfeita:
língua,
sujeito e
discurso” do
filósofo
francês
Paul Henry
pois,
em
seu
último
capítulo,
intitulado “O
sujeito e o
significante”,
discorre
sobre
alguns
elementos da
Psicanálise
como o
sujeito, o
inconsciente e o
sonho.
Baseia-se
sobretudo
nos
escritos de
Jacques Lacan (fundamentado
em Freud) e
nos de
Ferdinand de Saussure trazendo-nos os
conceitos de
sujeito do
inconsciente e
significante,
respectivamente.
Freud,
análise
e
sonho
Paul Henry se
apoiará
mais na
teoria do
inconsciente do
que
propriamente na
Lingüística,
pois a (psic)análise
representa uma ‘experiência
de
discurso’
visto
que as
condições
em
que é
praticada fundamenta-se na
fala
verbal: “a
experiência
analítica é
instaurada pelas primeiras
descobertas de
Freud
sobre o
tripé
sonho,
lapso,
trocadilho”.
(Lacan, 1983, p.319) O
sonho foi
para Freud o
caminho
por
excelência da
descoberta do
inconsciente e os
mecanismos
evidenciados
em “A
interpretação
dos
sonhos” (1900)
são
reencontrados
em outras
formações do
inconsciente (atos
falhos,
lapsos etc.).
Lacan (psicanalista
francês
que discutia a
obra de Freud
em
seminários,
por
volta de 1950) diz
que
interpretar
um
sonho é
estar
em
contato
com os
sentidos haja
vista
estar
em
questão a subjetividade do
sujeito,
seus
desejos,
sua
relação
com o
meio,
com os
outros,
com a
própria
vida. O
sonho evidencia a
existência do
inconsciente,
parte
constituinte do
aparelho
psíquico do
sujeito. O
inconsciente designa
um dos
três
sistemas do
aparelho
psíquico,
tal
como Freud concebeu na
sua
primeira
tópica, ao
lado do pré-consciente e do
consciente.
Ao
narrar
um
sonho, o
paciente traz de
seu
inconsciente os “pensamentos
latentes”
que,
em
estado
consciente, se transformam
em “conteúdo
manifesto”, o
texto narrado.
Estar
consciente é
quando uma
pessoa, “em
estado de
vigília, se solicitada, encontra-se
em
condições de
comunicar
suas
sensações,
sentimentos e
pensamentos”.
O
terceiro
sistema, pré-consciente, “qualifica
conteúdos
que escapam da
consciência,
sem
que sejam
inconscientes no
sentido
estrito” (DORON, 1998: s.v.).
A
interpretação de
um
sonho
visa
inferir de
um
texto
que é narrado, e
que representa o “conteúdo
manifesto”,
um
outro
texto,
que
são os “pensamentos
latentes”. Observa-se
que
são os
pensamentos
latentes do
sonho
que fornecem os ‘materiais’
do
sonho e,
após serem inferidos,
esses
pensamentos podem
ser
associados a
aspirações,
temores etc.. Freud compara essa
relação de
inferência do sonhado
para o narrado à decifração de
um
enigma e,
assim sendo, fica a
pergunta:
Por
que os
pensamentos
latentes
não aparecem
claramente
nos
sonhos, ficando, ao
contrário, mascarados?
1-
esse mascaramento se daria
por
causa de
um “defeito de
expressão”
2-
se deveria ao
fato
que “todo
sonho é a
realização de
um
desejo”
Veremos no
próximo subitem
que
aquilo
que sonhamos
nunca é
arbitrário,
independente de significação,
sempre haverá uma motivação
para
sonhar
aquilo
que sonhamos.
Quer seja
um
fragmento do
cotidiano,
quer sejam
imagens
novas,
sempre haverá uma
ligação
direta,
não
arbitrária,
com os
desejos
inconscientes. E, se há mascaramento desses, é
porque
não há o
interesse de mostrá-los
tão facilmente, fazendo do
sonho
um
verdadeiro
enigma.
Apenas
aquele
que
sonha será
capaz de decifrá-lo
pois
somente
ele conhece
seus
porquês,
sua
história,
seus
temores e
aspirações
mais íntimas.
Contudo,
mesmo sendo
todo
sonho a
realização de
um
desejo,
esse
jamais será saciado
ou realizado
visto
que o
sonho
não concretiza, ficando
apenas no
inconsciente. E,
por
permanecer
lá,
também
nunca será destruído.
Freud
alerta
que
não é o
desejo
consciente
que suscita o
sonho,
ele o fará
somente se for
capaz de
acordar
um
outro
desejo,
inconsciente,
porém.
Paul Henry reproduz, na
página 162,
um
texto de Freud o
qual traz os
termos pulsão recalcada,
repetição e
sublimação,
que permeiam a
obra
freudiana e
que valem
ser explanados
por
nos esclarecerem
um
pouco
mais
sobre a
relação
desejos
inconscientes/discurso
.
Parte do
trecho será reproduzida
com
alguns
comentários
entre
parênteses:
A pulsão (Trieb) recalcada
não
deixa
nunca
de
pedir
sua
completa
satisfação,(...)
(os
conteúdos do
inconsciente
são
representantes das pulsões; o recalque é
um dos
mecanismos de
defesa,
ou seja, o
inconsciente é constituído
por
conteúdos
recalcados aos
quais foi
recusado o
acesso ao
sistema
pré-consciente-consciente
pela
ação do recalcamento)
(...)
que
consistiria na
repetição
de uma
satisfação
primária
(a
repetição
confirma
que os
desejos
são
insaciáveis e
indestrutíveis)
(...) todas as
sublimações
são
impotentes
para
por
um
ponto
final
no
estado
de
tensão
permanente
(...)” (“a
sublimação é o
processo de
canalização
das pulsões
sexuais e
agressivas
para alguma
outra
atividade
socialmente
aceita: é
um
mecanismo de
defesa
que neutraliza
a
energia
pulsional”). (DORON. 1998: s.v.).
Nesse
ponto podemos
dizer
que a
ligação
Psicanálise/Lingüística
começa a se
formar
pois “a
Lingüística demonstra
que no
discurso
ou na
fala alguma
coisa se repete
materialmente (...) .O
que se repete
são as
diferenças,
isto é, as
relações, o
que Saussure nomeia
por
significante”. (Ibidem)
Saussure, Lacan e o
significante
Ao
trabalhar
apenas
com o
significante,
Lacan faz o
que
para Saussure pareceria
impossível na
Lingüística: separá-lo do
significado,
visto
que,
para
esse, “estes
dois
elementos
estão intimamente unidos e
um reclama o
outro”.
(Saussure, op.cit., p.80)
Não
obstante,
ele
próprio comenta
sobre uma
possível
dissociação:
“a
entidade
lingüística
só existe
pela
associação do
significante e
do
significado:
se se retiver
apenas
um desses
elementos,
ela se
desvanece:
em
lugar de
um
objeto
concreto,
tem-se uma
pura
abstração.
(...)
Conceitos
como ‘casa’,
‘ver’, ‘branco’
etc, considerados
em
si
mesmos,
pertencem à
Psicologia:
eles
só se tornam
entidades
lingüísticas
pela
associação
com
imagens
acústicas”. (Ibidem,
p.119)
Lacan, possivelmente partindo das
considerações saussureanas, instaura uma
barra
entre
eles, deixando-os
independentes.
Isso
porque,
em
um
sonho,
para
um
significante, pode
haver
vários
significados.
Por
exemplo, o
significante ‘mar’
pode
desencadear
significados
diferentes dependendo do
sonho, do
indivíduo
que
sonha, de
sua
história,
medos,
temores,
aspirações e
assim
por
diante.
O
psicanalista
poderia
ter utilizado o
termo
símbolo
que,
para Saussure, tem a
característica de
não
ser
jamais
completamente
arbitrário,
nem
vazio.
Entretanto,
um
símbolo estaria
sempre ‘carregado de
significância’, estaria
sempre atrelado a
valores
preconcebidos
que limitariam a
interpretação de
um
sonho. E, se Lacan utiliza o
termo
significante, é
justamente
para
mostrar a
infinidade de
significados,
ou
interpretações,
que se pode
inferir a
partir da
narração de
um
sonho.
Lacan
retira a
arbitrariedade do
signo,
pois os
significantes no
sonho estão intimamente ligados aos
desejos
inconscientes,
não estão
ali aleatoriamente. Se o
paciente
sonha
com
mar,
este
significante
não estaria arbitrariamente ligado ao
seu
significado,
mas
sim
estreitamente relacionado a
algum
desejo,
temor etc.
Poderia
parecer
arbitrário
para
qualquer
pessoa,
mas
nunca
para
aquele
que
sonha e
que tem guardados
estes
sentimentos:
para
ele, existe alguma motivação,
mesmo
que
inconsciente.
Na
página 157,
Paul Henry cita
um
texto de Freud no
qual percebermos algumas
colocações deste
que confirmariam a
não
arbitrariedade e a
independência do
signo
assim
como a
relação
Psicanálise/Lingüística.
Reproduziremos
parte do
texto
com algumas
observações
entre
parênteses:
... o
sonho
só
faz
reproduzir
fragmentos
de
discursos
realmente
realizados
ou
escutados
que
ele
toma
emprestado aos
pensamentos
empregando-os ao
seu
modo
(...) (o
sonhador
utiliza-se, às
vezes, de
fatos de
seu
cotidiano
mas,
só irá
sonhar
com
eles se
tiverem uma
relação
estreita,
não
arbitrária,
com
seus
desejos
inconscientes)
(...)
Não
apenas
ele
os extraiu do
seu
contexto
e quebrou-os, tomando
um
fragmento,
desprezando
outro
(...) (‘estes
fragmentos se
referem, na
Psicanálise,
às
associações
livres e, na
Lingüística, às
digressões’
(...) Nesse
novo
emprego,
o
sentido
que
as
palavras
tinham no
pensamento
do
sonho
é
freqüentemente
abandonado: a
palavra
recebe nele
um
sentido
inteiramente
novo”.
(‘autonomia
do
significante e
variação do
significado’ (Idem).
Aparentemente, o
sonho subverte
outro
princípio do
signo
lingüístico: a
linearidade.
Todavia, essa
só é alterada e,
mesmo
assim,
não
totalmente,
durante o
sonho
pois
este
nem
sempre segue uma
linha
lógica e
seqüencial de
acontecimentos.
Contudo, ao
ser narrado, o
sonho é transformado
em
texto,
seu
conteúdo é manifestado
linearmente, incluindo-se
aí
elementos
lingüísticos:
conectivos,
verbos flexionados,
advérbios,
enfim,
tudo o
que proporciona a
sintaxe
natural da
fala.
Lacan comparou o
trabalho de
interpretação do
sonho ao
trabalho
que se faz
para
sustentar uma
mentira
ou
um
erro: “Ora,
por
si
só, o
signo
só pode se
apresentar e
sustentar na
dimensão da
verdade.
Porque,
para
ser enganadora, a
palavra se afirma
como verdadeira.
Isso
para
aquele
que
escuta.
Para
aquele
que diz, a
tapeação
mesma exige
inicialmente o
apoio da
verdade
que se
trata de
dissimular. (...) é
necessário o
controle correlativo da
verdade”. (Lacan, op.cit., p.300)
O NÃO-TODO
“Tudo
não se diz,
(...)
sempre faltam
palavras
para
dizer alguma
coisa.” (Milner, 1975,
p.44)
Como foi
dito no
item II, o
equívoco
ultrapassa os
conceitos de
ato
falho,
lapso e
chiste, sendo
algo
mais
além daquilo
que escapole.
O
equívoco é a
não-garantia,
ou o
não
todo,
que faz
com
que haja uma
incompletude no
dizer. Temos
certeza de
que estamos
falando
aquilo
que queremos
pois,
afinal de
contas,
dispomos de
um
sistema
lingüístico
rico e
variado
para
nos
comunicarmos.
Contudo,
por
vezes
valemo-nos de
formações
imprevisíveis,
até
mesmo
agramaticais,
para
nos
garantirmos de
que
nossa
mensagem foi
completamente
transmitida.
“Isso
quer
dizer
que existe
um
possível
material
que pode
ser uma
forma
impossível no
sistema
ou na
gramática.
Isso
também
quer
dizer
que os
sujeitos (...) podem
produzir
formas
materialmente
possíveis
que seriam julgadas
impossíveis no
sistema e na
gramática.” (Novaes, 2000)
Trocando
em
miúdos, os
impossíveis seriam,
por
exemplo, os
neologismos,
palavras
que
um
sujeito
inventa
para
garantir,
ou
confirmar,
que
sua
mensagem seja compreendida de
fato. Há
algum
tempo,
um
ministro de
Estado proferiu a
seguinte
frase: “A
Previdência
Social é imexível!”
Para
dar
total
garantia do
que asseverava, criou uma
palavra
nova
que,
apesar do
uso
correto dos
afixos (cf.
impossível), causou
estranheza
geral.
Certa
vez,
assistindo a uma
aula de
Filosofia, o
professor afirmou
que
todo
ser
humano é
essencialmente
solitário
pois
nunca pode
transmitir ao
outro
tudo o
que
realmente está
pensando
ou sentindo.
Ele queria
dizer
que,
por
mais
que
um
sujeito fale
tudo o
que está
pensando
ou sentindo, o
outro,
por
mais
que se
esforce,
jamais o
alcançará,
visto
que a
própria
língua
não dá
conta do
todo. “Falar
de
língua é
colocar
que
tudo
não se pode
dizer.
Em
outros
termos, o
puro
conceito de
língua é
aquele de
um não-todo
marcando a
língua.” (Milner,
op.cit., p.19)
Ele conclui
que as
palavras
sempre
faltam...
Segundo H.P. Grice, o
princípio
básico da
comunicação
humana é a
cooperação (“seja cooperativo”),
ou seja,
quando há
interlocução, os
interlocutores irão
cooperar
para
que essa transcorra de
maneira adequada. “Quem
se propõe a
jogar
um
jogo, aceita
jogar de
acordo
com
suas
regras e
fazer o
possível
para
que
ele chegue a
bom
termo.” (Koch, 2000, p.27)
Não
obstante,
mesmo havendo
interação e
esforço cooperativo
entre os
interlocutores,
esses
nunca dirão o
que pretendem haja
vista a
própria
língua
não
lhes
garantir a
completude.
CONCLUSÃO
Voltando ao
título do
livro de
Paul Henry, “A
Ferramenta
Imperfeita”,
ele afirma
que “a
linguagem
acaba traindo o
pensamento
por
ser
causa de
mal-entendidos,
de
ilusões e de
erros”. O
eu
inconsciente às
vezes
escapa do
controle e
dizemos
coisas
que
não
gostaríamos
ou
não
deveríamos, tornando a
mensagem
inadequada (ou
imperfeita). A
linguagem
não é uma
ferramenta
perfeita no
sentido de
ser
algo
que
não podemos
controlar
totalmente,
algo
que
nos
escapa.
Por
mais
que sejamos
sujeitos
que imaginariamente acreditamos
fazer
escolhas
lingüísticas únicas, produzindo
discursos
únicos, i.e.,
por
mais
que
nos asseguremos do
que estamos falando,
nosso
discurso
não está
livre dos
equívocos,
pois o
equívoco é
inerente à
própria
língua.
Sausssure
não
fala
exatamente
em
equívoco,
mas,
como foi
mostrado,
ele percebeu a
alteração (ou
evolução) no
signo: “o
signo
lingüístico
escapa à
nossa
vontade”
(Saussure, op.cit., p. 85) E, continuando no
princípio da
mutabilidade, o
lingüista afirma
que o
tempo
tanto assegura
a continuidade da
língua
quanto altera
os
signos,
podendo se
falar,
então, ao
mesmo
tempo,
em
imutabilidade
e mutabilidade do
signo.
Ele conclui
que a
língua é
incapaz de se
defender dos
fatores
que a
deslocam, dos
fatores
que alteram
significado e
significante,
visto
ser o
signo
arbitrário.
Parece-nos
que a
arbitrariedade do
signo proporciona
liberdade à
própria
língua, suscitando o
equívoco. E, dessa
forma, o
sujeito,
sem
perceber, faz
uso de
tal
liberdade seja
nos
sonhos, separando (como
propôs Lacan) os
significantes dos
significados ‘preestabelecidos’ e atribuindo-lhes
outros
significados, seja
nos deslocamentos
semânticos.
Assim
como
não há
garantia de
que
um
significante exprima
exatamente
seu
significado,
mesmo sendo essa uma
relação
arbitrária, a
língua
também
não garante os
discursos (considerados
aqui
como a
palavra
em
curso)
já
que estão
sujeitos ao
equívoco.
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de pulsão, recalque,
sublimação,
consciente,
pré-consciente e
inconsciente.