A INTENSIFICAÇÃO
NO PORTUGUÊS CULTO SOTEROPOLITANO

Carlos Alberto Gonçalves Lopes (UNEB e UFBA)

 

Este ensaio se baseia na tese denominada Processos de Intensificação na Norma Urbana Culta de Salvador, do mesmo autor. Apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, foi defendida e aprovada no dia 09 de fevereiro de 2001, tendo como problema central o estudo dos processos de intensificação encontrados na norma urbana culta soteropolitana.

No desenvolvimento da pesquisa, a abordagem seguida foi de natureza pragmático-enunciativa, conhecida também pelo nome de Semântica Argumentativa, segundo a qual, conforme teoria desenvolvida por Ducrot e Anscombre, a linguagem não se limita apenas a exteriorizar um pensamento ou transmitir informações. Ao contrário disso, ela serve, principalmente, para realizar ações, atuar sobre o alocutário, persuadir, argumentar, veiculadora que é de ideologias. Na interação, o sujeito se identifica com aquilo que diz, revelando o caráter subjetivo e dialógico da linguagem.

A sistematização dos processos de intensificação encontrados no corpus constituído de doze inquéritos ofereceu uma descrição, se não completa, pelo menos bem ampla, do fenômeno da intensificação no português falado por uma faixa representativa de falantes cultos entrevistados no período de 1974 a 1978. Tal pesquisa revelou não a alta incidência de intensificadores na conversação, levando-se em conta que em apenas oito horas e quarenta e quatro minutos de diálogo gravado dos doze inquéritos do corpus foram encontrados aproximadamente dois mil intensificadores, numa freqüência média de quase quatro intensificadores por minuto, como também a riquíssima variedade e a grande quantidade de operadores da intensidade existentes na língua portuguesa, bem superior à encontrada na gramática tradicional. Além disso, serviu também para evidenciar tanto a importância quanto a verdadeira natureza dos processos de intensificação no português, conforme se verá sumariamente nos próximos parágrafos, veiculadores das principais conclusões às quais se chegou no decorrer desse trabalho.

Sobre os lexemas operadores da intensidade, apesar de serem comumente ignorados pela gramática escolar, com exceção de alguns adjetivos, viu-se que são intensificadores por natureza ou por transferência de sentido (ou de categoria), dentre os quais se destacam os adjetivos, não pela variedade como também por sua numerosa quantidade, capazes até de formarem séries gradativas complexas, a exemplo de “divino ß deslumbrante, espetacular, belo, lindo, gracioso/formoso, bonito, simpático, feio à horroroso”. Tais lexemas nada mais são do que lexias simples, reveladoras de uma visão global ou relativa do locutor, que se caracterizam por possuir um intensificador integrado na base. Outrossim, não se pode ignorar que os lexemas verbais operadores da intensidade, sendo, a rigor, categoria do discurso, e não classe de palavra, têm um comportamento similar ao dos lexemas adjetivais operadores da intensidade, o que vem confirmar a opinião defendida por GOMES (1994: 3), fundada na visão aristotélica das categorias gramaticais do discurso, de que ambos desempenham o mesmo papel discursivo, isto é, são termos secundários e determinantes do termo primário (o substantivo ou SN), como acontece, respectivamente, emcrianças sadias” e “crianças sadias dormem”.

Os gramemas presos prefixais, da mesma forma que os lexemas adjetivais, podem funcionar tanto como operadores de intensidade não-integrados à base quanto como operadores de intensidade integrados à base, e se caracterizam por expressarem uma visão global ou relativa do locutor. Além disso, apresentam um comportamento similar ao dos adjetivos, se for considerado o fato de que o prefixo está para o radical ao qual se prende assim como o adjetivo está para o substantivo, além de se organizarem também em séries gradativas através das quais expressam diversos níveis de intensificação, como é o caso da sériehiperdesenvolvido, superdesenvolvido, desenvolvido, semidesenvolvido, subdesenvolvido”.

Os gramemas presos sufixais comparativos, dentre os quais os mais comuns são -INHO e -ÃO, são mecanismos que se prestam muito mais para a expressão de outros aspectos da linguagem, tais como a subjetividade e a afetividade do locutor, do que para a expressão apenas da intensificação. No corpus, a ocorrência do sufixo -ÃO é rara, enquanto que a do sufixo -INHO é predominante, principalmente entre informantes do sexo feminino que o empregam quatro vezes mais do que os informantes do sexo masculino, caracterizando desse modo uma inquestionável peculiaridade sexoletal, principalmente levando-se em conta a natureza emotiva de tais sufixos.

Os gramemas presos sufixais superlativos são intensificadores por natureza (boníssimo) ou por transferência gramatical (doidamente apaixonado) que se caracterizam (na maioria dos casos) por expressarem uma visão global do locutor e serem de natureza hiperbólica. A análise dos dados revela ainda que o superlativo absoluto sintético, comumente formado pelo sufixo -ÍSSIMO, apesar de ser menos usado, é portador de uma força intensiva maior do que a do superlativo absoluto analítico formado pelo intensificador MUITO, fato este observável também no espanhol, segundo depoimento de REBOLLO TORÍO (1983: 194). Por outro lado, os gramemas presos sufixais superlativos por transferência (-MENTE), possíveis de serem subdivididos em totalizantes, absolutos, relativos e reforçadores, evidenciam não serem mais complexos do que os por natureza, como também o fato de nem sempre serem formadores de advérbios, e muito menos de advérbios de modo, como comumente se pensa. Isso se explica levando-se em conta que algumas lexias em -MENTE são, na realidade, denotativos de intensidade (ou intensificadores) e não advérbios, uma vez que apresentam características próprias que os impedem de serem enquadrados dentre os advérbios propriamente ditos (os de lugar, tempo e modo). Outrossim, tais sufixos, além de formarem intensificadores que têm afinidade com os adjetivos e de poderem funcionar como modalizadores do discurso, a exemplo de “Felizmente ela chegou”, nem sempre desempenham o papel de superlativos, como ocorre emCriança gravemente enferma”, que podem funcionar tanto como reforçadores da intensidade (Melhoraram muito realmente), quanto como atenuadores da intensidade (Remédio praticamente abolido).

Os gramemas livres operadores da intensidade por natureza, comumente tidos como advérbios de intensidade, não são, a rigor, advérbios, como facilmente se pode observar ao se fazer uma análise dos exemplos encontrados no corpus. Apesar de terem afinidade com os adjetivos, assim como ocorre com os prefixos intensivos, melhor seria incluí-los, de acordo com BOMFIM (1988: 68), dentre “as palavras denotativas, como intensificadores”. Também, caracterizam-se por serem os mais numerosos dentre os intensificadores; por subdividirem-se em indefinidos, passíveis de se organizarem numa escala gradativa de valores a partir de um ponto neutro (ou médio) de partida (demais, muito, bastante, meio, quase, pouco), e em comparativos (mais, tão/tanto, como, menos), que respondem por uma série de efeitos de sentido; e por serem comumente encontrados em construções superlativas ou comparativas e no interior de estruturas mais complexas do tipo Estou mais endividado do que você.

Os gramemas livres operadores da intensidade por transferência de sentido são constituídos no corpus por artigos no singular, certos pronomes demonstrativos (aquele, aqueles), certos pronomes indefinidos (cada, todo) e certos numerais susceptíveis de funcionarem como intensificadores.

Os gramemas livres reforçadores da intensidade, ao contrário dos intensificadores anteriormente mencionados, não operam por si mesmos a intensidade, conforme ficou evidente nos trechos examinados, antes desempenham o duplo papel de argumentadores e de amplificadores ou atenuadores da intensificação mediante o reforço de uma intensidade dada a uma apreciação, reforço este capaz de criar uma isotopia intensiva. Dentre eles, foram registrados ATÉ, NEM, ALÉM DE, AINDA, ENTÃO, POUCO A POUCO, CADA VEZ, CADA DIA (que introduzem um argumento mais forte do que o precedente, dando uma orientação progressiva); TAMBÉM (que funciona como um reforço produzido pelo resultado da adição de dois argumentos); ALIÁS (que aparece como um parêntese que se abre para se fazer um esclarecimento); MAS, ANTES (que funcionam como morfemas capazes de realizar uma inversão de argumentos); e , APENAS (que indicam restrição). Daí serem classificados em progressivos, aditivos, parentéticos, inversores de argumento e restritivos, respectivamente.

As construções sintagmáticas enfáticas com conotação intensiva analisadas foram as por inversão, por inserção de uma expressão enfática, e por repetição. Tal análise serviu para confirmar a hipótese de que tais construções, ligadas a determinadas situações enunciativas, adquirem uma conotação intensiva, fato este igualmente observável em relação às lexias complexas metafóricas com conotação intensiva, às estruturas comparativas com conotação intensiva e às frases intensivas.

As lexias complexas metafóricas com conotação intensiva serviram para mostrar a sua força ilocutória bastante acentuada, o que lhes possibilita funcionar como operadores pragmáticos da linguagem por excelência, dentre outros encontrados na situação enunciativa. Tais lexias nada mais são do que intensificadores metafóricos integrados ou não na base que têm como característica o fato de expressarem uma visão global do locutor, levando-se em conta algumas peculiaridades, tais como o tipo de associação de idéias, a imagem associada como produto de uma coletividade e a implicação do locutor e do alocutário.

As estruturas comparativas com conotação intensiva mostram um tipo de estrutura sintática com intensificador não-integrado à base capaz de acrescentar um sema de intensidade modificador da substância sêmica sem alterar o sentido do signo modificado. Isso ocorre dentro de uma construção na qual a intensidade resulta sobretudo do efeito de sentido intensivo manifesto numa determinada situação enunciativa. Tais estruturas estão sistematizadas em construções conotativas com conotação intensiva por repetição ou acumulação do elemento comparante, pelo emprego do comparativo de igualdade, pelo emprego do comparativo de superioridade e pelo emprego do superlativo relativo. Caracterizam-se, ainda, por expressarem uma visão relativa do locutor e, ao contrário de todos os processos de intensificação mencionados anteriormente, por adotarem um procedimento de intensificação por relação capaz de pôr em relevo estruturas correlativas. Isso posto, não cabe, então, a designação grau comparativo, comumente usada, e muito menos grau superlativo relativo, que comparação não é grau, mas sim um processo mediante o qual é possível expressar determinado grau.

As frases intensivas, subdivididas em consecutivas, proporcionais e concessivas (sem falar nas comparativas, estudadas em capítulo à parte, dada a sua complexidade) se caracterizam não por serem estruturas sintáticas com intensificadores não-integrados à base, capazes de assumir uma conotação intensiva na situação de enunciação, como também por adotarem um procedimento de intensificação por relação que pode, às vezes, pôr em relevo estruturas correlativas. Entre elas, as consecutivas evidenciam serem estruturas correlativas em que o fato expresso na oração subordinada é conseqüência do que se enuncia na oração principal intensificada por um intensificador. Observa-se, todavia, que a intensificação decorre, nesse caso, do conteúdo lexical da subordinada. As proporcionais demonstram serem mais propriamente comparações proporcionais correlativas que expressam ação progressiva. as concessivas, constituídas de uma estrutura frasal correlativa com conotação intensiva em que a oração antecedente superlativada por um intensificador vai se opor à oração conseqüente, são capazes de traduzirem uma noção hiperbólica de intensidade, decorrente, muitas vezes, do jogo opositivo típico de tais construções.

Os diferentes processos de intensificação estudados podem ser agrupados em duas grandes classes semânticas, a dos amplificadores (marcadores de uma intensificação relativa tipo aproximativa, adequativa ou excessiva, situada acima do grau médio, ou então de uma intensificação absoluta ou totalizante) e a dos atenuadores (marcadores de uma intensificação do tipo aproximativa ou minimal situada nas proximidades ou abaixo do grau médio.

Os intensificadores, portanto, nem sempre se limitam a indicar um simples aumento ou diminuição da intensidade. Podem indicar também um ponto numa escala de valores situável acima ou abaixo do ponto neutro (ou médio) dela, como é o caso dos amplificadores relativos, capazes de expressarem uma intensificação relativa, correspondente aos graus aproximativo-superior, médio-superior e superior, quando, então, se pode dizer que há uma intensificação graduada, onde o grau está para a intensificação assim como o número para a quantificação. Convém ressaltar, contudo, que nem toda intensificação admite gradação, como acontece em sua modalidade absoluta. Isso se explica porque nesse caso os intensificadores expressam uma intensificação tão elevada, que ultrapassa os limites de uma escala graduada sem se relacionarem com ela. Por conseguinte, não seria conveniente, a rigor, se falar da existência de grau na modalidade absoluta de intensificação, e muito menos aceitar o superlativo absoluto sintético como sendo grau, quando se sabe ser ele um amplificador absoluto não graduável que aponta para o ápice de uma noção semântica não escalonada, impossível de se relacionar com um conjunto de pontos sistematicamente ordenados numa escala de valores.

Sobre a intensificação, os fatos mostram ainda que ela pode ser neutra, ao corresponder ao ponto neutro (ou grau médio), como se tem empimentão vermelho”, isto é, nem muito nem pouco vermelho; e nula, ao corresponder a uma negação de uma noção semântica expressa por qualquer elemento lingüístico intensificável, como se encontra no enunciadopimentão nada vermelho”.

A análise dos processos de intensificação na norma urbana culta de Salvador conduz à conclusão de ser a língua falada não veiculadora de ideologia como também particularmente afetiva, com tal afetividade refletindo o desejo que tem o locutor de interagir no meio social, influir persuasivamente o alocutário de modo a impressioná-lo, empolgá-lo, comovê-lo, envolvê-lo, apaixoná-lo, seduzi-lo e instigá-lo. Assim ele poderá induzir o ouvinte a mudar de conduta e/ou de opinião e/ou de atitude, enfim, a agir de conformidade com o propósito do locutor. Isso explica a natureza argumentativa da linguagem, a qual se manifesta através de inúmeros recursos lingüísticos denominados operadores argumentativos ou discursivos, dentre os quais merecem destaque os processos de intensificação (abundantes na conversação), e conduz à conclusão da dupla característica (afetiva e argumentativa) dos intensificadores.

Nos textos analisados ficou evidente que os processos de intensificação nada mais são do que operadores pragmáticos da linguagem, isto é, estratégias retóricas intimamente relacionadas com a atividade argumentativa, mais precisamente com a idéia de força argumentativa, empregados com o propósito, dentre outros, de expressar o grau de apreciação, manipular (impressionando o alocutário) e persuadir; revelando, desse modo, a intenção da fala. Eles se inserem na linguagem racional, a qualnos permite pensar con palabras y comunicar esos pensamientos, o palabras pensadas, en procesos interactivos de comunicación, con los que realizamos acciones que afectan y dejan sedimento en nuestros prójimos”[1] (LÓPEZ EIRE, 1998: 24).

A intensificação possui a capacidade de impactar o alocutário, de provocar estranhamentos, ou melhor, inovações insólitas, e, desse modo, sem comprometer a compreensibilidade da mensagem, conseguir que o ouvinte, preso à admiração e deleite de tal procedimento, maior crédito ao conteúdo da mensagem intensificada; escute-a com atenção e prazer; tenha boa disposição para julgar as opiniões nela defendidas; e chegue até a comover-se, ao perceber argumentos cheios de emotividade. Por conseguinte, conteúdos de certas mensagens não têm, necessariamente, a ver com a realidade, em termos de traduzirem-na fielmente, mas com a verossimilitude. A propósito, diz RAITER (1995: 87) que “en un análisis macrosocial del funcionamiento del lenguaje, el lingüista debe prestar atención a las estrategias empleadas para la construcción de verosimilitudes; la determinación de la falsedad o la verdad de los enunciados formará parte de un análisis que excede el ámbito del lenguaje”[2], denominando esse tipo de verossimilitude, presente nas imagens que os ouvintes constroem a partir dos estímulos lingüísticos, de para-realidade discursiva, e observando que todo labor de persuasão parte dessa para-realidade compartida.

Ante o exposto, nãocomo negar que o emprego de um intensificador revela, além da noção de grau, certa subjetividade e certa relatividade decorrentes de parâmetros ligados à experiência de cada um, da posição que o locutor assume perante uma determinada apreciação, que pode tomar uma dentre duas direções, a partir de um ponto neutro: para cima, quando o locutor transmite de forma veemente seus sentimentos, destacando ou intensificando uma noção com ênfase ou exagero, como ocorre nas hipérboles; e, para baixo, quando atenua uma noção para expressar cortesia, como acontece no eufemismo. Esse caráter relativo intimamente ligado à subjetividade dos intensificadores (que faz com que, por exemplo, para um mesmo trabalho escolar feito por um aluno, um professor o considere bom e outro o considere regular) é que vai fazer com que a apreciação adquira um valor argumentativo. É por isso que se diz que paralelamente a uma escala gradativa ou de valores (ligada ao componente lingüístico) há uma escala argumentativa (ligada ao componente retórico, às intenções do locutor).

O estudo da intensificação, como facilmente se pode perceber, revela que os operadores de intensidade são dotados de valor conotativo, por ser a conotação o sentido afetivo do discurso, isto é, a capacidade de impressionar favoravelmente ou desfavoravelmente. Nesse caso, a intensificação se insere no âmbito da Estilística, pois, de acordo com CÂMARA Jr., apud MARTINS (1967: 3), o “estilo é a linguagem que transcende do plano intelectivo para carrear a emoção e a vontade”; observando, todavia, que, ao plano intelectivo, corresponde a função referencial; à emoção, a função emotiva; e à vontade (ou intenção do falante para influir sobre as pessoas), a função apelativa. Daí, com base nos enunciados colhidos no corpus, pode-se concluir não acerca da existência da conotação no discurso, a partir de um grau médio (denotação) que é puramente teórico, uma vez que é difícil se conseguir obter enunciados absolutamente neutros, como também que os processos intensificacionais desempenham as funções referencial, emotiva e conativa.

Os procedimentos analisados permitem reconhecer afinidades existentes entre os intensificadores e os modalizadores, pois assim como os modalizadores (ou modus) constituem estratégias mediante as quais o sujeito falante manifesta o seu julgamento sobre o dictum, os intensificadores constituem estratégias mediante as quais o sujeito falante manifesta a sua opinião em termos intensificacionais sobre o enunciado ou parte dele, variável da intensidade máxima, onde se dá a entender mais do que realmente se diz, para a intensidade mínima, onde se mitiga a força ilocutória de uma ação, palavra ou expressão. Sendo assim, é possível se afirmar que a intensificação seria uma variedade de modalização capaz de aumentar ou mitigar a força ilocutória de, por exemplo, um enunciado, como se tem em “Choveu copiosamente”; e também de possibilitar a marcação do grau de adesão ou distanciamento do enunciador em relação a um determinado conteúdo proposicional, a exemplo de “Choveu bastante”, “Choveu pouco”, “Choveu pouquíssimo”, etc.

No âmbito da sintaxe, ao contrário dos advérbios, os intensificadores (muitas vezes empregados subjetivamente e/ou impressionisticamente) podem ser suprimidos do contexto frasal sem grande comprometimento para a mensagem formulada, exatamente por não serem constituintes indispensáveis da estrutura oracional. De fato, frases comoEla é muito feliz” e “Ela é demasiadamente feliz”, se forem analisadas sintaticamente, irão refletir uma mesma estrutura similar à encontrável na fraseEla é feliz”, pois todas elas pertencem ao mesmo padrão frasal representado pelo esquema S + VL + PS.

Finalizando, convém dizer que a intensificação tem o seu lugar e a sua importância nos estudos lingüísticos, reveladora que é tanto da natureza racional quanto da natureza emocional do ser humano; tanto da argúcia argumentativa, de certa forma impregnada também de emoção, quanto da criatividade na manipulação desses recursos.

 


 

BIBLIOGRAFIA

BOMFIM, Eneida. Advérbios. São Paulo: Ática, 1988. (Série Princípios, 129).

CUNHA, Celso & CINTRA, Luís Felipe Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

GOMES, José Maria Barbosa. “O advérbio: uma categoria gramatical mal compreendida”. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 1994. [Cópia xerografada].

LOPES, Carlos Alberto Gonçalves. Processos de intensificação na norma urbana culta de Salvador. Tese de doutorado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2000.

LÓPEZ EIRE, Antonio. La retórica en la publicidad. Madrid: Arco/Libros, 1998. (Cuadernos de Lengua Española)

MARTINS, Nilce Sant’ Anna. Meios de exprimir a comparação no português atual do Brasil. Alfa, Marília, 12:179-224, 1967.

MOTA, Jacyra & ROLLEMBERG, Vera (orgs.). A linguagem falada culta na cidade de Salvador: materiais para seu estudo. Salvador: Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, 1994.

RAITER, Alejandro. Lenguaje en uso: enfoque sociolingüístico. Buenos Aires: A-Z, 1995. (Série Ciencias del Lenguaje)

REBOLLO TORÍO, Miguel A. Cuestiones sobre el grado en enpañol. Anuario de Estudios Filológicos, Cáceres, 6: 191-195, 1983.


 

[1] “nos permite pensar com palavras e comunicar esses pensamentos, ou palavras pensadas, em processos interativos de comunicação, através dos quais realizamos ações que afetam e deixam marcas em nossos próximos”.

 

[2] “numa análise macro-social do funcionamento da linguagem, o lingüista deve prestar atenção às estratégias empregadas para a construção de verossimilitudes; a determinação da falsidade ou a verdade dos enunciados fará parte de uma análise que ultrapassa o âmbito da linguagem”.