ACENTO
GRAVE
OU É
CRASE
OU
NÃO
É
NADA
Salatiel
Ferreira
Rodrigues (UNIG)
O
estudo da
crase é uma
matéria
que oferece
tropeços a
alunos de 1.º
e 2.º
graus
também,
com
grande
freqüência, ao
universitário.
Não é
para
menos, a
considerar-se
que as
interpretações
são várias e
algumas
vezes
ineficientes
entre os
próprios
gramáticos,
que,
embananados, têm sustentado
colocações
infantis e
incoerentes.
Tais
dificuldades
existem no
que
toca às
locuções
quando
falta a
quem escreve o
recurso
claro de
opor a
construção ao à
craseado,
como se segue:
à
imitação
de ao
jeito
de
à
maneira
de ao
modo
de
à
noite
ao
anoitecer
às
turras
aos
estorvos
entregue
às
pulgas
entregue
aos
ratos
à
altura
ao
ponto
No
entanto,
quando
esse
método
não pode
ser aplicado
com
segurança, começam a
surgir as
dúvidas
cruciais.
Muitas
locuções
poderiam
perfeitamente
ser
escritas
sem
acento
grave
porquanto na
sua
constituição
não entra
necessariamente o
artigo
definido.
feito
a
mão
feito
a
ferro
e
brasa,
a
fogo
arrastado a
força
arrastado a
muque,
a
braço,
a
trator
fechado a
chave
fechado a
cadeado
barba
feita a
navalha
feita a
facão,
a
canivete
enxotar a
pedrada
enxotar a
pontapé
matar a
fome
matar a
pau,
a
sopapo
andar a
sorrelfa
andar a
furto,
de sorrate
a
simples
vista
a
olho
nu
a
tripla
forra
a
ventre
largo
Em
outros
casos, vê-se
que uma
simples
preposição,
diferente de
a, resolve
perfeitamente
o
problema,
logo improcede
o
uso de à.
apanhar a
mão
apanhar de
mão,
com
a
mão
cortar a
espada
cortar de
espada,
com
espada
dobrar a finados
dobrar
para finados
pescar a
linha
pescar de
linha,
com
linha
socar a
marreta
socar de
malho,
com
malho
Já
em
certos
casos, o
emprego de
preposição
diferente de
a vai
trazer à
tona o a,
artigo,
que
ali se
acha
presente, justificando o
acento
grave.
dobrar à
direita
dobrar
para a
direita
dobrar à
esquerda
dobrar
para a
esquerda
empurrar à
frente
empurrar
para a
frente
à
pressa
no empurrão
à
medida
que
na (em
+a)
medida
que
à
proporção
que
na (em
+a)
proporção
que
à
procura
de na (em
+a)
procura
de
Em
particular, no
entanto, o
eminente
professor Bechara tem uma
visão
bem
característica
quanto ao
emprego do
à acentuado:
Emprega-se o
acento
grave no a
para
indicar
que soa
como
vogal
aberta
nos
seguintes
dois
casos:
1)
quando
representa a
construção da
preposição
a
com o
artigo a
ou
início de
aquele (s),
aquela (s),
aquilo,
fenômeno
que
em
gramática se
chama
crase;
2)
quando
representa a
pura
preposição
a
que rege
um
substantivo
feminino
singular,
formando uma
locução
adverbial
que,
por
motivo de
clareza, vem
assinalada
com
acento
diferencial (à
força, à
míngua, à
bala, à
faca, à
espada, à
fome, à
sede, à
pressa, à
noite, à
tarde, etc –
exemplos
extraídos de Said
Ali,
Carneiro
Ribeiro,
Epifânio
Dias e Sousa
Lima).
(BECHARA, 1999: 308)
José
Oiticica
informa
que “Alencar
craseava a
preposição
simples a.”
(José
Oiticica,
apud
Bechara, 1999, p. 308).
Como se pode
ver,
especialmente
pelos
exemplos
acima,
trata-se de uma
questão
antiga
que vem
passando de
pai
para
filho,
desde
renomados
gramáticos do
passado
até os
mais
bem informados do
presente. Observe-se
que
Rocha
Lima (1989)
já demonstrava
certa
estranheza
ante
esse
fato,
como se pode
perceber
por
sua
linguagem de
natureza
exclamativa:
“Nem
sempre – e
aí
que bate o
ponto – o a
acentuado é
resultado de
crase” (ROCHA
LIMA, 1989:
335). E, citando
também
exemplos de
Said
Ali e Epifânio
Dias,
acrescenta:
Assim
por
motivos de
clareza
como
para Alencar às
tendências
históricas do
idioma,
recebem
acento no a,
independentemente
da
existência de
crase, muitas
expressões
formadas
com
palavras
femininas.
Apanhar à
mão,
cortar à
espada,
enxotar à
pedrada,
fazer a
barba à
navalha,
fechar à
chave,
ir à
vela,
matar o
inimigo à
fome,
pescar à
linha, à
força, à
imitação de, à
maneira de, à
pressa, à
proporção
que, à
semelhança de, à
toa, à
ventura, à
vista, à
vista de (Ibidem
).
Outros
gramáticos de
hoje,
como,
por
exemplo,
Manoel P.
Ribeiro,
não oferecem a
menor
resistência
em
aceitar
que:
A
tradição
gramatical
assinala
com
acento
grave
certas
locuções
(adverbiais, prepositivas e conjuncionais, adjetivas)
em
que
verdadeiramente
não ocorre
crase. O
acento
grave é
empregado
para
diferençar a
preposição a
do
artigo
definido a. (RIBEIRO,
1998: 249)
E acrescenta:
Com
locuções
adverbiais, o
acento
grave serve,
muitas
vezes,
para
evitar
duplo
sentido:
Ele matou a
fome (obj.
direto: o a é
artigo
definido).
Ele matou o
inimigo à
fome (o a é
preposição
apenas e
introduz uma
locução
adverbial
com
palavra
feminina.) (Ibidem)
Nada, no
entanto,
mais
absurdo.
Como puderam
pessoas
reconhecidamente
inteligentes
admitir
que o
mesmo
sinal
grave,
empregado
para
assinalar a
presença de
artigo
junto á
preposição,
seja
igualmente
usado
para
mostrar
que a
preposição
está
sozinha?
Rocha
Lima faz uma
observação:
Em
expressão
como
ás
pressas,
às
vezes,
às ocultas, às
expensas
de (outrora
a
pressa,
a
vezes,
a
expensas
de), a
forma
plural dos
substantivos
teria
determinado a
presença do as,
que,
apesar de
não
ter a
função
delimitadora de
artigo, levou
à
falta
suposição da
existência
dele; daí o craseamento
com a
preposição e o
uso do
acento,
que se
estendeu a
expressões
semelhantes. (ROCHA
LIMA, 1989:
335)
Pelo
que
aí se
vê, “a
falsa
suposição,
por
força de
uso, entrou
para a
língua e tomou
ares de
cidade.” Se
foi
suposição
algum
dia,
considere-se
que
hoje é
realidade e
que o
acento
grave está
aí
porque
aí
também está
um
artigo
definido
feminino.
Foi
este
mesmo
tipo de
suposição
que levou ao
desenvolvimento
de
um
artigo a
Nas
locuções
singulares,
que
também
terminou
por
cristalizar-se na
língua. Daí a
generalização
do
emprego do
acento
grave
em todas as
locuções,
indiferentemente.
Uma
vez
que a
freqüência de
uso estendeu o
emprego do
acento
grave
indicativo de
crase a todas
as
locuções
(adverbiais prepositivas e
conjuntivas)
de
base
femininas,
fato
que
pela
dimensão de
seu
alcance
já
não pode
ser reprimido, a
melhor é
que o
aceitemos,
como
nos parece
ser o
ponto de
vista de
Adriano da
Gama Kury
(1994). O
argumento
usado
por
este
gramático é o
uso
tradicional do
acento
pelos
melhores
escritores de
nossa
língua e a
pronúncia
aberta do a,
em Portugal,
nessas
locuções,
tal
como
qualquer a
resultante de
crase –
diferente do
timbre fechado
do a
pronome,
artigo
ou
preposição.
O
objetivo deste
trabalho é
destacar a
fragilidade do
que vem de
afirmar a
maioria dos
gramáticos,
concordar de
pleno
com Adriano da
gama Kury e
fazer uma
sugestão
formal:
que se estenda
o
uso do
acento
grave a todas
as
locuções,
mas
que
quem
assim o fizer
assuma de
consciência
firmada
que
onde há
um
acento
grave há,
igualmente,
uma
preposição e
um
artigo.
BIBLIOGRAFIA
BECHARA, Evanildo.
Moderna
Gramática
Portuguesa. 37ª ed.
revista e
ampliada.
Rio de
Janeiro:
Lucerna, 1999.
669 p.
KURY, Adriano da
Gama.
Ortografia,
pontuação,
crase.
Brasília: FAE, 1994. 132 p.
RIBEIRO,
Manoel
Pinto.
Gramática
aplicada da
língua
portuguesa. 10ª ed.
Rio de
Janeiro:
Metáfora,
1998. 430 p.
ROCHA
LIMA, C. H.
da.
Gramática
normativa da
língua
portuguesa. 30ª ed.
Rio de
Janeiro: José
Olímpio, 1989. 506 p.