O
papel
dos
enunciados
de
exercícios
de
gramática
na
construção
de
conhecimento
sobre
a
língua
materna
Fernanda Gomes
Coelho
Junqueira (PUC-Rio)
Introdução
Muitos
pesquisadores
da
área de
língua
portuguesa apontam
para a
ênfase
exagerada
nos
exercícios de
gramática: privilegiamento
do
estudo de uma
metalinguagem
técnica
em
detrimento do
estudo da
linguagem;
exigência de
memorização
de
regras,
definições e
nomenclatura.
O
ensino de
língua
materna acaba
se transformando
em
estudo de
gramática,
com
conteúdos
geralmente
desvinculados dos
reais
interesses e
necessidades
dos
alunos.
Simões (1999)
nos coloca
que as
aulas de
língua portuguesa,
por estarem submetidas a uma
prática gramaticalista – na
qual os
fatos
lingüísticos sistematizados desconsideram as
variações diacrônicas, diatópicas, diastráticas e diafásicas – seguem
um percurso de classifique, enumere, cite,
analise, etc., de
forma a
não
privilegiar a
interação
verbal
ou
oral de
maneira
satisfatória.
O
resultado
deste
tipo de
ensino é a
aversão à
língua,
com a
qual os
alunos se
interagem
cotidianamente
com o
mundo
em
que vivem.
Não é
novidade
ouvirmos
expressões do
tipo “português
é
muito
difícil”, “não
sei
português”, “neste
país
todo
mundo
fala errado”.
O
ensino
meramente
gramatical “nada
acrescenta ao
aluno no
exercício de
elaboração das
idéias e
muito
pouco auxilia
na
formação do
pensamento
através da
língua”. (Ribeiro,
2001).
Tem se
questionado a
eficácia do
estudo de
gramática no
aprendizado da
língua e sido enfatizado
que esta,
por
ser uma
entidade
viva, deve
ser analisada e ensinada
como
tal. (cf. Luft, 1985).
Bakhtin (1992) aponta
que a
língua
como
sistema
estável e
abstrato é
útil
apenas
para
determinados
fins
teóricos e
práticos,
pois “essa
abstração
não dá
conta da
maneira adequada da
realidade
concreta da
língua”.
Se o
objetivo das
aulas de
língua
portuguesa, concebendo a
linguagem
como
lugar de
processo de
interação, é o
de
desenvolver a
competência
comunicativa
dos
falantes,
ampliando
seu
repertório
lingüístico, a
escola deve
priorizar
atividades
reais de
uso
efetivo da
língua, nas
quais os
exercícios
esporádicos de
língua
propriamente
ditos passem a
ter
preponderância
frente
àqueles
exercícios
metalingüísticos de
memorização
de
rótulos e
reconhecimento
de
estruturas.
No
presente
trabalho estamos
focalizando
enunciados de
exercícios de
gramática,
através dos
quais
procuraremos
demonstrar: 1) a
concepção de
linguagem, o
tipo de
ensino, o
tipo de
gramática
que subjazem
estes
enunciados; 2)
o
nível de
operação
mental exigido
em
cada
um deles.
A
formulação destes
exercícios é a
atividade
mais reveladora da
maneira
pela
qual os
professores trabalham
com a
gramática,
já
que
por
meio dela, depreendem-se as
bases, os
princípios, as
finalidades,
enfim, a
natureza da
atividade
lingüística. (cf.
Neves, 1999).
A
concepção de
linguagem do
professor é de
importância
vital na
determinação do
objeto de
estudo. Se a
linguagem for considerada
um
sistema fechado de
signos
arbitrários, teremos
um
ensino de
gramática
baseado
em
aspectos
lingüísticos
formais. Se a
linguagem for considerada
como
um
processo de
interação, o
ensino de
gramática será pautado
pelo
uso
social da
língua nas
mais
diferentes
situações de
interação
comunicativa.
Aspectos
teóricos
A
Língua
como
fenômeno
social
de
interação
verbal
Na
concepção de
linguagem de
Bakhtin, a
língua é
vista
com
um
fenômeno
social,
histórico e
ideológico, no
qual “a
palavra está
sempre
carregada de
um
conteúdo
ou de
um
sentido
ideológico
ou vivencial”.
(1991: 95)
Para
ele, a
verdadeira
essência da
linguagem é a
interação
verbal,
realizada
pela
enunciação.
Aprender a
falar significa
aprender a
construir
enunciações.
A
língua,
em
seu
uso
prático, está
vinculada ao
seu
conteúdo
ideológico, sendo
assim,
seus
signos
são
variáveis e
flexíveis,
apresentando
um
caráter
mutável,
histórico e
polissêmico.
Bakhtin defende uma
abordagem
histórica e
viva da
língua, de
forma
que o
sentido da
palavra é
totalmente
determinado
por
seu
contexto.
Em outras
palavras, o
enunciado é de
natureza
social e a
prática
viva da
língua se dá
por
meio da
comunicação
verbal
concreta.
Na
verdade, a
língua
não se
transmite;
ela
dura e perdura
sob a
forma de
um
processo
evolutivo
contínuo. Os
indivíduos
não recebem a
língua
pronta
para
ser usada;
eles penetram
na
corrente da
comunicação
verbal;
ou
melhor,
somente
quando
mergulham nessa
corrente é
que
sua
consciência
desperta e
começa a
operar. É
apenas no
processo de
aquisição de uma
língua
estrangeira
que a
consciência
já constituída
–
graças à
língua
materna – se
confronta
com uma
língua
toda
pronta,
que
só
lhe
resta
assimilar. Os
sujeitos
não “adquirem”
sua
língua
materna; é
nela e
por
meio dela
que ocorre o
primeiro
despertar da
consciência.
(Bakhtin, 1981: 108)
Na
concepção de
Bakhtin, a
realidade
concreta e
dinâmica da
língua
não permite
que os
falantes se
interajam
com a
linguagem
como se esta
fosse
um
sistema
abstrato de
norma. A
língua está
em
constante
evolução
por
meio das
interações
verbais dos
interlocutores.
Por
conceber o
homem
como
um
ser
histórico e
social,
compreende a
linguagem
sob a
perspectiva da
situação
concreta,
considerando a
enunciação e o
contexto. É no
contato
entre a
língua e a
realidade
concreta,
via
enunciado,
que a
palavra pode
expressar
um
juízo de
valor, uma
significação, uma expressividade. O
significado é
construído
no
discurso e
essa
construção envolve os
participantes, a
situação
imediata
ou o
contexto
mais
amplo.
O
enunciado é
uma
atividade
real de
comunicação
verbal,
delimitado
pela
alternância
dos
sujeitos
falantes e
que termina
por uma
transferência
da
palavra ao
outro. (cf.
Id.
Ibid.: 293). O
aspecto
mais
importante da
constituição
do
enunciado é a
possibilidade de
resposta
que
ele
proporciona, uma
vez
que
ele se elabora
em
função do
outro.
Todo
enunciado é
um
diálogo,
não
somente a
comunicação
verbal
face a
face,
mas
todo
tipo de
comunicação
verbal (cf.
Bakhtin, 1981: 123).
Assim, os
enunciados de
exercícios de
gramática,
objeto de
estudo da
presente
pesquisa,
constituem-se
em
elementos de
comunicação
verbal.
Conforme
Freitas (2000: 135) assinala, o
que importa é
que o
enunciado
compreenda uma
relação
entre
pessoas.
Segundo
Bakhtin (1992: 137), “toda
enunciação é
um
diálogo,
mesmo as
produções
escritas, num
processo de
comunicação
ininterrupto”.
A
concepção
bakhtiniana de
diálogo
ultrapassa a
noção de
conversa,
por
considerá-lo
um abrangente
conjunto de
condições
moldadas
em
qualquer
troca
real
entre duas
pessoas. (cf.
Clark e Holquist,
Apud Mazzillo,
2000: 35).
A
formação
dos
conceitos
científicos
Vygosty distingue os
conhecimentos
construídos
através da
experiência
pessoal,
concreta e
cotidiana das
crianças –
conceitos
espontâneos –
e
aqueles
apreendidos
por
meio do
ensino
sistemático na
escola –
conceitos
científicos.
Os
primeiros
são
construídos a
partir da
observação,
manipulação e
vivência
direta. Os
segundos
referem-se aos
conhecimentos
sistematizados na
escola.
A
partir de
suas
investigações
sobre o
processo de
formação de
conceitos,
Vygotsky conclui
que os
conhecimentos
científicos
não
são absorvidos
já
prontos
através de
um
processo de
compreensão e
assimilação. Ao
contrário, a
formação de
um
conceito é
resultante de
um
processo
ativo e
criativo.
Um
conceito
é
um
ato
real e
complexo de
pensamento
que
não pode
ser ensinado
por
meio de
treinamento,
só podendo
ser realizado
quando o
próprio
desenvolvimento
mental da
criança
já tiver
atingido o
nível
necessário. (...) A
experiência
prática
mostra
também
que o
ensino
direto de
conceitos é
impossível e
infrutífero.
Um
professor
que
tenta
fazer
isso
geralmente
não obtém
qualquer
resultado,
exceto o
verbalismo
vazio, uma
repetição de
palavras
pela
criança,
semelhante à
de
um
papagaio,
que simula
um
conhecimento
dos
conceitos
correspondentes,
mas
que na
realidade oculta
um
vácuo. (Vygotsky,
2000: 104)
Ao
declarar a impossibilidade
de
um
conceito
ser transmitido ao
aluno
através de
atividades
mecânicas e
descontextualizadas, Vygotsky
chama a
atenção
para o
importante
papel da
escola no
desenvolvimento
intelectual do
aluno.
Para
ele, a
sala de
aula deve
ser o
lugar,
por
excelência, de
desafio, de
estímulo,
apresentando ao
aluno
sempre
novas
possibilidades de
atingir
estágios
mais
elevados de
desenvolvimento.
Sob a
perspectiva
vygotskiana, a
escola exerce
um
papel
fundamental na
formação de
conceitos,
sobretudo os
científicos,
visto
que
tal
formação
depende
não
só da
atividade
mental do
indivíduo,
mas
também do
contexto no
qual se
insere.
Desafiar,
estimular,
exigir,
problematizar,
orientar –
eis a
tarefa do
educador
sob o
ponto de
vista de
Vygotsky.
Embora o
sujeito participe
ativamente na
construção dos
conceitos
científicos,
estes
são
influenciados
pelo
adulto.
Por
considerar a
construção do
conhecimento
um
processo
dialógico,
Vygotsky considera
imprescindível
a participação do
adulto no
processo de
aprendizado do
aluno. “Com
o
auxílio de uma
pessoa,
toda
criança pode
fazer
mais do
que faria
sozinha (...)
O
que a
criança é
capaz de
fazer
hoje
em
cooperação,
será
capaz de
fazer
sozinha
amanhã”. (Id.
Ibid.: 129).
Chama a
atenção
para a
necessidade de
se
utilizar a
zona de
desenvolvimento
proximal, acreditando
que a
interação
entre
professor-aluno
cria
oportunidades
de aprendizagem
significativa.
Passemos
agora a
examinar os
diferentes
tipos de
conhecimento
presentes no
contexto
escolar.
Tipos
de
conhecimento
Edwards e Mercer (Apud
Moita Lopes, 1996)
identificaram
dois
tipos de
conhecimento
construídos na
interação
em
sala de
aula:
o
conhecimento
ritualístico
ou
processual e o
conhecimento
de
princípio.
O
primeiro
tipo envolve
um
conhecimento
imediato, no
qual o
aluno tem
que
encontrar a
resposta
certa
para o
professor; encaixa-se na
estrutura
discursiva iniciação-resposta-avaliação. É
um
conhecimento
arbitrário, voltado a
resolução de
um
problema
ou de uma
tarefa
proposta
pelo
professor
dentro da
metodologia de
ensino.
Por
não
ser elaborado
significativamente,
não
possibilita a
autonomia
intelectual do
aprendiz de
maneira a
utilizá-lo
nos
mais
diferentes
contextos.
No
conhecimento
de
princípio, o
professor propicia a
autonomia do
aluno ao
priorizar o
ensino
para
competências
(cf. Moretto, 2001).
Segundo
constatou
Moita Lopes (1996: 99),
este
tipo de
conhecimento
está relacionado à
compreensão
subjacente ao
conhecimento
ritualístico,
ou seja, é
orientado
para a
compreensão de
como o
conhecimento
processual funciona na aprendizagem,
em
vez de
ser
visto
como
um
tipo de
conhecimento
arbitrário
que fornece a
resposta
certa ao
professor.
Em
suma, o
conhecimento
ritualístico
ou processual
prioriza a
memorização
e a
assimilação
mecânica,
sem
contextualização
ou
significado. O
conhecimento
de
princípio
possibilita ao
aluno
apropriar-se de
um
conhecimento
e, a
partir dele,
estabelecer
relações
significativas
com
outros
conhecimentos
já elaborados,
ampliar e
transformar
sua
estrutura
conceitual.
O
professor comprometido
com o
conhecimento
de
princípio tem
em
mente
que
ensinar
não é
levar o
aluno “a
armazenar
resultados na
mente, e
sim ensiná-lo
a
participar do
processo
que
torna
possível a
obtenção do
conhecimento.
(...)
Saber é
um
processo,
não
um
produto”. (Bruner,
1966: 75)
A
Taxionomia
de Bloom
A
taxionomia de
Benjamim Bloom (Apud
Moretto, 2001) considera a complexidade das
operações
mentais
necessárias
para
alcançar
determinados
objetivos,
ou seja, adota
o
critério da
complexidade das
operações
mentais,
por
meio das
quais os
alunos lidam
com
situações
complexas no
processo
ensino-aprendizagem.
Os
objetivos,
nesta
taxionomia, apresentam-se
organizados
em
diferentes
níveis de
crescente
complexidade, a
saber:
-
(re)conhecimento:
esta é uma
operação de
pouca
complexidade,
cuja
habilidade
mental
básica
compreende a
identificação
das
propriedades
fundamentais
do
objeto de
conhecimento.
As
operações
neste
nível
são
necessárias às
demais
operações
mentais
em
outros
níveis,
contudo,
atividades de
aprendizagem apoiadas
apenas neste
nível devem
ser evitadas.
-
compreensão:
as
operações
mentais neste
nível pressupõem o
reconhecimento,
mas exigem uma
identificação
da
essência do
objeto de
conhecimento,
através da
solicitação de
descrição
ou de
demonstração de
compreensão –
indicação dos
elementos
que dão
significado ao
objeto de
conhecimento.
-
aplicação:
este
nível é
caracterizado
pela
transposição da
compreensão de
um
objeto de
conhecimento,
a
partir de uma
situação/problema.
-
análise:
neste
nível o
aluno deve
ser
capaz de
operar
mentalmente
por
meio da
análise do
todo
para o
entendimento
das
suas
partes.
-
síntese:
nesta
operação
mental
que é inversa
à
análise, o
aluno deve
precisar as
características
de
um ‘todo’
por
meio da
síntese de
suas
partes
constituintes.
-
julgamento
(avaliação): representa o
nível de
maior
complexidade, no
qual é exigido
um
juízo de
valor
após a
realização de
análises e/ou
sínteses.
Aspectos
metodológicos
A
presente
pesquisa insere-se na
tradição
qualitativa e
interpretativa de
dados, considerando os
enunciados de
exercícios de
gramática.
Tais
exercícios foram coletados
durante a
observação de
aulas
em
turmas de 5a a 8a
séries do
ensino
fundamental
em duas
escolas da
cidade do
Rio de
Janeiro, sendo uma
particular e
outra municipal.
Na
escola
particular, foram retirados da
apostila utilizada
pelos
alunos, a
qual é elaborada
pela professora da
série
ou
pela
equipe de
português. Na
escola municipal, a pesquisadora copiou-os do
quadro, no
momento
em
que eram
passados aos
alunos pelas professoras.
Como os
alunos da
escola
particular
não têm
que
copiar
exercícios do
quadro,
eles fazem
bem
mais
exercícios do
que os
alunos da
escola municipal. Do
material coletado, foram
selecionados 78
enunciados
para
compor
este
estudo.
Como o
foco dessa
pesquisa
centra-se nas
concepções do
professor
que permeiam
os
enunciados de
exercícios de
gramática, tomamos
como
pontos
norteadores
para a
nossa
pesquisa: as
contribuições
de Vygotsky
quanto à
construção de
conceitos
científicos,
as
concepções de
linguagem e de
vozes de
Bakhtin, a
taxionomia de
objetivos
educacionais
de
Benjamim Bloom e os
tipos de
construção de
conhecimento
apontados
por Edward &
Mercer.
Análise
dos
dados
Os 78
enunciados
analisados contemplam as
seguintes
áreas do
programa de
língua
portuguesa, sendo
que
exercícios de
sintaxe apresentaram
maior
ocorrência:
-
Morfologia:
formação de
palavras (derivação);
substantivo;
adjetivo;
grau do
adjetivo;
artigo;
advérbio;
verbo (modo
e
tempo);
verbos de
ligação;
pronomes
oblíquo e
indefinido.
-
Sintaxe:
termos
essenciais
da
oração:
sujeito,
oração
sem
sujeito,
predicado
verbal e
nominal,
predicativo,
classificação dos
verbos
quanto à
predicação;
termos
integrantes
da
oração:
objetos
direto e
indireto;
termos
acessórios
da
oração:
adjunto
adnominal,
adjunto
adverbial,
aposto,
vocativo,
concordância
nominal;
período
composto:
oração
absoluta,
oração
coordenada
sindética.
-
Morfossintaxe:
diferenciação
entre
advérbio e
locução
adverbial;
identificação
do
núcleo do
sujeito e
classe
gramatical
correspondente;
identificação
do
adjunto
adnominal e
classe
gramatical
correspondente;
oração
absoluta/adjetivo.
-
Estilística:
figuras de
linguagem (metáfora/metonímia);
discurso
direto e
indireto;
estilo
nominal.
Observe os
três
gráficos
seguintes (fig.
1, fig. 2 e fig. 3).
As
figuras 1, 2 e
3 mostram a
ênfase
dada aos
exercícios de
sintaxe e
morfologia
em ambas as
escolas.
Atividades
que envolvem
estilística
são
verificadas
apenas na
escola
particular,
conforme
indicado na fig. 2.
Passemos
agora a
analisar os
enunciados,
considerando os
níveis de
complexidade propostos
por Bloom (Apud
Moretto, 2001).
Foram encontradas 5 das 6
operações
mentais
apontadas
por Bloom,
embora os
níveis de
reconhecimento
e de
compreensão
tenham ocorrido
com
maior
freqüência. A
incidência das
operações
mentais de
síntese e de
julgamento(avaliação) foi
inexpressiva.
Em
determinados
enunciados,
contempla-se
apenas o
nível de
reconhecimento,
em
outros,
este aparece
em
conjunto
com o
nível de
compreensão.
Fig. 1:
Enunciados
de
exercícios
de
gramática
por
áreas
- 5a a 8a
série
Fig. 2:
Enunciados
de
exercícios
de
gramática
da
escola
particular
por
área
- 5a a 8a
série
Fig. 3:
Enunciados
de
exercícios
de
gramática
da
escola
municipal
por
área
– 5a a 8a
série
A
partir dos
gráficos
abaixo,
podemos
verificar os
níveis de
complexidade
mais
recorrentes
nos
enunciados
analisados, a
saber:
compreensão,
reconhecimento
e
aplicação.
Fig. 4:
Nível de
complexidade contemplado
em
cada
enunciado
5a a 8a
série
Fig. 5:
Nível de
complexidade contemplado
em
cada
enunciado
na
escola
particular
– 5a a 8a
série
Fig. 6:
Nível de
complexidade contemplado
em
cada
enunciado
da
escola
municipal – 5a a 8a
série
A fig. 5 revela
que, na
escola
particular,
vários
níveis de
complexidade
são abordados
pelos
enunciados,
embora haja
uma
predominância
bem
vantajosa dos
níveis de
reconhecimento,
compreensão e
aplicação.
Já na fig.
6, podemos
verificar
que, na
escola
municipal, os
enunciados
abordam
apenas os
níveis de
reconhecimento
e
compreensão.
Vejamos as
palavras
representativas de
cada
nível de complexidade
utilizadas
nos
enunciados:
-
Nível de
Reconhecimento
Palavras-chaves:
retirar,
identificar,
sublinhar,
circular,
envolver,
separar,
completar,
dar,
substituir.
Exemplo:
Identifique os
verbos de
ligação do
texto.
-
Nível de
Compreensão
Palavras-chaves:
escrever,
fazer,
usar,
apontar,
preencher,
explicar.
Exemplo:
Explique a
metonímia das
frases
abaixo.
-
Nível de
Aplicação
Palavras-chaves:
recontar,
criar,
formar,
passar,
comparar,
transformar,
classificar.
Exemplo: Crie
orações
absolutas
seu
sujeito.
-
Nível de
Síntese
Palavras-chaves: o
que
aconteceu...?;
que
recursos
você usou...? e
você (...) faria o
quê?
Exemplo: O
que aconteceu
com os
verbos
nos
novos
predicados
verbais
criados
por
você?
-
Nível de
Julgamento
Palavra-chave:
justificar.
Exemplo:
Justifique a classificação dos
verbos
acima.
O
nível de
análise
não foi
observado
nos
dados
coletados.
Esta
primeira
parte da
nossa
análise sugere
que os
exercícios de
gramática apresentam a
língua
como
um
produto
pronto,
estático, uma
vez
que
não
possibilitam ao
aluno
testar e
construir
hipóteses,
refletir
sobre os
fatos
lingüísticos.
Ao
valorizar
em
demasia os
níveis de
reconhecimento
e de
compreensão
em
seus
enunciados de
gramática, o
professor permite
que o
aluno apreenda
que
só há uma
resposta
certa: o
aluno se
vê submetido à
passividade
imposta
pelo
exercício e à
uma
metodologia de
ensino
que prioriza a
memorização.
Ao ficarem limitados
quase
que
somente a
estes
dois
níveis, os
exercícios
passam ao
aluno uma
falsa
idéia
sobre a
língua e
sobre o
estudo
que fazemos
dela.
Que
falsa
idéia seria
essa?
Vejamos os
seguintes
enunciados,
cuja
escolha
não foi
aleatória, e
sim
devido à
freqüência
com
que apareceram
nas
salas de
língua
materna,
onde a
pesquisa foi
realizada:
-
Classifique os
verbos
quanto à
predicação.
Reescreva os
objetos, se
possível, e os
classifique.
-
Transforme o
sujeito
em
indeterminado
(com o
verbo na 3a
pessoa do
singular).
-
Mude
a
frase
abaixo
para os
tempos
verbais
pedidos.
-
Indique os
sujeitos,
retire
seus
núcleos e
dê
classe
gramatical.
Em
seguida,
classifique os
sujeitos.
-
Indique a
classe
gramatical do
grupo de
palavras
que constitui
esses
adjunto
adnominais.
-
Dê a
função
sintática dos
termos
sublinhados.
-
Qual é o
núcleo do
predicado
em “O
cachorro
estava no
tapete da
sala”?
Podemos
observar
que
tais
enunciados,
por
priorizarem
exercícios
voltados às
regras da
língua
escrita
formal,
transformam o
estudo da
língua
em
estudo das
gramáticas
teórica e
normativa, podendo
gerar
aversão à
língua e
abafar a
expressão
livre e
autêntica do
aluno.
Os
enunciados
não permitem
troca de
informações,
confronto de
pontos de
vista
diferentes,
construção de
hipóteses
sobre o
que seja a
língua,
ou seja,
não
possibilitam a
construção de
conhecimento
de
princípio.
(cf. Edwards & Mercer,
Apud
Moita Lopes, 1996)
Discussões
e
Conclusões
Os
enunciados
deixam
transparecer uma
visão de
gramática concebida
como
um
manual de “regras
de
bom
uso da
língua a serem
seguidas
por
aqueles
que querem se
expressar
adequadamente”,
ou seja, a
gramática normativa (cf.
Travaglia, 2001) e uma
visão de
linguagem
como sendo
expressão do
pensamento.
Tal
concepção de
linguagem
desconsidera: o
modo
como
cada
texto é usado
em
diferentes
situações de
interação
comunicativa,
quem
fala,
para
quem se
fala,
em
que
situação se
fala,
para
que se
fala (Id.
Ibid.).
Concomitantemente
a essa
concepção de
linguagem e de
gramática, os
enunciados
explicitam o
tipo de
ensino de
língua
materna
privilegiado
pelos
professores: o
ensino
prescritivo (cf. Halliday, Mc Intosh e Strevens, 1974).
Este
tipo de
ensino
procura
levar o
aluno a
dominar a
norma
culta e a
variedade
escrita da
língua.
Para
tanto,
procura
impor aos
alunos
padrões de
atividades
lingüísticas
tidos
como
corretos e
aceitáveis,
visando a
correção
formal da
linguagem.
Em outras
palavras, o
professor dá
aulas de
português
para
desenvolver a
competência
gramatical
ou
lingüística de
seus
alunos e
assim, os
enunciados
acabam refletindo a
maneira
como a
língua é
ensinada:
por
meio de
orações
isoladas
em
meio a
atividades
mecânicas de
repetição e de
identificação
de
fragmentos
lingüísticos.
Os
enunciados, ao
estarem vinculados ao
ensino
prescritivo, valorizam a
visão do
certo e do
errado, favorecendo
apenas o
conhecimento
ritualístico
ou processual.
O
ensino
prescritivo
não deve
ser superestimado às
expensas do
ensino
produtivo, uma
vez
que
inviabiliza a
obtenção de
uma
competência
comunicativa
mais
abrangente e
não dá
espaço
para
que os
processos
interlocutivos ocupem
lugar
preponderante no
processo de
ensino-aprendizagem da
língua.
São nestes
processos
interlocutivos
que o
aluno apreende
novos
recursos
expressivos e,
por
conseguinte,
novas
categorias de
compreensão do
mundo.
Tais
enunciados
reduzem a
sala de
aula a
um
espaço de
reprodução e
correção,
acreditando
que o
conhecimento
gramatical
melhoraria o
desempenho dos
falantes no
uso da
língua.
A
partir dos
enunciados
analisados, percebe-se
que a
língua é
tratada
como
um
sistema
estável e
abstrato de
signos,
desconsiderando
sua
realidade
concreta e
sua
dinamicidade.
Os
alunos
“aprendem” a
língua
através de
atividade
mecânicas e
descontextualizadas, voltadas às
regras da
variedade
escrita
padrão,
gerando neles a
ilusão de
que
nada sabem
sobre
seu
instrumento de
expressão
mais
pessoal e,
pior
ainda,
solidificando os
mitos de
que “Português
é
difícil” e de
que “neste
país
todo
mundo
fala errado”.
Nessa
perspectiva, o
professor é
visto
não
como o
interlocutor
de
seus
alunos e
mediador na
construção de
conhecimentos,
e
sim o
corretor de
exercícios de
escrita.
Pela
análise dos
enunciados,
podemos
dizer
com Luft
(1985):
Em
matéria de
aulas de
linguagem, a
escola
continua
rotineira e
bitolada:
acúmulo de
definições,
regras e
exceções,
classificação de
palavras,
listagem de
anomalias e
irregularidades,
conjugações
inusitadas,
análises,
muita
análise
sintática.
(grifo
nosso)
O
ensino da
língua deve
ser pensado
como
um
processo de
prática da
linguagem,
cujo
objetivo
maior deveria
ser o de
aumentar as possibilidades
de
uso exitoso da
língua. Seria
muito
mais
interessante
utilizar
efetivamente e
concretamente
a
língua do
que
apenas
conhecer
suas
regras e
nomenclaturas.
Passar a
maior
parte do
tempo
reconhecendo e classificando
fragmentos
lingüísticos
é, a priori,
inútil.
Não se aprende
a
língua
por
meio de
exercícios
mecânicos,
mas
sim
através de
práticas
significativas e contextualizadas.
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e
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