A
variação na ordem oracional
em Paumarí (família Arawá)
Aline Cristine de Oliveira Duarte
Fabiana Frade de Andrade
Savana Apolinário Fontes
Introdução
O objetivo deste trabalho é descrever a variação da ordem no nível oracional, presente na língua Paumarí.
As ordens observadas até agora, nas estruturas transitivas e intransitivas, foram as seguintes: I. SVO, II. OSV, III. OVS, IV. SOV, V. VS, VI. SV.
A ordem e marcação de caso
A ordem básica do verbo transitivo é SVO e do verbo intransitivo é VS, quando o sistema atuante é o ergativo, isto é, quando o sujeito do verbo intransitivo tem a mesma marcação morfológica que o objeto, enquanto que o sujeito do verbo transitivo tem uma marcação diferente.
Em Paumarí, nas construções com o sistema ergativo, o sujeito de 3ª pessoa aparece marcado com o morfema “a”; o verbo transitivo, com o prefixo “bi”, que é referente ao sujeito, e o objeto, também de 3ª pessoa, vem antecedido pelo demonstrativo, como mostra o exemplo abaixo:
1. Jomahi-a bi-anani-hi ida isai S-a bi-V dem. O
cachorro-suj. 3ª-morder ? dem criança
(O cachorro mordeu a criança)
Da mesma forma, o sujeito do verbo intransitivo vem antecedido pelo demonstrativo, porém o verbo não ocorre com “bi”.
2. Vithi-há ada isai V dem S
sentar-masc. Dem criança
(A criança sentou)
O objeto e o sujeito intransitivo desencadeiam concordância de gênero com o sufixo “hi”. Esse sufixo adquire a forma “há” quando seguido por um nome masculino e mantém a forma a “hi”, quando seguido por um nome feminino, como nos exemplos abaixo:
3. Roberto-a bi-kanikharia-hi ida guaranã
Roberto-suj. 3ªpedir fem. Dem guaraná
(Roberto pediu guaraná)
4, Rakha-jaha-há ada koko
palntar-intrans.-masc. Dem tio
(O tio plantou)
A ordem básica do verbo transitivo também pode aparecer de forma simplificada, ou seja, sem a presença explícita do sujeito, que aparece marcado morfologicamente no verbo.
5. Bi-dani-hi ida ava bi-V dem O
ele quebrar fem. Dem madeira
(Ele quebrou a madeira)
As ordens OSV e SV
Outra ordem observada foi a OSV que indica focalização, uma vez que possui a mesma estrutura observada em interrogativas de objeto.
6.Lhai ida isai-a bi-nofi-já O dem S-a bi-V
remédio dem criança-suj. 3ª-querer-foc
(O remédio, a criança queria)
7. Nahina mani ida i-nofi-já? O dem V
O que ? dem 2ª-querer- int.
(O que você quer?)
A ordem SV é também observada em estrutura de focalização do sujeito intransitivo, estruturas essas semelhantes às interrogativas de sujeito intransitivo.
8. Ãaso mani hida kha-ja SV
titia foco dem.vir-modo
(Titia está vindo)
9. Nahina mani oni kha-já SV
Quem ? dem vir. Modo fem.
(Quem está vindo)
Note-se que nas construções de foco e nas interrogativas, o sufixo verbal de modo concorda em gênero com o objeto e com o sujeito intransitivo. A forma “já” é usada para indicar feminino, e “ra” para indicar masculino, como aparece nos exemplos abaixo:
10. Nahina bi-kosoko-já hida si’aha
Quem 3-lavar modo fem dem panela
(Quem lavou a panela?)
11. Nahina bi-kanaabi-ra hada kasi’i
Quem 3-matar modo masc. Dem jacaré
(Quem matou o jacaré?)
12. Koko mani ‘o vadi-ra
Titio foco dem. Dormir modo masc.
(Titio está dormindo)
13 Aaso mani hida kha-já
Titia foco dem. Vir- modo fem.
(Titia está vindo)
A ordem SOV e o sistema nominativo / acusativo
Se o objeto e o sujeito forem de 1ª ou 2ª pessoa, tem-se a ordem SOV e um sistema acusativo / nominativo, como mostram os exemplos abaixo:
14. Jomahi-a haria anani SOV
cachorro-suj. nos morder
(O cachorro nos mordeu)
15. Ho vani i-vai’i-ni-ka’ao-ra o-há-ki SOV
1-enf. 2-fígado-fem.-só-modo masc. 1-comer-?
(Eu só vou comer seu fígado)
Esse mesmo sistema também é observado quando o sujeito e o objeto são de 3ª pessoa. Portanto, sugerimos que a língua tem uma co-existencia de dois sistemas de marcação de caso na 3ª pessoa: o ergativo / absolutivo e o nominativo / acusativo.
16. Pixoto mamori bamiki-ra vini-ki S O-ra V
Pixoto matrinxão dois obj. atirar-?
(Pixoto atirou em dois matrinxões)
17. Bano pa’isi osa’a-ra anani-hi S O-ra V
piranha pequena meu-dedo-obj. morder-?
(Uma pequena piranha mordeu meu dedo)
A ordem OVS e a voz antipassiva
Há casos do objeto marcado com “-ra” em que o sujeito é expresso da mesma forma que o objeto e o sujeito intransitivo, nas construções ergativas, isto é, ele segue o verbo, é precedido pelo demonstrativo e engatilha concordância de gênero com o sufixo verbal. Note-se que a ordem nessas construções é OVS:
18. i’ao-ra na-hado-há ada kodi-sai O-ra V S
tambaqui-obj. caus. Faca-? Dem. Meu-filho
(Meu filho matou o tambaqui)
19. Ho-ra anani-wini ada jomahi O-ra V S
me-obj. morder dem cachoro
(O cachorro mordeu meu dedo)
Nas línguas ergativas há uma voz denominada antipassiva. Nas construções transitivas, o sujeito fica marcado igual ao objeto, e o objeto é marcado com o caso dativo ou oblíquo. Assim a construção torna-se intransitiva.
Devido a dados como esses, em que o sujeito transitivo aparece na forma de caso absolutivo, podemos propor que se trata de uma construção antipassiva. É preciso continuar a análise desse tipo de construção, uma vez que o verbo da voz antipassiva apresenta uma forma verbal específica, enquanto nessas construções isso não se verifica.
Conclusão
Em Paumarí, existem, então, dois sistemas de caso em co-existência que influenciam na ordem dos constituintes oracionais. Isso explica a variação da ordem.