Níveis de integração das adjetivas

Ludmilla Lamoglia dos Santos (UFF)
Mariângela Rios de Oliveira
(UFF)

Introdução

Inserido nas pesquisas funcionalistas realizadas pelo Grupo de Discurso e Gramática da Universidade Federal Fluminense, o presente trabalho vem, através de fontes sincrônica e diacrônica, tratar da análise do uso das orações reduzidas adjetivas de gerúndio na região metropolitana do Rio de Janeiro e nas Crônicas de Fernão Lopes, escritas no século XV.

Além de verificarmos a ocorrência do fenômeno, ou seja, quantificá-lo, buscou-se analisar os dados de acordo com a concepção funcionalista, cuja importância está na observação do discurso dos falantes: do uso particular da língua para determinada situação comunicativa. Por este motivo, também foi contemplada a análise qualitativa, voltada para a observação das motivações do contexto.

É válido salientar que a linha funcionalista utilizada para a pesquisa é baseada em Givón sobre os princípios de iconicidade (Givón 1990) e de marcação (Givón 1995); e nos estudos de Hopper e Traugott (1993) sobre a determinação de graus de vinculação sintático-semântico entre as orações.

A partir dessa base teórica, desenvolveu-se uma reflexão sobre os usos desse tipo de estrutura em textos orais e escritos de indivíduos de variados níveis de escolaridade, com objetivo de entender até que ponto as adjetivas reduzidas de gerúndio se integram ao SN antecedente.

Metodologia

Neste estudo foram utilizados como corpora sincrônicos A língua falada e escrita na cidade de Niterói e a A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro, banco de dados produzido pelo Grupo de estudos de Discurso e Gramática, que contém o registro de textos orais e escritos, de informantes da comunidade estudantil. Utilizaram-se também dois inquéritos do tipo D2 (diálogo entre dois informantes) do Projeto NURC/RJ.

Além dos corpora sincrônicos, foi usado como fonte de dados um corpus diacrônico, constituído pelas Crônicas de Fernão Lopes, obra escrita no século XV. Inicialmente, buscou-se detectar, nos corpora sincrônicos, todos os tipos de orações reduzidas adjetivas, ou seja, observar quais eram as orações de particípio, de infinitivo e de gerúndio que cumpriam função atributiva. Todavia, com o desenvolvimento da pesquisa, desconsideraram-se as adjetivas de particípio, pelo fato desta forma verbal estar muito próxima do adjetivo, inclusive por conta da flexão em número e pessoa por ela cumprida. No caso das reduzidas de infinitivo, uma ocorrência única foi levantada nos materiais sincrônicos, o que também levou à retirada dessa forma verbal da análise. Assim, as orações reduzidas de gerúndio tornaram-se o centro das atenções neste estudo.

Foram adotados os seguintes procedimentos para o estudo das reduzidas de gerúndio:

1) Classificação do tipo de texto em que a reduzida ocorre, com o registro da sincronia de sua produção;

2) Observação do canal falado ou escrito (para os corpora sincrônicos);

3) Análise da natureza dos verbos empregados no gerúndio, observando questões como carga semântica (observar se o verbo é de ação, volição, por exemplo), transitividade destes verbos e a possível relação da reduzida com um outro elemento verbal na oração;

4) Verificação de inserção ou pausa entre o SN atribuído e a reduzida;

5) Observação das motivações discursivo-pragmáticas para o uso dessas formas.

6) Fixação de critérios lingüísticos para o tratamento dessas estruturas de modo escalar conforme Cezario (2001), controlando 6 (seis) fatores que se mostraram relevantes para fixação do continuum de sentido e de forma. Foram atribuídos pontos a cada um dos fatores; a pontuação final mede o “grau de integração de cláusulas” da estrutura em análise, que pode chegar a um máximo de 8 (oito).

A partir dos procedimentos 3, 4 e 6 acima referidos, foi elaborada uma escala de integração semântico-sintática das adjetivas reduzidas, a fim de testar o grau de vinculação desses constituintes com o SN atribuído. Foram os seguintes os fatores analisados:

1. Categoria morfológica do SN atribuído;

2. Pausa entre SN e reduzida;

3. Inserção entre SN e reduzida;

4. Transitividade da reduzida;

5. Carga semântica;

6. Relação da reduzia com o elemento verbal.

A partir desses fatores acima referidos, trabalhou-se com a seguinte escala:

Graus de vinculação semântico-sintáticos. 8 7.5 7 6.5 6 5.5 5 4.5 4 3.5 3

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

De acordo com a análise funcionalista, que é voltada para o estudo dos fenômenos da língua na situação comunicativa, ou seja, no contexto interacional em que são produzidos, este trabalho tem como objetivo identificar algumas motivações que levam os usuários a articularem os variados tipos de arranjo da adjetiva reduzida de gerúndio, além de propor uma escalaridade desse vínculo em termos de integração sintático-semântico com o SN antecedente.

A linha funcionalista utilizada para o estudo qualitativo dos dados foi baseada em Givón (1995), nos princípios de marcação e de iconicidade.

Conforme Givón (1995), a marcação é um fenômeno dependente do contexto, devendo, portanto, ser explicada com base em fatores comunicativos, socioculturais, cognitivos ou biológicos; diz o autor que as estruturas em uso na língua se dividem em duas categorias: marcada e não-marcada. Esta seria a mais comum e corrente, enquanto aquela mais rara, usada apenas em casos especiais. Deste princípio, desdobram-se três sub-princípios :

a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa que a estrutura não-marcada;

b) distribuição de freqüência: a estrutura marcada tende a ser menos freqüente do que a estrutura não-marcada;

c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente mais complexa do que a estrutura não-marcada.

O princípio de iconicidade prevê a motivação na relação entre forma e significado. Deste postulado partem três subprincípios:

a) Quantidade: quanto maior a quantidade de informação, maior quantidade de forma. A complexidade de pensamento tende a se refletir na complexidade de expressão;

b) Integração: diz respeito à proximidade ou adjacência; conteúdos mais próximos cognitivamente também estarão mais integrados no nível de codificação, o que está mentalmente junto, coloca-se sintaticamente junto;

c) Ordenação linear: a informação mais importante tende a ocupar o primeiro lugar na cadeia sintática. A ordem dos elementos no enunciado revela a sua ordem de importância para o falante.

Para a análise proposta, parte-se do estudo de Hopper e Traugott (1993), segundo o qual existe um declive de integração semântico-sintático na vinculação oracional. As orações poderiam ser divididas de acordo com o seguinte continuum:

parataxe > hipotaxe > subordinação > (?redução)

-dependente +dependente +dependente

-encaixada -encaixada +encaixada

 

Análise dos Dados

Nesta pesquisa, levou-se em conta a análise quantitativa dos dados, ou seja, a ocorrência dessa estrutura nos planos sincrônico e diacrônico.

Segundo a metodologia utilizada, formou-se o seguinte quadro de dados levantados:

  Corpora sincrônicos Corpora diacrônicos
Oral 65 -*
Escrita 15 21
Total 80/101 21/101

*O corpus diacrônico é constituído por narrativas escritas.

Ainda com base na metodologia apresentada, buscou-se tratar essas estruturas de modo escalar, ou seja, indicar os variados graus de proximidade com o nome que qualificam.

Encontra-se abaixo o quadro com os graus de vinculação e o número de orações que cada nível apresenta.

Graus de vinculação semântico-sintático. 8 7.5 7 6.5 6 5.5 5 4.5 4 3.5 3
Número de orações que se encontra em cada nível 27 9 18 5 11 11 4 5 4 3 4

Nos casos mais freqüentes, que são também os mais próximos do modelo tradicional de vinculação de adjetiva reduzida, observou-se que a oração de gerúndio tem uma função básica como adjetivo, como nos exemplos abaixo:

(1) Tem até um ônibus passando ali fora.

(2)...minha mãe separando do meu pai.

De acordo com o quadro de variáveis, (1) e (2) apresentam um nome como SN; não possuem ruptura na seqüência SN + gerúndio e seus verbos são de ação.

Porém, à medida que a oração reduzida se distancia do SN antecedente, esta oração vai perdendo seu aspecto adjetivo, passando a exercer outras funções, como por exemplo a de advérbio. Os trechos abaixo ilustram orações com graus diversos de integração:

(3) Uma buzina de automóvel...com luz acesa...todo mundo buzinando.Grau 7

(4) “...el Rei, dizendo que lhe troxessem çebolla e vinagre...” Grau 5.5

(5)...é o garotinho no meio da roda...né? dançando junto com ele né? Aí ele...pensando assim “a gente comprou...” Grau 4

Em (3), a categoria morfológica do SN atribuído é uma locução indefinida (todo mundo), por isso a relação SN+gerúndio perdeu um pouco a visibilidade.

No exemplo do plano diacrônico, em (4), verificou-se uma quebra da ordem SN+gerúndio por conta da pausa (representada graficamente pela vírgula) e do verbo apresentar transitividade direta.

Em (5), a oração reduzida encontra-se afastada do SN devido à pausa, marcada pelas reticências, ao SN ser constituído por um pronome e a transitividade direta do verbo.

As gramáticas tradicionais, em seus exemplos de oração reduzida de gerúndio, tratam apenas da estrutura mais integrada, não levando em consideração os casos de menor integração ou ambíguos. Eis dois exemplos:

(6) “cujos brados dos selvagens da guerra começavam a soar ao longe como um trovão ribombando no vale” (Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara)

(7) “É fácil encontrar defunto apodrecendo pelos caminhos” (Gramática Normativa da Língua Portuguesa de Rocha Lima)

Nos trechos retirados das gramáticas (6) e (7), os verbos das orações reduzidas, os quais estão totalmente vinculados aos SNs compostos por nomes, indicam ação e têm a marca da intransitividade.

Após a análise dos dados, observou-se a maior ocorrência de reduzidas adjetivas nas fontes sincrônicas (80/101), em especial no registro oral (65/80). Na diacronia, ao contrário, apresentam-se (21/101), todos na modalidade escrita, devido à limitação característica dos documentos arcaicos. É importante salientar que, ainda na perspectiva sincrônica, encontramos maior número de orações mais vinculadas, ou seja, orações cujo grau de integração entre SN atribuído e reduzida é total (27/80); enquanto na perspectiva diacrônica esse número é reduzido (1/21).

Constatou-se que, geralmente, os verbos encontrados no gerúndio são de ação, intransitivos e, por causa desta forma verbal, acabam servindo como fundo, ou seja, veiculando conteúdos subsidiários que estão fora do eixo central discursivo.

(8) “...e ele passou uma crise danada aí...muita gente falindo...muita gente fechando...e ele tendo que segurar.”

(9) “...não há pediatria que não...não esteja com esses problemas de...pais tratando disso diariamente.”

(8) e (9) ilustram um relato de opinião, no qual os informantes, para dar uma exemplificação do tema central tratado, utilizam a oração reduzida como recurso para tal fim.

Todos exemplos, acima citados, fazem parte dos corpora analisados, porém é valido dar um exemplo que não está inserido na pesquisa, mas que é bastante usado entre os falantes do português. Em:

Vi meu pai andando

pode-se fazer o mesmo tipo de análise que foi realizado nos corpora da pesquisa, isto é, verificar seu grau de vinculação através dos quadros de variáveis, entretanto essa oração tem caráter ambíguo por conta da reduzida (andando) ter relação com o outro verbo (vi).

Considerações Finais

Observou-se que o uso das adjetivas reduzidas de gerúndio é bem restrito entre os informantes. Talvez, possa-se considerar este uso, segundo os pressupostos funcionalistas, como uma forma marcada, face ao padrão não-marcado, representado basicamente pelas adjetivas desenvolvidas, principalmente as restritivas.

Com base na análise do quadro de variáveis lingüísticas, observou-se que a ocorrência da oração mais integrada é mais freqüente (27/101), especialmente na modalidade oral e no plano sincrônico. Esse resultado sugere que parece ter havido um processo de maior regularização desses usos ao longo da trajetória do português. Como o material diacrônico utilizado como corpus foi restrito, fica essa declaração como hipótese a ser testada em pesquisa futura.

Geralmente, as orações reduzidas de gerúndio encontram-se em narrativas, articulando conteúdos de baixa relevância informacional.

Pude constatar que essa estrutura em análise não é um fenômeno lingüístico estático, ela pode apresentar diversos níveis de integração, chegando inclusive à ambigüidade funcional, revelada pela mescla de papel adjetivo e adverbial.

Referência Bibliográfica

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BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1975.

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OLIVEIRA, Mariângela Rios de. Repetição em diálogos: análise funcional de Conversação. Niterói: EDUFF, 1998.

Projeto NURC/RJ. Inquéritos 20 e 219 do tipo D2.