Lingüística textual
a teoria para a prática em sala de aula
Ilma Nogueira
(UERJ)
Márcia Maria (UFF)
Neste material, procuramos mostrar de que forma os novos conhecimentos lingüísticos, principalmente os incluídos no campo da lingüística textual, podem contribuir para o aprimoramento de uma das mais importantes formas de operações didáticas no ensino da língua portuguesa, a compreensão e interpretação de texto.
Essa é uma das grandes preocupações do professor de língua portuguesa, não só pelo valor da atividade, como também pelas deficiências apresentadas: a primeira é a ausência de conteúdo programático, pois enquanto nos demais setores de ensino da língua, a sistematização dos conhecimentos é uma realidade, no caso do texto ainda não se chegou ao mesmo nível de conhecimento.Apesar dessa visão, podemos dizer que não faltam trabalhos que abordam de forma fragmentada grande variedade de elementos textuais, tornando conceitos como coesão, coerência, inferências, argumentação e etc... , bastante conhecidos. A segunda deficiência refere-se ao próprio espaço do professor de língua portuguesa na utilização dessa atividade. O questionamento proposto nos textos em livros didáticos apresenta grande variedade na questão da finalidade, pois fala sobre cultura, formação moral, o senso de crítica, ensino da gramática, significados, e etc... , mas não apresenta um objetivo definido. No caso é o próprio texto que sugere o questionamento. Dizemos, às vezes, que o texto fala por si mesmo.
Antigamente o texto era elaborado com uma série de frases, mas baseado na experiência do professor, chegou-se à conclusão de que os textos, mesmo não apresentando problemas gramaticais eram lidos com dificuldade. Outra informação é de que o texto teria uma intenção comunicativa prévia e a linguagem permitiria a expressão desse pensamento, mas sabemos que no binômio linguagem x pensamento o produto se torna claro a medida que as palavras fluem, pois a intenção é de sempre dizermos o que queremos. O texto funciona não como transmissão de um conceito de um falante para seu interlocutor, mas apresenta a possibilidade de entendimento do outro. Quando eu digo “eu trabalho” - o conceito é da minha vivência, que certamente é diferente da vivência do interlocutor. O texto também oferece uma visão referencial, contextual e situacional, colocando em cena valores extralingüísticos como a identidade dos falantes, sua relação social, comunicação e etc...
Se observarmos esses questionamentos, podemos chegar à conclusão de que interpretar e compreender o texto parte da intenção de aprender o significado do mesmo, com o objetivo de formar bons leitores. É um caminho também que o professor usa para progredir no processo da língua escrita. Nesse caso a pretensão é passar da interpretação para a redação. Cada experiência didática em sala de aula deve servir de caminho à ampliação das possibilidades de compreensão de outros textos a serem lidos.
Se interpretação de texto deve ser um caminho para melhor desempenho na prática da língua escrita o seu interesse maior deve ser o desenvolvimento de estratégias produtoras de significação, o que muda radicalmente o tipo de questionamento normalmente proposto. Não devemos perguntar o que é? , mas por que é desse modo? Essa mudança de questionamento transforma o foco de interesse da linha do significado para a linha da estratégia transformando o interesse pelo desenvolvimento, muito mais do que pela finalidade. Há mais interesse pelo processo do que pelo produto. Essa proposta diferente abre espaço para a possibilidade de sistematizar essas estratégias, no que se refere ao modo de organizar o texto, o que não seria possível no caso dos significados.
Se nossa pretensão é fazer o aluno ler melhor para levá-lo a uma boa escrita, deve-se observar os textos atuais, com estratégias adequadas as mais prováveis circunstâncias comunicativas dos alunos, o que nos leva a não incluir textos elaborados ou que se refira a outros momentos históricos, pois as estratégias seriam dificilmente repetidas pelos leitores atuais.
Devemos considerar também a estratégia de apresentação do texto. É melhor optar pela apresentação progressiva do texto, pois a organização dos sucessivos segmentos que compõem o texto, permitem uma observação melhor das qualidades e dos defeitos da estrutura textual, pois aparecem de modo mais claro. Essa estratégia tem por objetivo também motivar de modo mais intenso por parte dos estudantes na função de interpretar o texto.
A temática apresentada no texto, também é um dado muito significativo na questão da interpretação, pois sabemos que a caracterização é da ciência e não do objeto. Assim a adequação temática do texto não é tão importante quanto o questionamento proposto sobre ele. Discute-se os novos rumos do ensino da língua portuguesa no sentido de buscar a interdisciplinaridade explorando a relação significado, significação, sentido e posição discursiva. Considerando a posição comunicativa do domínio da língua portuguesa como língua materna e nacional, enfatizamos as conseqüências políticas e sociais do ensino gramaticalizado, evidenciando a nomenclatura dos termos, que não serve de instrumento para o usuário manter uma eficiente comunicação. É natural, portanto que os lingüistas tenham desejado mudar o contexto político da Produção do Saber. As questões dedicadas ao saber gramatical vão dando lugar às questões centradas na capacidade do ler, escrever e refletir sobre a linguagem.
Há uma grande importância no desenvolvimento da leitura e compreensão de textos para determinação atuante no que diz respeito à vivência social, política e cultural do indivíduo. A compreensão das mensagens verbais e não verbais sob visão conseguinte de uma era que corre velozmente e proporciona uma cultura múltipla que exige do indivíduo uma habilidade política, uma competência técnica e um bom desempenho lingüístico.
Há mecanismos que proporcionam um desenvolvimento do indivíduo na capacidade de leitura aliada a um potencial de fluência discursiva e enunciativa tanto na parte oral quanto na escrita. São recursos suficientemente usados para melhorar a qualidade de vida do indivíduo a partir de um processo ensino-aprendizagem da língua.
A criatividade e a sensibilidade são privilégios dos homens que conseguem perceber um universo externo. Cada pessoa possui uma representação interior de memórias associativas, de pensamentos e linguagens simbólicas. A experiência de viver dá origem às potencialidades criativas dos homens, dando formas expressivas à linguagem verbal e não verbal. Ao trabalhar o texto, os alunos não só desenvolvem a interpretação, mas também adquirem a compreensão de sua funcionalidade diante da variação de potencialidades de ocorrências representativas, de acordo com sua relação com a identidade do que está representado. O caráter infinito da linguagem constitui o sistema das palavras criadas para expressarem num instante mágico as emoções sentidas através da escrita e da fala.
É importante ressaltar o valor da produtividade do discurso e o valor das atividades propostas em que o aluno tenha sempre que redigir para expressar o seu conhecimento do mundo.
Verificamos que a prática pedagógica integrada ao conhecimento de mundo dos alunos pode estimular sua leitura e a produção textual, instrumentalizando cada um dos estudantes para a fluência oral e escrita da língua materna, através da estrutura textual e vocabulário.
A finalidade de todo ato não é só de informar. Ele tem o propósito da argumentação que é, simplesmente, convencer o outro a aceitar o que se pretende comunicar através dos textos que exploram os mecanismos sintáticos e semânticos para provocar no leitor a crença no ato de transmitir. Qualquer passagem, falada ou escrita, é representada por um texto, sendo um todo significativo, independente de sua extensão. Para o leitor o todo significativo desses textos, só acontece juntamente com o contexto, uma vez que o leitor não se encontra no momento da comunicação. Na impossibilidade do leitor esclarecer suas dúvidas, de compreensão com o próprio autor, torna-se necessário que o texto escrito seja explorado em suas características explícitas.
A dinâmica desenvolvida nas salas de aula com textos verbais e não verbais, literários e não literários, com música e etc... , faz abordagem ao aspecto discursivo da língua, e mostra a lógica da fluência comunicativa lingüística associada a adequação das propostas de produção de textos ao conteúdo diário dos alunos, o que estimula associar criatividade e questões normativas, incentivando um procedimento de utilização de mecanismos lingüísticos na elaboração do discurso com o objetivo de obter maior fluência no texto da língua escrita. O conhecimento prévio da linguagem não verbal demonstra que é um dado necessário para o conhecimento da linguagem verbal. O objetivo da produção de sentido descrito no processo de leitura da imagem procura abordar as possibilidades de realização do segmento verbal por meio das inferências propostas no segmento não verbal através de expressões faciais, gestos, posições, cores, formas e etc... . É preciso conhecer previamente a história do texto não verbal para depois construir o texto verbal.
Apresentamos, na página seguinte o texto que escolhemos para comentarmos a parte prática de nosso trabalho:
“Betão futuro da nação” é um texto verbal e não verbal. Podemos observar que o texto parece sugerir as etapas do ciclo da vida: nascer, viver, morrer. É como se o garoto nascesse ao perceber a garota, ainda distante. Passa, então a sentir sensação de vida plena quanto a garota passa e abre os olhos, mas logo depois tudo se transforma, porque ela passa e fecha os olhos. Morre, então, a esperança de algum relacionamento existir no futuro. A relação que existe entre a linguagem e o olhar é de grande intensidade. Observamos que os narradores, sempre em primeira pessoa, constroem as narrativas conduzidas por movimentos das pálpebras que enunciam o visível e o invisível quando giram para um lado e para o outro. No registro dos olhos concretizam-se cenas e signos que se repetem; desejos e dúvidas que se organizam; realização de busca incessante por novas paisagens e imagens. Assim, entre luzes e sombras, o contorno do texto é desenhado no contexto das imagens, na expressão facial e no movimento dos olhos.
No primeiro quadro a garota aparece e ele movimenta o olhar em direção a ela e emite uma interjeição, que parece refletir euforia. O leitor pode perceber a situação pelo movimento do olhar do personagem masculino. A expressão facial inteira parece revelar interesse e curiosidade. O personagem que aparece timidamente no canto do quadro, à esquerda, apresenta características femininas como cabelo, sobrancelhas e lábios.
No segundo quadro o desenho parece mostrar que a garota está vindo em direção ao garoto, pois as figuras ficam mais próximas uma da outra. Agora a figura feminina está mais completa. Pode-se ver melhor os olhos, a boca bem desenhada, os cabelos, as sobrancelhas... As interjeições que ele emite parecem refletir a emoção que ele sente em relação à proximidade da garota.
No terceiro quadro, as figuras estão sobrepostas. Deve ter sido a maneira que o narrador encontrou para mostrar que a garota passava pelo garoto. O olho dela se fecha novamente e as expressões faciais dele parecem refletir uma grande decepção. Esse registro de imagens deixa ao leitor a possibilidade de interrogativas acerca da realidade e da linguagem que envolve o visto e o não-visto. Observe as interjeições: elas mudam de acordo com o contexto das imagens. É uma dinâmica usada pelo narrador para definir bem o ato de comunicação.
No quarto quadro a retomada da posição. A expressão “pô” é bem significativa no contexto, pois anuncia uma nova direção no comportamento do personagem. E o texto parece mostrar bem claro essa intenção de retomada, quando o narrador usa o verbo precisar. É um signo forte e denota decisão de mudança, de transformação no contexto.
A figura masculina (agora corpo inteiro) revela a característica física, social e política do adolescente moderno. O uso da oralidade reflete uma forma de mutação no vocabulário.
O uso de interjeições constituem um grande valor expressivo no texto. Elas marcam idéias de referências, portanto contribuem com clareza a designação do poder evocativo de força, de beleza e de relativa intensidade. Sugerem coisas para além do texto. Se fôssemos observar apenas a expressão facial do personagem, o texto não alcançaria o efeito que alcançou. A estrutura frasal no final do texto leva o leitor a refletir sobre a posição sócio-política e econômica do contexto. Os verbos, artigos e substantivos estão organizados estruturalmente de acordo com a intenção mutável revelada pela oralidade no ato de comunicação do texto. Essas mudanças são motivo de estudo lingüístico e social, pois permitem uma análise das transformações históricas e sociais vivenciadas pelos grupos e mostra as influências culturais sofridas por eles ao longo do tempo.
Apresentaremos a seguir as questões que elaboramos para motivar a interpretação do texto:
1) Explique cada situação em que Betão usou as seguintes expressões:
a- Uau...ui!
b- Eh...eh...ahn...
c- Ohh...eh...ihhh...
d- Pô....!
2) Substitua as expressões da questão anterior por outras falas para o Betão, respeitando o sentido original do texto.
3) A partir do que observou anteriormente, qual era o objetivo de Betão?
4) Porque ele não conseguiu alcançar esse objetivo?
5) A frase “Preciso tomar umas bombas pro cérebro” é um elemento chave para o entendimento do texto. Explique por quê.
6) Apresente o sentido do último balão. O que podemos sobre o grupo social ao qual Betão pertence e sobre seu universo de comunicação? Explicite na sua resposta os diversos sentidos possíveis para a palavra bomba.
7) Existem recursos visuais além das falas de Betão, que nos ajudam a entender o texto. Explique cada um deles:
a- Movimento dos personagens
b- Expressão facial deles
c- Caracterização física
8) Com base na leitura do texto, qual a crítica contida no título Betão o futuro da nação?
9) De que maneira podemos compreender a contribuição do aumentativo Betão para a configuração do perfil desse personagem e da ironia presente no título?
10) Apresente algumas informações obtidas só com a presença da imagem. Escolha duas tiras para fazer o exercício.
11) Observe e relacione no texto o uso das reticências.
12) Observe o uso do pro, relacionando-o à oralidade.
13) Analise o aposto presente no título da história: se houvesse pontuação, qual seria?
14) Relacione a importância do “pô” no contexto da mensagem em relação ao quadrinho posterior.
15) Reescreva o texto em quadrinhos por outro que não tenha o apoio das imagens. Procure explicitar a sua compreensão sobre os acontecimentos, apresentando os possíveis pensamentos dos personagens.
São questões que levam o aluno a pensar, refletir e produzir textos pela estratégia usada para o questionamento.
Tentamos assim levá-lo a trabalhar a reconstrução do texto, incentivando a leitura no que se refere ao uso efetivo da linguagem em situações variadas de comunicação.
Incentivamos a organização do texto, enfatizando não só o uso das regras gramaticais, como também o uso de elementos lingüísticos, formando conceitos de coerência, coesão, inferências, pressupostos, etc... .
Falamos de classes gramaticais que são trabalhadas sem aquela maçante lista que o aluno tenta memorizar e não consegue. Na verdade, ele não consegue memorizar porque não há interesse em trabalhar com a sistematização dos conteúdos, não há motivação para trabalhar questões formadas de forma mecânica, sem reflexão. Se o professor elabora uma questão que o leva à produção textual e o leva a trabalhar conceitos lingüísticos históricos e sociais, ele se motiva e aprende o material com prazer, porque isso é próprio do ser humano: fazemos melhor tudo aquilo que fazemos com amor, com prazer, com interesse.
As pessoas procuram ouvir, olhar e tocar o outro quando do processo de interação social, logo, é impossível ignorar tais procedimentos ao se falar sobre o processo de comunicação escolar. Consideramos, principalmente, que o aluno traz um certo potencial comunicativo, desenvolvido e eficiente. A partir daí, pretendemos explorar suas experiências prévias e provocar associações com as desenvolvidas em sala de aula com o objetivo de aplicar à vida do aluno a prática cotidiana dos ensinamentos escolares.
Do texto, analisemos essa questão: - “substitua as interjeições por falas do personagem”.
O aluno deverá saber:
a) Utilizar-se da estrutura da língua: sujeito + predicado + complemento, ou seja, dominar o sistema sintático da língua.
b) Dominar conhecimentos da morfossintaxe.
c) Possuir algum conhecimento de estilística.
É falso dizer que os conteúdos não preocupam. O que se tem de verdadeiro é que esses conteúdos tenham sentido ao serem trabalhados pelo sujeito dentro do seu contexto de vida.
Veja essa outra questão: - “Com base na leitura do texto, qual é a crítica contida no título “Betão futuro da nação””. Para que o aluno responda bem essa questão é preciso que ele domine o conhecimento da:
a) morfologia;
b) sintaxe;
c) estilística;
d) também sobre a política sócio-econômica do país.
É preciso estabelecer uma situação complexa a ser abordada e escolher os conteúdos que precisam ser conhecidos para aborda-la. Na oração a que nos referimos, o nível de complexidade está relacionado a quem abordará a situação. É a associação de um ato comunicativo, indicador de uma capacidade adquirida. É preciso muito treinamento, muito exercício para que o sujeito possa produzir bem.
Observe mais essa questão: -“ Relacione a importância do "Pô" no contexto da mensagem em relação ao quadro posterior”.
Com essa questão temos a pretensão de provocar no aluno o interesse pelos conhecimentos de:
a) morfologia;
b) sintaxe;
c) estilística;
d) realização do processo da oralidade na língua portuguesa falada no Brasil (cf. gíria).
É preciso não só repetir os conteúdos sem haver um significado, mas também demonstrar conhecimento específico sobre o objeto de estudo. Sabemos que a comunicação se faz através da linguagem. É preciso conhecer a linguagem específica com a finalidade de resolver uma situação complexa.
Cada língua organiza sua articulação a seu modo, mas é no texto que se manifestam os recursos sintáticos, gramaticais e estilísticos do discurso. Produzir conhecimentos é transformar informações complexas, científicas e ideológicas, sensíveis e técnicas em resultado de um processo abstrato de trabalho.
É preciso ter habilidades necessárias pra organizar o contexto da aprendizagem, escolhendo estratégias de ensino. É preciso levar em conta os valores culturais dos alunos, dirigir-se a eles com uma linguagem clara, precisa e contextualizada.
É preciso criar um contexto de aprendizagem em que o aluno aprenda a administrar suas emoções, em que ele se mostre para o aprender e que sinta junto ao mundo intelectual um envolvimento com o mundo emocional.
A linguagem verbal é um sistema de signos produzido por meio de processos de produção cultural e conseqüentemente de práticas que o homem cria, reproduz e transforma. Por isso não podemos enxergar os produtos da linguagem humana como simples efeitos mecanicamente dependentes da infra-estrutura econômica de uma sociedade. Essas são produções específicas com dados inocentes e transparentes sem a roupagem da retórica e da ilusão do novo.
As produções culturais são resultados de múltiplas determinações internas, o que lhe confere como conseqüência o estatuto de autonomia relativa quanto às determinações de base produtiva econômica. As sociedades contemporâneas de exploração e dominação têm colocado o trabalhador intelectual diante de impasses que não podem ser escamoteados sem profundas conseqüências sociais. Para os teóricos da linguagem, enfrentar a reflexão é uma das questões de base das condições reais em que as sociedades de dominação têm colocado às produções sígnicas. Essa reflexão nos leva aos intricados caminhos da Arte Ocidental, principalmente no momento, em que há evidências de qualquer criação de linguagem só proceder sob o desígnio da ruptura e da transgressão.
É preciso apresentar meios de estruturação de textos para a leitura das práticas de linguagem desde as mais simples às mais complexas. De acordo com a ordem da colocação dos signos, podemos observar que o texto fala, comunica e traz harmonia à obra. O construir do texto determina as opções lingüísticas adequadas. A leitura do texto em busca da compreensão é a ação que orienta o leitor pelas trilhas do texto. O texto não é construído só para ser lido, mas também para ser sentido. O texto tomou características próprias, objeto de um discurso direcional, tornando-se um misto de texto especializado com a linguagem jornalística, que leva em algumas situações, a perder as riquezas de seus significados e de sua intencionalidade. O texto jornalístico é um produto textual que abraça diferentes qualidades relacionadas para uma espécie única: a crônica. Talvez a liberdade estilística desses textos leva o escritor a optar pelo não seguimento de normas tão rígidas quanto seguem aquelas da informação, o uso da crônica num texto jornalístico, por exemplo, pode se fazer mais presente devido a maior flexibilidade de produção e pode tornar-se marca própria do enunciador. O texto orienta a melhor disposição para os signos.
Temos observado que o texto jornalístico vem recebendo posição de destaque nos meios acadêmicos contemporâneos. De certa maneira, isso traz preocupação para alguns que vêem nesse contexto uma ocupação do lugar que pertence ao texto literário.
As discussões giram em torno da defesa de que por um lado a estética e a expressividade que formam a subjetividade do texto literário dá lugar à suposta subjetividade do texto jornalístico. Ë em nome desse princípio que costumam considerar os usos da imprensa como modelo de norma a ser seguida pela comunidade idiomática. Na verdade, os jornais deveriam incorporar os usos da língua oficial (constituições, documentos do governo), da linguagem técnica, da linguagem literária, mas não se pode discutir o valor da contribuição que o jornal pode oferecer para os estudos da língua portuguesa.
Analisemos um outro texto em linguagem verbal:
Como ser brasileiro em Lisboa sem dar (muito) na vista (CASTRO, Ruy. In: Viaje bem, Revista de bordo da VASP. Ano VIII, n. 3, 1978)
Sim eu sei que não será culpa sua, mas, se você desembarcar em Lisboa sem um bom domínio do idioma, poderá ver-se de repente em terríveis águas de bacalhau. Está vendo? Você já começou a não entender. O fato é que, como dizia Mark Twain a respeito da Inglaterra e dos Estados Unidos, também Portugal e Brasil são dois países separados pela mesma língua. Se não acredita veja só estes exemplos.(...)
Para se entender as crianças em Portugal, pedagogia não basta. É preciso traçar também uma outra lingüística. Para começar, não se diz crianças mas miúdos.(Não confundir com miúdos de galinha, que lá são chamados de miudezas. Os miúdos da galinha são os pintos.) Quando um guri inferniza a vida do pai, este não lhe ameaça com a tradicional “Dou-lhe uma coça!”, mas com “Dou-lhe uma tareia!”, ou então com o violentíssimo “Eu chego-te a roupa à pele.”(...)
1) O autor escreve o texto como se estivesse conversando com o leitor, pressupondo seus pensamentos. Destaque do texto uma frase que exemplifique este fenômeno.
2) Que elemento no texto indica uma pergunta implícita do leitor?
3) Qual seria a função da pergunta “Está vendo?” para o sentido do texto?
4) Substitua a expressão portuguesa “águas de bacalhau” por uma compatível no português do Brasil.
5) Como foi possível para você compreender o sentido da expressão “águas de bacalhau”? Tente apresentar os recursos que você utilizou para chegar a uma conclusão.
6) Destaque do texto exemplos de próclise ênclise. Explique a sua utilização.
7) Releia a primeira frase do texto e explique a função da vírgula antes e depois da conjunção mas.
8) Identifique os referentes dos elementos de coesão: este (linha 9), eu e te (linha 10).
10) Destaque todos os fragmentos em que o verbo ver aparece. Reescreva-os, substituindo o verbo por um sinônimo próprio ao texto (Observe que o verbo está sendo usado com sentidos diferentes).
10) Em qual dos fragmentos o verbo ver aparece com função fática?
11) Analise no contexto o uso de pedagogia (linha 6) e lingüística (linha 7).
12) Faça um levantamento, a partir desse texto, das expressões idiomáticas do português do Brasil, em especial da região sudeste, procurando explicá-las.
Ao elaborarmos as questões, a nossa pretensão é que o aluno sonha não somente as regras gramaticais, mas também como aplicá-las em seu cotidiano dominando os conceitos de coerência, coesão, referências, pressupostos etc..
Procuramos passar para o aluno que texto e leitura são, respectivamente, produto e processo que surgem de uma elaboração dos signos, independente da natureza do código.
Acreditando nessa realização, experimentamos atividades de formulação de questões técnico-didáticas de leitura aplicadas aos mais variados textos, vivenciando as atividades experiências através das quais fomos aperfeiçoando nossas hipóteses teóricas testadas e comprovadas.
Pretendemos mostrar ao aluno as nossas potencialidades imaginativas, a partir da reflexão na produção textual para enfrentar os atos de interação comunicativa. O código verbal é de natureza convencional e contém um conjunto de valores reflexivos, dos quais se parte para a descoberta dos valores contextuais.
Para nós, a sala de aula deve ser um espaço onde a vida é leitura e discussão em todo tempo, reunindo as experiências vividas no cotidiano dentro do processo ensino-aprendizagem.
Os sistemas sígnicos abraçam mensagens verbais e não verbais da comunicação humana e os textos revelam a organização dos espaços sociais como produto cultural tornando, assim, possível um trabalho de análise de textos muito mais produtivo e mais atraente.
Quando decidimos usar esses recursos, nossa pretensão é de contribuir para a dinamização do ensino da leitura e da produção de texto trazendo assim uma formação lingüística mais eficiente para nossos alunos.
A sala de aula é um laboratório em que afloram continuamente as emoções tanto da parte dos alunos quanto da parte do professor. O professor precisa ter capacidade para administrar esse mundo complexo em que os atores sociais estão envolvidos no mesmo contexto. É preciso canalizar as emoções sem precisar de punições. É preciso ter autoridade sem apelar para o autoritarismo. É preciso saber estabelecer limites sem apelar para imposições.
O professor deve desenvolver a habilidade de elaborar com os instrumentos de avaliação. Elaborar bem e saber contextualizar de acordo com os objetivos estabelecidos. É saber formular a pergunta de forma clara e precisa. É saber fazer o questionamento abordando apenas os conteúdos relevantes. É evitar questão cuja proposta serve para derrotar o aluno. É levar o aluno à reflexão de maneira agradável, provocando nele um real prazer e certa tranqüilidade ao conseguir desenvolver a questão.
Voltando ao texto trabalhado, analisemos a questão - “Qual seria a função da pergunta “ Está vendo?” para o sentido do texto?”
Para desenvolver esta questão o aluno deverá:
a) Conhecer o processo das formas nominais do verbo.
b) O sentido dos recursos usados para dar sensação de proximidade entre produtor/leitor.
c) O mecanismo do uso das classes de palavras.
d) Saber dos procedimentos de ação e reação realizados no discurso.
e)E principalmente ter noção do mundo político.
Vejamos essa outra questão: -“Destaque do texto exemplos de próclise e ênclise. Explique a sua utilização”.
O aluno deverá:
a) Dominar a questão da colocação dos pronomes.
b) Conhecer a língua portuguesa falada no Brasil e a língua falada em Portugal.
c) Dominar conceitos de semântica.
d) Entender o processo político, social e econômico, no mínimo, dos países envolvidos no texto.
e) Ter alguma noção de literatura.
Podemos dizer que as mudanças sociais e o avanço da tecnologia moderna sofrem um processo rápido demais. E os vários campos do saber desenvolvem mecanismos reflexivos para gerar competências. Sabemos que competência está intimamente ligada a um conjunto de elementos que permitem a um sujeito abordar uma situação complexa e resolvê-la a contento.
O florescimento da lingüística no Brasil pode oferecer contribuições em larga escala, para a melhoria geral da educação.É preciso pensar em não só formar lingüistas professores, mas professores que usam a lingüística como instrumento de investigação do professor sobre o processo interativo que ele protagoniza com o aluno.Os professores devem incentivar a produção do aluno através de uma prática reflexiva que lhes permita enfrentar problemas longamente diagnosticados.
O professor deve contribuir para a expansão das habilidades letradas dos alunos, levando-os a se movimentarem lucidamente entre variantes e modalidades lingüísticas, desencadeando processos de retextualização, tão preciosos para o manejo contextualizado dos recursos da linguagem.
Essa preocupação não deve ser do professor de Português somente. É preciso abranger toda atividade pedagógica e abandonar preconceitos, investindo recursos sobre a prática pedagógica com olhar renovado e muito mais comprometido.
FRASES DE CAMISETA
- Se você está triste, eu fico triste.
Se você está alegre, eu fico alegre.
Por favor, fique rico...
1- Qual a relação de sentido existente entre as orações “Se você está triste...” e “eu fico triste?”
2- Construa um período que utilize a mesma relação de sentido da questão anterior.
3- Substitua a conjunção condicional por outras de valores diferentes. Indique as mudanças semânticas.
4- Na frase “Por favor, fique rico...”, o uso das reticências tem quê objetivo na interpretação do texto?
5- Destaque os verbos de ligação da frase, procurando explicitar a diferença de sentido entre eles.
- “Se for para morrer de batida,
que seja de limão!
1- Ao ler a frase, percebemos a presença do humor. Por que isso acontece?
2- O humor aparece na frase devido ao jogo polissêmico com a palavra batida. Com suas palavras, explique esse fenômeno e o sentido da frase.
3- Crie outra frase para camiseta, utilizando o humor e o duplo sentido (a ambigüidade) de palavras a sua escolha.
Sugestões Bibliográficas
AGUIAR, Vera T. de & BORDINI, M.G. A formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1988.
BASTOS, L. K. & MATTOS, M. A. A produção escrita e a gramática. 2ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 1992.
CARNEIRO, A D. Texto em construção. São Paulo, Moderna, 1992.
FÁVERO, Leonor L. Coesão e coerência textuais. São Paulo, Ática, 1991.
FIORIN, José L.(1996). Lições de texto. São Paulo: Ática.
GERALDI, João W. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 1996.
------. O texto na sala de aula. São Paulo, Ática, 1997.
INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto. São Paulo, Scipione, 1991.
------. Gramática aplicada aos textos. 3ª ed. São Paulo, Scipione, 1996.
KLEIMAN, Ângela B. Oficina de leitura. Campinas, Pontes, 1993.
------. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 2ª ed. Campinas, Pontes, 1992.
KOCH, Ingedore V. & TRAVAGLIA, L. C. Texto e coerência. 2ª ed. São Paulo, Cortez, 1993.
LEITÃO, Luiz Ricardo et al. Caderno de atividades em Língua Portuguesa. 3ª ed. RJ, oficina do autor, 1999.
------. Gramática crítica: o culto e o coloquial no português brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro, oficina do autor, 2001.
LUFT, Celso P. Língua e liberdade (O gigolô das palavras). São Paulo, Ática, 1995.
MOTTA, Ilma Nogueira. Semiótica aplicada aos textos verbais e não-verbais. Rio de Janeiro/UERJ, 1997. Anais do Congresso Nacional de Lingüística e Filologia.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. São Paulo, Mercado das Letras, 1996.
SANTOS, Leonor W.dos . Os paradidáticos e o ensino de leitura. Rio de Janeiro/UFRJ, 1994.( Dissertação de Mestrado).
------. Articuladores textuais na literatura infanto-juvenil (e,mas,aí,então). Rio de Janeiro/UFRJ, 2001. (Tese de Doutorado).