O
ciclo
do
futuro
nas
línguas
ibero-românicas
Rerisson Cavalcante de Araújo
(UFBA)
Introdução
O
presente
trabalho tem
como
enfoque o
Futuro,
enquanto
tempo
verbal, e
seus
modos de
expressão nas
principais
línguas
ibero-românicas (doravante
IRs), a
saber:
português,
espanhol e
catalão.
Examinaremos,
assim,
tanto a
constituição
das
formas
padrão destas
línguas (como
um
fenômeno de
gramaticalização de
formas
perifrásticas)
em
substituição
das
formas
sintéticas
correntes no
latim,
quanto a
variação existente na
sincronia
atual
entre essas
formas
gramaticalizadas e outras
formas
analíticas
que
lhes
são
concorrentes.
Tal
fenômeno pode
ser denominado
ciclo
do
futuro:
a
oscilação,
diacronicamente
constante,
entre as
formas
sintéticas e as analíticas na
expressão do
Futuro nas
línguas
românicas.
Para
tanto,
analisaremos os
aspectos
normalmente
apresentados
como
explicações
para a
substituição
das
formas latinas
pelas românicas,
bem
como
buscaremos
elementos
que contribuam
para uma
melhor
descrição
desses
tempos na
estrutura
verbal das
IRs.
Utilizar-nos-emos do
português
brasileiro
contemporâneo (PB)
como
principal
fonte de
considerações
sobre a
concorrência
atual
entre as
formas
sintéticas e as analíticas nas
IRs,
em
decorrência do
avançado
grau de
difusão desse
fenômeno
em
nossa
língua.
O
Futuro
latino
e o
Futuro
ibero-românico
A
conjugação
verbal
latina,
além de
apresentar as
categorias de
Modo,
Tempo,
Número e
Voz, possuía
uma
divisão bipartida
mais
básica, de
valor
aspectual,
que atingia a
todos os
Modos e
Tempo
verbais.
Trata-se da
caracterização
de uma “ação”
verbal
como conclusa
ou
inconclusa,
ou seja, diz
respeito à
referência a
um “fato
verbal”
descrito
pelo lexema do
verbo
ser
expresso,
através
dos
morfemas
modo-temporais,
como
ação
acabada
ou
não-acabada. Essa
divisão gera uma
classificação dos
tempos
latinos
em
Perfectum e
Infectum (tempos
perfeitos
ou conclusos e
tempos
imperfeitos
ou
inconclusos)
que perpassa
toda a
classificação
modal da
flexão
verbal
latina.
Em
decorrência de
tal
particularidade
do
latim, a
noção do
futuro
correspondia a
dois
tempos
que se opunham
um ao
outro de
acordo
com o
Aspecto: o
Futuro
Imperfeito
(equivalente ao
nosso
Futuro do
Presente) e o
Futuro
Perfeito.
Os
dois
Futuros
latinos
não
correspondem aos
dois
Futuros
existentes
hoje
em
português e nas
demais
IRs (diferença
decorrente de alterações sofridas na
passagem do
latim
para as
línguas
românicas). Se,
por
um
lado, o
Imperfeito
latino
equivale ao
nosso
Futuro do
Presente, o
Perfeito
latino difere
em
essência do
Futuro do
Pretérito
ou
Condicional
ibero-românico –
tal
noção
era
expressa
em
latim
através do
Pretérito
Imperfeito do
Subjuntivo
(COUTINHO, 1977: 325).
O
Futuro
como
tempo
verbal
forma,
função
e produtividade
Os romanistas costumam
salientar
que o
Futuro
latino
não teve
continuação
ou “não
passou”
para as
línguas
românicas, tendo essas o substituído
por
perífrases.
Coseriu (1977: 21), no
entanto,
chama a
atenção
para o
fato de
que
não foi o
Futuro
que
desapareceu na
passagem do
latim,
fruto de
um
suposto
enfraquecimento
dessa
noção,
mas
que houve
sim uma
substituição
das
formas
de
expressão
desse
tempo na
constituição
dos
romances.
Consideramos
importante,
portanto, a
distinção
entre o
Futuro
como
tempo
verbal e as
formas de
expressão
desse
tempo,
salientando
que uma
mudança da
forma, do
ou no
elemento
lexical,
não
corresponde necessariamente a uma alteração da
função.
Cabe
falar,
então, na
substituição
das
formas
do
Futuro e
não na
substituição
do
Futuro
latino,
propriamente
dito,
nos
romances. Do
mesmo
modo, devemos
nos
referir à não-continuação
das
formas
latinas do
Futuro ao
invés da
“não-continuação” do
Futuro
latino
nos
romances.
Tal
só
poderia
ser
dito se
houvesse a
perda da
noção do
Futuro, do
tempo
futuro, nas
línguas
românicas, o
que
não houve.
Mesmo no
caso do
Futuro
Perfeito,
que
não possui
forma
sintética nas
IRs, é
possível
expressá-lo fazendo
uso dos
recursos
disponíveis
nessas mesmas
línguas
com a
mesma
especificidade do
latim (embora
tal
distinção
não pareça
tão
relevante
para
um
falante de
IRs).
Tal
visão decorre
do
fato de,
comumente, nas
análises
gramaticais/lingüísticas
se considerarem,
mesmo
inconscientemente,
os
tempos
sintéticos
como
mais
básicos nas
línguas do
que os
tempos
compostos;
atitude
que decorre da
tradição
gramatical
ocidental, de
cujo
legado
ainda somos
herdeiros.
Contudo,
lembremos,
por
exemplo,
que o
inglês (e outras
línguas)
expressa o
Futuro
através de
formas
perifrásticas,
fato
que,
entretanto,
não fornece
evidência
para se
considerar o
inglês
como uma
língua
desprovida do
tempo
Futuro.
Os
tempos
perifrásticos
não podem,
portanto,
ser considerados
como
secundários
numa
língua
pelo
simples
fato de serem
formas
analíticas.
Porém, podemos
considerar
certas
nuances
temporais
como
secundárias
ou
secundarizadas numa
língua
em
decorrência de
um
uso
mínimo (ou
um
uso
quantitativamente
decrescente
com o
passar do
tempo) destas
por
parte de uma
comunidade,
rótulo
que pode
ser atribuído
tanto a
formas
analíticas
quanto a
sintéticas.
Não se
trata,
então, de
definir uma
noção
como
fraca
ou
secundária
em uma
língua
em
decorrência do
caráter
analítico
ou
sintético de
suas
formas,
mas
observar
como a
comunidade
lingüística
trabalha
com essa
noção e o
quanto esta é
produtiva na
comunidade.
Assim, na
história das
IRs
desde
sua
formação,
podemos
distinguir
três
momentos
referentes à
categoria do
Futuro e
suas
formas de
expressão.
O
primeiro
momento
segue-se a uma
estabilidade
das
formas
sintética
amabo, amabis etc,
quando
começa a
surgir na
língua
latina uma
concorrência
entre essas
formas e as
perífrases
que
lhes
substituíram. Costuma-se
considerar
que essas,
inicialmente,
não tinham o
valor de
tempo
Futuro,
ou
melhor,
não deviam
ter o
mesmo
valor
específico de
Futuro
expresso pelas
formas
sintéticas
em
questão. Nessa
situação,
são as
formas
sintéticas
que passam a
ocupar
um
lugar
secundário no
uso da
comunidade
românica,
enquanto as
analíticas
são
cada
vez
mais
privilegiadas.
O
segundo
momento é
quando as
formas
perifrásticas vencem
totalmente as
simples na
fala
vernácula e na
maioria das
situações
sociais,
ou seja,
quando a
substituição
das
formas é
tão
completa
que,
além de
não figurarem
mais na
língua
falada, as
formas antigas
não
são
objeto de
recuperação
por
pressões
sociais
gerais.
Nesse
momento se
inicia
ou se acelera
a
mudança
semântica das
formas
vencedoras
que, deixando
de
expressar
nuances
temporais e/ou
modais
em
relação às
formas
antigas, passam a assumir-lhes o
mesmo
sentido.
Dito de
outro
modo: os
traços
semânticos
específicos
das
perífrases
em
gramaticalização
são,
gradualmente,
neutralizados
em
favor de uma
expressão
temporal de
menor
marcação
modal. O
Futuro,
dito “modal”,
se
torna
cada
vez
mais
temporal, e,
como
temporal,
cada
vez
menos
definido.
O
terceiro
momento é
quando essas
formas,
já
totalmente
gramaticalizadas e transformadas
em
tempos
sintéticos,
começam a, à
semelhança do
que ocorreu no
latim,
sofrer a
concorrência
de outras
formas
analíticas
que chegam a
ameaçar
lhes
substituírem na
fala
vernácula.
Tais
formas parecem
serem introduzidas
para
marcar especificidades
temporais e/ou
aspectuais
em
relação às
formas
tradicionais.
Entretanto,
em
alguns
contextos
passam a
ser
concorrentes
equivalentes.
Frente a essa
descrição,
importa
explicar: (i)
porquê as
formas latinas
foram substituídas
por outras
que, a
princípio,
exprimiam
nuances
diferenciadas e,
portanto,
não eram
necessariamente
concorrentes
suas, o
que implica
saber se houve uma
mudança na
especificidade
temporal
privilegiada
pelos
falantes
ou se houve
uma
expansão do
uso das
formas
analíticas
para os
contextos
em
que ocorriam
as sintéticas,
com uma
neutralização das especificidades
modais,
hipóteses
que,
em
tese,
não
são
excludentes;
(ii)
porquê as
formas
que venceram
no
romance
acabaram perdendo as
nuances
específicas e assumindo o
valor
temporal
não-modal; (iii)
em
quê
medida a
concorrência
atual
entre as
formas
sintéticas e analíticas nas
IRs se
assemelham
ou diferem da
situação
latina, o
que equivale a
estudar
mais a
fundo o
terceiro
momento.
Causas
da
substituição
das
formas
do
Futuro
latino
Dissemos
que
não se pode
falar
que o
Futuro
latino se
perdeu na
passagem
para os
romances,
devido à
continuação da
existência de
tal
noção nessas
línguas. O
que houve
sim foi a
substituição
das
formas do
Futuro.
Por
esse
ponto de
vista,
tão
pouco o
Condicional
foi
criado
nos
romances,
pois
tal
nuance
também
era
passível de
expressão no
latim.
Entretanto,
devemos
reconhecer
que ocorreu
uma “reorientação
semântica” (COSERIU,
1977: 21) do
Futuro
latino, tendo
as
formas
sintéticas,
antes
formas básicas
da
língua, cedido
lugar a outras
que
expressavam
valores
modais e
temporais (secundários)
e
que passaram a
ser privilegiados
pela
comunidade
lingüística.
A
perda das
formas
específicas do
Futuro
Perfeito,
desse
modo, indica
que
tal
noção deixou
de
ser
importante
nos
romances,
assumindo
um
valor
secundário,
acionado
apenas
em
situações
específicas
por
outros
recursos das
línguas. Essa
constatação
não se deve,
contudo, à
natureza da
forma,
mas à
sua
produtividade. O
Futuro
Condicional,
assim,
torna-se
mais
recorrente
devido a uma
atribuição de
valor/importância
a
tal
matiz
temporal
por
parte da “língua”.
Vejamos,
então, os
fatores
apresentados
como
possíveis de
explicar a
substituição
das
formas
latinas.
Uma das primeiras
causas
normalmente
apresentadas é o
próprio
paradigma
verbal
que apresenta
uma
irregularidade
no
Futuro
Imperfeito,
que tem duas
desinências
diferentes
para a 1ª e 2ª
conjugação de
um
lado e
para a 3ª e 4ª de
outro, o
que
favoreceria uma simplificação. A
esse
fator se somam
as alterações fônicas sofridas
pelo
latim,
que tornaram
as
formas da 1a
e 2a
conjugação
parecidas
com as do
Pretérito
Perfeito do
Indicativo,
com o
enfraquecimento
do -b- intervocálico.
Do
mesmo
modo, a 3a
e 4a apresentam
semelhanças
com o
Subjuntivo
Presente.
Tais
fatores,
contudo,
não podem
ser considerados
motivações
suficientes
para
gerar o
processo,
mas devem
atuar
em
conjunto
com outras
causas.
A
existência de
dois
paradigmas
distintos
para a
formação do
Futuro
Imperfeito
não se
constitui
em
causa
suficiente
para o
abandono das
formas.
Em
português,
por
exemplo, o
paradigma do
Pretérito
Imperfeito
que
era,
regularmente,
formado
com a
desinência
-ba-
em
latim, evolui
para
dois
paradigmas
distintos,
com os
morfemas -va-
para a 1a
conjugação e
-ia-
para a 2a e 3a.
Tal
situação,
além de
ir “na
contramão da
simplificação”, mantém-se
estável na
língua,
não
apresentando
sintomas de
uma “correção”
no
sistema.
Pelo
contrário, as
formas do
Pretérito
Imperfeito têm
o
seu
uso expandido
para o
âmbito de
outros
tempos,
como o
Condicional.
Por
outro
lado, se
houvesse uma
necessidade de
simplificação do
paradigma,
essa se
poderia
dar
por
analogia (COSERIU,
1977: 25) e
não
por uma
alteração
tão
drástica das
formas.
Com
relação às
mudanças fônicas
que produziram
semelhanças
entre as
formas do
Futuro e as de
outros
tempos,
não é
contrario à
realidade o
fato de
que uma
alteração fônica pode
ser
freada
ou
ter o
seu
resultado
desviado
em
situações
em
que se
necessite
manter uma
oposição
distintiva
produtiva,
embora
reconheçamos
que
tal
não se dá
infalivelmente.
Contudo,
poder-se-ia
pensar
porquê
não foram os
outros
tempos
verbais
que sofreram
alterações
em
suas
formas
para
evitar a
ambigüidade?
Com
efeito,
seguindo o
raciocínio
de Coseriu,
o
fato de,
diante do
enfraquecimento
de uma
oposição
distintiva
relevante, uma
das
formas mude ao
invés da
outra
também é
fenômeno
digno de
investigação.
Assim
também, a
semelhança
entre a 3a
e 4a
conjugação no
Futuro
Imperfeito tem
sua
razão na
origem da
desinência do
paradigma,
provinda do
próprio
modo
subjuntivo.
Ora, se houve
a
necessidade de
expressar
um
valor
temporal
através da
especificação
(e
transferência)
de uma
forma
para
tal
noção,
como, de uma
hora
para
outra, o
parentesco
entre as
formas se
tornou
mais
importante do
que a
necessidade de
expressão?
Isto
reforça a
idéia de
que, a
esses
fatores
morfológicos e fônicos, se devem
ter somado
outros
que
contribuíram
para o
processo.
Os
fatores
apresentados
até
aqui dizem
respeito à
necessidade de
se
manter a
oposição
distintiva
entre as
formas
verbais,
que podem
ser
classificados
como
hipótese
morfológica. A
esses
contribuíram
outros
fatores
que colocam a
mudança
descrita
em
termos de
alterações semântico-estilísticas no “modo
de
pensar” dos
falantes do
latim, as
quais teriam
motivado uma
maior
produtividade das
formas
que
apresentavam as especificidades
que os
falantes
desejavam
expressar.
Como
descrição
dessa
mudança de “orientação
do
pensamento”,
fala-se no
caráter
modal
que as
formas
substitutas apresentam
em
relação às
analíticas.
Por
modal, faz-se
referência à
classificação tradicional do
Modo do
verbo. É
ainda
comum a
referência ao
uso das
formas do
Presente
para o
Futuro (recurso
também
utilizado
pelo
latim e
pelos
romances)
como
decorrente desse redirecionamento (voltaremos a
esse
ponto).
Não se
costuma,
porém,
caracterizar as
motivações de
qualquer
ordem
que sejam
responsáveis
para essa reorientação do
pensamento dos
falantes do
latim.
Em ambas as
correntes de
explicação,
alguns
estudiosos
que abordam a
questão acabam descrevendo
o
processo
como
resultado de “equívocos
freqüentes” do
“povo
inculto”
(COUTINHO, 1977: 324), e atribuindo a
este uma
incapacidade
intelectual
para
manter as
formas
sintéticas
em
suas
características
primordiais.
Argumenta
Vossler:
Se necesita
una
conciencia siempre
vigilante,
una
disposición filosófica y un
hábito
de
pensar,
para
no dejar
que
la idea
temporal
del
futuro
se extravíe en los dominios
modales
de
temor,
de la esperanza, del deseo y de la incertidumbre.
(COSERIU, 1977: 19-20)
Os
fatores
que Vossler
apresenta
como
necessários
para a
manutenção do
tempo
verbal do
Futuro estão
longe de
pertencer ao
domínio de
um
sistema
lingüístico
natural,
ou de
um
conhecimento
natural,
vernáculo, da
língua
por
parte do
indivíduo.
Acabam se caracterizando
como uma
situação de
uso,
ou
tentativa de
uso, de uma
forma não-vernácula
que,
apesar da
pressão
social,
não consegue
entrar e se
consolidar na
estrutura da
língua
devido a uma
incompatibilidade
desta
com o
sistema
lingüístico.
Só uma
situação
por
demais
artificial e
alienígena ao
sistema
lingüístico
necessita
um
grau
tão
alto de
esforço
mental extralingüístico,
uma
vez
que as nossas
categorias
mentais
são,
inevitavelmente, influenciadas
pela
estrutura da
língua
que dispomos,
de
modo
que
nos tornamos
habituados
com as
distinções da
nossa
língua.
Tais
considerações
se mostram
por
demais fracas
e ilusórias,
por
transmitir a
falsa
impressão de
língua
como
um
patrimônio
exclusivo das
classes
consideradas cultas, do
qual as
classes
populares se
utilizariam
como de
empréstimo e
sempre de
forma inadequada, de
onde viriam as
“corrupções”
e “deturpações”
do
idioma.
Com
efeito, a
continuação da
categoria
futura
demonstra
que
não houve uma
incapacidade
de
trato
com
esse
valor
temporal
ou
com as
características
supostamente
“filosóficas” dela decorrentes.
Contudo,
não significa
negar a
ocorrência de
uma reorientação da
idéia
temporal
por
parte dos
falantes no
primeiro
momento do
processo.
É Coseriu
quem consegue,
além de
juntar os
fatores
morfológicos aos
semânticos,
fornecer uma motivação
primária
para o
fenômeno.
Segundo o
autor,
tal motivação
está na
expansão do
cristianismo (COSERIU,
1977: 34),
que impunha
aos
indivíduos uma
mudança
drástica de
perspectiva
em
relação à
vida
terrena e,
em
conseqüência,
ao
modo de
postar-se
em
referência ao
futuro.
La circunstancia
históricamente
determinada
fue, sin dudas, el
cristianismo:
un movimiento
espiritual
que,
entre
otras cosas, despertaba y acentuaba el
sentido
de la existencia e imprimía a la existencia misma
una
genuina orientación
ética.
(…)
una
nueva actitud
mental:
no es el
futuro
exterior
e
indiferente,
sino
el
futuro
interior,
encarado con conciente responsabilidad,
como
intención y obligación
moral.
(COSERIU, 1977: 34)
Tal
argumento
explica,
por
exemplo, a
escolha
semântica dos
verbos
formadores das
perífrases,
que
expressavam
dever,
obrigação,
desejo
e
intenção
antes de uma
certeza
com
relação ao
futuro.
A
referência
temporal
na
delimitação dos
tempos
verbais
O
conjunto
de
fatores
apresentados
anteriormente
não
nos
parece,
porém,
suficiente
para
relacionar
a
substituição
das
formas
latinas e a
concorrência
atual
entre
as
formas
sintéticas e analíticas nas
IRs.
Para
tanto,
recorremos a uma
abordagem
que
busca
desvelar
os
modos
de
atribuição
dos
valores
temporais
nas
orações.
Contrariamente à
maior
parte
das
definições
de
Tempo
nas
gramáticas
como
a
expressão
de
um
fato
como
antes,
durante
ou
depois
do
momento
da
fala
do
interlocutor,
partimos da
hipótese
de Ilari (1981: 181) de
que
a
interpretação
temporal
de uma
sentença
é
resultado
da
interação,
do
estabelecimento
de
relações
entre
três
momentos,
a
saber:
- o
momento
da
fala
(MF);
- o
momento
do
evento
ou
momento
da
realização
do
predicado
(ME)
- o
momento
de
referência
(MR).
A
interação
entre
esses
três
fatores
costuma
ser
descrita
nos
seguintes
termos:
a) MR é
anterior,
simultâneo
ou
posterior
a MF; b)
ME
é
anterior,
simultâneo
ou
posterior
a MR.
Tal
modo
de
descrição
assume uma
característica
essencialmente
temporal,
deixando de
lado
valores
aspectuais. Os
verbos
apresentam,
portanto,
em
suas
desinências
modo-temporais,
valores
distintos
para
esses
três
momentos.
A
partir
disso, consideremos a
utilização
do
tempo
presente
pelo
Futuro.
Sartori apresenta uma
consideração
de Maurer Junior
sobre
o
tema:
Maurer Junior
explica a
utilização
do
presente
para
expressar
o
futuro
pelo
fato
de a
noção
de
futuro
estar
ligada
a
intenções,
planos
e
expectativas
do
presente...
(SARTORI, 2002)
No
entanto,
abordando a
questão
de
acordo
com
a delimitação da
identificação
temporal,
notamos
que,
contraditoriamente, o
que
se
chama
de
tempo
Presente
não
representa uma
ação
que
ocorre no
momento
da
fala.
Essa
forma
não
apresenta nitidamente o
esquema
MF = MR =
ME.
Por
não
ter
morfema
modo-temporal, o
Presente
não
tem MR
definido
nem
tão
pouco
toma
o MF
como
substituto
para
a
ausência
do MR.
O
Presente,
assim,
indica
um
evento,
situando-o
fora
de
limites
delimitados de
Tempo
e de
Aspecto
(início
e
fim).
O
esquema
MF = MR =
ME,
que
expressa
a
noção
de
presente
momentâneo,
pontual,
é
expresso
em
português
pela
perífrase
ESTOU +
GERÚNDIO
(estou falando, de
modo
algum,
equivale a
eu
falo).
Dessa
forma,
o
esquema
do
Presente
se apresenta
como
algo
do
tipo
MF ≠ MR, e MR =
Æ.
Com
a
associação
do
Presente
com
um
adjunto
adverbial de
tempo,
a
oração
adquire
um
MR (Agora
eu
levanto),
passando a
poder
expressar
futuro
ou
passado
(Amanhã,
faço
isso;
Ontem
ele
me
aparece e
me
pede
desculpa!;
Em
1500, Cabral
chega
ao Brasil).
Assim,
consideramos
que
a
interpretação
temporal
das
sentenças
em
IRs
é
feita
basicamente
pela
interação
entre
o MR e o
ME.
e
que a
delimitação dos
valores
temporais
não se dá
exclusivamente
pela
identificação
de MR
em
relação a MF
em
termos de
anterioridade,
simultaneidade
e posterioridade. O MR,
mais do
indicar
antes,
depois e
durante, pode
constituir-se
como marcadora
de
valores
próprios
mais
específicos na
“linha
do
tempo”
que
não se
restrinjam a
esses. As
IRs
diferenciam,
por
exemplo,
dois
pretéritos
perfeitos,
sendo
um destes, o
mais-que-perfeito,
anterior ao
outro. O
espanhol,
além disso,
apresenta
um
pretérito
mais
próximo
também
perfeito (cante
x he cantado).
Cada
língua (ou
cada
povo) faz
divisões no
eixo
temporal
que
lhe pareçam
mais
relevantes.
Veja-se,
assim,
esquema
que
tenta
delimitar os
tempos
portugueses:
Esquema 1:
a
divisão cronológica
em
português
Passado
[ ____ ]
Pret. Mais-que-perf. (Eu
falara/
tinha
falado)
[ ____] Fut. perf. (Eu
falei)
_____________ Pret. imp. (Eu
falava)
________ Pres. Ind. (Eu
falo)
·
Pres.
momentâneo
(Estou falando)
_____________________________ 0
_____________________________
[______ Fut. imp.(Eu
falarei)
[__________________
Fut.
imediato (Vou
falar)
_______]
Fut. perf. (Eu
terei
falado)
Futuro |
Assim,
línguas
diferentes
podem
adotar uma
única
forma de
referência ao
Futuro,
enquanto
outras podem
fazer uma
distinção
entre
valores
diferentes de
proximidade do
Futuro
em
relação ao “presente”
(entendido
como
ponto
zero na
linha
temporal).
Entre
um
Futuro
definido e
um
indefinido,
entre
um
Futuro
distante e
um
Futuro
imediato,
por
exemplo.
Com
relação às
IRs, o
que se
vê é
isso: uma
distinção
entre
um
Futuro
mais
imediato,
que se segue
de
pronto (e
indefinidamente?)
ao
Presente e
um
Futuro
indefinido,
porém
mais
distante
em
relação ao
Presente.
A
concorrência
entre as
formas do
Futuro na
sincronia
atual do PB
demonstra
claramente
essa
distinção.
Veja-se,
por
exemplo, a
frase
produzida
em (a), numa
situação
em
que (b)
pareceria
estranha
por
apresentar a
ação
como
mais
distante no
tempo:
(a)
Ele
não
vai
vir
não!
(em
referência à
parada de
um
ônibus
em
um
local
distante do
ponto)
(b)
Ele
não
virá
Assim, as
perífrases
atuais diferem
das
perífrases
latinas
por
expressarem
mais
propriamente uma
noção
aspectual
frente a
um
valor
mais
modal dessas.
Pelo
ponto de
vista
puramente
temporal,
cronológico, ambas se apresentam
como
um
Futuro
mais
imediato,
mas de
extensão
também
indefinida,
em
oposição a
um
Futuro
mais
distante. O
esquema 1 delimita,
então,
um
ponto de
contato
entre o
Futuro
imediato e o
Futuro
distante,
que decorre do
fato de o
primeiro,
apesar de
ter
início
mais
próximo,
poder
apresentar uma
extensão
indefinida.
Justificamos
tal
descrição
em
virtude dos
contextos
em
que os
dois
Futuros se
apresentam
como
concorrentes
perfeitamente
substituíveis
sem
mudança
semântica (Amanhã
eu
vou
viajar;
amanhã
eu
viajarei). Cremos, dessa
forma,
que
tal
ponto de
contato na
extensão
cronológica dos
dois
Futuros é
responsável
por uma
expansão dos
usos de
um
tempo
para os
contextos
em
que
normalmente
ocorreria o
outro.
Outros
fatores devem
se
somar a
esse,
como a
aquisição do
vernáculo:
como se dará a
aquisição do
tempo
futuro
em uma
situação de
concorrência
entre as
formas,
em
que a
comunidade
passe a
privilegiar uma das
noções?
Outro
ponto a se
considerar é:
qual a
motivação cultural
responsável
por
esse
novo
privilegiar da
noção de
Futuro
imediato? Uma
análise
simplista
poderia
tentar,
em
paralelo
com as
considerações
sobre a
influência do
cristianismo
no
latim,
explicar essa
reorientação decorrente das mudanças
sociais
que aceleraram
o
modo de
viver, formando uma
visão
mais
imediatista da
vida.
Tal
argumento
parece-nos,
entretanto,
fraco e
não adequado
para a
descrição da
complexidade do
processo.
Conclusões
Tratamos nesse
trabalho dos
fatores
que
contribuíram
para a
substituição
das
formas
sintéticas latinas pelas analíticas românicas
para
expressão do
Futuro,
salientamos a
diferença
que se deve
fazer
entre a
forma
lexical e a
função das
categorias
lingüísticas
e, no
caso
específico,
temporais.
Argumentamos,
também,
que
um “modo
lingüístico”,
como uma
categoria
temporal,
não pode
ser considerado
como
mais
básico
em
relação a
outro
em
decorrência
unicamente da
natureza de
sua
forma,
sintética
ou
analítica,
mas
sim
em
virtude de
como a
comunidade
lingüística
trabalha
com
ela e a
utiliza
em
termos de
produtividade.
Defendemos a
posição de
que as
línguas
ibero-românicas costumam
diferenciar
um
Futuro
mais
imediato de
um
Futuro
mais
distante.
Esses
dois
tempos,
contudo,
apresentam
um
ponto de
encontro na
repartição
cronológica do
Tempo, uma
vez
que a
ação do
Futuro
imediato se
inicia
em
um
período
mais
próximo,
mas se estende
de
modo
indefinido.
Esse
ponto de
contato é o
que
possibilita a
expansão dos
usos de uma
das
formas
para o
domínio da
outra,
motivada
por
algum
fator
que
leve os
falantes a
dar
mais
importância a
uma das
nuances
específicas.
Verificamos,
assim,
que as
formas
analíticas do
latim
apresentavam especificidades
modais
em
relação às
formas
sintéticas,
enquanto as
perífrases das
IRs exprimem
valores
aspectuais.
Contudo, no
plano
puramente
temporal, as
formas
analíticas latinas e ibero-românicas se assemelham
por se opõem
às sintéticas ao expressarem
um
Futuro
mais
próximo e
imediato,
diante de
um
Futuro
mais
distante e
indefinido.
Referências
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SARTORI,
Ana.
O
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falada
e
escrita.
Trabalho apresentado na
XIX
Jornada
Nacional de
Estudos
Lingüísticos
do GELNE,
Fortaleza,
set./ 2002.
Poder-se-ia pensar que essa explanação sobre
o tempo Presente é inadequada em decorrência da impossibilidade de *Ontem
eu faço isso, frente a Ontem eu fiz isso. Cremos que deve haver
algum tipo de restrição às possibilidades combinatórias entre o “Presente” e
os adjuntos temporais ou, melhor dizendo, os adjuntos temporais só podem
determinar o MR do Presente se atenderem a algum critério de
seleção/compatibilidade a ser formulado. É possível, inclusive, que esses
critérios sejam diferentes para o Futuro e para o Passado.
Podemos, entretanto, considerar que em (a) e
(b), o adjunto determina a MR e em (c) o especifica.
(a)
Próximo mês, faço isso.
(b)
Ontem! ele me pede desculpas! (com ênfase no ontem)