GLADSTONE
CHAVES
DE MELO
O
LINGÜISTA E O
FILÓLOGO
Horácio
Rolim de Freitas
(UERJ, ABF)
Falar
sobre a
obra de
Gladstone
Chaves de
Melo,
homem de
cultura, na
mais
profunda
acepção do
termo,
Mestre de
minha
geração,
constitui
momento de
enlevo. De
sólida
formação
clássica, foi
professor
em
universidades
do Brasil nas
cadeiras de
Lingüística,
Filologia,
Filologia
Românica,
Língua
Latina,
Crítica
Textual,
Estilística,
Literatura Portuguesa,
Didática
Geral e
Filosofia da
Educação.
Ministrou
cursos
em Portugal,
Espanha, França, Bélgica e Alemanha.
Para
terem uma
rápida
idéia
da
obra
inestimável
de Gladstone
Chaves
de Melo, destacarei
alguns
de
seus
estudos
no
campo
da
Lingüística
e da
Filologia,
levando
em
conta
a exigüidade de
tempo.
Não
resta
dúvida
de
que
Gladstone
Chaves
de Melo
muito
contribuiu
para
ambas as
ciências:
Lingüística
e
Filologia,
distintas
em
seus
objetivos
específicos.
Enquanto
a
Filologia,
usado
aqui
o
termo
“stricto sensu”, tem
por
finalidade
fixar,
interpretar
e
comentar
textos,
a
Lingüística
tem
por
objetivo
a
língua
como
fato
social
da
linguagem
–
palavras
estas
que
estão na
obra
Iniciação
à
Filologia
e à
Lingüística
Portuguesa
(p. 25 e 26).
Mais
explícito
ainda
é Mattoso
Câmara
ao
apresentar
o
verbete
Lingüística
em
seu
Dicionário
de
Filologia
e
Gramática:
A
Lingüística
sincrônica
especial,
referente
à
língua
portuguesa,
estuda
o
sistema
básico
de
fonemas,
de
formas,
de
construções
vocabulares e
frasais,
de
que
se servem os
falantes
em
português,
e
suas
camadas
sociais,
gíria,
língua
culta,
língua
literária.
Iniciemos
com a
contribuição
de Gladstone
Chaves de Melo
na
interpretação
de
um
fato de
lingüística
diacrônica.
É
comum
encontrarmos
nos
compêndios de
História da
Língua a
inclusão, no
capítulo de
empréstimos,
de
termos de
origem
germânica.
Eis a
lição de
Gladstone (Iniciação
à
Filologia
e à
Lingüística
Portuguesa, pág. 215):
A
contribuição
germânica
e
árabe
deve
ser
compendiada na continuidade
lingüística,
tanto
é
verdade
que
as
palavras
daí advindas se alatinaram
ou
se romanizaram
antes
de
existir
a
língua
portuguesa.
Esta é a
lição
das
maiores
autoridades
da
história
da
língua
portuguesa,
como
Serafim
da Silva
Neto
e Sílvio Elia. O
primeiro
nos
diz
que
os
visigodos,
ao invadirem a Hispânia, aceitaram a
língua
dos vencidos: o
latim,
nela introduzindo
alguns
germanismos.
Logo
empréstimo
houve ao
latim,
não
ao
português.
Não é
preciso
acentuar a
familiaridade
de Gladstone
com as
obras dos
mais renomados
representantes da
ciência da
linguagem,
como Vendryès,
Jespersen, E. Coseriu, Martinet,
para
só
citar
alguns,
não excluindo
os
autores
alemães
como Max. L.
Wagner, Von Wartburg e
outros.
Outro
fato
que destacamos
refere-se ao
emprego do
verbo
ter
impessoal,
tratado
como
brasileirismo.
Na
obra
Iniciação
à
Filologia
e à
Lingüística
Portuguesa, o
autor,
lembrando a
lição:
“quanto
melhor
se conhece a
língua
arcaica
e
mais
se investigam os
falares
portugueses,
menor
é o
número
de
brasileirismos”,
reconhece
que
ele
mesmo
“retificou afirmação
feita
e mantida
durante
vinte
anos
na
obra
A
Língua
do Brasil,
onde
arrolou
como
brasileirismo
o
uso
impessoal
do
verbo
ter,
a
indicar
existência
de
fato
ou
ato”.
Explica
que
em
suas
idas
a Portugal, na
localidade
de Póvoa-do-Lenhoso, no
Alto
Minho, deu
com
o
uso
do
verbo
ter
impessoal,
no
sentido
de
existência.
E soube
que
esse
emprego
ocorre
em
outras
localidades.
Isto
o levou a
retirar
as
dúvidas
que
tinha
na
interpretação
de
passagem
da
obra
Frei
Luís de Sousa,
de Almeida Garret:
Madalena –
Ao
menos
não
tenho
sustos
com
a
viagem.
Mas
a
volta...
quem
sabe?
Jorge –
Não,
hoje,
não
tem
perigo.
É
oportuno
lembrarmos
que
não faltam
exemplos desse
emprego do
verbo
ter
em
autores
portugueses:
—
“Nos
matos
da
costa
tem
muito
pau-brasil”
(Fernão Mendes
Pinto,
Peregrinação
, II, 791)
—
“E
lá
dentro
(no
paço)
tinha
muitos
jardins”
(João de
Barros,
Crónicas, III, 9)
—“Tem
ali
um
pomar
que
dá os
pêssegos
mais
deliciosos
de Portugal.”
(Eça de Queirós, A
Cidade
e as
Serras).
Outro
mestre
que se ocupou
do
assunto foi
Cândido Jucá
Filho
que,
em
artigo
intitulado
Aspectos
da
Linguagem
Brasileira,
apresentado no 2º
Simpósio de
Língua e
Literatura, 1969,
depois de
apresentar
vários
exemplos
colhidos
em
autores
portugueses, afirma:
“Parece-me
assim
que o
uso do
verbo
ter
por
haver nas
chamadas
frases
existenciais é uma
ampliação
legítima
que os
brasileiros
fazemos
dentro de
critérios
que
nos chegaram
de Portugal.”
No
campo da
sintaxe, Gladstone
Chaves de Melo
posiciona-se
quanto aos
conceitos de
coordenação e
subordinação.
É
comum
encontrarmos
em
nossos
compêndios e
gramáticas uma
oposição
entre
coordenação e
subordinação:
as
orações
são
coordenadas
ou
subordinadas.
Gladstone explica
que
...são
dois
processos
que
não se opõem,
são
apenas
diferentes.
Daí
haver
orações
subordinadas
coordenadas,
pois
subordinação é
conceito de
essência, e
coordenação é
conceito de
acidente. O
oposto à
oração
subordinada é,
portanto, a
oração
independente. (Iniciação
à
Filologia
e à
Lingüística
Portuguesa, pág. 246)
Coordenação é
o
paralelismo de
funções,
igualdade de
funções
sintáticas (Manual
de
Análise,
pág. 98).
Lembramos,
de
passagem,
que
também
o
grande
Amado
Alonso
em
sua
Gramática
Castellana,
em
co-autoria
com
Pedro Henriquez Ureña,
segundo
curso,
pág. 33,
assim
ensina:
“Coordenadas
são
orações
de uma
mesma
classe;
quer
dizer
que
todas
são
independentes
ou
todas
dependentes.”
Ainda
sobre
orações,
o Prof. Gladstone
Chaves
de Melo
não
esposa
o
critério
corrente
de desdobramento das
chamadas
orações
reduzidas.
Diz-nos,
na pág. 247 da
obra
citada:
Infinitivo,
gerúndio
e
particípio
são
nomes
e,
como
tais,
fazem
parte
de uma
oração,
exercendo nela uma
função.
Logo,
não
cabe desdobrá-las; será
um
processo
de
muletas,
condenável,
pois
se analisa
outra
oração,
equivalente, e
não
o
que
está
escrito.
Gladstone
só
aceita
oração
reduzida
quando
esta corresponde a uma
oração
coordenada,
como
“Já
no
longo
oceano
navegavam, as inquietas
ondas
apartando” (Lus.
I, 19),
isto
é : e apartavam as inquietas
ondas.
Quero
crer
que
este
critério
adotado
por
Gladstone foi haurido na
obra
de Rodolfo Lenz: La oración y sus
partes,
publicada
em
1935,
portanto,
anterior
à 1ª ed. da
sua
obra,
de 1949.
Lenz
chama
a essas
formas
nominais
de verbóides e as define
como
“formas
verbais
que
se agregam a
um
sujeito
e
não
formam uma
proposição
separável.”
Ainda
no
campo
da morfossintaxe, podemos
exemplificar
um
caso
de
idiotismo
da
língua
portuguesa
que,
durante
muito
tempo,
confundiu os
desavisados
nos
estudos
de
nosso
idioma:
o
emprego
do
infinitivo.
Na
obra
Iniciação
à
Filologia
e à
Lingüística
Portuguesa
assim
aborda o
assunto
o
ilustre
Mestre:
Sobre
o
emprego
do
infinitivo
pessoal
formulou no
começo
do
século
passado
Jerônimo
Soares
Barbosa (na
Gramática
Philosóphica da
Língua
Portuguesa, 1822) umas
regras
que,
apesar
de cerebrinas e contraditórias,
apesar
de
nascidas
de
especulação
e
não
de
observação
exata
dos
fatos
da
língua,
pegaram e perturbam
até
hoje
a
cabeça
de
muita
gente,
porque
entraram a
ser
repetidas pelas
gramáticas
posteriores.
Mais
tarde,
o
grande
romanista Frederico Diez enunciou outras
regras.
Quem
deu o
tiro
de
misericórdia
na
questão
do
emprego
do
infinitivo
flexionado foi o
nosso
admirável
Said
Ali,
em
estudo
célebre
inserto
desde
1908, nas
Dificuldades
da
Língua
Portuguesa.
Realmente,
o
nosso
Said
Ali
não
só
solucionou o
emprego
do
infinitivo
mas
também
outros
casos
de
sintaxe
nessa
obra
desafiadora do
tempo,
onde
o
autor
já
cita Saussure, cujas
idéias
só
seriam veiculadas no Brasil
quase
duas
décadas
depois.
No
campo
da
análise
mórfica, se constata,
também,
a atualização
lingüística
do Prof. Gladstone
Chaves
de Melo.
Ao
tratar
dos
processos
de
formação
de
palavras,
assim
se
expressa:
Há
quem
identifique a
prefixação
com
a
composição.
Andam
mal
tais
sinonimizadores,
porque
a
filiação,
essência
do
processo
derivativo,
fica
patente
com
os
prefixos,
o
que
não
acontece na
composição,
em
que
se combinam
elementos
autônomos,
enquanto
o
prefixo
é
elemento
formativo,
só
serve
para
fazer
derivados:
refazer,
desmandar,
incomum.
Em
muitos
casos,
a
palavra
já
vem prefixada do
latim
ou
do
grego,
e,
então,
será
empréstimo
ou
continuidade
lingüística,
como:
inocente
(que
não
prejudica) [nocēre];
infante
(que
não
fala)
[fari]).( Na
Ponta
da
Língua,
nº 2, p. 164)
Vê-se
que
Gladstone
Chaves
de Melo
sempre
primou
pela
atualização dos
estudos
lingüísticos,
esposando
critérios
também
defendidos
pelos
dos
mais
renomados
lingüistas
nacionais
e
estrangeiros.
Incluem a
prefixação
na
derivação,
entre
nós,
Said
Ali,
Olmar Guterres da
Silveira
e Evanildo Bechara,
para
só
citar
três.
E, dos
estrangeiros,
lembramos: Simeon Potter, Louis Guilbert, Frédéric François, Laurie Bauer,
Matthews e Henri
Frei.
É
oportuno
repetir
aqui
as
palavras
de
dois
Mestres:
Said
Ali:
É
fácil
afirmar
que
dis-, re- e o
negativo
in- representam
partículas
inseparáveis
que
são
ou
foram
preposições
e
advérbios.
Equivale
este
argumento
a uma
nova
petição
de
princípio.
Nada
se sabe da
existência
de
tais
vocábulos
independentes
nem
em
latim
nem
em
qualquer
outra
língua
indo-européia.
Por
toda
parte
ocorrem
estes
elementos
funcionando
sempre
como
prefixos.
(
Manual
de
Gramática
Histórica
da
Língua
Portuguesa, 3ª
ed., p.229).
Olmar
Guterres da
Silveira:
“A
rigor,
estamos
convencidos
de
que
não
existe o
prefixo
como
forma
livre;
mantemos na
língua,
isto
sim,
formas
livres
homônimas de
certos
prefixos.”(Prefixos
e Não-Prefixos Portugueses,
p. 63, in A
Obra
de Olmar Guterres da
Silveira,
de Horácio Rolim,
Metáfora
Editora,
1996).
O FILÓLOGO
Agora
apreciemos o filólogo Gladstone
Chaves de Melo
através de
seus
estudos,
interpretações
e
comentários de
textos.
Uma de
suas
melhores
obras
intitula-se Alencar e a “Língua
Brasileira”.
Antes
do
arguto
estudo
que
Gladstone fez da
obra
Iracema, de José de Alencar,
este
autor
era
acusado
pela
crítica
desavisada
de:
a)
não
saber
empregar
os
pronomes
oblíquos;
b)
abusar
de
brasileirismos
e tupinismos; c)
possuir
sintaxe
irregular;
d)
usar
regências
populares;
e)
empregar
galicismos,
enfim,
um
autor
de
mau
estilo.
Todas essas levianas
imputações
foram refutadas
pelo filólogo.
Sobre
o
assunto
ouçamos as próprias
palavras
de Gladstone
Chaves
de Melo:
Um
dos
meus
trabalhos,
certamente
dos
menos
maus,
defende Alencar da
mesquinharia
de gramatiqueiros, de puristas
caolhos
e concluo,
inteiramente
baseado
nos
fatos
da
língua,
que
Alencar escreveu
em
requintada
língua
portuguesa
com
estilo
brasileiro.
Gladstone
Chaves
de Melo confirma
que
Alencar
não
só
usou
brasileirismos,
tupinismos e a imagística da
flora
e da
fauna,
mas
também
usou
expressões
literárias encontradas
em
vários
autores,
inclusive
em
Camões. Vejamos
alguns
exemplos:
Alencar: “Há
três
sóis
que
eles
eram
partidos”
(vestígio
da
voz
depoente);
Camões: “Porém
já
cinco
sóis eram
passados”
(Lus., V, 37)
Alencar: “crebo
suspiro”
Camões: “Crebos
suspiros
pelo
ar
soavam” (Lus.,
IX, 32)
Alencar: “Caubi
vai
tornar
às
montanhas
dos
tabajaras”
Bernardes:
“Como
viu
que
não
tornava,
recolheu-se
para
o
mosteiro”
(Pão
Partido
em
Pequenino)
—
tornar
por
voltar
Alencar: “Ainda
há
pouco
vos
vi de
longe
/
que
passáveis
sobre
a
esplanada”(o
afastamento da
oração
relativa
é
construção
clássica)
Camões: “tudo
aquilo
obedece /
que
criaste”(Lus.,
I, 38)
Alencar: “Começou
de
cismar”(começar
de,
comum
na
língua
clássica)
Camões: “Começa
de
servir
outros
sete
anos”
(Soneto)
Alencar: “Iracema
lembrou-se
que
tinha
sido
ingrata”
Camões:
“...
por
me
lembrar
que
estáveis
cá
sem
mim
(Lus., V, 35) (sintaxe
freqüente
na
língua
literária
clássica)
Alencar:
“...
mais
lento
se tornara e pesado
(intercalação
do
verbo
entre
dois
adjetivos)
Camões: “Tão
temerosa
vinha
e carregada
(Lus., V, 38)
Sobre
a
colocação
de
pronomes
oblíquos,
Gladstone cita a
lição
de Said
Ali:
“São
corretos
o
uso
geral
em
Portugal e o
uso
geral
no Brasil.” É
claro
que
em
nossa
entoação
frasal
predomina a
próclise.
Enfim,
conclui Gladstone
Chaves
de Melo
que
os pseudo-erros apontados
são
enunciados
pela
boca
de
personagens
que
usam a
linguagem
popular
descuidada,
e
não
erros
do
autor.
Também
a
obra
de Vieira
mereceu
estudo
filológico de Gladstone
Chaves
de Melo,
como
o
Sermão
da
Sexagésima
e o
Sermão
do
Bom
Ladrão.
Deste
último,
disse Gladstone: “Riquíssimo,
magnífico
e de uma atualização
gritante.”
Mas,
deparando-se
com
a
passagem
em
que
Vieira diz: “Antigamente,
os
que
assistiam ao
lado
dos
príncipes
chamavam-se laterones. E
depois,
corrompendo-se
este
vocábulo,
como
afirma
Marco
Varro, chamaram-se latrones”. Gladstone corrige a
etimologia
apresentada
pelo
grande
orador,
ensinando:
A má
etimologia
tirou-a Vieira do
escritor
latino
Marcus Terentius Varro (116 – 27 a.C.).
Etimologia
não
é
romance
nem
poesia,
em
que
possa
entrar
a
imaginação
criadora: é
ciência
documentada,
segura.
Para
se
estabelecer
uma
etimologia,
tem-se de
conhecer
a
história
da
palavra.
Latro
nada
tem
que
ver
com
latus, relaciona-se
com
látris,
grego:
“trabalhador
assalariado”,
e
com
o
verbo
latreúo: “estar
em
serviço,
trabalhar
por
paga”.
Continua
Gladstone:
O
primeiro
sentido
de latro,
que
aparece
em
Plauto, é “soldado
mercenário
de
infantaria”.
Já
em
Cícero
a
palavra
passa
a
designar
“salteador,
bandido”.
Não
se corrompeu a
palavra,
como
diz Vieira,
porque
palavra
não
se corrompe, o
que
se corrompeu foi o
homem.
Realmente,
a
explicação
etimológica
de Gladstone
Chaves
de Melo está confirmada
por
Ernout-Meillet no Dictionnaire Etymologique de la Langue Latine,
editado
em
Paris, 3ª
edição,
1951.
Latro
é,
portanto,
empréstimo
do
grego
λάτρων.
Outra
pesquisa
de Gladstone refere-se ao
emprego
do
verbo
colocar
fora
da
acepção
primitiva,
isto
é, co + locare:
pôr
em
algum
lugar.
Não
aceita
como
corretas
frases
semelhantes
a:
Imóvel
colocado à
venda.
Colocar
árvores
abaixo.
Eu
coloquei
que
ele
viria, uma
vez
que
o
verbo
tem
por
radical
loc, de locus e significa “pôr
cuidadosamente num
lugar”.
Fazendo
um
estudo
em
Os
Lusíadas,
constatou
que
Camões usou 91
vezes
o
verbo
pôr
e
nem
uma
vez
o
verbo
colocar.
Explicação
não
menos
interessante está na
confirmação
do
gênero
da
palavra
cólera:
o
cólera
ou
a
cólera?
Há
algum
tempo,
a
dúvida
tomou
conta
dos
noticiários,
ouvindo-se
vários
locutores
de
rádio
e de
televisão
pronunciarem o
cólera.
O
assunto
mereceu
artigo
de
vários
estudiosos
como
Vitório Bergo, publicado na
revista
Confluência,
e Gladstone
Chaves
de Melo, publicado
em
15 de
março
de 1991, no
periódico
Na
Ponta
da
Língua,
nº 1, p. 112,
sob
o
título
Antes
que
ela
chegue.
Ali,
diz-nos Gladstone
Chaves
de Melo
que
a masculinização do
termo
se deu
devido
à má
tradução
do
título
da
obra
de Gabriel Garcia Márquez:
Amor
en Tiempo del
Cólera,
para
Amor
em
Tempo
do
Cólera.
Enquanto
em
espanhol
e
francês
o
nome
da
doença
é
masculino
nos
compostos
le choléra-morbus e el cólera-morbo,
em
português
sempre
foi
feminino:
a
cólera.
Ensina
ainda
o Prof. Gladstone
Chaves
de Melo
que
a
palavra
vem do
latim
cholera (f) ,
empréstimo
erudito
do
grego
χολέρα,
também
feminina
cujo
radical
provém de χολή,
bílis,
excreção
do
fígado,
daí a
idéia
de
ira,
raiva.
Não
se tratando da
doença,
mas
do
sentimento
de
paixão,
também
no
francês
e no
espanhol
o
nome
é
feminino:
la colère, la
cólera.
Gladstone
Chaves
de Melo cita
como
abonação do
gênero
feminino
em
português
o
Dicionário
de Antônio de
Morais
Silva:
cólera
(f);
A.
Herculano: “Com
a
rapidez
da
cólera
ou
da
peste...”(O
Monge
de Cister);
Almeida
Garrett: “...a cólera-morbus da
sociedade
atual...”(Viagens
na
minha
terra);
Camilo
Castelo
Branco:
“O
anjo
levou-mo
quase
fulminado
pela
cólera-morbus” (Romance
de
um
Homem
Rico).
Devo
lembrar
que
o
Vocabulário
Ortográfico da
Academia
Brasileira
de
Letras,
a
partir
da 2ª ed.,
revista
em
1998, aceita os
dois
gêneros
das
palavras
cólera
e
cólera-morbus.
Finalmente,
trago
mais
uma
contribuição
de Gladstone
Chaves
de Melo aos
estudos
filológicos. Trata-se do
episódio
de Os
Lusíadas,
no
Canto
IV: O
Velho
do
Restelo.
O
velho
aparece na
praia
do
Restelo,
local
em
que
as
mulheres
restelavam a
estopa
com
o
restelo
ou
pente
de
ferro
com
que
tiravam a
estopa
do
linho
para
fazerem
corda.
Esse
velho,
à
hora
da
partida
das
naus
portuguesas, aparece misteriosamente, faz
eloqüente
discurso
e desaparece
sem
explicação
do
motivo
que
ali
o levou.
Várias
interpretações
foram apresentadas
para
justificar
a
presença
do
Velho
do
Restelo,
como
por
exemplo:
Rebelo Gonçalves —
vê no
discurso a
voz dos
homens do
norte,
conservadores
e apegados à
terra; a
voz do
homem da
rua,
inconformado
com a
audácia dos
reis.
Hernani
Cidade
diz
que
Vasco
da
Gama,
novo
Ulisses
ou
Enéias,
conta
os
prantos
e as
vozes
cujo
eco
lhe
ficou
nos
ouvidos.
Entre
todas essas
vozes,
com
sentido
mais
profundo
e
mais
largo,
havia de
ressoar
pelos
séculos
a
voz
do
Velho
do
Restelo.
Hernani
Cidade,
assim,
faz-nos
recordar
passagem
da Eneida
em
que
Enéias vai aos
Campos
Elíseos
encontrar
o
velho
pai
Anquises e dele ouve
críticas
pelos
males
e
perigos
da
guerra.
Eneida, C. VI,
833:
Anquises:
“Ó
rapazes,
não,
não
costumeis
vossos
espíritos
a
tão
grandes
guerras;
nem
desvieis as poderosas
forças
do
império
para
as
ruínas
da
pátria”
E conclui:
C.VI, 835:
“E
tu,
meu
primeiro
sangue
(César
Augusto),
tu
que
tiras
a
origem
do
Olimpo,
poupa a
pátria,
lança
fora
das
mãos
as
armas.
Do
mesmo
modo,
pela
boca do
Velho do
Restelo,
Camões
não poupa
crítica à
cobiça e
vaidade dos
governantes ao
mandarem os
povos
para a
guerra.
Teófilo Braga considera “protesto
contra a
insânia de D.
João III
que arrojava
para a
exploração da
Índia os
fidalgos.”
Guilherme Storck
vê no
objeto de
censura os
perigos e
males
que as
possessões
ultramarinas de África e da
Índia
acarretaram a Portugal.
Afrânio
Peixoto
fala
da
sensibilidade
e
juízo
da
multidão
que
murmura
contra
a
empresa
dos descobrimentos e
conquistas
longínquas.
Como
na
realidade
explicar
a
aparente
contradição
entre
o
autor
do
discurso
(Velho
do
Restelo)
e o
autor
que,
no
início,
exalta a
dilatação
da
Fé
e do
Império?
Gladstone
Chaves
de Melo propõe uma
nova
explicação.
Eis
suas
palavras:
Chamei ao
episódio
AntiLusíadas. Aceito as várias
interpretações,
mas
para
mim
tem
um
sentido
mais
profundo
e
mais
íntimo.
O
Velho
do
Restelo
é, ao
mesmo
tempo,
o
anti-herói
e o
maior
dos
heróis
camonianos.
Seu
discurso
é o
mais
eloqüente
de
todos
que
enchem o
poema.
C. IV, 95
– Ó
glória
de
mandar,
ó vã
cobiça
Desta
vaidade,
a
quem
chamamos
fama!
................................................................
Que
mortes,
que
perigos,
que
tormentas,
Que
crueldades
neles exprimentas!
C. IV, 97
– A
que
novos
desastres
determinas
De
levar
estes
reinos
e esta
gente?
Que
perigos,
que
mortes
lhe
destinas,
Debaixo
dalgum
nome
preminente?
Considerando todas as
interpretações
insuficientes,
Gladstone
Chaves
de Melo
procura
explicar
como
88
versos
desse
episódio
condenam o
que
os 8728 enaltecem.
Para
Gladstone
Chaves
de Melo, o
Velho
do
Restelo
é o
próprio
Camões
que,
já
agora
desiludido numa
vida
de sofrimento, de
exílio,
de
privações,
conhecendo
melhor
os
homens,
constata o
falso
louvor
dos
áulicos,
a
falta
de
espírito
dos
homens
políticos.
No
referido
episódio,
muda-se o narrador.
Vasco
da
Gama
dá
vez
a
um
velho
de aspeto
venerando
como
a
pedir
perdão
do
que,
com
tanto
engenho
e
arte,
dissera
em
estilo
grandíloquo
e
corrente.
Esse
velho
com
saber
só
de
experiência
feito
proclama
que
“a
maior
paixão
humana
é a
paixão
do
mando,
do
domínio,
da
soberba,
do
orgulho,
o “eritis sicut dii”. É o
que
reúnem
suas
veementes
palavras
no
início:
“Ó
glória
de
mandar,
ó vã
cobiça.”
Daí
concluir
Gladstone
Chaves
de Melo
que
o
famoso
e misterioso
episódio
foi
escrito
depois
de
pronto
o
poema
e
que
o
Canto
IV,
anteriormente,
terminaria na
estrofe
93:
Determina de assi
nos
embarcarmos,
Sem
o despedimento
costumado,
Que,
posto
que
é de
amor
usança boa,
A
quem
se aparta
ou
fica
mais
magoa. (C. IV, 93)
Vão
partir
as
naus,
explica
ainda
Gladstone,
porém
a
estrofe
94 inicia-se
com
a
conjunção
adversativa,
forma
normal
de
retornar
uma
narrativa
ou
de acrescentar-lhe
algo
inesperado.
Aqui
não
se
trata
de
contradição
da
adversativa,
mas
do lembrado
depois.
E conclui o Prof. Gladstone:
Se a
minha
proposição é
aceitável, diríamos
que Camões
alterou o
início do
Canto
quinto,
para emendá-lo
com o
acrescentado
fecho do
quarto. Daí, retornando à
fala,
Vasco da
Gama
começa,
fazendo
certa
crítica ao
velho honrado:
(C. V, 1)
Estas
sentenças
tais
o
velho
honrado
Vociferando estava,
quando
abrimos
As
asas
ao
sereno
sossegado
Vento.....................................
Enfim,
para
Gladstone
Chaves
de Melo, o
episódio
do
Velho
do
Restelo
traduz
um
Camões desiludido da
vida,
armado
não
já
da
ciência,
mas
da
sabedoria,
conforme
suas
próprias
palavras:
“um
saber
só
de
experiência
feito”.
Gladstone termina
com
estas
palavras:
Aí
está,
em
modesta
exposição,
o
que
tenho pensado do
mais
eloqüente
discurso
camoniano
e da
identidade
do misterioso
velho,
herói,
sem
nome
e
sem
jaça
que
seria o
próprio
autor
do
magnífico
poema.
Termino
esta
exposição
sobre
o
lingüista
e o filólogo, afirmando
que
a
grandiosidade
da
obra
de Gladstone
Chaves
de Melo
não
pode
ser
aquilatada
em
tão
curto
espaço
de
tempo.
Leiam-lhe as
obras
e terão
idéia
de
sua
dimensão.