ANTONÍMIA DE SISTEMA E ANTONÍMIA DE DISCURSO

Guiomar Fanganiello Calçada (USP)

 Abordaremos aqui o fenômeno da antonímia apoiando-nos em duas tendências aparentemente contraditórias, a que afirma a importância do contexto, ou do papel dos conjuntos na linguagem, para a determinação do verdadeiro sentido das palavras e a que procura fixar-lhes um significado (sentido) de base, fixo, imutável, comum aos falantes de uma determinada sociedade.

Para tanto, é preciso estabelecer uma concordância entre a idéia de que o valor de uma palavra se modifica segundo o contexto em que está integrada e a de que a palavra isolada do contexto se converte num dado impessoal dotada de significado próprio. Procura-se, então, uma relação entre a idéia de falta de imutabilidade do significado e a de sua dependência do conjunto e da organização dos textos para fins de comunicação.

Orientando-nos para esse objetivo, admitimos, conforme Slama-Cazacu (1970), que a linguagem está determinada pelas diversas situações da dinâmica psíquica no quadro da vida social e, portanto, supõe a existência de uma relação social entre um ou vários emissores e respectivos receptores. Daí a linguagem, como também a língua, se caracterizarem como fenômenos de comunicação e se fundamentarem sobre a possibilidade especificamente humana de captar o caráter significativo das expressões lingüísticas.

Como a relação entre emissor e receptor se estabelece naturalmente por meio da linguagem, esta, como todo sistema simbólico, utiliza-se de “signos”, em nosso caso, as palavras, que refletem a realidade circundante em seus diversos aspectos. Estessignos”, em atendimento à finalidade específica de comunicação interpessoal, têm um valor constante e geral para os membros da mesma coletividade, mas, ao mesmo tempo, um valor variável, apto a expressar a dinâmica da realidade e as necessidades particulares de emissores diferenciados.

Com base no princípio da falta de imutabilidade do significado, justifica-se o agrupamento de lexemas em pares antonímicos, a partir dos significados de base das palavras da língua, os chamados semas dicionarizados. Quanto ao dicionário, considerado como sistema de conceitos, segundo Biervisch, lê-se em Lyons (1976) que:

Em termos de análise componencial, o significado de uma palavra é um complexo de componentes semânticos (ou traços, ou marcadores) vinculados por constantes lógicas. Esta superposição permite-nos definir certas relações e propriedades semânticas de verbetes lexicais. Assim, uma palavra é semanticamente ambígua se tem mais de um complexo de traços semânticos para designá-la. (p. 165)

E conclui o autor a respeito da antonímia:

Dois verbetes E1 e E2 (...) serão antônimos se seus significados forem idênticos, salvo que o sentido de E1 tem um componente C, quando E2 tinha C’, sendo que C e C’ pertencem a um subconjunto particular de componentes mutuamente exclusivos. (p. 165-166)

Essa constatação legitima o fato de as gramáticas tradicionais conceituarem os antônimos como vocábulos com sentidos opostos, como se observa em Júlio Ribeiro (1910), quando, ao tratar dos sinônimos, homônimos, parônimos e antônimos, afirma:

Quando, finalmente, as palavras entre si têm significações opostas, tomam o nome de ANTONYMOS, como em amor, ódio; dia, noite; luz, trevas; riso, lágrimas; forte, fraco; corar, empalidecer; duro, mole; subir, descer; fechar, abrir; covardemente, corajosamente; fielmente, infielmente; etc. (p.325)

O mesmo conceito se apresenta em Eduardo Carlos Pereira (1957:178), quando, ao tratar de analogia e oposição de sentido, se refere às palavras antônimas considerando-as: “(...) palavras diversas na forma e opostas na significação: dia e noite, bem e mal, amar e odiar, sim e não, pró e contra, com e sem.” (p. 178)

Rocha Lima (1992), conceitua os antônimos dentro da Estilística Léxica, chamando a atenção para os dois aspectos da significação de uma palavra, o denotativo, que diz respeito à função representativa da linguagem, e o conotativo, que se refere à capacidade da palavra de funcionar como exteriorização psíquica, ou apelo. Trata-se de dois aspectos que se combinam paracompor a significação integral da palavra”. O autor ainda acrescenta que não é difícil concluir que “o exame da conotação se situa na área da estilística, e se precisa no contexto”. E, ao tratar das séries sinonímicas, ressalta que é na conotaçãoque repousa, em grande escala, a escolha do termo adequado” à série. Para ele, no plano da denotação, “o que distingue os sinônimos é o seu significado mais amplo, ou mais restrito: educador, mestre, professor; recompensa, gratificação, gorgeta”. No plano da conotação, a diferença se deve ao efeito estético orientado pela tonalidade afetiva. Quanto aos antônimos, aparecem no item destinado à polissemia, a ser considerada no âmbito puro da denotação. Ao se referir à polissemia, o autor afirma: “(...) – vale dizer a multiplicidade de sentidos imanente em toda palavra, de que resulta que a sinonímia depende fundamentalmente do contexto.” (p. 485)

Entretanto, o autor restringe-se a conceituar os antônimos comopalavras de significação diametralmente opostas”, acrescentando que

...ora são termos de radicais distintos, ora possuem o mesmo radical, caracterizando-se um deles por um prefixo de valor negativo:

abrir - fechar                 feliz - infeliz

claro - escuro                                lealdade - deslealdade

resistir- ceder                 normal anormal. (p. 486)

Como se pode verificar, não há nenhuma referência ao papel do contexto quanto à significação dos antônimos.

A consulta à obra de Evanildo Bechara (1973), mostra que o autor, ao tratar da antonímia no capítulo destinado à semântica, nos remete ao mesmo conceito: “Antonímia é o fato de haver vocábulos com sentidos opostos: vida/morte; crente/descrente.” (p. 345)

O autor acrescenta ainda que, conforme Nyrop, um mesmo vocábulo pode assumir dois valores, como ocorre com freqüência com as ‘voces mediae’ que exprimem, conforme o caso, uma alegria ou tristeza, um benefício ou prejuízo etc.: fortuna (boa ou má), sucesso (bom ou mau), augúrio, sorte, interesse.

Ressalta também valor ativo e passivo, como é o caso, entre outros, de alugar que pode significardar ou receber de aluguel”.

Com base nos autores consultados, pudemos observar que o aspecto polissêmico dos vocábulos se fez notar no que se refere ao fenômeno da sinonímia, apontando para o papel do contexto na atribuição do sentido dos vocábulos.

Ao abordar o problema da sinonímia e da antonímia, Lopes (1981: 255-259), após mencionar o fato de as gramáticas tradicionais apresentarem listas de antônimos porque afirmam possuírem essas palavras sentidos opostos, esclarece o que se deve entender por sentidos opostos. Tal expressão, para o autor, deve ser entendida como oposto por contrariedade e oposto por contraditoriedade. Considera então que a relação lógica de contrariedade é aquela que “se estabelece entre dois termos, A e B, quando A possui característica semântica (sema) /s/ que está ausente do outro termo, B, sendo essa ausência notada /-s/." a relação lógica de contraditoriedade se opera entre dois termos, A e B, “quando A possui a característica /s/ e B possui a característica /não s/. Quanto à contraditoriedade, esclarece que esta “afirma e nega ao mesmo tempo, uma mesma característica, enquanto que a contrariedade afirma a presença/ausência de uma mesma característica.

Como justificativa para a produtividade da formação de antônimos nas línguas naturais, a partir do estabelecimento dessas relações, o autor baseia-se na existência de pares do tipo trazer/levar, esquecer/lembrar, entre outros que integram enunciados que “têm como ponto de referência o espaço em que se situa o sujeito da enunciação” ( marco zero na orientação espaço temporalaqui / agora”).

A partir dessas considerações, numa primeira abordagem, temos a proposta da definição: “são antonímicos dois termos, a e b, se as frases que obtemos, comutando-os, possuírem, sob algum ponto de vista, sentidos opostos (contrários ou contraditórios).” (p.256)

Continuando nessa linha de pensamento, afirma o autor que os antônimos, da mesma forma que os sinônimos, decorrem de “uma transformação de sentido da frase-corpus, objeto das manipulações sino-antonímicas”, nunca são perfeitos e constituem um fenômeno que empenha relações lógicas, ou seja, relações estruturais. Dessa forma, a antonímia, bem como a sinonímia, é vista comouma propriedade estrutural do código, ou melhor, das relações que instauram as estruturas.” De acordo com essa abordagem, não se considera a sino-sinonímia como uma propriedade das palavras, pois as relações estabelecidas entre elas se dão em nível mental, onde dois termos-objeto ocorrem simultaneamente, ligados por uma relação.

De acordo com esse ponto de vista, Lopes (1981) afirma:

Se os elemento lingüísticos se definem qua valores, como vimos em Saussure e Hjelmslev, é porque eles estão como que fixados pela malha de relações interna que organiza o código lingüístico: a sinonímia é uma dessas relações (Lyons, 1970:329), a antonímia é outra. São essas relações que, aplicadas a determinadas partes do vocabulário de uma língua, organizam-nas como microestruturas (campos semânticos, subcódigos...) análogas à estrutura do código lexical. (p.256)

Entretanto, quanto ao dicionário, considerado como sistema de conceitos, lê-se em Lyons (1976:166) quedois verbetes E1 e E2 são sinônimos se seus significados consistem dos mesmos componentes vinculados pelas mesmas constantes lógicas.” Portanto, não se pode negar a possibilidade de estabelecer pares de sinônimos em nível de sistema, independentemente das atualizações discursivas.

O mesmo raciocínio, aplicado aos antônimos, nos autoriza afirmar que os lexemas, pelo fato de seus noemas terem pelo menos um traço comum e outro antitético, podem ser agrupados em pares, a partir do significado de base das palavras.

Com base nesse princípio, a observação dos lexemas, sobretudo daqueles que indicam qualidades e processos, levou Metzeltin (1982: 54-55) a estabelecer os cinco casos de oposição, conforme resumidos a seguir:

1-     Quantitativa relativa é a oposição em que “à presença de certa quantidade fenomenal além de uma quantidade considerada normal opõe-se a falta dessa quantidade”, a exemplo do que ocorre com os pares quente / frio; bonito / feio e depressa / devagar.

Trata-se de pares antonímicos cujos traços comuns dizem respeito respectivamente à temperatura, ao aspecto físico e à velocidade de movimento. Quanto aos traços considerados antitéticos temos, para quente a quantidade + X e para frio a quantidade – X, face à temperatura de nosso corpo considerada normal; para bonito , face ao aspecto considerado normal, temos a presença de X traços agradáveis ausentes em feio, e para depressa, de acordo com uma velocidade tomada como normal, temos essa velocidade + X e para devagar essa mesma velocidade – X.

O autor assinala que, nesses casos, “a negativização de um dos termos não equivale à afirmação do outro”, logo não frio não equivale a quente. E que “abstraindo do fenômeno quantificado obtemos as oposições muito / pouco, muitas vezes / raramente.”

2-     Quantitativa absoluta é a oposição em que “à presença de um fenômeno se opõe a sua falta”, a exemplo do que ocorre, entre outros pares, em nublado, ‘com a presença de nuvens’, e limpo, ‘sem a presença delas’.

3-     Probabilística é a oposição em que “à afirmação de um termo opõe-se a negação de outro”, como se verifica em falar/calar ( = não falar). São casos em que a negativização de um dos termos pode, mas não deve necessariamente equivaler ao outro termo, pois não calar pode equivaler tanto a ‘falar como a ‘cantar’.

4-     De movimentos são as oposições do tipo ir/vir, comprar/vender, em cujos pares ocorrem, respectivamente, afastamento e aproximação, ou movimentos parecidos realizados com intenções opostas.

5-     De agente e paciente são as oposições em quepara o agente de uma ação pode considerar-se como atividade dele para outro, pelo paciente pode considerara-se como atividade de outro para ele”, como se observa em ensinar/aprender (= ser ensinado).

O mesmo autor ainda menciona casos de antonímia artificial, como ocorre em verde/vermelho, ‘poder passar’ e ‘não poder passar’, casos em que entre os conceitos de verde e de vermelho não se verifica nenhuma oposição fenomenológica.

Ainda, em se tratando de antonímia, Metzeltin considera ser ela um dos meios mais usados para estruturar a semântica dos comunicados, entendendo-se comunicado como um acto semiótico (verbal, pictórico, musical, táctil) que compreende uma actividade mental, cujo produto denomina textura, e uma actividade de expressão, cujo produto denomina texto, ato este limitado pelos momentos inicial e final de uma comunicação por parte do emissor.

Dessa forma chegamos ao fenômeno da antonímia textual (discursiva) em que o semanticismo dos comunicados (romances, poesias e demais gêneros) pode se estruturar segundo oposições, como é o caso do romance A cidade e as serras de Eça de Queirós, estruturado, entre outras coisas, em oposições do tipo fartura/miséria; desequilíbrio/equilíbrio, etc., enunciadas pelo próprio título, conforme cita Metzeltin.

No caso desse fenômeno, (antonímia textual ou discursiva), a fim de chamar a atenção do receptor para um dos termos da frase, o emissor procurará evidenciá-lo por meio de uma ênfase implícita ou explicitamente contrastiva. Afirma Meltzetin que o termo enfatizado opõe-se a um ou a todos os outros da mesma classe referencial e que, no caso do contraste explícito, os elementos contrastados podem ser evidenciados por meio de expressões como não ...mas também, entre outras. Assim, devido ao caráter contrastivo do realce, podemos considerar os antônimos como casos de realce, quer ocorram numa mesma frase, quer em frases contíguas em que se realcem reciprocamente. Lembramos aqui o trabalho de Seide (2001), a fim de exemplificarmos o comportamento dos antônimos mais/menos, simples/complicado, bem como suas funções retóricas em nível de discurso manifestado.

No nível da língua, comenta essa autora, os pares mais - menos e complicado - simples são pares antônimos. Enquanto mais e menos são palavras que podem ser usadas em comparações, simples e complicado se referem a duas maneiras possíveis de se qualificar um processo. Esses pares classificados, de acordo com a tipologia proposta por Cruse (1991), exemplificam, respectivamente, a antonímia antonímica polar e a antonímia complementar simples. Entretanto, observa Seide que, no exemplo a seguir, esses vocábulos estão combinados de maneira a formar uma equivalência lógica que produz duas expressões sinônimas :

Os brasileiros que viviam em povoados, comunidades rurais e pequenas cidades do interior, onde menos empregos, relações sociais mais simples e menos complicadas ou <<civilizadas>>, estão partindo para a complexidade da vida urbana e inchando cada vez mais as cidades vizinhas e maiores (...) (Miguel Jorge, Desafios de um Brasil mais urbano, O Estado de S. Paulo, 19/01/01)

Postula-se então que a antonímia textual se apresenta em decorrência de uma relação semântica de oposição atualizada discursivamente. Em virtude disto, antônimos lexicais podem não funcionar como antônimos textuais, e palavras que não são antônimos lexicais podem apresentar-se como antônimos textuais, de acordo com as relações estruturais estabelecidas em diferentes níveis.

Observe-se o exemplo de Seide para demonstrar o efeito de realce da antonímia no trecho em que se denuncia o fato de vereadores estarem empregando familiares, parentes e amigos: “Enquanto a prefeita não encontra recursos para dar renda mínima a muitos, há vereadores maximalizando a renda familiar para poucos (...)” (O dinheiro debaixo do nariz, Folha de S.Paulo, 5/01/2001)

Trata-se, segundo ela, de um caso típico de relação que transcende os limites da palavra, o que exige que se proceda a uma análise sintática que auxilie na determinação das parte(s) da oração que integra(m) a relação. Parece-lhe ser a análise em constituintes a mais ser adequada para este fim, pois esta possibilita isolar o que está sendo contraposto, qualquer que seja o nível em que a oposição se encontre. Neste caso, a análise sintática mostra que a antonímia que há no trecho citado se estabelece entre um constituinte de quinto nível da primeira oração e um constituinte de terceiro nível da segunda:

[A prefeita [não encontra [recursos [para [dar renda mínima a muitos]]]]]

[Há [vereadores [maximalizando a renda familiar para poucos]]]

Tratando cada um dos constituintes como uma unidade sintático-semântica, procede-se à classificação do par. A análise componencial do par indica ser a quantidade o sema que torna os termos opostos entre si.

Considerar uma quantidade comogrande ou pequena” requer um raciocínio comparativo, por isso, o uso de adjetivos como mínimo e máximo e de advérbios como muito e pouco pressupõe que algumas comparações foram feitas entre a quantidade referida e a quantidade que é considerada como média ou regular.

Haver um raciocínio comparativo subjacente ao uso de seus termos é a caracterítica fundamental da antonímia antonímica, que se subdivide, segundo Cruse, em polar, sobreponente ou equipolente, de acordo com as características da comparação.*[1]

Na coluna examinada, conclui Seide, o autor utiliza a antonímia antonímica equipolente dar renda mínima a muitos - maximalizando a renda familiar para poucos. Ao fazer isto, o autor justapõe a intenção da prefeita aos atos dos vereadores. Esta justaposição realça as diferenças por meio do contraste, dando mais visibilidade a seu argumento. Secundariamente, o par imprime ritmo ao discurso.

Considerando-se a palavra em nível de sistema, admitimos atribuir-lhe um significado de base, sem negar-lhe a existência de seus vários sentidos, lembrando, entretanto, serem eles sentidos virtuais, cuja atualização em um contexto dado se reduz a um único sentido imposto pela comunicação. Assim, cada palavra tem um sentido de base e apenas um sentido contextual, para que não ocorram ambigüidades e possíveis confusões que prejudicariam a compreensão e interpretação das mensagens.

O sentido de base e o sentido contextual de um vocábulo, embora possam identificar-se em certos tipos de textos, não se superpõem, pois um único sentido contextual para cada situação dada. Isto porque a cada atualização corresponde apenas uma imagem mental (conceitual), ou seja, um conceito ativado pela palavra presente no texto.

Aqui lembramos Greimas (1971:45) quando afirma que as estruturas da significação, conforme definidas por ele próprio, se manifestam na comunicação (percepção), uma vez que está no ato de comunicação, no evento-comunicação, o lugar em que o significado encontra o significante. Tal junção faz aparecerem as unidades mínimas do discurso. É, portanto, no discurso que as estruturas se apresentam em presença, selecionadas certas significações e excluídas outras, determinadas por categorias morfossemânticas (tempo, aspecto, modo) e pelo mundo onde se realizam os eventos-mensagem, um mundo relativamente estável, humano e “natural”, que rodeia o locutor.

Consideremos com Greimas (1971) que o lexema é o ponto de manifestação e de encontro de semas provenientes, a miúdo, de categorias e de sistemas sêmicos diferentes e que mantêm entre si relações hierárquicas (quer dizer hipotáticas) e que é igualmente um encontro histórico, pertencente, pois, à ordem do evento. Submetido ao curso da história, o lexema se enriquece ou se empobrece, respectivamente, pelo acréscimo de novos semas ou pela perda de um ou mais semas. Aceitamos, então, apresentar-se ele como uma unidade de comunicação relativamente estável, mas não imutável. Justifica-se assim a existência de uma semântica lexical e de uma semântica textual com sistemas de relações específicos, a serem detectadas em cada um dos níveis de análise na busca do sentido, quer das palavras, quer do texto como um todo orgânico. O texto-objeto, considerado como unidade de comunicação, remete a um semema, cujo feixe de semas é objeto de seleção perceptiva. Uma vez selecionado esse semema de acordo com a intenção de comunicação da mensagem, os semas dessa unidade (lexema), uma vez atualizados no discurso manifestado, ativam os elementos conjuntivos ou disjuntivos, para que possamos captá-los de imediato e de uma vez e atribuir um sentido ao texto (discurso). Este sentido se estabelece de acordo com um eixo de articulações sêmicas cujas relações (paradigmáticas e sintagmáticas) se estruturam hierarquicamente (hipotaxe) em função de um tema.

Não se observa contradição entre os pontos de vista adotados pelos diferentes autores, uma vez que a conceituação, a tipificação e a classificação do fenômeno da antonímia se aplicam aos diferentes níveis de análise, observando-se o estabelecimento de relações de sentido em cada um deles desde os menos até os mais complexos ( palavra, frase, texto), e revelando diferentes níveis de complexidade, sem que se tenha chegado ao estabelecimento de um código discursivo, tal a variedade de formas discursivas. Os pontos de vista, portanto, se complementam e, de certa forma, auxiliam nos procedimentos mais adequados para a atribuição de sentidos a palavras, enunciados ou discursos.

 

Referências Bibliográficas

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática portuguesa. 19ª ed. São Paulo: Nacional, 1973.

BIERWISCH, Manfred. Semântica. (Tradução de Jesus Antônio Durigan). In Novos Horizontes em Lingüística. São Paulo: Cultrix/Ed. Universidade de São Paulo, 1976.

LOPES, Edward. Fundamentos da Lingüística Contemporânea. 5ª ed. São Paulo: Cultrix, 1981.

MATZELTIN, Michael e CANDEIAS, Marcolino (colaborador). Semântica e Sintaxe do Português. Coimbra: Almedina,1982.

PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva. Curso Superior. 107ª ed. São Paulo: Nacional, 1957.

RIBEIRO, Julio. – Grammatica Portugueza. Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte: Francisco Alves, 1910.

ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 31ª ed. (retocada e enriquecida) – 1.ª reimpressão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.

SEIDE, Márcia Sipavicius. Características e Funções da Antonímia Textual. CDRom Estudos Lingüísticos XXI. GEL Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo, USP, 2002

SLAMA-CAZACU, Tatiana. Lenguaje y Contexto. El problema del lenguaje en la conceptión de la expresión y de la interpretatión por las organizaciones del contexto. Barcelona – Mexico, D. F.: Ediciones Grijalbo, 1970.


 

[1] Deixamos de incluir, no texto, a tipologia de Cruse adotada por Seide, devido à natureza e ao objetivo do presente trabalho. A aplicação da teoria pode ser encontrada na Dissertação de Mestrado da autora.