AS
FRASES
-
FEITAS
EM
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
UM
ESTUDO
LÉXICO-SEMÂNTICO
Tadeu Luciano
Siqueira Andrade (UNEB)
|
|
Manda-a de
volta
ao
fogão
a
seu
quintal
de
goiabas
a
dançar
marinheiro
a
seu
vestido
de
chita
a
suas
verdes
chinelas
a
seu
inocente
pensar
a
seu
riso
verdadeiro
a
sua
infância
perdida
a
seus
suspiros
no
leito
a
sua
ânsia
de
amar.
Por
que
a
queres
mudar!
Eis
o
cantar
de Gabriela
feita
de
cravo
e de
canela
|
(AMADO,
2001: 241)
A
língua
é
um
produto
da
ação
humana,
é a
condição
fundamental
para
os
três
aspectos
na
vida
social:
integração,
construção
da
história
e
reconhecimento
da
identidade
cultural de
um
povo.
Já
que
a
língua
é
produto
social,
não
podemos estudá-la a
partir
de uma
única
modalidade,
pois
é o
uso
que
a
torna
concreta
nas
suas
múltiplas
faces,
é a
unidade
dentro
da
diversidade.
Unidade,
por
fazer
parte
da
vida
social
de uma
comunidade
e
ser
reconhecida
como
oficial,
segundo
a
Constituição
Federal
de uma
nação;
diversidade,
por
ser
usada nas diversas
camadas
sociais,
nos
variados
espaços
geográficos
e nas
situações
histórico-político-culturais.
Considerando a
língua
como
um
conjunto
de
sistemas
articulados
entre
si,
analisamos
dois
sistemas
importantes
para
a
formação
lingüística
de
um
povo:
O
léxico
–
por
ser
amplo
e está
subordinado
ao
processo
de
evolução
e
fazer
parte
da
vida
da
língua
já
que,
a
cada
dia,
surgem
novas
palavras,
outras caem
em
desuso, umas surgem
com
novos
significados.
Isso
justifica a
dinâmica
da
língua.
O
semântico
–
por
estar
inserido no
léxico
e
ser
responsável
pelo
significado
das
palavras
a
partir
dos
aspectos
pragmáticos.
Não
podemos
estudar
a
língua,
partindo
apenas
das
palavras
que
compõem
seu
léxico,
nem
dos
processos
semânticos,
conforme
vemos
em
alguns
compêndios
gramaticais
polissemia,
homonímia,
sinonímia
etc.
Para
compreendermos a
evolução
e a
formação
de uma
língua,
devemos
considerar
as duas
forças
no
trabalho
da
linguagem:
A
herança
passiva
e
cômoda
do
passado,
uma
vez
que
temos
expressões
na
língua
que
ainda
conservam a
sua
estrutura,
por
exemplo,
as
frases
feitas
e os
provérbios,
e a
criação
ativa,
por
vezes,
revoltada do
presente.
Nesta, citamos as várias transformações e
adaptações
que
uma
determinada
expressão
sofre
em
uma
língua,
pois
o
passado
da
língua
só
tem
valor
quando
vivo
e aplicado ao
presente
(LAPA,
1970. p. 63).
É
importante
o
poder
criativo
da
língua.
A
cada
dia
surgem
novas
expressões
que,
a
partir
do
uso
coletivo,
tornam
recursos
léxico-semânticos de uma
determinada
comunidade
lingüística.
(ANDRADE, 2002)
Esses
recursos
são
as
frases
feitas
que
constituem uma
grande
parcela
no
uso
do
léxico
de uma
língua.
Que
são
frases
feitas?
Quem
as criou?
São
expressões
vivas
no
uso
da
língua.
São
vozes
do
povo,
fazem
parte
indispensável
da
sua
linguagem
diária.
Representam uma
sabedoria
acumulada
através
de
idades
e
gerações,
atuam na
formação
e
conservação
dos
modos
de
agir,
pensar
e
refletir
de
um
povo.
Cada
vez
mais,
as
frases
feitas
ainda
estão
longe
dos
dicionários,
dos
compêndios
gramaticais,
caminham
léguas
adiante
da
língua
padrão,
pois,
apesar
da
influência
e modernização dos
meios
de
comunicação,
mantêm-se
vivas
na
memória
lingüística
do
povo.
São
estruturas
petrificadas na
língua,
e
sua
propagação
deu-se
através
da participação
ativa
do
povo
que
a divulgou
por
intermédio
da
língua
oral.
O
estudo
das
frases
feitas
pode
ser
visto
a
partir
de
dois
ângulos:
o
lingüístico
e o
social.
No
aspecto
lingüístico:
as
frases
feitas
constituem
um
grupo
fraseológico
em
que
cujos
elementos
andam ligados
para
expressarem determinadas
idéias.
Os lexemas adquirem o
verdadeiro
significado
quando
analisados
em
grupo.
As
frases
feitas
formam
um
todo,
uma
idéia
e
não
podem
ser
decompostas
em
suas
partes.
(LAPA,
1970: 61)
Na
língua,
as
palavras
isoladas
não
levam
vida,
dependem umas das outras
em
grau
menor
ou
maior
de
dependência,
uma
vez
que
todos
os
elementos
do
grupo
concorrem
para
nos
darem uma
idéia
única.
(LAPA,
1970: 61)
É nas
frases
feitas
que
se imprime o
gênio
da
língua,
revela-se o
poder
criativo
da
linguagem
do
homem,
havendo a
presença
viva
da
semântica
e do
léxico
da
língua.
Imposto
pelo
uso
da
língua,
o
grupo
fraseológico constitui o
traço
importante
no
léxico
de
qualquer
língua,
uma
vez
que
a
fraseologia
atravessa
espaços
geográfico-sócio -
temporais,
resiste ao
processo
da
ciência
e da
tecnologia,
entra no
uso
da
língua,
tornando-se
discurso
repetido.
O
significado
das
frases
feitas
está, às
vezes,
oculto
e
nem
sempre
é perceptível à
primeira
vista.
Esse
processo
semântico
é chamado de criptossemia.
Muitas dessas
criptossemias se prendem a
fatos
históricos,
a
circunstâncias
sociais
do
velho
tempo
que
não
são
mais
conhecidos
da
geração
moderna
. (BUENO, 1965: 245)
As
frases
feitas
não
devem
constituir
textos.
Elas
estão no
nível
do
léxico
e do
sintagma.
PEREIRA
(1998), distribui-as
em
quatro
grupos
de
acordo
com
o
tipo
de
sintagma
a
que
correspondem:
Frases
feitas
com
valor
de
sintagma
nominal
Frases
feitas
com
valor
de
sintagma
verbal
Frases
feitas
com
valor
de
sintagma
adverbial
Frases
feitas
com
valor
de
interjeição.
(PEREIRA,
1998: 16-17)
No
aspecto
social,
as
frases
feitas
refletem a
mentalidade
de
um
povo,
suas
histórias,
seus
costumes,
crenças
e
estados
afetivos.
É
através
da
fraseologia
que
se afloram os
fatos
sociais,
o
aspecto
geográfico,
a
cultura
e a
história
dos
falantes
de
cada
comunidade,
a
exemplo
da
expressão
forasteiro
sem
raiz
na
terra,
usada
por
Jorge
Amado,
referindo-se às
pessoas
que
moravam
em
Ilhéus,
mas
não
se dedicaram à
cultura
do
cacau.
(AMADO,
2000: 188)
Uma das
formas
de
conhecimento
da
história
do
pensamento
social
no
correr
dos
séculos
está
presente
em
um
vasto
número
de
expressões,
muitas
vezes
caracterizadas
como
populares,
as
quais
seriam portadoras das
vivências
de uma
ou
mais
geração
que
funcionam
como
instrumentos
de
conduta
aptos
para
ser
aplicados no
cotidiano.
(BRAGANÇA Jr.: 1997: 240)
No
grupo
fraseológico, devemos
levar
em
conta
as
informações
de
cunho
histórico
-
social,
pois
tais
expressões
estão
presentes
na
vida
do
homem,
adaptando-se a várias
situações,
como
por
exemplo,
a
expressão
prometer
mundos
e
fundos.
Amado
a
usa
em
duas
situações
diferentes:
Religiosa
- prometendo
mundos
e
fundos
a
São
Jorge
em
trocas
de
chuvas
preciosas. (AMADO,
2000: 8) Esta
expressão
mostra
a
promessa
dos coronéis do
cacau,
suplicando a
São
Jorge uma boa
safra,
livrando a
lavoura
das
chuvas
em
abundância.
Política
– A
prometer
mundos
e
fundos,
grandes
reformas
em
Ilhéus
(...)(AMADO,
2000: 330).
Tal
expressão
retrata
as
promessas
dos
políticos
da
época
ao
povo
durante
o
período
eleitoral.
Para
a
análise
das
frases
feitas
e considerando
sua
importância
na
formação
lexical
de uma
língua,
no
nosso
caso,
a portuguesa, escolhemos o
romance
Gabriela
Cravo
e
Canela,
de Jorge
Amado.
Publicado
em
1958, Gabriela
Cravo
e
Canela
descreve
tão
bem
a
região
cacaueira
da Bahia
nos
idos
de 1925 e o
caso
amoroso
de Nacib e Gabriela.
Dois
eixos
norteadores mostram a
obra:
De
um
lado,
os
meandros
do
sistema
político
provinciano,
com
seus
avanços,
retrocessos
e
disputas;
De do
outro,
registra
costumes
e a
vida
amorosa
na
cidade
de
Ilhéus,
retratando
escândalos
e
crimes
passionais.
A
obra
de Jorge
Amado
apresenta a
preocupação
de
fixar
as
classes
subalternas
para,
através
delas,
analisar
toda
uma
sociedade.
Cada
vez
mais
estou
mais
perto
do
povo,
do
povo
mais
pobre,
do
povo
miserável,
explorado e
oprimido.
Cada
vez,
eu
procuro
mais
o
anti-herói...
os
vagabundos,as
prostitutas, os
bêbados.
(GOMES, 1981: 51)
Se as
frases
feitas
representam uma
parcela
de
contribuição
para
o
léxico
e a
semântica
da
língua,
encontrando
mais
substâncias
na
língua
do
povo,
a
obra
de Jorge
Amado
apresenta
um
vasto
campo
fraseológico,
por
a
sua
linguagem
representar
a
opressão,
a
miséria
e o
cotidiano
das
classes
subalternas das
ruas
e dos
becos
da
cidade
da Bahia (como
costumava referir-se à
cidade
do
Salvador),
das
roças
do
cacau,
dos
terreiros
de
candomblé,
do
cais,
dos
cabarés,
mostrando a
resistência
cultural de
um
povo
que,
apesar
da
influência
e modernização dos
meios
de
comunicação,
mantém
expressões
típicas dele.
Estudar
as
frases
feitas
em
Gabriela é adentrar-se
em
um
universo
lingüístico
diversificado da
região
cacaueira.
Essa
diversidade
dá-se
mediante
dois
fatores:
1. Variação
diastrática – as várias
camadas
sociais,
tais
como
os
jagunços,
os
trabalhadores
do
cacau,
as prostitutas,
engenheiros,
juízes,
advogados,
mascates,
caixeiros-viajantes
entre
outras.
Neste
cenário,
há uma
confluência
de várias estratificações
sociais,
resultando
em
uma
diversidade
lingüística,
a
partir
do
fator
sócio-cultural.
2. Variação
diatópica: marcada
pela
influência
do
fator
geográfico
na
constituição
lingüística
de
Ilhéus
na
década
de 20,
com
a
chegada
de
pessoas
de diversas
partes
do Brasil e do
mundo,
atraídas
pelo
cultivo
do
cacau,
como:
Ceará, Sergipe, Alagoas,
Recife,
Rio
de
Janeiro,
Bahia,
Síria,
Inglaterra, Líbano, Espanha
entre
outras.
Mostra
um
novo
panorama
lingüístico,
as
camadas
sociais
de
diversos
espaços
geográficos
fixaram-se
em
Ilhéus,
adquirindo o
falar
local,
transformando o
seu
dialeto
de
origem,
graças
à
perpétua
evolução
lingüística.
A
língua
é
um
organismo
que
se desenvolve e se transforma,
como
também
transforma a
cidade,
conforme
podemos
ver
no
romance:
Graças
a essa
gente
diversa,
Ilhéus
começara a
perder
seu
ar
de
acampamento
de
jagunços,
a
ser
cidade
(..)
Já
ilheense
por
fora
e
por
dentro.
(AMADO,
2000: 32)
Assim,
podemos
considerar
a
linguagem
de Gabriela
cravo
e
canela
como
um
dialeto
grapiúna.
Para
o
autor,
grapiúna é
aquele
que
se dedicou à
cultura
do
cacau.
Chegavam e
em
pouco
eram ilheenses dos
melhores,
verdadeiros grapiúnas plantando
roças,
instalando
lojas
e
armazéns,
rasgando
estradas,
matando
gente,
jogando
nos
cabarés,
bebendo
nos
bares,
construindo
povoados
de
rápido
crescimento,
rompendo a
selva
ameaçadora, ganhando e perdendo
dinheiro,
sentindo-se
tão
dali
como
os
mais
antigos
ilheenses, os
filhos
das
famílias
antes
do
aparecimento
do
cacau.
(AMADO,
2000: 32)
Respaldando-nos
na
visão
de Jorge
Amado,
podemos
dizer
que
a
língua
de
Ilhéus
passou
por
duas
fases
distintas na
sua
constituição:
A
língua
ilheense dos
tempos
da
capitania,
fundação
da
cidade,
com
as primeiras
famílias,
e a
língua
do
cacau,
ou
seja, grapiúna, surgida
durante
a
evolução
da
cultura
cacaueira,
com
a
confluência
dos
vários
povos
de
regiões
geográficas e
camadas
sociais
diferentes.
Analisando a
linguagem
de Jorge
Amado
e considerando a
relação
da
língua
com
o
contexto
sócio-histórico e a variação
lingüística
presente
em
Gabriela, a
partir
de duas
variantes,
a diatópica e a diastrática, dividimos as
frases
feitas,
também
chamadas
de
perífrases
léxicas, usadas no
romance
e na
fala
dos ilheenses na
década
de 20,
em
três
campos
semânticos:
O
homem
no
aspecto
sócio-político-cultural; o
homem
traído e a
mulher
da
vida,
uma
vez
que
o
contexto
sócio-político, o
proletariado,
os
crimes
passionais,
as prostitutas e o
sexo
sempre
estiveram inseridos na
obra
amadiana.
O
homem
no
aspecto
político-social
Naquela
época,
eram usadas as
seguintes
perífrases
léxicas:
1.
homem
de
meia
conversa:
homem
fraco,
sem
coragem.
(AMADO,
2000: 104)
2.
homem
de
rédea
curta:
homem
que
não
tem
muita
liberdade
da
mulher.
(AMADO,
2000: 124)
3.
homem
do
mato:
homem
humilde,
dedicado às
atividades
agrícolas.
(AMADO,
2000: 206)
4.
homem
de duas
palavras:
homem
que
não
assume
seus
compromissos.
(AMADO,
2000: 41)
5.
bunda-suja:
homem
sem
prestígio
político.
(AMADO,
2000: 174)
6.
vira
-
bosta:
homem
sem
liderança
na
política
ou
em
outros
aspectos
sociais.
(AMADO,
2000: 206)
7.
forasteiro
sem
raízes na
terra:
aquele
homem
que
se tornou ilheense
sem
participar
da
luta
pela
posse
de
terra
e
não
trabalhou na
cultura
do
cacau.
(AMADO,
2000: 188)
O
homem
traído
Nenhum
escritor
brasileiro,
em
suas
obras,
falou
tão
bem
sobre
o
sexo,
como
Jorge
Amado.
Em
Ilhéus,
na
época
dos coronéis do
cacau,
era
comum
o
zelo
pela
honra
do
homem.
Não
era
admitido o
adultério
por
parte
das
mulheres.
O
falso
moralismo
era
preservado. Os
crimes
passionais
eram
bem
retratados, a
exemplo
do
Coronel
Jesuíno Mendonça,
que
matou, a
tiros,
a
sua
esposa
Dona
Sinhazinha Guedes e o
amante
Osmundo Pimentel, defendendo o
lema
de
que
a
honra
do
homem
deve
ser
lavada
com
sangue.
Para
o
homem
traído,
popularmente
o
corno,
eram usadas as
seguintes
frases
feitas:
1.
confraria
de
São
Cornélio:
irmandade
de
cornos
(AMADO,
2000: 318)
2.
ornamentar
a
cabeça:
resulta
em
cabeça
enfeitada
ou
ornamentada. (AMADO,
2000: 318)
3.
boi
manso
-
análogo
ao
boi
de
carro,
isto
é, o
boi
capado
que
não
serve
para
reprodução,
usado
apenas
para
o
trabalho.
(AMADO,
2000: 323)
4.
coberto
de
chifres:
o
mesmo
que
enfeitado, correlato
com
cabeça
enfeitada. (AMADO,
2000: 314)
5.
capão
de
terreiro:
associado
ao
galo
do
terreiro
que
é
capado,
impossibilitado de
manter
relações
sexuais
com
as
galinhas.
(AMADO,
2000: 196)
6.
boi
de
carro:
o
mesmo
que
boi
manso.
(AMADO,
2000: 196)
7.
iluminar
a
testa:
correlato
com
ornamentar
a
cabeça.
(AMADO,
2000: 107)
8.
marido
conformado: o
homem
traído de
bom
gênio,
(corno
conformado,
passivo).
(AMADO,
2000: 65)
As
mulheres
da
vida
A
obra
amadiana é retratada pelas
classes
subalternas
que
fizeram a Bahia e o Brasil
universais.
Seus
personagens
se transformaram
em
personalidades
tão
características
que
fizeram a Bahia
múltipla,
a
exemplo
das
mulheres
como
Gabriela,
Dona
Flor,
Tereza
Batista.
Vale
enfatizar
também
os
homens,
como
Vadinho, Nacib, Tonico
Bastos,
Coronel
Ramiro, Horácio da
Silveira,
Juca Badaró
entre
tantos.
Como
Jorge
Amado
retrata
as
mulheres
da
vida,
tão
discriminadas na
sociedade
elitista,
machista
e
preconceituosa?
Elas
são
bem
retratadas
em
todos
os
seus
aspectos
na
cama,
na
cozinha,
na
sociedade.
No
que
se refere às
classes
subalternas, Jorge
Amado
descreve
muito
bem,
estando do
lado
de
dentro
dos
problemas
vividos
nas
casas
de puta,
durante
a
sua
juventude
na
cidade
da Bahia.
A
gente
pulava o
muro
todos
as
noites
e ia pras
casas
de putas, ia pras
festas,
para
a
rua
Carlos Gomes, pro
beco
Maria
Paz...
eu
fui amigado
com
uma
rapariga
chamada
Benedita e
então
toda
noite,
à
meia
–
noite,
pulava o
muro
ia
ficar
com
ela.
Amado,
na
sua
vida,
logo
cedo,
teve
contato
com
os
trabalhadores
do
cacau
e
com
as
mulheres
da
vida.
Eis
a
explicação
para
Jorge
enfatizar
tão
bem
as
mulheres
da
vida.
A
maneira
de
ver
o
mundo
e a
solidariedade
com
a
vida
foram as
mulheres
que
me
ensinaram. (AMADO,
1992)
Em
Gabriela:
cravo
e
canela,
encontramos
um
vasto
campo
de
expressões
e
palavras
usadas
com
referência
às
mulheres
da
vida.
Em
algumas
passagens
do
romance,
podemos
mostrar
uma
diferença
entre
elas,
por
exemplo,
as
mulheres
do Bataclan (famoso
cabaré
da
cidade,
administrado
por
Maria Machadão) eram tratadas
pelos
coronéis
ou
clientes
por
raparigas.
Nas
casas
de
mulheres
públicas, (situadas
nas
ruas
de
canto,
como
a
rua
do
Sapo)
eram tratadas
como
putas,
ou
mulheres
da
vida.
Na
pesquisa,
encontramos:
1. lexemas
- putas (AMADO,
2000: 183), quengas (AMADO,
2000: 120),
manceba
(AMADO,
2000: 105), negrinha (AMADO,
2000: 109), prostitutas (AMADO,
2000: 102),
sirigaitas
(AMADO,
2000: 52), caboclinhas (AMADO,
2000: 103),
filial
(AMADO,
2000: 103),
cabrochas
(AMADO,
2000: 103) etc.
Entre
esses
lexemas,
pela
análise
semântica
e a
partir
da
leitura
do
romance,
podemos
observar
uma
estirpe
entre
essas
mulheres:
Sirigaitas:
mulher
que
se aproveita do
homem
para
explorá-lo
para
ter
boa
vida.
Não
é dessas
sirigaitas
que
só
pensam
em
cinema
e
em
dança.
(AMADO,
2000: 52)
Filial:
a puta de “cama
e
mesa”.
A
chamada
rapariga
de
casa
montada do
Coronel
Coriolano,
Glória,
que
afrontava a
sociedade
com
seus
palpitosos
seios.
Na
sua
janela,
a exibi-los, ornamentando a
Praça
São
Sebastião.
Na
casa
onde
residia
Glória
–
nunca
deixara de
ter
o
coronel
de
ter
rapariga
de
mesa
e
cama.
Por
vezes,
ao
chegar
da
fazenda,
era
para
a
filial
que
se dirigia. (AMADO,
2000: 103)
Caboclinhas:
mulheres
humildes
que
ficavam nas
casas
das
rameiras,
ou
seja,
pobres.
Preferia (...) as caboclinhas
humildes
nas
casas
das
rameiras,
nos
povoados.
(AMADO,
2000: 14)
Cabrochas:
eram as
mulheres
no verdor da
idade.
Essas
cabrochas,
mulatinhas no verdor dos
anos
que
o tratavam
como
se
ele
fosse
um
rei.
(AMADO,
2000: 103)
As
mulheres
do Bataclan “faziam gatinhos”
ou
seja, transavam
com
os coronéis do
cacau
e
exportadores
enquanto
que
as
mulheres
das
casas
das
rameiras,
ou
de
rua
de
canto
atendiam aos
trabalhadores
das
roças
de
cacau,
jagunços,
caixeiros
-
viajantes
entre
outros.
Neste
contexto,
percebemos uma
diferença
causada
pela
situação
sócio-econômica e a
relação
de
poder
entre
dominantes
e dominados:
Bataclan
- coronéis x
casas
de putas:
classes
subalternas.
Essa
diferença,
conseqüentemente,
propicia
também
uma variação léxico-semântica no
que
se refere às
mulheres,
conforme
já
descrevemos,
como
também
as
denominações
para
as
casas,
tais
como,
casas
de
mulheres
públicas,
casas
de
rameiras,
casas
de
rua
de
canto,
casas
de putas.
Além
dos lexemas analisados, encontramos
juntas
a
eles
ou
formadas a
partir
deles, algumas
perífrases
léxicas metaforizando as
mulheres,
conforme
nos
mostram as
passagens
abaixo:
1.
Mulheres
públicas (AMADO,
2000: 91) - eram as
mulheres
que
ficavam nas
casas
de
prostituição,
eram
como
propriedades
dos
freqüentadores.
2.
Rameira
da
mais
extração:
era
a
mulher
mais
vulgar
entre
as
rameiras.
No
romance
ela
se apresenta
como
se fosse uma
calçadeira
(SARAIVA,
1988: 43), aquela
mulher
que
sai
altas
horas
da
madrugadas
para
procurar
homens.
Podemos
comprovar
tal
analogia
com
a
seguinte
passagem:
fora
visto
tarde
da
noite
por
uma
rameira
da
mais
baixa
extração.
Ela
vinha
do Bate-Fundo.
3.
Mulheres
da
vida
(AMADO,
2000: 8): eram as prostitutas.
Como
fazer
vida
é
manter
relações
sexuais
por
dinheiro,
talvez
seja essa a
explicação
para
mulheres
da
vida.
É
comum
encontrarmos
também
a
perífrase
mulher
de
vida
fácil,
não
citada na
obra
analisada.
3.
Mulher
de má
vida
(AMADO,
2000: 297): a
mesma
carga
semântica
para
as
mulheres
da
vida,
embora
mais
preconceituosa
do
que
as
demais.
Outras
expressões
correlatas
com
as
anteriores:
mulher
dama
(AMADO,
2000: 362) e
mulher
do
cabaré
(AMADO,
2000: 71). Esta
era
usada
quando
os coronéis faziam
referência
às
mulheres
que
ficavam
apenas
no Bataclan, a
exemplo
de Risoleta,
Zarolha,
Mara
entre
outras.
Um
dado
importante
neste
estudo
é
que
essas
perífrases
pejorativas e marginalizadoras, aos
poucos,
vão
caindo
em
desuso
pelos
grapiúnas.
Isso
nos
leva
a
acreditar
em
duas
hipóteses:
A
chegada
do
progresso
a
Ilhéus,
desaparecendo, aos
poucos,
os
hábitos
e os
preconceitos
feudais
ali
implantados
em
meio
aos
disparos
dos
revólveres
e às
ordens
dos coronéis, e a
figura
de Gabriela, rompendo os
padrões
hipócritas
da
sociedade,
representando a
liberdade,
como
nos
diz
Amado:
Com
Gabriela, se inicia a
libertação
da
mulher
na
zona
do
cacau.
É
impressionante
o
poder
criativo
da
língua.
A
cada
dia,
o
repertório
lingüístico
de uma
comunidade
modifica-se
com
o
surgimento
de
novas
palavras,
o
desaparecimento
de outras
ou
com
o ressurgimento de algumas
em
novas
acepções.
Na
dinâmica
da
língua,
estão as
frases
feitas
que
se perpetuaram no
léxico
dos
usuários,
deixando aflorarem os
aspectos
geopolíticos,
culturais e
históricos
das diversas
camadas
da
população.
Neste
contexto,
inserimos a
obra
de Jorge
Amado
Gabriela
cravo
e
canela
que,
vazada numa
pluralidade
lingüística,
retrata
a
região
grapiúna,
sua
cultura,
política
e
sua
gente,
parte
de uma Bahia
plural.
Jorge
Amado
levou a
cultura
lingüística
da
região
cacaueira,
melhor
dizendo, grapiúna,
para
fora
dos
limites
da Bahia e do Brasil, facilitando a
sua
compreensão
nas diversas
partes
do
mundo.
A
mesma
globalização
que
nos
traz muitas
coisas
de
fora,
deve e pode
expandir
as várias
culturas
das
classes
subalternas, integrando os
universos
vocabular e cultural da Bahia às várias
partes
do
mundo.
Vivemos numa
sociedade
que
estigmatiza o
falar
do
povo.
Os
preconceituosos
se esquecem de
que
a
língua
portuguesa,
como
todas as outras, foram formadas a
partir
do
uso
do
povo.
É
este
linguajar
popular
e
original
que
possibilitará ao
estudioso
do
futuro
a
essência
da
memória
do
povo.
Assim
nos
fez Jorge
Amado:
descreveu
tão
bem
o
falar
das
classes
populares,
seus
personagens
transformam-se
em
cidadãos
de
carne
e
osso,
brotam
tão
vivos
e
carismáticos
das
páginas
dos
livros
que
até
nos
parecem
reais
(ALTMAN, 2001: 92).
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Cândida.
Viva
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––––––.
Gabriela,
cravo
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canela:
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Folclore.
Belo
Horizonte,
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Discurso
repetido
são
as
frases
feitas
na
visão
de Coseriu. Cf.
PEREIRA,
1998: 13)
À
meia-noite,
pulava o
muro.
AMADO,
2000: 21.
AMADO,
Jorge.
Texto
escrito
especialmente
para
o
Calendário
Pirelli. 1971. A Bahia de Jorge
Amado.
Apud
NICOLA, José de.
Língua,
Literatura
e
Redação.
São
Paulo: Scipione.8ª ed. 1998