EXPANSÃO LEXICAL
NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO

Karina Chysóstomo de S. Nascimento
Cristina Brito

Num sentido geral do termo, argumentar é apresentar argumentos para a sustentação de uma tese. É portanto uma atividade lingüística fundamental, já que o homem é um ser social, ou seja, vive em constante interação com o ambiente que o cerca.

Tal definição justifica a importância do ensino da dissertação argumentativa, pois o aluno deve ser capaz de utilizar argumentos coerentes e persuasivos a fim de defender seu próprio ponto de vista.

Capacitar o discente a argumentar de forma coerente promoverá o desenvolvimento de outras habilidades como: criatividade, perspicácia, originalidade, espírito crítico, sensibilidade, flexibilidade e outras.

A preocupação com o ensino da dissertação argumentativa e os anos de docência em instituições públicas foram os motivadores desse trabalho que objetiva caracterizar o grau de leitura e assimilação de informação por parte do corpo discente num mundo pleno e livre de acesso às mesmas.

Aqui, a língua é entendida como uma atividade histórica e sócio-cultural, construída em função de um jogo entre interlocutores num contexto pré-determinado.

O corpus do trabalho é composto de 131 redações pertencentes ao modo de organização argumentativo do discurso, coletadas em instituições públicas de ensino. O tema desenvolvido nas redações foi: A Violência no século XXI. Foram selecionados alunos de 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental, por pertencerem à etapa final do primeiro ciclo de instrução formal, e da 2ª série do Ensino Médio, por se caracterizar como um período em que o alunado deveria estar apresentando uma sedimentação dos conteúdos adquiridos ao longo da vida escolar. A escolha de tais fases deve-se ao fato de se considerar a passagem do Ensino Fundamental para o Médio como um processo de transformação na vida do estudante, etapa que pode ser entendida como intermediária para o 3º grau, que é hoje o grande desafio da sociedade.

Segundo Perini (2001), o léxico é formado pela lista de palavras de uma língua. Logo, aprender uma língua não significa tão somente decorar suas regras particulares, mas também memorizar o seu léxico.

Por outro lado, é notório que quanto mais adequado e preciso for o nosso vocabulário, mais chance ter-se-á de assimilar conceitos, além de desenvolver uma maior reflexão sobre ele.

Esta é uma verdade também constatada em pesquisas, segundo Othon Moacir Garcia (1969) “pensamento e expressão são interdependentes, ou seja, a clareza das idéias relaciona-se com a precisão das expressões que as traduzem.” Deste modo, é importante destacar que a restrição vocabular diminui o poder criador, com isso limitando as percepções do indivíduo a respeito do mundo.

Tal se confirma no universo de redações pesquisadas. No total de 131 redações, apenas 32 sobressaem-se dentro do corpus, no que se refere ao vocabulário.

Destacaram-se as redações que apresentaram um vocabulário acima da expectativa do padrão lingüístico desse grupo, como por exemplo o uso das seguintes palavras: homicídio, refugiar, vandalismo, hipocrisia - Ensino Fundamental; balística, primata, atrocidade, primórdios, ego - Ensino Médio. Tais palavras foram empregadas adequadamente em relação a sua ortografia e ao seu contexto.

Foram encontradas, nas 32 redações, 47 palavras consideradas acima do padrão do grupo. Desse percentual apenas 15 vocábulos em 10 redações foram coletados em textos do Ensino Médio. Enquanto no Ensino Fundamental, em 22 redações, 32 palavras mereceram destaque.

Do total de redações, apenas 42% apresentou um vocabulário acima da expectativa do grupo, sendo que 13% pertencem ao Ensino Médio e 29% ao Ensino Fundamental, o que demonstra que no Ensino Médio ocorre uma estagnação do vocabulário adquirido, rompendo com as expectativas iniciais da pesquisa.

Tal fato reflete-se também na leitura, pois em um mundo repleto de fácil acesso à informação, o alunado continua não conseguindo selecionar e aprender o que lhe é oferecido, mantendo-se numa postura não crítica em relação aos conhecimentos recebidos.

Observa-se que o aluno não lê o mundo através de seus próprios olhos; sua leitura é mediatizada pelos meios de comunicação. Daí, a dificuldade na formação de um leitor / escritor crítico.

Constatou-se no grupo pesquisado que o alunado não questiona o que lhe é apresentado através dos veículos midiáticos, não realizando, portanto, o que Maria Helena Martins (1994) classifica como leitura racional:

...estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe no ato de ler, atribuir significado ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o universo das relações sociais.

Considerando a definição acima, esse tipo de leitura é importante para o desenvolvimento do aluno crítico, pois permite o aumento de suas expectativas de compreensão do texto e da própria realidade social em que vive.

Visando à ampliação do estudo, considerou-se também como objeto de análise a estrutura argumentativa das redações.

Recorreu-se, assim, ao conceito de dispositivo argumentativo de Charaudeau (1992), adaptado por Oliveira (1996).

Os constituintes da superestrutura argumentativa são: proposta, tese e argumentos.

A proposta é uma asserção sobre o mundo cuja veracidade possa ser colocada em dúvida, ou seja, que provoque polêmica. Sua existência é condição essencial para a tomada de posição (neutra, a favor ou contra) do sujeito argumentador. Ela não se apresenta, essencialmente, como uma sentença expressa no texto. Por isso, pode ser também definida como tema.

A tese é o resultado da posição adotada pelo argumentador diante da proposta. É a asserção para a qual se orienta argumentativamente todo o texto.

A partir da tese, o sujeito desenvolve seu discurso, delimitando argumentos que objetivam fundamentá-la. Os argumentos são constituintes obrigatórios do modo de organização argumentativo do discurso, já que são elementos vitais à persuasão.

Como todo texto pressupõe um arremate final, a conclusão foi inserida, nesse trabalho, como um elemento discursivo.

Nas redações analisadas, observou-se que a tese é apresentada no início do discurso. Tal procedimento deve-se ao modelo adotado no ensino que determina que o texto argumentativo deve ser organizado em tese, argumentos e conclusão.

Em todos os textos, destacou-se a mesma tese: a violência aumentou no século XXI. Considerando a situação caótica em que se encontra o Rio de Janeiro, é natural que os alunos, enquanto cidadãos dessa sociedade violenta, tenham em comum a mesma tese. Retratando-se, através da linguagem, o caos urbano a que estamos submetidos: um universo de pânico e violência. Após a tese, os alunos iniciam sua argumentação.

Aristóteles, Arte Retórica, pondera que a indução é a forma mais clara de persuadir, pois o argumentador apresenta um caso particular para em seguida generalizá-lo.

Destaca-se, nas redações dos alunos, o uso do raciocínio indutivo para fundamentar a argumentação. Após a tese, observa-se, em 54% das redações, a apresentação de um caso relacionado ao tema do texto. Esses casos são exemplos de violência sofrida por familiares e amigos ou fatos veiculados pela mídia (assassinato da estudante no metrô da Tijuca e de uma universitária na Estácio de Sá). O alto índice desse tipo de argumento deve-se ao fato de ele representar uma argumentação concreta, presente no cotidiano dos estudantes.

É importante ressaltar que 32 % dessas redações pertencem a alunos na faixa etária de 12 a 15 anos , 13 % a alunos entre 16 e 20 anos, 7 % entre 21 e 30 anos e 2 % na faixa de 31 a 40 anos.

Nos 42 % dos textos restantes, observou-se o uso freqüente da argumentação pela causa. São levantadas as causas da violência: desemprego, educação, miséria, drogas, segurança, aumento populacional, a má administração pública e suas conseqüências na rotina da cidade: assalto, seqüestro, tráfico de drogas. Tanto o argumento pela causa como pelo exemplo apareceu com maior freqüência nas turmas de 8ª série.

Segundo Charaudeau (1992), a comparação é utilizada para reforçar a prova de uma conclusão, produzindo um efeito pedagógico. No corpus apenas 4 % das redações utilizam o argumento de comparação. Esse tipo de argumento aproxima o discurso do raciocínio matemático, lógico, pois pertence ao universo da demonstração.

Após a apresentação dos argumentos, os alunos caminham para a conclusão do texto. Em relação a esse aspecto, destaca-se em 52 % dos textos, a presença de conclusão, embora estereotipadas, o que contraria a expectativa consagrada de que os alunos, em geral, não concluem seus textos.

Desse total, 28 % das conclusões apelam para a Paz como solução para o problema da violência; 11 % podem ser classificadas como reproduções de slogans publicitários, como “Diga não à violência”, o que revela a influência da mídia como elemento formador de opinião pública. O discurso do discente reproduz o discurso midiático.

Em 6 % a fé em Deus é apresentada como único recurso para a resolução do problema da violência. Se o governo não consegue resolver a situação, Deus é a única autoridade capaz de fazê-lo. Aqui, observa-se a reprodução do discurso religioso que se prolifera principalmente nas zonas carentes da cidade. Esse tipo de conclusão é mais freqüente no Ensino Médio, na faixa etária de 21 a 30 anos; enquanto a pergunta retórica aparece em 7 % das conclusões, entre 12 e 15 anos.

Confirma-se, assim, a ausência de espírito crítico, uma vez que as conclusões formuladas são repetições de slogans, jingles ou citações bíblicas que demonstram que o próprio aluno não reconhece em momento algum que o problema é gerado pelo próprio homem.

A falta de reflexão crítica sobre os conteúdos veiculados no mundo comprova a ausência de percepção do indivíduo enquanto cidadão, porque além de não propor solução para o problema, ele se exime de sua parcela social, entendendo apenas o Estado como o produtor desse caos.

A última avaliação do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) demonstrou que no estado do Rio de Janeiro 6,7% dos estudantes do Ensino Médio estão no estágio adequado de aprendizagem da língua.

O PISA (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes) constatou que maioria dos estudantes de 15 anos no Brasil tem uma capacidade limitada de compreensão que vai pouco além das informações primárias de um texto. Ressalte-se que boa parte deles não alcança nem mesmo esse nível de leitura.

A dificuldade na compreensão dos textos estende-se ao enunciados das questões, pois muitos chegam a deixar a questão de lado por não entenderem o vocabulário empregado.

Diante dos problemas encontrados no corpus e da preocupação da pesquisa com a prática pedagógica tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, sugere-se que o trabalho com as habilidades de leitura (vocabulário / análise crítica) e escrita (redação) seja desenvolvido em sala de aula, a partir da leitura de textos escolhidos pelos alunos, objetivando desenvolver o gosto e o interesse pelo livro. Durante o processo de leitura, seria interessante que o aluno elaborasse um glossário com as palavras desconhecidas.

Após a leitura individual, torna-se importante a apresentação do texto para a turma com o objetivo de desenvolver a expressão oral. O vocabulário novo adquirido na leitura deveria ser empregado total ou parcialmente na construção de seu texto oral e escrito. Também seriam trabalhadas a argumentação oral dos alunos e sua capacidade crítica.

O resumo escrito seria um recurso de ampliação vocabular e de desenvolvimento da escrita. Buscando diversificar o estudo do vocabulário, as palavras desconhecidas deveriam ser eliminadas dos resumos dos textos, os quais seriam trocados entre os alunos para o preenchimento das lacunas.

Objetiva-se, através desse trabalho, o desenvolvimento das potencialidades dos alunos, visando à formação de um cidadão pleno com capacidade de refletir sobre a realidade em que vive e reconstruir, através de um vocabulário variado, o universo que o cerca.

BIBLIOGRAFIA

ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética.Rio de Janeiro: Ediouro,[s.d.]

CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l´expression. Paris: Hachette, 1992.

GARCIA, Othon, M. Comunicação em Prosa Moderna. Rio de Janeiro: FGV, 1969.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

OLIVEIRA, Helênio Fonseca de. “Os conectores da disjunção” In: Koch, Ingedore G. Villaça & Braga, Maria Luiza (org.) Cadernos de estudos lingüísticos nº 28. Campinas: Unicamp,1995

PERINI, Mário A Gramática Descritiva do Português. São Paulo: Ática, 2001.