Os nomes próprios: seus mitos e ritos

Maria Lucia Mexias-Simon (USS)

“Enquanto vivos, não podemos escapar das máscaras e dos nomes. Somos inseparáveis de nossa ficção - nossos traços. Estamos condenados a inventar uma máscara para, mais tarde, descobrir que a máscara é nossa verdadeira face.

(PAZ, Octavio, Poster. Na exposição Máscaras mexicanas: Espaço Cultural dos Correios, 1999.)

Os nomes fazem parte integrante do que se apresenta ao outro. Fazem parte, portanto, da máscara. Aderem a seus portadores, confundindo-se nomes e nomeados, fato nem sempre levado em conta na ato de escolha dos nomes, ao menos em nossa cultura. Procura-se uma suposta eufonia, uma homenagem nem sempre devida e da qual, às vezes, o nomeador se arrepende. Normalmente, carrega-se o nome pela vida inteira, restando o recurso a alcunhas, hipocorísticos, na tentativa de suavizar um nome não agradável.

Verbalizar o mundo é expressar os interesses e necessidades de cada grupo lingüístico, não sendo, pois, a verbalização, reflexo de uma realidade externa que lhe preexista, mas fator de sua constituição e montagem. Cada cultura espelha, de maneira específica, e até deformante, a realidade que a envolve. Cada comunidade cria a sua linguagem que, por sua vez, traça padrões de comportamento para essa comunidade. Ninguém tem a liberdade para descrever o meio circundante com imparcialidade, mas é constrangido a certos modos de interpretação, ditados pelas possibilidades lingüísticas, mesmo quando se sente absolutamente livre. As palavras não são, portanto, independentes de seu contexto, embora não estejam, também, a eles limitadas. Aqui chegamos à questão do significado. Tem-se, entre outras discussões, significado de uma palavra como a referência dessa palavra a coisas ou estados de coisas. Quando empregamos a palavra mesa, estamos nos referindo a uma determinada peça de mobiliário, que vem de imediato à mente do ouvinte da mesma comunidade lingüística o qual poderá nos dar uma definição de mesa.

Com os nomes próprios não há, necessariamente, tal associação. Ao emitirmos o som Ricardo, poderemos desse som vocal, cobrar uma definição? A distinção reside em que não existe Ricardo, como abstração, e sim aqueles Ricardos que conhecemos. Saber que há uma etimologia para tal nome e que essa etimologia parte de nomes comuns, atribuídos, originalmente, com motivação, não resolve o problema, sincronicamente. Nesse sentido, os nomes próprios não seriam exatamente, palavras, embora se refiram a seres e os nomeiem, com exatidão até maior que os nomes comuns.

A distinção reside no fato de que as referências só se podem extrair de situações específicas. Os nomes próprios antes indicam, apontam para certa pessoa, por necessidade de apelo, de descrição, ou como circunscrição à determinada comunidade, ou, ainda, assenhoramento, real ou imaginário de um indivíduo por outro ou outros. Ao entrarmos em contato com uma nova pessoa, a imagem que dela compomos se poderá revelar distorcida, se o nome que lhe foi aplicado nos recorde a sua condição de membro participante de grupo étnico ou ideológico, sujeito a restrições preconceituosas.

O nome é tomado como metáfora da própria pessoa. Apor o nome em um documento é concordar com seu teor. O uso dos nomes em fórmulas de maldição e de encantamento é universal. Os nomes são instrumentos de controle do mundo; portanto, mantêm sua magia, principalmente quando evocam seres humanos.

Nenhum desses valores dos nomes próprios se perdeu, na caminhada até os nossos dias. Nessa caminhada, nomes cristalizaram-se, aderiram para sempre a seus portadores, reais ou imaginários. Tornaram-se indicadores de determinadas qualidades, migraram para nomes comuns, havendo, também, o caminho inverso. Modismos levam à adoção, como prenomes, de nomes sabidamente comuns, até com sacrifício da eufonia. (Jade, River, etc).

Na intenção de levantar, ao menos parcialmente, os motivos que levaram Umberto Eco e outros autores a quedarem-se intrigados diante dos nomes brasileiros, traçamos a presente pesquisa. Nessa pesquisa, procuramos conhecer, junto aos responsáveis pela escolha do nome, possíveis determinantes atuais para essa ou aquela opção. Para isso, evidentemente, deveríamos trabalhar com jovens portadores de nomes e, também, jovens responsáveis pela opção. Foi feito levantamento em escolas públicas da região dos municípios de Vassouras e de Miguel Pereira. Foram escolhidos os alunos de 1º grau, para se ter uma amostra da tendência, do gosto e da moda mais recentes. Contou-se com colaboração de alunas do Curso de Letras da Universidade Severino Sombra, na cadeira de Filologia Românica.

Não fixamos, aprioristicamente, qualquer método. Seria forçar o assunto a esquemas analíticos que, eventualmente, não lhe serviriam. Daí deixarmos, kantianamente, ser o objeto a escolher seu método, cabendo-nos a tarefa de enquadrar no universo da teoria as diferentes orientações.

Procuraram-se traçar possíveis modismos, variações do gosto e influências outras num, talvez, excesso de criatividade. Como se pode observar, essa excessiva criatividade por vezes conduz ao prejuízo da eufonia e até a situações constrangedoras aos portadores de certos nomes.

Tomaram-se alunos de escola pública para se ter maior diversificação na renda familiar e no grau de escolaridade dos pais. Em escola particular, ficaríamos limitados, apenas, às famílias de renda mais elevada e, possivelmente, a grau de escolaridade mais alto, sem se ter uma visão mais abrangente da sociedade local. Distribuíram-se questionários, solicitando o nome, informações de renda e de escolaridade e o motivo que levou à escolha do nome.

O corpus levantado é uma amostragem de 177 antropônimos; não necessariamente 177 pessoas, pois há casos de nomes duplos, embora não muitos; ao contrário do que se esperava, há uma demonstração de que os nomes duplos saíram de moda, ou os informantes evitaram declará-los, talvez por combinações, por eles mesmos, reconhecidas insólitas.

Embora o corpus não seja muito extenso, acredita-se numa amostragem significativa.

Consideraram-se apenas os nomes de batismo. Inicialmente, separaram-se os informantes segundo a renda familiar; acredita-se pertencerem os casos de renda não-declarada à chamada economia informal, o que não os levou à exclusão. A seguir, numa outra divisão, classificaram-se o pai e, a seguir, a mãe, por seu grau de escolaridade. Paralelamente, constatou-se o que já se sabia: as mulheres, ao menos na região considerada, apresentam escolaridade significativamente mais alta.

Consideraram-se nomes tradicionais a seqüência de fonemas reconhecida facilmente como um nome de pessoa. Para isso, contamos com a colaboração das próprias agentes coletoras, que identificavam os nomes como constantes em sua memória, como tal. Em contraparte, criativos seriam os nomes totalmente insólitos, isto é, com as observações: não conhecemos nenhum outro igual, soa estranho, etc.

Consideraram-se como estrangeiros os nomes que se afastam do sistema fonológico e/ou gráfico da Língua Portuguesa, ou que possuem correspondente identificável em português (por exemplo, Pablo, que poderia ser traduzido por Paulo). Como já se disse, sabemos ser a noção de estrangeirismo uma questão de mais cedo ou mais tarde, de maior ou menor adaptação ao sistema.. Podemos citar, como exemplo, o germânico Roberto como nome nacional, porém ter como anglicismo a sua forma Robert.

Consideraram-se recebidos pela mídia aqueles nomes prontamente associados a artistas e esportistas famosos, personagens de novelas (John Lennon, Rondinelli, Caíque etc).

Tomaram-se como personalizados os casos de sílabas reunidas a esmo, confessadamente, pelos autores das denominações, por vários motivos: desejo de não haver outro igual, aglutinação de outros nomes, e, até mesmo, “por querer tudo, menos júnior”.

Retomados em homenagem são os nomes repetidos de pessoas do real conhecimento do responsável. Aqui, observa-se não serem apenas os antepassados os homenageados, mas também pessoas que foram, em alguma conjuntura, simpáticos aos pais, como médicos, colegas de trabalho, etc. De qualquer forma, permanece um vago desejo de imortalizar a pessoa reverenciada, ou de que se lhe repitam as características.

Como nomes de inspiração místico-religiosa, tomaram-se aqueles que se dizem devoção a um santo, tirado da Bíblia, por ordem da entidade-guia, recebido em sonhos, pela numerologia etc.

Os gráficos referentes propriamente aos nomes estão apresentados em percentuais sobre o total nessa faixa etária ou salarial. Os números de pais e mães não coincidem pela sabida ausência da figura paterna, em várias situações. Os casos de nomes escolhido pelo significado não foram computados por serem mencionados apenas em Larissa (cheia de alegria) e Thales (felicidade). No dizer de suas mães, esses dados foram extraídos de publicações populares. Foge ao nossos objetivo conferir a sua fidedignidade. Consideraram-se estrangeiros e extraídos da mídia os casos de Diônata e Poanca, respectivamente declarados como retirados do seriado Dallas e do nome de um cantor de sucesso nos anos 60 (Jonathan e Paul Anka, queremos crer). Extraído de obras literárias, relatou-se-se apenas o caso de Pollyana. Quando se trata do motivo que levou à escolha do nome, não se fecha o percentual, pois, em grande número dos casos, atendeu-se apenas à eufonia: “porque é bonito, porque sempre gostei, soa bem” etc.

Os dados recolhidos nos trazem várias informações:

quanto mais alta a escolaridade, sobretudo do pai, maior o conservadorismo, isto é maior a adesão a nomes facilmente reconhecíveis como tais; nessa faixa, não é muito forte a criatividade;

a presença da religião é mais forte na maior escolaridade, contrariamente à expectativa de alguns;

retomar nomes de amigos e/ou parentes é mais comum na classe menos favorecida (necessidade de apadrinhamento?);

a mídia influencia menos as pessoas melhor situadas, sobretudo os homens;

da mesma forma, as classes melhor situadas prendem-se mais à eufonia dos nomes que a razões próprias, sejam quais forem, isto é escolhem nomes por sua sonoridade agradável desprezando, em grande parte, qualquer outra motivação.

O desejo de ser diferente assim como a valorização do que é, ou parece ser, de fora são apontados como características do brasileiro, aqui representadas pelos seus tão originais nomes de pessoa. Os resultados obtidos, serão apresentados mais pormenorizadamente, em obra a ser lançada, conjuntamente com a Professora Aileda de Mattos Oliveira.

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