Um estudo sobre o vocabulário das revistas destinadas a adolescentes

Simone Nejaim Ribeiro (UERJ e UNESA)

 

INTRODUÇÃO

Tendo em vista que a adolescência é uma fase na qual ocorrem mudanças no corpo e na mente, é normal que estas condições físicas e mentais se reflitam na linguagem.

O vocabulário do adolescente ocupa um lugar expressivo na língua portuguesa e, considerando que essa é uma fase complexa e de duração prolongada, é importante analisar a influência que seu vocabulário exerce na sociedade, pois seus termos, além de fazerem parte do linguajar cotidiano, podem interferir na comunicação,

O ponto que será desenvolvido focaliza os neologismos presentes no léxico deste grupo, o que se associa a aspectos semânticos, discursivos, gramaticais e estilísticos da língua portuguesa. Para isso, foi utilizado como corpus adequado para o levantamento lexicográfico desse registro os textos escritos publicados na imprensa, que se destinam a esse tipo de público especial.

Quanto a esse corpus, é importante ressaltar que se trata de uma manifestação lingüística produzida para o jovem e não do jovem. Isto porque o propósito é estudar um registro que caracterize uma espécie de abonação documentada, uma institucionalização por escrito, o que não seria possível com a língua oral.

Não intenção de incluir nesse levantamento a discriminação pormenorizada dos aspectos social e regional dessa faixa etária, que será trabalhada a linguagem voltada para o jovem, focalizado, neste estudo, com um perfil intencionalmente amplo.

Cabe aqui uma comparação entre este estudo e o de Mônica Rector, em A Linguagem da Juventude, onde ela trabalha com a língua falada, numa abordagem diatópica e diastrática.

 

METODOLOGIA UTILIZADA

O levantamento dos termos utilizados pelos adolescentes foi feito com base nas principais publicações voltadas para esse público. Foram selecionadas as seguintes revistas: Capricho, Todateen, Querida, Atrevida, Meu Amor, Fluir, Revista da MTV e Revista da Jovem Pan, consultadas a partir de julho de 2001 até novembro de 2002, como reprodutoras da linguagem utilizada pelos adolescentes.

O estabelecimento do corpus se deu pela coleta das fontes mencionadas, segundo critérios de seleção lexical (neologismos lexicais e semânticos) que se baseiam no confronto com os Dicionários Houaiss e Aurélio XXI e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Quanto ao último, é preciso acrescentar que será observada apenas a existência do verbete; neste caso, veremos apenas se a inovação ocorreu na forma (neologismo lexical).

 

NEOLOGIA E NEOLOGISMOS

Sabemos que o léxico é a parte viva de uma língua. Ele está em constante movimento. Palavras novas surgem, outras adquirem significados novos, enquanto outras deixam de ser usadas e, com isso, são esquecidas pelo falante.

O léxico de uma língua não é homogêneo. Isto porque usamos palavras típicas da língua falada, palavras típicas da língua escrita, palavras técnicas, palavras antigas e palavras novas. Quanto a estas últimas, os chamados neologismos, são o reflexo de como a língua acompanha as inovações da nossa sociedade.

Segundo Ieda Maria Alves, chama-se neologia o processo de criação lexical cujo produto é o neologismo. A palavra nova pode ser formada através de mecanismos da própria língua, por empréstimo ou por processos autóctones.

Nos neologismos encontramos o verdadeiro retrato da sociedade de uma determinada época. Neles estão presentes novidades no que diz respeito à economia, à política, aos esportes, à arte, à tecnologia, à faixa etária.

Com relação à faixa etária, é importante estudar o caso dos adolescentes. Para eles, a criação de palavras novas ou de significados novos para palavras antigas reforça o desejo de auto-afirmação e de não se fazer entender pelos que não pertencem ao seu grupo.

Assim, o neologismo empregado em texto destinado ao adolescente faz com que, num primeiro momento, a mensagem pareça comprometida com sua linguagem, explicitando uma cumplicidade entre o texto e o leitor. Depois que ele é assimilado e compreendido, deixa de atrapalhar a comunicação, enriquecendo o vocabulário da nossa língua.

 

Neologismos presentes no léxico
voltado
para o adolescente: uma amostragem

A seguir faremos um breve levantamento do léxico voltado para o adolescente, colhido das revistas mencionadas. Com base nos critérios adotados por Ieda Maria Alves, em Neologismo, criação lexical e por Nelly Carvalho, em O que é neologismo?, foi adotada uma divisão que nos pareceu mais adequada ao corpus coletado. Serão chamados neologismos semânticos os verbetes dicionarizados com acepção não dicionarizada (nos casos em que um substantivo passa, na linguagem do adolescente, a ser usado como adjetivo ou advérbio, não há neologia semântica porque todas essas classes são nomes). Neologismos lexicais será a terminologia utilizada para verbetes não dicionarizados. Serão classificados de neologismos locucionais expressões cujos componentes, separadamente, estão dicionarizados, mas que, juntos, têm um valor semântico novo.

Quanto ao corpus levantado, foi selecionado de modo a ser representativo das classes gramaticais (substantivo: sf - substantivo feminino e sm - substantivo masculino; adjetivo: a; verbo: v) e das composições sintagmáticas (sn – sintagma nominal; sv - sintagma verbal), muito comuns na linguagem do adolescente.

 

I – Neologismos Semânticos

balada – sf

Festa, evento social.

Na hora da balada, o lance é usar uma roupa bem transada e confortável. (Todateen, Julho/2001, p.55)

descolado – a

Pessoa que sabe como agir em qualquer situação.

Gosto de menina descolada, independente.(Todateen, Julho/2001, p.21)

farpar – v

Estar se relacionando com alguém sem compromisso e por um curtíssimo período, o mesmo que estar ficando com alguém.

Hoje não é legal namorar certinho. O lance é ficar farpando, sem compromisso sério. (Capricho,Setembro/2001, p.40)

Obs.: Note-se a associação de “farpar com a idéia de "arame farpado", que agarra o que passa por ele.

ficar – v

Ter uma relação amorosa sem compromisso cuja duração pode ser apenas de algumas horas ou uma noite.

Hoje em dia namoro firme depois que os adolescentes ficam várias vezes para testar se vale a pena. (Capricho, Outubro/2001, p.23)

irado – a

Algo ou alguém muito interessante.

Vai ser um show irado, muito bom, com certeza. (Todateen, Agosto/2001, p.16)

Obs.: É importante notarmos que o adjetivo irado, que significa uma pessoa com ira, teve seu campo semântico ampliado pelos adolescentes.

kiwi – a

Um adjetivo usado pejorativamente para caracterizar rapazes fortes, musculosos que são homossexuais: “fortão por fora mas frutinha por dentro”.

me chamaram de kiwi, que é forte e rude por fora e frutinha por dentro, mas eu não ligo. Me sinto bem assim. (Capricho, Novembro/2002, p. 13)

péla – a

Pessoa inconveniente. Redução da expressão “péla-saco”, que significa uma pessoa inconveniente, chata.

Não agüento mais meu namorado. Ele é o maior péla. (Todateen, Abril/2002, p.15)

Quanto aos vocábulos antenado (adjetivo), barraco (substantivo), caraca (interjeição), desencanar (verbo), encanar (verbo), malhado (adjetivo), pegação (substantivo), rolo (substantivo), vazar (verbo) é preciso fazer uma observação. Eles não apareciam com os significados dados pelos adolescentes, no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, de 1986. No entanto, estão registrados nos dicionários Aurélio Século XXI ou Houaiss com os significados atuais usados na linguagem dos adolescentes. Portanto, deixaram de ser neologismos semânticos e fazem parte do léxico da língua portuguesa.

 

II – Neologismos Lexicais

baladeiro – a

Pessoa que gosta muito de ir a festas.

Mariana é muito baladeira; não perde uma balada por nada desse mundo. (Capricho, Novembro/2002, p.13)

Obs.: Nesse caso, a partir de um neologismo semântico (balada), houve uma derivação sufixal, o que caracteriza um neologismo lexical.

ficada – sf

Ato de namorar alguém por um tempo muito curto.

Você é do tipo que começa com uma ficada e depois namora sério? (Capricho, Julho/2001, p.15)

ficante – s

A pessoa com a qual se fica. Tanto pode ser do sexo masculino quanto feminino.

Se o seu ficante não gostar do comprimento da sua saia, tenha uma conversa séria. Ele quer continuar ficando ou quer namorar com você? (Capricho, Abril/2002, p.23)

Obs.: É curioso observar que do verbo ficar, que na linguagem do adolescente teve o seu significado ampliado, surgiram os substantivos ficada e ficante (derivação sufixal). Quanto ao último, por derivação prefixal, encontramos ex-ficante.

Não para freqüentar os mesmos points da sua ex-ficante. Assim é queimação de filme. (Revista da MTV, Novembro/2001, p. 31)

finde – sm

Fim de semana.

Praia realmente é o melhor programa para se fazer no finde. É show um domingo de sol. (Capricho, Dezembro/2001, p. 28)

Obs.: Vocábulo usado também em colunas sociais de jornais (p.ex.: O Globo Coluna da Hildegard Angel , Segundo Caderno)

Advinha quem chega para o finde no Rio? Ela mesma, a toda poderosa Hebe Camargo. (O Globo, Segundo Caderno, Fevereiro/2001, p.3)

Obs.: De acordo com Ieda Maria Alves, em Neologismo, criação lexical, a formação fim de semana > finde, seria um exemplo de truncação (processo pelo qual há uma abreviação em que uma parte da seqüência lexical, na maioria das vezes a última, é eliminada).

plugado – a

Pessoa que sabe tudo o que está acontecendo no mundo.

Tati é muito plugada, não vive sem TV paga, jornal e adora fuçar as novidades sobre o mundo na internet. (Capricho, Novembro/2002, p. 13)

seqüelado – a

Derivado de seqüela. Aquele que sofreu conseqüência de uma seqüela.

A maioria desses caras são seqüelados. Não é possível gostar de pagode e freqüentar roda de samba, cara. (Todateen, Agosto/2002, p. 34)

seqüelar – v

Causar seqüelas.

Sei não, estudar demais pode seqüelar qualquer um. Depois não tem mais volta. (Todateen, Outubro/2002, p. 25)

xavecar – v

O mesmo que se aproximar de alguém com o objetivo de tentar namorar.

Uma vez dois caras nos xavecaram numa viagem. Eles pensavam que éramos amigas. Quando descobriram que éramos mãe e filha, mudaram de postura e se tornaram apenas amigos. (Capricho, Novembro/2002, p. 50)

 

III – Neologismos Locucionais

cara on-line – sn

Adolescente do sexo masculino inteligente, que conhece todas as novidades e informações do momento.

Esse é um cara inteligente, um cara on-line, antenado a tudo o que acontece. (Todateen, Julho/2001, p. 30)

Obs.: Podemos notar nessa locução um empréstimo da linguagem da informática.

cara siamês – sn

Adolescente do sexo masculino que se veste com a roupa da moda e adora freqüentar lugares da moda.

O tipo ideal para você é o cara siamês, todo arrumadinho, antenado à moda, bem fashion. (Todateen, Julho/2001, p.25)

estar à pampa - sv

Estar muito bem disposto, com muita energia.

Para ir pra night tem que estar à pampa, disposto a encarar qualquer parada. (Capricho, Maio/2002, p.20)

estar no suco – sv

Estar bem fisicamente, devido à prática de uma atividade física.

Gosto quando as garotas me olham e elogiam meu corpo. Eu sei que é sincero porque eu tô no suco. (Atrevida, Maio/ 2002, p.56)

Obs.: Talvez essa expressão tenha surgido pelo fato de nas academias de ginástica ser comum beber sucos energéticos antes de se exercitar.

estar.com.br - sv [pronuncia-se “estar ponto com ponto be-erre”]

Estar informado sobre tudo o que acontece. O mesmo que antenado.

Estou sempre .com.br. Nada me escapa na night e nas baladas.(Capricho,Maio/2002,p. 21)

Obs.: Nessa expressão, notamos claramente a influência da informática na vida do adolescente, refletida na sua linguagem. A representação gráfica se vale do sinal de pontuação com valor semântico (não-gráfico).

fazer o filme – sv

Fazer bonito; o contrário de “pagar mico”.

Em vez de pagação de mico, acham que ter uma mãe baladeira faz o filme. (Capricho, Novembro/2002, p. 49)

jogar um xaveco – sv

Paquerar, flertar, conquistar.

Paquero no shopping. Tem bastante menina bonita e eu me sinto mais à vontade para me aproximar e jogar um xaveco.(Atrevida, Maio/2002, p. 52)

ralar peito - sv

Ir embora, desistir.

Se o gato não te bola, o jeito é ralar peito e partir para outra, sem crise. (Capricho, Novembro/2002, p.20)

 

CONCLUSÃO

Diante do exposto, podemos observar que o estudo do léxico nos mostra como o falante pode ser criativo a partir dos recursos oferecidos por uma língua. Essa criatividade é acentuada quando o falante é um adolescente, cheio de questionamentos, irreverência e descobertas.

A adolescência somada ao ritmo imprevisível e acelerado da sociedade contemporânea faz com que a atividade lingüística de criação e ampliação dos significados dos vocábulos fique mais intensa, tornando mais rápido o processo de neologia. Desse modo, podemos afirmar que é no léxico de uma língua que são refletidas mais claramente as mudanças psicológicas e socioculturais de uma comunidade lingüística.

Os exemplos mencionados mostram que um estudo acerca da riqueza destas formações de vocábulos, retratando esta fase especial de nossas vidas, pode servir como fonte para outros trabalhos sobre a língua portuguesa e dará conta da descrição de um tipo de linguagem que, diferente do que se costuma apregoar, muito tem de originalidade e riqueza.

 

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